Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1950/07.9TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DETERMINAÇÃO DO VALOR
Data do Acordão: 11/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA – 2ª JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 483º, 496º, 562º, 564º E 566º DO C. CIVIL.
Sumário: I – No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.

II A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.

III - Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.

IV - A Portaria n.º 377/2008, de 26/05 - alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06 -, fixa critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, não tendo carácter vinculativo para os Tribunais e, por isso, na determinação da indemnização o juiz deverá ter apenas esse diploma como base de trabalho, até para que se consigam fixar valores indemnizatórios com alguma proporcionalidade e igualdade.

V – Não existem, entre nós, regras precisas destinadas à fixação do montante de indemnização pelo dano futuro, no caso de incapacidade permanente para o trabalho de vítimas de acidentes de viação. O seu cálculo obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão, sempre pouco segura, de dados verificáveis no futuro.

VI - Estes danos devem ser calculados de acordo com critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que no caso concreto pode vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal. Se mesmo assim, não for possível apurar-se o seu valor exacto, deverá o Tribunal julgar segundo a equidade, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 566.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

Não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal de Alcobaça, a autora, J… e o Fundo de Garantia Automóvel interpuseram os competentes recursos de apelação.

Eis o resumo da acção:

J…, residente em …, demanda: 1. A…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede ...; 2. B…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede; (Intervenientes Principais) 3. E…, residente ...; 4. F…, residente ...; 5. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede …; e 6. L…, residente ...

Pede a condenação solidária das RR. a pagar-lhe a quantia de €88.717,12, acrescida de juros vincendos desde à taxa legal até integral pagamento e a indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior por via de ampliação do pedido ou outro incidente de liquidação.

Alega, em síntese, que em determinado momento e local ocorreu um acidente entre o motociclo de matrícula …-…-VP conduzido por F…, pertencente a E…, onde a A. seguia como pendura, e a viatura de matrícula …-…-AP, conduzida por V… e propriedade de R…, cuja responsabilidade atribui a ambos com maior proporção ao primeiro por circular em excesso de velocidade e fazer ultrapassagem e em menor proporção ao segundo por ter feito mudança de direcção sem reparar no motociclo, causando na A. diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, que elenca do seguinte modo: €5.700,00 que deixou de auferir durante os meses em que se encontrou impedida de realizar a sua actividade profissional; €65.000,00 relativa a danos futuros decorrentes da incapacidade parcial permanente de que ficou a padecer; €22.500,00 relativa a danos não patrimoniais; €610,00 relativa a vestuário, calçado e telemóvel; €350,00 em despesas médicas e medicamentosas; €250,00 em despesas com transportes; €7,12 pela certidão de participação de acidente; €400,00 para pagamento de explicações.

Alegou ainda a existência de danos decorrentes da circunstância da A. ter ainda de se submeter a cirurgia, tratamentos e outras despesas, que não é possível agora quantificar, a relegar para liquidação ulterior.

Alegou, ainda, que cada uma das referidas viaturas havia transferido a responsabilidade para seguradora, sendo a primeira através de certificado provisório para a A…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e a segunda através de apólice para a B…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A..

A R. B… invocou a prescrição do direito da A., apresentou a sua versão dos factos, imputa a responsabilidade ao condutor do motociclista e impugna os danos e pede a sua absolvição.

A R. A… invocou que não existe qualquer contrato de seguro relativo ao motociclo, apenas existiu proposta e respectivo certificado provisório, mas não foi celebrado qualquer contrato e o acidente deu-se após o prazo do certificado referido, apresentou a sua versão dos factos e impugna os danos, pede a absolvição, bem como, requer a intervenção acessória de V… (objecto de despacho a fls. 162).

Réplica – A A. respondeu à matéria de excepção apresentada pelas RR. e requereu a intervenção principal provocada de E…, F… e FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL (que foi admitida).

Contestação dos intervenientes:

A Chamada E… invocou a sua ilegitimidade por não ser proprietária do motociclo, a existência de prescrição e pede a sua absolvição.

O Chamado F… apresentou a sua versão dos factos e pede a sua absolvição.

 A A. respondeu à matéria de excepção invocada pelos Chamados E… e F… e requer a intervenção principal de L… (que foi admitida).

O R. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL invocou a prescrição e impugnou a versão do acidente e pede a sua absolvição.

O R. L… invoca a prescrição e a sua versão dos factos relativamente ao contrato de seguro e pede a sua absolvição.

A A. respondeu à matéria de excepção invocada pelos Chamados FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL e L….

Foi elaborado despacho saneador, onde se julgou procedente a invocada ilegitimidade da Chamada E… e se absolveu a mesma da instância, bem como, julgou-se improcedente a invocada prescrição.

O Tribunal da 1.ª instância – pela pena do Sr. Juiz do Círculo – proferiu a seguinte decisão:

“1. Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência,

2. Condeno os RR. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, F… e L… a pagar solidariamente à A. J… a quantia de €56.150,80 (cinquenta e seis mil, cento e cinquenta euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a data da presente sentença, à taxa legal e até integral pagamento.

3. Condenar os RR. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, F… e L… a pagar solidariamente à A. J… as despesas que se vierem a liquidar com a nova intervenção cirúrgica à perna esquerda da Autora a fim de retirar o material de osteossintese aí colocado.

4. Absolvo os RR. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, F… e L… do restante pedido.

5. Absolvo os RR. A…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e B…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. de todos os pedidos.

6. Custas devidas pela A. e pelos RR. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, F… e L…, na proporção do decaimento que desde já se fixa em 2/5 a cargo da Autora e de 3/5 a cargo dos RR., encontrando-se o R. FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL isento do seu pagamento.

2. Factos Provados

...

3.O Objecto da instância de recurso

Nos termos do art. 684°, n°3 e 690º, n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações dos recorrentes, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2 do art. 669°, do mesmo Código.

A autora J… apresenta as seguintes ALEGAÇÕES:

O FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL apresenta, também, as suas ALEGAÇÕES, dizendo que o presente recurso reporta-se ao quantum indemnizatório fixado na douta decisão e à não dedução da franquia legal a que alude o art.º 21 Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro.

Assim: 1. O quantum indemnizatório fixado na douta decisão €5.550,00 – as perdas salariais da Autora, decorrentes da ITA – Incapacidade Temporária Absoluta par o trabalho, mostram-se adequadamente fixados.

Encontra-se em vigor a Portaria 377/2008, de 26/05, já atualizada pela Portaria 679/2009 de 25/06, que fixa critérios e valores orientadores para a fixação do quantum indemnizatório, com o intuito de uniformizar os mesmos.

Da sua aplicação resultam valores bem diferentes dos sentenciados, a saber:€1.641,60 – decorrentes do Quantum Doloris. €4.104,00 – pelo dano estético. €10.218,96 – a título de Dano Biológico.

Os danos não patrimoniais sofridos pela Autora consubstanciam um dano indemnizável. Contudo, atentos os danos provados, não podem justificar indemnização de €22.500,00.

O Anexo IV da Portaria 679/2009, referente ao Dano Biológico, aponta o critério orientador de que resultam os €10.218,96 que aqui se defendem.

Do já exposto resulta que todos os danos decorrentes das lesões corporais não deverão sem considerados por valor superior a €22.271,66.

2. A não dedução da franquia legal a que alude o art.º 21º, nº 3 do Decreto-Lei 522/85, de 31 de Dezembro;

No que concerne aos danos materiais: Aceita-se terem o valor de €535,00 – contudo, é certo que não foi deduzida a franquia legal de €299,28 (60.000$00 na letra da lei).

Determinava o artº 21º, nº 3 do Decreto-Lei 522/85, em vigor à data dos factos, que “haverá uma franquia de 60.000$00 a deduzir no montante a cargo do Fundo”, reportando-se à alínea b) do nº 2 do mesmo artigo, que se refere a “Lesões materiais, quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido ou eficaz”.

Tal dedução opera ope legis, devendo ser efetuada no valor a liquidar pelo FGA.

Contudo, a dedução da franquia legal não foi mencionada na decisão, por omissão da norma aplicável, o que parece não ser mais do que manifesto lapso que se requer seja colmatado.

Assim, a indemnização, nesta parte, não poderá exceder os €235,72 (€535,00 - €299,28).

CONCLUSÕES:

..

4. O Direito

1.Parcela indemnizatória atribuída à Autora, na sua vertente de danos não patrimoniais:

Como é sabido, a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

A indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, por isso que, não pode ser miserabilista, mas significativa - apontamos, apenas, os Acórdãos do STJ de 25.06.02 e de 12.03.09, retirados do site www.dgsi.pt.

No seu cálculo intervém, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida - Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição, pág. 449:

“Pretende-se encontrar aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real - a justiça ajustada às circunstâncias -, em oposição à justiça meramente formal … a equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio” - Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, pág. 103,105.

Para as circunstâncias do caso hão-de relevar a natureza e o grau das lesões, as suas sequelas - físicas e psíquicas -, os tratamentos médicos, mormente intervenções cirúrgicas, os internamentos, o tempo de doença, o “quantum doloris”, a afirmação social, a alegria de viver, a auto estima, a idade, a esperança de vida e perspectivas de futuro; podemos ler estes ensinamentos no Acórdão do STJ de 02.10.2007, retirado da CJ do STJ, Ano XV, Tomo III, página 68.

Adiantamos, ainda, que este cálculo não obedece a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.

Também somos do entendimento que na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida – neste preciso sentido, o acórdão desta Relação de 1.2.2012, retirado do site www.dgsi.pt.

A Autora pedia a indemnização de €22.500,00 a título de danos não patrimoniais e o Tribunal da 1.ª instância fixou-lhe esse valor.

A este propósito ficou provado de relevante que:

Diz o Sr. Juiz do Tribunal de Alcobaça que “levando em conta as circunstâncias em que ocorreu o acidente, as lesões sofridas, a sujeição a cirurgias, a aplicação de material de osteossíntese, as cicatrizes, os internamentos, a imobilização, as dores, os esforços e incómodos, o período de tempo que a Autora permaneceu no Hospital, o comportamento triste e apático, a perda de auto-estima, e por ter andado 19 meses de muletas, considero adequada a quantia pedida de €22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros) para compensar tais danos não patrimoniais”.

Considerou bem. De facto, nesta decisão ponderou o que havia a ponderar, nomeadamente a culpa do condutor, as circunstâncias em que ocorreu o acidente, as lesões sofridas, a sujeição a cirurgias, a aplicação de material de osteossíntese, as cicatrizes, os internamentos, a imobilização, as dores, os esforços e incómodos, o período de tempo que a Autora permaneceu no Hospital, o comportamento triste e apático, a perda de auto - estima, e por ter andado 19 meses de muletas.

Usou, criteriosamente a equidade. Por isso, mantemos o decidido.

Por outro lado, a Portaria n.º 377/2008, de 26/05 - alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06 -, fixa critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, não tendo carácter vinculativo para os Tribunais e, por isso, na determinação da indemnização o juiz deverá ter, apenas, esse diploma como base de trabalho, até para que, se consigam fixar valores indemnizatórios com alguma proporcionalidade e igualdade nas muitas decisões proferidas pelos tribunais portugueses.

2.Parcela indemnizatória atribuída à Autora, na sua vertente de danos futuros:

Como todos já sabemos, o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado (dano emergente) e benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante), incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, ao abrigo do disposto no art. 564.º do Código Civil.

Neste particular – no âmbito desta instância de recurso - a A. pede a quantia de €40.000,00.

Para fundamentar este pedido, a Autora invocou ter ficado a padecer de uma incapacidade parcial permanente de 10%, continuar a estudar, actualmente na Universidade, frequentando o curso de psicologia, salientando, entre diversa Jurisprudência citada, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/10/1997, o qual, refere que “o facto de o lesado não exercer, à data da lesão, profissão determinada, não afasta a existência de danos patrimonial ressarcível (um dano futuro), havendo apenas que provar a sua previsibilidade, isto é, deve recorrer-se à equidade sem ter de se esperar pela conclusão do curso”.

A Autora alegou ainda que pretende exercer a actividade profissional de psicóloga, cujo vencimento que terá não será inferior a €1.200,00 mensais, no início de carreira, que se pode fixar aos 26 anos de idade.

O Sr. Juiz da 1.ª instância fixou-lhe a quantia global de €33.650,80, correspondente a €5.550,00 + €535,00 + € 507,10 + € 250,00 e €26.808,70 correspondentes à perda da capacidade de ganho.

Para o efeito, escreveu:”…há que ter em conta os chamados danos futuros (que também são lucros cessantes) a que se refere o disposto no n.º 2 do art. 564.º do Código Civil, de acordo com o qual, “pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis”.

Para estabelecer o montante de indemnização pelos danos futuros correspondentes à perda de capacidade de ganho foram utilizados diversos critérios com o objectivo de tornar o mais possível justas, actuais, e minimamente discrepantes as respectivas indemnizações.

Não existem, entre nós, regras precisas destinadas à fixação do montante de indemnização pelo dano futuro no caso de incapacidade permanente para o trabalho, de vítimas de acidentes de viação. O seu cálculo obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica a previsão, sempre pouco segura, de dados verificáveis no futuro.

Estes danos devem ser calculados de acordo com critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que no caso concreto pode vir a acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal. Se mesmo assim, não for possível apurar-se o seu valor exacto, deverá o Tribunal julgar segundo a equidade, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 566.º do Código Civil (Cfr. Vaz Serra, RLJ 112, 329 e 114, 287; Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1987, pág. 114; Ac STJ 10/02/98, CJ, I, 67).

É fundamental partir do princípio que o cálculo da frustração de ganho deverá conduzir a um capital que considere a produção de um rendimento durante todo o tempo de vida activa da vítima, adequado ao que auferiria se não fora a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida.

Em suma, qualquer que seja o critério utilizado é praticamente unânime que, no que concerne aos danos futuros, a indemnização a pagar ao lesado deve produzir o rendimento mensal fixo perdido, mas sem que tal constitua um enriquecimento ilegítimo à custa do lesante.

Contudo, o cálculo destes danos é sempre uma operação delicada, uma vez que obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não tivesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro.

A jurisprudência tem-se debruçado sobre o modo mais equilibrado de encontrar as indemnizações, servindo-se de tabelas ou fórmulas de carácter matemático ou estatístico nem sempre coincidentes, mas todas com vista a prevenir que o arbítrio atingisse proporções irrazoáveis e a conseguir critérios o mais possível conformes com os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/09/2010, relatado por FERREIRA DE ALMEIDA, proc. n.º 797/05.1TBSTS.P1, e de 16/12/2010, relatado por LOPES DO REGO, proc. n.º 270/06.0TBLSD.P1.S, www.dgsi.pt).

No entanto, o recurso a tais fórmulas matemáticas ou de cálculo financeiro para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes não pode substituir o prudente arbítrio do julgador, ou seja, a utilização de critérios de equidade, ao abrigo do disposto no art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil.

Para fixação de tal cálculo tem a jurisprudência utilizado a fórmula matemática adoptada no acórdão do STJ de 5-5-94, in CJSTJ, ano II, Tomo II, pág. 87, que constitui um ponto de partida, como segue:

C = P * { (1/i) - [ (1+i) / ((1+i) ^n * i) ] } + [ P * (1+i) ^ -n ].

Ou seja:

C – será o capital a depositar no ano 1.

P – será a prestação a pagar anualmente.

i – taxa de juro de 3% (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/2012, relatado por JOÃO BERNARDO, processo n.º 220/2001-7.S1, dgsi.pt).

n – o número de anos em que a prestação se manterá.

Para aplicar tal fórmula matemática teríamos de considerar o vencimento da lesada e no caso concreto apenas temos como dados objectivos a idade da lesada (16 anos de idade) e a incapacidade permanente geral de 8%, isto porque à data do acidente, a lesada era estudante e trabalhava em part-time, auferindo €75,00 por cada fim-de-semana e entretanto encontra-se a estudar psicologia.

Ou dito de outro modo, no caso concreto em apreciação a lesada não se encontra a exercer actualmente uma profissão para poder ser feiro o aludido cálculo com base no respectivo vencimento.

Apesar de realizar um trabalho em part-time enquanto estudante, não é possível daí retirar um vencimento mensal, nem é possível recorrer às alternativas previstas no art. 64.º, n.ºs 7, 8 e 9, do DL 291/2007, de 21/08, na redacção dada pelo DL 153/2008, de 06/08.

O número de anos em que a prestação se manterá depende da idade do lesado e da esperança média de vida – em concreto, a Autora tinha 16 anos à data do acidente e a esperança média das mulheres em Portugal, actualmente, é de pelo menos 81 anos (http://www.mundoportugues.org/content/1/2638/anos-esperanca-media-vida-portugal/).

Quanto à previsível perda da capacidade de ganho, perante os factos provados, apenas podemos ter como previsível, pelo menos, que a lesada não pode exercer uma profissão relacionada com a imagem corporal (como manequim ou locutora), atentas as cicatrizes e marcha claudicante.

Uma vez restringido o leque das possibilidades profissionais, a lesada apresenta uma incapacidade permanente geral de 8%, ou seja, caso a lesada venha a exercer uma qualquer profissão em geral.

Apesar de estudar psicologia não é igualmente certo que a lesada consiga obter colocação nessa área e ser obrigada a procurar emprego noutra área de actividade.

No entanto, considerando a sua formação, é previsível que venha a ser colocada nesta área de actividade, caso em que, nesta sede, para além da incapacidade permanente geral de 8%, a Autora necessitará de esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional.

Para além dos demais factos provados, destaca-se que o prejuízo de afirmação pessoal é fixável no grau 2 em 5.

Deste modo, partindo sempre de dados objectivos é previsível que a Autora venha a exercer uma profissão com o salário médio de €894,00 (salário médio em Portugal, artigo de 15/02/2012, disponível em http://www.cmjornal.xl.pt/noticia.aspx?contentid=E712FCB3-734F-4297-A3C3-B173673935A4&channelid=00000181-0000-0000-0000-000000000181).

Com efeito, para além da referida incapacidade restringir o leque de possibilidades profissionais da Autora, é mais equilibrado, objectivo e previsível considerar o salário médio em Portugal que a Autora, em geral, pode vir a obter.

Com base neste salário médio previsível de €894,00 (e não com base no salário de €1.500,00 alegado pela Autora, sem qualquer comprovação factual ou estatística) já é possível a utilização da fórmula matemática acima descrita, ou seja:

- Idade da lesada: 16 anos à data do acidente.

- Anos de vida activa: 55 anos (contados a partir dos 26 anos de idade da Autora e até aos 81 anos de esperança média de vida para as mulheres em Portugal – cfr. acima mencionado)

- Incapacidade permanente geral: 8%.

- Rendimento anual: €894,00 x 14 meses = €12.516,00.

- Capital a depositar anualmente: €12.516,00 x 8% = €1.001,28 ou Esc.200.738$61.

Aplicando a fórmula:

P ----------- > 200738,61

I ----------- > 0,03

N ----------- > 55

1/i 33,33333333

1+i 1,03

(1+i)^n 5,082148592

(1+i)^n*i 0,152464458

(1+i)^-n 0,196767171

C ----------- > 5.374.661 Esc. 26.808,70 Euros

Assim, o valor da indemnização será de 5.374.661 Esc. 26.808,70 Euros

Deste modo, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.º 494.º C. Civil, ou seja, o grau de culpabilidade total do agente e as demais circunstâncias do caso, considerando o grau de incapacidade e as limitações da lesada, consideramos equilibrado e adequada uma indemnização pelos danos futuros da Autora, na quantia de €26.808,70”- fim de citação.

Ponderado o exposto e nomeadamente o tipo de sequelas, com óbvio reflexo no dia-a-dia da demandante, concluímos que as indemnizações arbitradas alcançaram o ponto de equilíbrio a que acima se aludiu, e não representam uma afronta ostensiva às regras da boa prudência devendo, por consequência, ser mantidas.

Apenas acrescentamos – e este é seguramente um facto notório – que devido à grave crise económica que o país atravessa e que seguramente se irá prolongar no tempo, os salários estão em redução acelerada, existindo já, ofertas de emprego para licenciados a roçar o valor do salário mínimo nacional.

Improcede, pois, a pretensão dos recorrentes de verem aumentada/reduzida as indemnizações sabiamente arbitradas pelo juiz do Círculo de Alcobaça.

3. Quanto aos juros de mora:

Neste particular, diz o Sr. Juiz que, tratando-se de obrigação pecuniária, tem a A. ainda direito aos juros legais, contados desde a data da presente sentença (cfr. interpretação do disposto no art. 805.º, n.º 3, Código Civil, dada pela Jurisprudência n.º 4/2002, de 09/05/2002, publicado no DR. N.º 164, I-A, de 27/06/2002), à taxa legal e até integral pagamento.

Ou seja, o julgador fez a actualização dos valores indemnizatórios à data da sua decisão.

O S.T.J. - Acórdão n.º 4/2002, de 09/05/2002  - uniformizou jurisprudência no sentido de os juros de mora serem devidos a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação sempre que a indemnização por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado – “ sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigo 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente) e, 806º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação -”.

Assim sendo, mantemos também o decidido pela 1.ª instância

4.A questão da franquia:

Nos termos do art.º 21.º, n.º 1 do DL 522/85, de 31.12, compete ao Fundo de Garantia Automóvel satisfazer as indemnizações decorrentes de acidentes causados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório e que sejam matriculados em Portugal. E segundo dispõe o n.º 2, alíneas a) e b) do mesmo artigo o Fundo garante, em caso de acidente originado pelos veículos referidos no número anterior, a satisfação da indemnização por morte e lesões corporais quando o responsável, mesmo que desconhecido não beneficie de seguro válido e eficaz e por lesões materiais, neste apenas quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz.

E, segundo o n.º 3 desse preceito – em vigor à data dos factos -, há que atender-se a que haverá que descontar na indemnização a pagar pelo Fundo de Garantia Automóvel à franquia legal de €299,28 – nesse tempo, 60.000$00.

Como refere o recorrente Fundo de Garantia tal dedução opera “ope legis” devendo ser efectuada no valor a entregar pelo Fundo.

Estando demonstrados os factos plasmados no n.º 2 do artigo 21.º esta dedução decorre da lei, não sendo necessário o pronunciamento judicial.

No entanto, sempre o fizemos, a melhor forma de evitar dúvidas será referi-lo na decisão.

Nestes termos, na improcedência dos recursos, mantemos a decisão proferida pelo Tribunal de Alcobaça.

Passemos ao sumário:

 I. A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista, não obedecendo o seu cálculo a uma qualquer fórmula matemática, podendo por isso, variar de acordo com a sensibilidade do julgador ao caso da vida que as partes lhe apresentam.

II. A Portaria n.º 377/2008, de 26/05 - alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25/06 -, fixando critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, não tem carácter vinculativo para os Tribunais e, por isso, na determinação da indemnização o juiz deverá ter, apenas, esse diploma como base de trabalho, até para que, se consigam fixar valores indemnizatórios com alguma proporcionalidade e igualdade nas muitas decisões proferidas pelos tribunais portugueses.

III. Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida.

5. A Decisão

Pelas razões expostas, nega-se provimento aos recursos interpostos, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, considerando-se a isenção do réu Fundo de Garantia Automóvel.

José Avelino (Relator)

Regina Rosa

Artur Dias