Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
477/11.8TBACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
CONVENÇÃO ARBITRAL
PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
UNIÃO DE CONTRATOS
PACTO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA
EXTENSÃO DE COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 12/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 209 CRP, 96, 493, 494, 495, 1525 CPC, LEI Nº 31/86 DE 29/8, DL Nº 38/2003 DE 8/3, LEI Nº 63/2011 DE 14/12
Sumário: I - Apesar da revogação da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, pelo artigo 5.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, e da aplicação imediata da lei nova aos processos que dêem entrada após a sua vigência, a mesma não prejudica o direito ao recurso que as partes tinham possibilidade de exercer aquando da convenção de arbitragem celebrada antes da sua entrada em vigor, em decorrência, aliás, dos princípios gerais relativos à aplicação das leis no tempo consagrados no artigo 12.º do Código Civil.

II - Em face do disposto no artigo 21.º, n.º 1, da LAV, incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal efeito os pressupostos que a condicionam, e podendo fazê-lo mesmo que as partes tenham invocado a nulidade do contrato onde se insere a convenção de arbitragem.

III - Atento o efeito negativo da convenção de arbitragem, - agora inclusivamente consagrado no artigo 5.º da LAV ora em vigor -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição comum, quando seja manifesto que se está perante convenção de arbitragem inexistente, nula, ineficaz, ou inexequível.

IV - A manifesta inexistência, nulidade, ineficácia original ou superveniente ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada.

V - Impondo a causa de pedir e o pedido formulado no processo judicial a apreciação de três contratos, e existindo convenção de arbitragem apenas num deles, para aquilatar se a competência do tribunal arbitral se pode ou não estender aos demais, importa determinar casuisticamente qual foi a vontade das partes nesta matéria.

VI - A existência de partes distintas nos contratos e de pactos de atribuição de competência nos demais contratos, afasta a possibilidade de se concluir que a intenção das partes foi estender a competência do tribunal arbitral constante da cláusula compromissória dum deles, à apreciação de todos os litígios decorrentes dos mesmos.

VII - Tratando-se de contratos que estão entre si numa relação de interdependência se for declarada a nulidade de qualquer um deles, tal repercutir-se-á, inevitavelmente, e em face da vontade das partes, em cada um dos outros contratos, razão pela qual, não faz qualquer sentido que se remeta para apreciação pelo tribunal arbitral o único dos três contratos em que existe cláusula compromissória, quando uns estão dependentes dos outros.

VIII - Ao invés, atento o disposto no artigo 96.º, n.º 1, do CPC, sendo o tribunal judicial competente em razão da matéria para conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes nos presentes autos, e existindo uma união de contratos bilateralmente dependentes, será também o mesmo competente para conhecimento das questões relativas ao único dos três contratos cujos litígios as partes haviam acordado submeter ao tribunal arbitral, por via da extensão de competência prevista no citado preceito legal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

1. S (...), LDA., com sede (…) Caldas da Rainha, AV (…) residente (…) Coimbra, e MJ (…) residente (…), Coimbra, instauraram em 24-10-2011 a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra A (…), S.A., com sede (…) Alcanena, I (…), S.A., com sede (…) Alcanena, e R (…) S.A., com sede (…) Alcanena, pedindo que a presente acção seja julgada integralmente procedente, por provada, e, em consequência, seja proferida Sentença que:

a. Declare nulos na sua totalidade, por violação do dever de comunicação e de informação, o Contrato de Adesão, o Contrato de Uso de Insígnia e o Contrato de Arrendamento;

b. Declare nula a Cláusula 64.ª, n.ºs 1, 2 e 3 do Contrato de Arrendamento, por violar norma legal imperativa, por violar as Cláusulas Contratuais Gerais, por ter objecto indeterminado e indeterminável, por ser atentatória da ordem pública e por encerrar uma prática abusiva por parte das RR. da dependência económica da 1.ª A.;

c. Declare nula a fiança inscrita manualmente e assinada pelos 2.º e 3.ª AA., na qualidade de fiadores da 1.ª A., no final (pág. 57) do Contrato de Uso de Insígnia;

d. Declare a nulidade do acervo contratual com fundamento na conduta de abusiva dependência económica dos AA. perpetrada pelas RR.;

e. Declare a nulidade dos Artigos 1.7, 1.9, 3.2, 3.4 do Capítulo I da “Carta Deontológica” que introduz o Contrato de Adesão, dos Artigos 4.1.3, 4.1.4, 8.1.1 e 8.2.c. do Capítulo II da “Carta Deontológica” e da Cláusula 9.2 do Contrato de Uso de Insígnia, em virtude de terem por objecto directo ou indirecto a fixação e uniformização de preços de revenda;

f. Declare ilícita, por infundada, a resolução contratual operada pelas RR.;

g. Condene solidariamente as RR. a devolver à 1.ª A. a quantia de € 20.812,54 indevidamente liquidada pela 1.ª A. através de notas de débito de 21 e 27.11.2008;

h. Condene solidariamente as RR. a devolver à 1.ª A. a quantia de € 26.700,14 referente a um acréscimo injustificado de facturação de energia entre Maio de 2005 e Dezembro de 2009;

i. Condene solidariamente as RR. a creditar à 1.ª A. os valores debitados em excesso referentes aos custos comuns de electricidade ou a aplicação de tarifas horárias mais favoráveis inerentes aos consumos da 1.ª A., a apurar em liquidação de Sentença;

j. Condene solidariamente as RR. a liquidar à 1.ª A. a quantia de € 117.430,41 (cento e dezassete mil quatrocentos e trinta euros e quarenta e um cêntimos), a título de indemnização pelos prejuízos sofridos na sequência da exigência de pagamento de mercadorias contra entrega, entre Abril de 2010 e Dezembro de 2010, acrescido de juros de mora que se vencerem às supletivas taxas de juros comerciais legais, desde a data da citação das RR. e até integral e efectivo pagamento;

k. Condene solidariamente as RR. a liquidar à 1.ª A. uma indemnização diária de € 427,02 pelo prejuízo adveniente da exigência de pagamento de mercadorias contra entrega desde 01.01.2011 e até serem retomados os procedimentos normais de entrega e prazo de cobrança dos fornecimentos, a qual, em 31.10.2011, se estima ascender a montante não inferior a € 129.813,98 (cento e vinte e nove mil oitocentos e treze euros e noventa e oito cêntimos), a que acrescerão os juros de mora que se vencerem às supletivas taxas de juros comerciais legais, desde a citação das RR. e até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo da liquidação que no momento e sede própria se fará;

l. Condene solidariamente as RR. na anulação e crédito à 1.ª A. da totalidade dos montantes debitados pela 2.ª R. e pela UDM desde Abril de 2010 a título de remuneração pela franquia concedida pelo uso da insígnia INTERMARCHÉ, livre de impostos, ao abrigo da Cláusula 3.ª, n.ºs 1 e 2 do Contrato de Uso de Insígnia, os quais em 31.08.2011 ascendiam a € 29.974,82 (vinte e nove mil novecentos e setenta e quatro euros e oitenta e dois cêntimos) no caso da 2.ª R. e a € 1.498,75 (mil quatrocentos e noventa e oito euros e setenta e cinco cêntimos) no caso da UDM, a que acrescem juros de mora que se vencerem às supletivas taxas de juros comerciais legais, desde a data de citação das RR. e até integral e efectivo pagamento;

m. Condene solidariamente as RR. na anulação e crédito à 1.ª A. de quaisquer montantes que lhe debitem a título de remuneração pela franquia concedida pelo uso da insígnia INTERMARCHÉ até que seja reposto o aprovisionamento em condições normais de pagamento, a serem liquidados no momento e sede próprios, a que acrescerão juros de mora que se vencerem às supletivas taxas de juros comerciais legais, desde a liquidação até integral e efectivo pagamento;

n. Condene solidariamente as RR. a liquidar à 1.ª A. a quantia de € 1.177.786,00 (um milhão cento e setenta e sete mil setecentos e oitenta e seis euros), a título de indemnização por perda de margem bruta média por força da deficiência do parque de estacionamento até Dezembro de 2010, a que acrescem juros de mora que se vencerem às supletivas taxas de juros comerciais legais, desde a citação das RR. e até integral e efectivo pagamento;

o. Condene solidariamente as RR. a liquidar à 1.ª A. uma indemnização diária de € 471,30 correspondente à perda de margem bruta que se verificar na loja da 1.ª A. a partir de 01.01.2011 e até à conclusão das obras de reparação já identificadas, projectadas e orçamentadas, a qual, em 31.10.2011, se estima ascender a montante não inferior a € 143.276,10 (cento e quarenta e três mil duzentos e setenta e seis euros e dez cêntimos), a que acrescerão os juros de mora que se vencerem às supletivas taxas de juros comerciais legais, desde a citação das RR. e até integral e efectivo pagamento, sem prejuízo da liquidação que no momento e sede própria se fará;

p. Condene solidariamente as RR. a realizarem as obras de reparação do parque de estacionamento já identificadas, projectadas e orçamentadas;

q. Condene solidariamente as RR. a liquidar à 1.ª A. a quantia de € 562.538,73 (quinhentos e sessenta e dois mil, quinhentos e trinta e oito euros e setenta e três cêntimos) a título de rendas pagas em excesso e encargos financeiros correspondentes calculados até 31.10.2011, acrescido de juros de mora que se vencerem às supletivas taxas de juros comerciais legais, desde a citação das RR. e até integral e efectivo pagamento;

r. Condene solidariamente as RR. a liquidar à 1.ª A o valor a apurar em liquidação de Sentença correspondente aos custos financeiros suportados decorrentes da descapitalização desta por força das práticas abusivas anteriormente referidas;

s. Determine a compensação entre os acima descritos créditos e indemnizações reclamados pela 1.ª A. às RR. e o crédito global que a 2.ª e 3.ª RR. detém sobre a 1.ª A. e de que esta se reconhece devedora, no montante de € 447.692,05 (quatrocentos e quarenta e sete mil seiscentos e noventa e dois euros e cinco cêntimos);

t. Condene solidariamente as RR. a liquidar aos 2.º e 3.º AA. a quantia de € 900.000,00 (novecentos mil euros), a título de indemnização pela perda de valor do investimento efectuado pelos 2.º e 3.ª AA. na 1.ª A., acrescida de juros de mora que à taxa comercial supletiva legal se vencerem desde a citação até integral e efectivo pagamento.

u. Condene solidariamente as RR. a liquidar aos 2.º e 3.ª AA. a quantia de € 42.291,67 (quarenta e dois mil duzentos e noventa e um euros e sessenta e sete cêntimos), a título de remuneração pelos suprimentos por eles realizados, acrescida de juros de mora que à taxa comercial supletiva legal se vencerem desde a citação até integral e efectivo pagamento;

v. Condene solidariamente as RR. em custas, procuradoria condigna e o que mais for de lei».

Em fundamento, alegaram as razões de facto e de direito que sintetizaram no índice constante das páginas 5 a 7 das 155 em que expuseram a respectiva pretensão, e que nos dispensamos de aqui reproduzir, uma vez que seria tarefa inútil em face das questões que cumpre apreciar no presente recurso.

2. Contestaram as RR., por excepção e por impugnação, nos termos que também sumariaram nas páginas 1 e 2 das 128 que constituem a sua peça processual, a qual terminaram pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções dilatórias invocadas e as RR. absolvidas da instância; ou, quando assim se não entender, a acção seja julgada totalmente improcedente e as RR. absolvidas do pedido, com as legais consequências.

Para sustentarem as excepções deduzidas na parte que importa ao presente recurso, invocaram que:

«a) Cláusula compromissória

4. Estabelece o nº 1 da cláusula 19.ª (Arbitragem) do Contrato de Uso de Insígnia (doc. nº 4 da p.i.): “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os litígios emergentes do presente contrato serão dirimidos por recurso a arbitragem voluntária”

5. E o nº 2 da mesma cláusula dispõe:

“Fica porém reservada à jurisdição dos tribunais comuns a apreciação dos litígios decorrentes de incumprimento contratual definitivo que tenha importado a resolução do contrato por qualquer das partes.”

6. Por conseguinte, porque não se verifica incumprimento contratual definitivo que tenha importado a resolução do contrato, tem plena aplicação a citada cláusula compromissória.

7. Na verdade, como os AA. alegam no art.º 441.º da p.i., apenas houve a declaração de resolução do contrato de arrendamento (cfr. doc. nº 29.º da p.i.).

8. Em nada tendo sido afectado os contratos de Adesão e de Uso de Insígnia.

9. Nem, como, aliás, se pode ver do alegado no art.º 14.º da p.i., a resolução do contrato de arrendamento importa a extinção dos contratos de Adesão e de Uso de Insígnia.

10. Pelo que se verifica incompetência do tribunal judicial,

11. Que dá lugar à excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, que importa a absolvição da instância (art.º 4.º e 3.º, n.º 2 e 494.º al. f) do CPC.

12. Sendo, ainda, certo que o contrato de arrendamento e o Contrato de Adesão contêm cláusulas atributivas de jurisdição ao foro de Lisboa, como a seguir se referirá.

b) Cláusulas atributivas de jurisdição

13. Para além da citada cláusula compromissória, a cláusula 73.º do contrato de arrendamento (doc. nº 5 da p.i.) dispõe:

“Para todas as questões que possam surgir na vigência do presente arrendamento, as partes elegem o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia por qualquer outro.”

14. E, no mesmo sentido, a cláusula 14.ª do Contrato de Adesão (doc. nº 3 da p.i.).

“Para a resolução de quaisquer litígios emergentes da interpretação e execução do presente contrato e suas renovações, é estipulado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.”

15. Assim, caso não existisse a cláusula compromissória, por força destas cláusulas atributivas de jurisdição, pelo menos quanto a estes contratos, o Tribunal competente seria o de Lisboa.

16. Termos em que também se verificaria a excepção dilatória de incompetência do tribunal, que dá lugar a absolvição da instância (art.º 493.º, n.º 2 e 494.º, al. a) do CPC)».

3. Notificadas da contestação apresentada, os AA. replicaram aduzindo vários fundamentos para que seja julgada improcedente a excepção de preterição do tribunal arbitral, em síntese, invocando que peticionaram a declaração de nulidade, por violação do dever de comunicação e de informação, dos Contratos de Adesão, de Uso de Insígnia e de Arrendamento; contratos esses que estão numa relação de união, e como tal, a competência para a respectiva apreciação cabe ao tribunal judicial.

4. Notificadas da réplica apresentada pelos autores, as rés deduziram a respectiva tréplica.

5. Findos os articulados, foi realizada audiência preliminar, após a qual, a Mm.ª Juiz proferiu o seguinte despacho:

«Da competência – cláusula compromissória

Estabelece o nº 1 da cláusula 19.ª (Arbitragem) do Contrato de Uso de Insígnia (doc. nº 4 da p.i.): “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os litígios emergentes do presente contrato serão dirimidos por recurso a arbitragem voluntária”.

E o nº 2 da mesma cláusula dispõe:

“Fica porém reservada à jurisdição dos tribunais comuns a apreciação dos litígios decorrentes de incumprimento contratual definitivo que tenha importado a resolução do contrato por qualquer das partes.”

Analisada a petição inicial, verifica-se que a resolução do contrato de arrendamento (artigo 441º da petição inicial - fls. 88 - cujo documento se encontra junto a fls. 584 e segs dos autos) foi operada por força do não pagamento de rendas devidas não implicando (das alegações de facto aí constantes) incumprimento contratual definitivo.

Perante a falta de pagamento de rendas e a consequente resolução do mesmo, há que averiguar se não estamos perante uma situação de "mora creditoris", já que, também conforme alegado, constata-se que o controvertido nos autos é, de igual modo, a própria exigibilidade das rendas, que a provar-se, constitui excepção por não cumprimento, já que representa violação da obrigação contratual.

Os tribunais podem ser estaduais ou arbitrais. São tribunais estaduais aqueles que se integram na organização judiciária do Estado. Os tribunais arbitrais são tribunais não estaduais, compostos por Juízes não profissionais - art. 209, nº2, da Constituição da Republica Portuguesa.

Os tribunais arbitrais podem ser necessários ou voluntários. Os tribunais arbitrais necessários são impostos por lei para o julgamento de determinadas questões - arts 1525 a 1528 do C.P.C.

Os tribunais arbitrais voluntários são instituídos pela vontade das partes, através de uma convenção de arbitragem - art. 1º, nº1, da Lei n.º 31/86.

Esta convenção designa-se compromisso arbitral, quando respeita a um litígio actual, ou cláusula compromissória, quando se reporta a litígios eventuais emergentes de uma determinada relação jurídica contratual ou extracontratual - art. 1, nº2, da Lei 31/86.

Pode ser objecto de uma convenção de arbitragem todo o litígio que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária e que não respeite a direitos indisponíveis - art. 1, nº1, da mesma Lei 31/86.

A competência convencionalmente atribuída ao tribunal arbitral pode ser exclusiva ou concorrente com a do tribunal legalmente competente. Mas não é frequente que a competência atribuída ao tribunal arbitral seja concorrente com a do tribunal legalmente competente (Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, 1994, pág. 102).

A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infracção da competência convencional de um tribunal arbitral que tem competência exclusiva para apreciar determinado objecto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma acção que devia ser proposta num tribunal arbitral convencionado pelas partes (Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, págs. 133/134).

In casu, a situação não está submetida por lei especial exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, nem não estamos perante direitos indisponíveis. Daí que seja totalmente válido o estabelecimento, entre as partes, de uma cláusula compromissória.

A ajuizada cláusula só poderia entender-se como absolutamente proibida se não assegurasse as garantias de procedimento previstas na lei, o que não é o caso.

Assim, pode concluir-se pela validade e eficácia da cláusula 19.ª do Contrato de Uso de Insígnia, no que se refere à atribuição de competência exclusiva a um tribunal arbitral para resolução dos conflitos decorrentes do mesmo contrato.

Por outro lado, abstraindo-nos das questões referentes aos custos inerentes ao recurso à arbitragem, também é certo que o contrato de arrendamento e o Contrato de Adesão contêm cláusulas atributivas de jurisdição ao foro de Lisboa.

Na cláusula 74ª do contrato de arrendamento pode ler-se (fls. 315 dos autos): “Para todas as questões que possam surgir na vigência do presente arrendamento, as partes elegem o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia por qualquer outro.”

Face ao supra exposto, sem necessidade de mais considerações, estamos perante uma excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, que importa a absolvição da instância (art.º 4.º e 3.º, n.º 2 e 494.º al. f) do CPC, o que se decide.

Fica prejudicado o conhecimento das restantes excepções invocadas.»

6. Inconformados com a decidida absolvição da instância, os AA. interpuseram o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«A. Estão juntos aos autos três contratos reduzidos a escrito: (i) o Contrato de Adesão junto como Doc. n.º 3 da P.I., datado de 14.02.2000, outorgado entre os 2.º e 3.ª e a I (…), S.A., representada pela 2.ª R., (ii) o Contrato de Uso de Insígnia junto como Doc. n.º 4 da P.I., datado de 2002, outorgado entre os AA. e a 2.ª R., e (iii) o Contrato de Arrendamento junto como Doc. n.º 5 da P.I., datado de 01.04.2003, outorgado entre a 1.ª A. e a 1.ª R..

B. Por um lado, o objecto do presente litígio extravasa largamente o âmbito do Contrato de Uso de Insígnia, no qual só se fundam, em parte, as alíneas a., d., e., l., r. e s. do petitório da P.I. e, na totalidade, as alíneas c. e m. do petitório da P.I. e os pontos 3., 4. e 5. do petitório da Réplica.

C. Por outro lado, o vertido nas alíneas a., d., e. e r. do petitório da P.I. e nos pontos 2. e 3. do petitório da Réplica funda-se, no todo ou em parte, no Contrato de Adesão,

D. Ao passo que o vertido nas alíneas a., b., d., f., g., h., i., n., o., p., q., r., t. e u. do petitório da P.I. e nos pontos 3., 6., 7., 8. e 9. do petitório da Réplica funda-se, no todo ou em parte, no Contrato de Arrendamento.

E. Por fim, é imputável à 3.ª R., no todo ou em parte, a factualidade alegada nos arts. 9.º, 26.º, 44.º, 204.º, 260.º, 384.º, 390.º, 392.º, 397.º, 398.º, 402.º, 406.º, 415.º, 418.º, 420.º, 421.º, 422.º, 423.º, 480.º, 483.º, 487.º, 489.º, 503.º, 583.º, 659.º, 662.º, 744.º e 745.º da P.I. e nos arts. 86.º, 224.º, 225.º, 257.º, 258.º, 313.º e 335.º da Réplica. A alegação de tal factualidade é causa de pedir dos pedidos vertidos nas alíneas d., j. e k. do petitório da P.I..

F. A cláusula compromissória, enquanto manifestação da autonomia privada ao abrigo do art. 405.º, n.º 1 do C.C., é a fonte dos poderes do tribunal arbitral. É por vontade das partes que existe um desaforamento do tribunal judicial para a apreciação de determinado litígio e se afecta essa competência ao tribunal arbitral. Desta forma, para que o tribunal arbitral possa conhecer determinada questão controvertida é imprescindível a verificação de que a mesma se encontra prevista na convenção arbitral, a qual necessariamente terá de ser reduzida a escrito, em conformidade com o art. 2.º, n.º 1 da Lei da Arbitragem Voluntária. A convenção arbitral consubstancia portanto um encontro de vontades ancorado em declarações negociais necessariamente reduzidas a escrito.

G. Para o que importa ao presente recurso, a Cláusula 19.ª do Contrato de Uso de Insígnia contém uma cláusula compromissória, que encerra uma competência convencional de um tribunal arbitral voluntário, e a Cláusula 14.ª do Contrato de Adesão e a Cláusula 74.ª do Contrato de Arrendamento contêm pactos de competência.

H. Acontece que, não só não existe qualquer convenção arbitral outorgada pelas 1.ª e 3.ª RR. ou por qualquer das outras partes neste processo no que respeita ao Contrato de Adesão e ao Contrato de Arrendamento, como em parte alguma da sua Contestação as RR. sequer alegaram a aplicação ou extensão da mencionada cláusula compromissória às 1.ª e 3.ª RR., que não outorgaram o Contrato de Uso de Insígnia, e, bem assim, ao Contrato de Adesão, ao Contrato de Arrendamento ou tão-pouco à relação contratual mantida com a 3.ª R..

I. O mesmo é dizer que o Tribunal a quo julgou procedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral em relação a todas as partes e a todos os pedidos da presente acção não só sem qualquer sustentação documental – muito pelo contrário, atentos os referidos pactos de competência –, como também sem qualquer alegação nesse sentido por parte das RR. no que concerne os factos e os pedidos respeitantes ao Contrato de Adesão, ao Contrato de Arrendamento e, bem assim, à relação contratual mantida com a 3.ª R..

J. Ora, atento o estipulado nos arts. 494.º, alínea j) e 495.º do C.P.C., é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina que só a preterição de tribunal arbitral necessário constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância, nos termos do art. 493.º, n.º 2 do C.P.C..

K. Donde, o Despacho saneador em crise enferma de nulidade por excesso de pronúncia no que respeita aos pedidos deduzidos com fundamento, no todo ou em parte, (i) no Contrato de Adesão (alíneas a., d., e. e r. do petitório da P.I. e nos pontos 2. e 3. do petitório da Réplica), (ii) no Contrato de Arrendamento (alíneas a., b., d., f., g., h., i., n., o., p., q., r., t. e u. do petitório da P.I. e nos pontos 3., 6., 7., 8. e 9. do petitório da Réplica) e, bem assim, (iii) na afecta essa competência ao tribunal arbitral. Desta forma, para que o tribunal arbitral possa conhecer determinada questão controvertida é imprescindível a verificação de que a mesma se encontra prevista na convenção arbitral, a qual necessariamente terá de ser reduzida a escrito, em conformidade com o art. 2.º, n.º 1 da Lei da Arbitragem Voluntária. A convenção arbitral consubstancia portanto um encontro de vontades ancorado em declarações negociais necessariamente reduzidas a escrito.

L. No que respeita os pactos de competência estabelecidos na Cláusula 14.ª do Contrato e na Cláusula 74.ª do Contrato de Arrendamento, a sua obrigatoriedade e vinculação para as partes outorgantes releva para o presente o recurso, não só porque importa a violação pelo Despacho saneador recorrido dos arts. 100.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.C., como reforça o acima defendido a propósito da sua nulidade por excesso de pronúncia ao abrigo do art. 668.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., na medida em que a evidência da vontade das partes em submeterem aos tribunais judiciais – em concreto, ao da comarca de Lisboa – os litígios daí emergentes afasta toda e qualquer hipótese de especulação em torno da aplicação e extensão da cláusula compromissória constante da Cláusula 19.ª do Contrato de Uso de Insígnia aos litígios emergentes quer do Contrato de Adesão, quer do Contrato de Arrendamento e, quando muito, dará lugar à remessa do processo ao tribunal territorialmente competente, caso não colha a defesa constante dos arts. 52.º a 75.º da Réplica e como claramente previsto no art. 111.º, n.º 3 do C.P.C..

M. Ao aqui defendido não obsta a interdependência ou união dos referidos contratos defendida pelos AA., porquanto a união de contratos – que se distingue do contrato misto – caracteriza-se pelo facto de não haver perda de individualidade de cada um dos negócios, o que permite que cada contrato mantenha a sua autonomia, possibilitando a sua individualização em face do conjunto, não sendo consequentemente susceptível de afectar o princípio da relatividade e da eficácia inter partes da convenção de arbitragem que decorre da regra geral do art. 406.º, n.º 2 do C.C.. Aliás, não é demais evidenciar que não se pode confundir os efeitos do regime substantivo – no qual existe uma interligação entre os contratos – com o nexo de competência do tribunal judicial.

N. Nem sequer se pode dizer que estamos perante uma arbitragem complexa – cuja admissibilidade é discutida na doutrina e residualmente aceite em casos particulares como a sub-rogação, a cessão de posição contratual, o terceiro beneficiário ou o aderente. É de igual modo totalmente irrelevante a relação de Grupo entre as RR..

O. Não é também despiciendo sublinhar que não se verifica nestes autos qualquer interdependência de pedidos e que uma eventual relação de solidariedade passiva que se verifique em relação às RR. não implica a concentração do litígio num só tribunal, nada impedindo que o litígio se distribua entre o tribunal arbitral, em relação a um dos codevedores, e o tribunal judicial, quanto ao outro.

P. Acresce que, no sentido da argumentação constante dos arts. 45.º a 99.º da P.I. e dos arts. 11.º a 19.º da Réplica, que por razões de economia processual aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, é firme convicção dos AA. que ao Contrato de Uso de Insígnia é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais.

Q. Prevendo o n.º 7 da Cláusula 19.ª do Contrato de Uso de Insígnia uma renúncia antecipada às regras estatuídas para o processo civil e a insusceptibilidade de interposição de recurso da decisão arbitral, dúvidas não restam de que a mesma exclui o acesso à tutela judicial e não assegura as garantias previstas em geral na lei e, em particular, aquelas que são conferidas pelo regime processual civil, donde a cláusula compromissória em questão nestes autos é proibida à luz dos arts. 12.º da LCCG, não só pelo seu conteúdo, como pela sua própria natureza, pois a opção pelo tribunal arbitral enquanto foro competente de per si pode causar graves inconvenientes.

R. Caso a excepção de preterição de tribunal arbitral seja confirmada no que respeita aos litígios emergentes do Contrato de Uso de Insígnia, no que não se concede e só por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre deverão prosseguir ao autos para conhecimento da factualidade alegada e dos pedidos deduzidos pelos AA. contra as 1.ª e 3.ª RR. com fundamento em litígios emergentes do Contrato de Adesão e do Contrato de Arrendamento.

S. Em tal caso, mais deverão prosseguir os autos para conhecimento da factualidade alegada na P.I. e na Réplica em relação ao Contrato de Uso de Insígnia, seja porque integra a causa de pedir do pedido formulado em d. do petitório no que respeita à declaração de nulidade do Contrato de Adesão e do Contrato de Arrendamento com fundamento na conduta de abusiva dependência económica dos AA. perpetrada pelas RR., posto que é precisamente com fundamento na união existente entre o Contrato de Adesão, o Contrato de Uso de Insígnia e o Contrato de Arrendamento que os AA. peticionam, no ponto d. do petitório deduzido na P.I., que este Tribunal “Declare a nulidade do acervo contratual com fundamento na conduta de abusiva dependência económica dos AA. perpetrada pelas RR.”,

T. Seja por via da extensão da competência prevista no art. 96.º, n.º 1 do C.P.C., a qual se mantém quanto às questões para cuja solução as partes tenham, por convenção de arbitragem, atribuído competência a tribunal arbitral.

U. Pelo que ficou exposto, reiterando todo o respeito merecido, mal andou o Tribunal a quo ao julgar procedente a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, o que fez em flagrante violação dos arts. 9.º, n.º 2, 405.º, n.º 1 e 406.º, n.º 2 do C.C., do art. 2.º, n.º 1 da LAV, dos arts. 12.º, 19.º, alínea g) e 21.º, alínea h) da LCCG e dos arts. 96.º, n.º 1, 100.º, n.ºs 1 e 3, 111.º, n.º 3, 493.º, n.º 2, 494.º, alínea j), 495.º, 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., impondo-se consequentemente a sua revogação.

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado integralmente procedente, por provado, e, em consequência, ser revogado o Despacho saneador recorrido, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, pois só assim será de DIREITO e se fará JUSTIÇA!»

7. Pelas RR. foram apresentadas contra-alegações, que concluíram pugnando pela confirmação da sentença proferida.

8. Dispensados os vistos, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso.

       Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[1], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

      As várias sub-questões a apreciar no presente recurso de apelação reconduzem-se à questão de saber se no caso em apreço se verifica ou não preterição do tribunal arbitral que importe a absolvição total ou parcial das rés da instância.


*****

III – Fundamentos

III.1 – De facto:

São os seguintes os fundamentos de facto que importam à decisão[2]:

1. A autora é uma sociedade por quotas, inscrita no registo pelas Aps 03 e 04/20020621, tendo como objecto social a realização de todas as operações inerentes à exploração comercial de supermercados, à distribuição de produtos alimentares e não alimentares, exploração de postos de combustíveis, bem como gestão de centros comerciais[3].

2. A (…), M (…) e I (…) SA são os titulares inscritos das quotas da referida sociedade com os valores, respectivamente, de 82.500,00€; 16.500,00€, e 11.000,00€[4].

3. A referida sociedade I (…), SA, constituiu usufruto de 80% da sua quota a favor do identificado AVS (...), com a duração de 30 anos a contar de 22 de Maio de 2002, tendo como causa Cessão[5].

4. Da escritura de constituição de usufruto lavrada em 22 de Maio de 2002, entre os referidos I (…) e A (…), qual consta a seguir ao objecto registado “tendo sido constituída para explorar os supermercados e outras unidades comerciais sob a insígnia Intermarché (cláusula 1.ª)[6].

5. Em 14 de Fevereiro de 2000 I (…), o referido A (…) e a mulher M (…), subscreveram um documento intitulado “contrato de adesão”, do qual consta, para além do mais, o seguinte:

“Cláusula 3.ª. (Contrato de Insígnia)

3.1. O aderente expressamente reconhece que é condição essencial à celebração do presente contrato o compromisso firme e irrevogável de celebrar um contrato de insígnia ligando a sociedade que dirige ou dirigirá ao agrupamento dos Mosqueteiros.

3.2. O presente contrato é celebrado tendo em conta que o aderente declarou expressamente ser sua intenção presidir a uma sociedade comercial por quotas ou anónima em relação à qual será sócio maioritário detendo, individualmente ou de parceria com o seu cônjuge ou outro, pelo menos 90% do capital social e correspondentes direitos de voto, tendo o agrupamento, neste caso através da sua representante em Portugal, I (…), SA uma participação de 10%.

3.3. O agrupamento através da I (…), SA, constituirá usufruto a favor do aderente sobre 80% das suas quotas, ficando assim o Mosqueteiro detentor de 90% das quotas da sociedade e mais 8% em usufruto.

3.5. O aderente obriga-se a assinar o contrato de insígnia referente na precedente cláusula 3.1. no prazo de dois anos a contar desta data.

Cláusula 8.º

(Relação com o contrato de Insígnia)

A denúncia ou resolução do presente contrato por iniciativa de alguma das partes, tem como consequência necessária e directa a denúncia ou resolução do ou dos contratos de insígnia que tenham sido celebrados, o mesmo ocorrendo na situação inversa.

Clausula 11.º

11.1. O aderente compromete-se expressamente, em nome próprio e em nome da sociedade que dirige ou dirigirá, a respeitar integralmente o presente contrato e o contrato de insígnia no que respeita a entregas de mercadorias celebrados entre a dita sociedade e o agrupamento.

11.2. As partes reconhecem expressamente que no contrato de insígnia que une a sociedade que dirige ao dirigirá à I (…) e suas filiais, o aderente e o seu cônjuge ou companheiro prestam cada um a sua garantia pessoal e solidária de que serão respeitados todos os compromissos assumidos pela dita sociedade perante o agrupamento, renunciando também a todo o benefício de excussão prévia.

11.3 A garantia referida na precedente clausula 10.2. abrange nomeadamente a cotização, e o direito de entrada, tal como definidos no contrato de uso de insígnia.

Clausula 14.º

Atribuição de jurisdição

14.1. Para a resolução de quaisquer litígios emergentes da interpretação e execução do presente contrato e suas renovações, é estipulado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro[7].

6. O Contrato de Insígnia[8], do qual consta a expressa referência ao contrato de adesão de 14-2-2000, foi celebrado em 4 de Novembro de 2003 entre a I (…) S.A. ali designada como sociedade franqueadora, e a autora, e A (…), casado com M (…) ali designados como aderentes, constando do mesmo, além do mais, que:

C – que a sociedade I (…) promove e dirige o agrupamento internacional denominado agrupamento I (…) constituído por comerciantes que exercem a sua actividade comercial sob, entre outras, a insígnia Intermarché.

G - que o aderente formalizou a sua adesão pessoal através do contrato de adesão com a I (…).

T - que o objecto do presente contrato de uso de insígnia é a transmissão do Know how do agrupamento I (…) pela sociedade franqueadora à sociedade e aderente franqueados, permitindo-lhes a utilização da insígnia.

Cláusula 3.ª

O presente contrato de uso de insígnia é celebrado por um prazo de dez anos e, por acordo de todas as partes vigorará independentemente da data da sua assinatura, a contar do dia de abertura ao público do estabelecimento comercial explorado pela sociedade franqueada.

Cláusula 6.ª

A sociedade franqueadora obriga-se a prestar assistência:

a) estudo de localização do estabelecimento comercial

b) análise e elaboração financeira do projecto

c) preparação do processo de pedido de alvará de construção e colocação à disposição das normas de construção e execução

Cláusula 14.º

São causas de resolução pela sociedade franqueadora o facto de o aderente:

– provocar o encerramento do estabelecimento comercial;

- possibilitar o exercício do comércio pela sociedade franqueada sob outra insígnia ou designação.

Cláusula 17.º

(Garantias)

17.2 o aderente enquanto sócio maioritário e gerente administrador da sociedade franqueada bem como o seu cônjuge ou concubino presta por via do presente contrato a sua garanta pessoal e solidária de que serão respeitados todos os compromissos assumidos por via do presente contrato pela sociedade franqueada, quer em relação à sociedade Franqueadora, I (…) e suas filiais directas ou indirectas, quer respeitantes a todos os organismos ligados ao grupo dirigido pela I (…).

Clausula 18.º

Declaração

… subscreve o presente contrato de uso de insígnia e que o aderente franqueado assumiu vários compromissos pessoais no contrato, do qual recebeu uma minuta, dito contrato de adesão…

Cláusula 19.º

Arbitragem

19.1 Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os litígios emergentes do presente contrato serão dirimidos por recurso a arbitragem voluntária.

19.2. Fica porém reservada à jurisdição dos tribunais comuns a apreciação dos litígios decorrentes de incumprimento contratual definitivo que tenha importado a resolução do contrato por qualquer das partes.

Condições particulares

      1.1. A insígnia a que a cláusula 2.ª do capítulo I do presente contrato se refere é a insígnia Intermarché.

       1.2. Esta designação deverá ser precedida pelo logótipo e pela marca Os Mosqueteiros.

Clausula 4.ª

Normas de avaliação do estabelecimento comercial

4.1. reconhecem que  um estabelecimento comercial inclui diversos elementos, nomeadamente,

a) insígnia e a clientela;

b) o direito ao arrendamento do local onde o estabelecimento comercial é explorado

c) os utensílios e o material.

7. No dia 1 de Abril de 2003, entre A (…) SA e a AA (…), Ld.ª, foi celebrado um contrato de arrendamento[9], do qual constam, para além das demais, as seguintes cláusulas:

Considerandos

D – que a arrendatária pretende arrendar a coisa locada para nela explorar uma área comercial sob a insígnia Intermarché ou outra que pertença ou venha a pertencer ao grupo os mosqueteiros.

E – que a arrendatária celebrou com a I (…)– Norte-Sul, um contrato de uso de insígnia por via do qual se constitui aderente de pleno direito do grupo Os Mosqueteiros que é detentor em Portugal dos direitos privativos das insígnias Intermarché, Ecomarché entre outras ao qual pertence igualmente a senhoria.

Clausula sétima

A vigência e eficácia deste contrato de arrendamento fica directamente dependente da vigência do contrato de uso de insígnia identificado em E dos considerandos supra, pelo que ocorrendo rescisão desse contrato, sob que forma for, a mesma determinará a caducidade automática do presente contrato de arrendamento comercial, nos termos da al. b) do numero um do artigo mil e cinquenta e um do Código Civil.

Cláusula Oitava

A coisa locada destina-se à exploração da actividade comercial sob a insígnia Intermarché ou outra pertencente ao mesmo grupo desta.

Clausula 74.º

Para todas as questões que possam surgir na vigência do presente arrendamento, as partes elegem o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia por qualquer outro.


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III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. – Enquadramento legal

Considerando que a questão a decidir nos presentes autos é a de saber se existiu preterição de Tribunal Arbitral, cumpre, antes de mais, determinar qual a lei aplicável à situação em apreço atenta a alteração legislativa entretanto ocorrida.

Efectivamente, à data da convenção de arbitragem inserida pelas partes no contrato de insígnia celebrado em 4 de Março de 2003, encontrava-se em vigor a lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, ainda sem a alteração que poucos dias depois foi introduzida pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março.

Esta lei veio entretanto a ser revogada pelo artigo 5.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, que entrou em vigor três meses após a data da sua publicação[10], (artigo 6.º), constando da mesma disposição transitória relativa à aplicação da lei no tempo.

Assim, de acordo com o artigo 4.º, n.º 1, da referida lei, e «[s]alvo o disposto nos números seguintes, ficam sujeitos ao novo regime da Lei da Arbitragem Voluntária os processos arbitrais que, nos termos do n.º 1 do artigo 33.º da referida lei, se iniciem após a sua entrada em vigor», ou seja, «na data em que o pedido de submissão desse litígio a arbitragem é recebido pelo demandado». Trata-se, portanto, de norma da qual resulta que as normas de natureza processual introduzidas pela presente lei se aplicam imediatamente a todos os processo arbitrais cujo início ocorra no domínio da lei nova.

Porém, por força do n.º 3 do referido artigo, «[a]s partes que tenham celebrado convenções de arbitragem antes da entrada em vigor do novo regime mantêm o direito aos recursos que caberiam da sentença arbitral, nos termos do artigo 29.º da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto -Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, caso o processo arbitral houvesse decorrido ao abrigo deste diploma». Tal significa que apesar da aplicação imediata da lei nova aos processos que dêem entrada após a sua vigência, a mesma não prejudica o direito ao recurso que as partes tinham possibilidade de exercer aquando da convenção de arbitragem celebrada antes da sua entrada em vigor, em decorrência, aliás, dos princípios gerais relativos à aplicação das leis no tempo consagrados no artigo 12.º do Código Civil[11].

Do exposto decorre que, in casu, a lei a tomar em consideração para determinar se ocorreu ou não a questionada preterição do Tribunal Arbitral é a Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto[12].


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III.2.2. – Da competência dos tribunais judiciais para decidirem sobre a competência dos tribunais arbitrais 

Efectuado o enquadramento legal em que nos movemos, cumpre agora determinar em que medida são os tribunais judiciais competentes para conhecerem da competência dos tribunais arbitrais.

De facto, a questão da competência dos tribunais arbitrais pode colocar-se quer perante o tribunal arbitral, quer - como aconteceu no caso em apreço -, perante o tribunal judicial onde a presente acção foi interposta.

Se a mesma for colocada perante o tribunal arbitral, rege o artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, da LAV, de acordo com o qual «[o] tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção», sendo que «[a] nulidade do contrato em que se insira uma convenção de arbitragem não acarreta a nulidade desta, salvo quando se mostre que ele não teria sido concluído sem a referida convenção»[13].

Conforme é consabido esta disposição legal consagra no domínio da arbitragem voluntária o chamado princípio da Competência-Competência[14], significando que, à semelhança do que ocorre com os tribunais judiciais também os tribunais arbitrais têm competência para declarar se são competentes para dirimirem o litígio que se lhes apresenta, mormente se a mesma foi contestada por uma das partes no momento a que alude o n.º 3 do referido artigo 21.º.

Este princípio da Competência-Competência tem uma justificação singela. Pretende-se com o mesmo que a mera invocação por um dos litigantes da falta de competência do tribunal arbitral, não determine o imediato recurso ao tribunal judicial para decidir se o litígio objecto da convenção arbitral, é ou não da competência daquele, evitando-se deste modo, como aconteceria se tal fosse admissível, não só a possibilidade de uma parte protelar a decisão arbitral como eventualmente subtraí-la de imediato à jurisdição convencionada pelas partes que aquando da celebração do contrato acordaram não submeter os seus diferendos à via do processo judicial.

Acresce que, do referido normativo resulta ainda o princípio da autonomia da convenção de arbitragem relativamente ao contrato principal no qual está inserida, significando isto que o tribunal arbitral tem competência para apreciar a existência, a validade ou a eficácia quer da convenção de arbitragem quer do contrato em que ela se insira, quer mesmo da aplicabilidade da referida convenção ao objecto do litígio.

Assente que os tribunais arbitrais têm competência para decidir sobre a sua competência para apreciar o litígio que lhes é submetido quando a parte opta por propor acção arbitral, a questão que agora pertinentemente se coloca é a de saber se tal atribuição legal de competência é exclusiva destes; ou seja, se existindo convenção arbitral cuja validade, eficácia ou extensão é colocada em causa e, por essa razão, for interposta a acção nos tribunais judiciais, devem estes limitar-se a verificar a excepção de preterição de tribunal arbitral e absolver da instância, como aconteceu no caso em apreço, ou decidir sobre a questão colocada.

  Ora, esta questão não tem tido tratamento uniforme quer na doutrina quer na jurisprudência, podendo surpreender-se três posições, assim lapidarmente sintetizadas:

«Em primeiro lugar, pode defender-se que os tribunais judiciais não devem analisar qualquer questão que possa implicar a incompetência do tribunal arbitral, suspendendo a instância judicial e remetendo o processo para o tribunal arbitral que tomará a sua decisão. Nesta posição, não só os tribunais arbitrais têm competência para apreciar a sua competência, como a têm prioritariamente em relação aos tribunais judiciais. Estes não têm competência para aferir da jurisdição dos tribunais arbitrais antes de proferida a decisão pelo tribunal arbitral.

Na posição exactamente oposta a esta, invoca-se o artigo 290.º do CPC que impõe ao tribunal judicial que analise, em toda a sua amplitude, a validade do compromisso arbitral celebrado na pendência da acção. Se esta é a regra para o compromisso arbitral celebrado na pendência da acção, deverá também ser para qualquer convenção de arbitragem. Nesta hipótese, o tribunal judicial averigua com a máxima extensão os requisitos de existência e validade da convenção arbitral.

Por fim, pode defender-se que o tribunal judicial apenas pode decidir-se pela incompetência do tribunal arbitral nos casos de manifesta nulidade – ou inexistência - da convenção arbitral. (…)

A última tese, que é, afinal, um compromisso entre as duas anteriores, parece ser a que melhor se adapta à natureza da arbitragem voluntária. Em primeiro lugar, respeita o princípio da autonomia privada, neste caso a desjudicialização pretendida pelas partes aquando da celebração da convenção; em segundo lugar, não o leva ao exagero de não permitir ao tribunal judicial apreciar uma manifesta inexistência ou invalidade da convenção»[15].

Esta última tese tem sido a sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir que «[f]ace ao princípio, ínsito no art. 21º, nº 1, da LAV, segundo o qual incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam – validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem – os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação»[16].

Aderindo aos fundamentos aduzidos, sufragamos o entendimento de que ao tribunal judicial apenas compete «determinar se é manifesto e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual litigiosa – devendo, pelo contrário, em caso de dúvida fundada sobre o âmbito da referida convenção, serem as partes remetidas para o tribunal arbitral a que atribuíram competência para solucionar o litígio»[17].

Na verdade, em abono desta posição, para além das considerações doutrinárias e jurisprudenciais que vêem sendo tecidas, temos agora o facto acrescido de ter sido esta solução denominada do efeito negativo do princípio da Competência-Competência, a que veio a ser consagrada pelo legislador da nova Lei da Arbitragem Voluntária actualmente em vigor, que desta forma pôs fim à referida controvérsia, estatuindo no respectivo artigo 5.º, n.º 1, com a epígrafe “efeito negativo da convenção de arbitragem”, que:

«O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível».

Entendida nos referidos termos a competência dos tribunais judiciais para apreciarem a competência dos tribunais arbitrais, podemos desde já avançar que a manifesta nulidade, ineficácia original ou superveniente ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada[18].

 Assim, fica desde logo afastada, por exemplo, a possibilidade de ser apreciada a invocação da nulidade do contrato de adesão decorrente da falta de comunicação das cláusulas contratuais gerais, porquanto, sendo controvertida, carece de produção de prova para ser decidida.

Por isso, no caso em apreço, se estivéssemos apenas perante o contrato de adesão em que foi inserida a convenção arbitral, seria de confirmar a decisão recorrida.

Acontece porém, que o litígio que se nos apresenta convoca para a respectiva resolução mais algumas questões a resolver que decorrem do facto de estarmos perante três contratos.


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III.2.3. – Da existência de contratos múltiplos £

Efectivamente, no caso em apreço, a causa de pedir formulada pelos autores - e é esta, juntamente com as excepções deduzidas, que conforma a acção quanto aos seus sujeitos e objecto, atentos os princípios do dispositivo e da estabilidade da instância previstos nos artigos 264.º e 268.º do CPC -, assenta em três contratos, cuja declaração de nulidade, para além do mais, pedem: o contrato de adesão celebrado em 14-02-2000; o contrato de uso de insígnia, celebrado em 04-03-2003; e o contrato de arrendamento celebrado em 01-04-2003.

Conforme ressalta dos mesmos, as partes contratantes inseriram em cada um deles as seguintes cláusulas quanto à atribuição de jurisdição: no contrato de adesão a cláusula 14.1. nos termos da qual convencionaram que «[p]ara a resolução de quaisquer litígios emergentes da interpretação e execução do presente contrato e suas renovações, é estipulado o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro; no contrato de insígnia, a cláusula 19.º que sob a epígrafe “Arbitragem”, estabelece que «19.1 Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os litígios emergentes do presente contrato serão dirimidos por recurso a arbitragem voluntária. 19.2. Fica porém reservada à jurisdição dos tribunais comuns a apreciação dos litígios decorrentes de incumprimento contratual definitivo que tenha importado a resolução do contrato por qualquer das partes»; e finalmente, no contrato de arrendamento, a cláusula 74.º, onde estabeleceram que «[p]ara todas as questões que possam surgir na vigência do presente arrendamento, as partes elegem o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia por qualquer outro».

Portanto, em concreto temos que, apenas as partes contratantes no contrato de insígnia inseriram no contrato uma cláusula compromissória, tendo nos demais contratos inserido pactos atributivos de jurisdição, atribuindo a competência convencional para dirimir os litígios que dos mesmos resultassem à comarca de Lisboa, nos termos admitidos pelos artigos 99.º e 100.º do Código de Processo Civil.

Ora, o artigo 1.º da Lei de Bases da Arbitragem Voluntária, sob a epígrafe “convenção de arbitragem” rege sobre as condições em que um litígio pode ser submetido a um tribunal arbitral voluntário, começando por afirmar logo no seu n.º 1 que:

“Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou arbitragem necessária, qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.”

Portanto, condição necessária para que um litígio possa ser dirimido por esta via arbitral é, desde logo, que o mesmo, por um lado, não respeite a direitos indisponíveis; por outro lado, não seja caso que por lei deva ser necessariamente submetido a tribunal judicial ou a arbitragem necessária; e, finalmente, que as partes tenham decidido cometer a respectiva resolução à decisão de árbitros.

Ora, a este respeito três ordens de questões se levantam no caso em apreço: por um lado, as partes contratantes em cada um dos contratos não são exactamente as mesmas, conforme da matéria de facto supra descrita logo se alcança; por outro lado, existem convenções diversas quanto à atribuição de jurisdição para decisão dos litígios emergentes de cada um dos contratos; e, finalmente, verifica-se uma dependência funcional entre os vários contratos.

Desta sorte, o problema que cumpre resolver é o de saber se é possível, in casu, a extensão de competência da jurisdição arbitral a relações contratuais diversas daquelas a que expressamente se refere.

«A questão é bastante discutida na arbitragem a nível internacional, obrigando a doutrina e a jurisprudência a averiguar da compatibilidade das cláusulas e das relações contratuais.

A análise tem sido casuística, determinada por exemplos de casos discutidos em tribunal, em que se analisa a relação contratual e o tipo de cláusulas compromissórias previstas.

Assim, por exemplo, BERNARD HANOTIAU, trabalhando a jurisprudência estadual e arbitral de diversos países, distinguiu três grupos de casos.

Um primeiro engloba as situações em que as partes são diferentes, mas os contratos contêm a mesma cláusula arbitral ou cláusulas arbitrais compatíveis. Há jurisprudência divergente quanto à possibilidade de demandar todos num mesmo processo arbitral, umas decisões aceitando essa cumulação e outros não.

Um segundo grupo engloba os casos de partes diferentes em que os contratos não contêm cláusulas idênticas ou compatíveis ou alguns deles não contêm cláusula arbitral. Nestes casos, em geral, não é aceite a extensão da convenção arbitral às relações contratuais conexas.

Uma terceira situação verifica-se quando as partes são as mesmas, os contratos entre elas são vários, um com cláusula compromissória, outro com cláusula de jurisdição estadual, outro ainda com cláusula compromissória incompatível com a primeira. A jurisprudência é, aqui, muita e tem-se orientado no sentido de admitir a extensão da convenção a todos os contratos quando entre eles existe uma forte conexão. É o que se passa quando um contrato tem origem noutro ou é complemento ou execução de um outro. Mas a conclusão depende da exacta redacção dos diversos contratos, pois se, por exemplo, um dos contratos contiver uma cláusula arbitral e outro uma de jurisdição estadual, a cumulação num único processo arbitral é já muito duvidosa»[19].

Na verdade, para aquilatar da possibilidade de extensão de competência em casos em que exista uma unidade contratual, mais do que aquilatar da eficiência processual em regra daí resultante, importa determinar qual foi a vontade das partes aquando da celebração dos contratos em apreço.

Para o efeito, há que respigar a matéria de facto que a este propósito ficou provada por via dos documentos juntos aos autos e interpretá-la, recorrendo para tal desiderato às regras constantes dos artigos 236.º a 238.º do CC, uma vez que a interpretação da vontade das partes quer na cláusula compromissória quer nos pactos atributivos de jurisdição, está evidentemente submetida às regras de interpretação das declarações negociais ali contidas.

Assim, tais convenções das partes devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário possa razoavelmente deduzir do comportamento do declarante, exigindo-se ainda que o sentido que se apure corresponder à vontade das partes tenha “um mínimo de correspondência” no texto que para traduzir tal vontade veio a ser redigido, ou seja, que dali resulte de forma suficiente, em face da limitação legal à aceitação da apurada vontade, constante do n.º 1 do artigo 238.º do CC.

Ora, no caso dos autos, parece-nos manifesto que as partes que declararam a sua intenção de atribuição de jurisdição ao foro da comarca de Lisboa, não pretendiam que os litígios que viessem a ocorrer fossem subtraídos à decisão dos tribunais judiciais para serem submetidos a uma decisão em tribunal arbitral. Ao invés, o que claramente declararam foi que pretendiam que os mesmos fossem decididos no foro da comarca de Lisboa. Portanto, logo por esta simples constatação, pensamos que a situação dos autos se insere naquele segundo grupo de casos supra referido em que os contratos contêm cláusulas de atribuição de competência que são incompatíveis – num caso, à jurisdição arbitral e nos outros dois, à judicial – razão por que, mesmo tratando-se de relações contratuais conexas, a extensão da convenção arbitral aos demais contratos em que foi atribuída a jurisdição aos tribunais judiciais, não é aceite.

Por fim, ainda se aduzirá que, apesar de as sociedades rés outorgantes dos referidos contratos, fazerem parte do mesmo grupo societário, conforme também resulta do teor dos próprios contratos, tal não basta para que os efeitos da cláusula arbitral se pudessem estender a todos os contratos por essa simples circunstância[20]. A tal obsta, no caso concreto, o facto de resultar da existência nos contratos celebrados antes e depois do contrato de insígnia (mas em momentos temporais diferentes), de pactos de atribuição de competência que expressamente afastam que pudesse existir da parte das mesmas uma concordância implícita com a cláusula arbitral inserida naquele contrato, como podia acontecer caso nada tivesse ali sido estabelecido. Ao invés, referindo-se quer o contrato de adesão quer o contrato de arrendamento ao contrato de insígnia, se a intenção das partes fosse a subordinação daqueles ao regime deste, o mais normal seria a expressa remissão para a cláusula compromissória.

Conclui-se, portanto, que no caso em apreço, não sendo as mesmas as partes outorgantes em todos os contratos e existindo atribuição de jurisdição incompatível, não é admissível a extensão da convenção arbitral inserida pelas partes contratantes do contrato de uso de insígnia aos contratos de adesão e de arrendamento cuja nulidade também foi pedida.

Somos desta forma chegados à última sub-questão que é a de saber se, assim sendo, será ou não caso de cindir a competência nos termos fixados em cada um dos contratos, remetendo para apreciação do tribunal arbitral o contrato de uso de insígnia e, consequentemente, revogando parcialmente a decisão recorrida[21].

Dir-se-á, desde já, que tal deve inelutavelmente ocorrer quando estamos perante contratos autónomos.


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III.2.4. – Da interdependência dos contratos

Porém, como vimos supra, a apreciação a efectuar pelo tribunal deve ser casuística e ter essencialmente em conta a manifestação de vontade das partes.

Ora, no caso dos autos, como decorre da matéria de facto supra descrita, porque ressalta dos contratos celebrados, que a sociedade I (…) promove e dirige o agrupamento internacional denominado agrupamento I (…) constituído por comerciantes que exercem a sua actividade comercial sob, entre outras, a insígnia Intermarché, pertencente à marca internacional Os Mosqueteiros.

Em 14 de Fevereiro de 2000 a referida I (…), e os ora autores A (…) e mulher M (…), subscreveram um documento intitulado “contrato de adesão”, do qual consta, para além do mais, que o mesmo era celebrado tendo em conta que o aderente declarou expressamente ser sua intenção presidir a uma sociedade comercial por quotas ou anónima em relação à qual será sócio maioritário detendo, individualmente ou de parceria com o seu cônjuge ou outro, pelo menos 90% do capital social e correspondentes direitos de voto, tendo o agrupamento, neste caso através da sua representante em Portugal, I (…) Norte-Sul, Portugal, SA uma participação de 10%, sendo que o agrupamento através da I (…) Norte-Sul, Portugal, SA, constituirá usufruto a favor do aderente sobre 80% das suas quotas, ficando assim o Mosqueteiro detentor de 90% das quotas da sociedade e mais 8% em usufruto.

Como decorre da matéria de facto, em cumprimento deste contrato de adesão, os ora autores pessoas singulares, em 21/06/2002 constituíram a ora autora que é uma sociedade por quotas, inscrita no registo pelas Aps 03 e 04/20020621, tendo como objecto social a realização de todas as operações inerentes à exploração comercial de supermercados, à distribuição de produtos alimentares e não alimentares, exploração de postos de combustíveis, bem como gestão de centros comerciais, tendo as quotas da sociedade sido distribuídas nos termos previstos no contrato de adesão e o usufruto constituído também nos termos daquele, contando da escritura de constituição de usufruto lavrada em 22 de Maio de 2002, entre a ora ré I (…) e A (…) quanto à sociedade “tendo sido constituída para explorar os supermercados e outras unidades comerciais sob a insígnia Intermarché (cláusula 1.ª). Portanto, dúvidas não existem de qual o fim para que foi constituída a sociedade ora autora.

Acresce que no mesmo contrato de adesão o ali aderente (ora autor) expressamente reconhece que é condição essencial à celebração do referido contrato o compromisso firme e irrevogável de celebrar um contrato de insígnia ligando a sociedade que dirige ou dirigirá ao agrupamento dos Mosqueteiros, obrigando-se a assinar o contrato de insígnia referente no prazo de dois anos a contar desta data.

Mais se previa no contrato de adesão que a «denúncia ou resolução do presente contrato por iniciativa de alguma das partes, tem como consequência necessária e directa a denúncia ou resolução do ou dos contratos de insígnia que tenham sido celebrados, o mesmo ocorrendo na situação inversa».

Portanto, não existem quaisquer dúvidas que a vontade das partes foi que o contrato de adesão e o contrato de insígnia ficassem dependentes um do outro, tanto mais que ali acordaram também que o aderente se comprometia expressamente, em nome próprio e em nome da sociedade que dirige ou dirigirá, a respeitar integralmente o contrato de adesão e o contrato de insígnia no que respeita a entregas de mercadorias celebrados entre a dita sociedade e o agrupamento, reconhecendo expressamente que no contrato de insígnia que une a sociedade que dirige ao dirigirá à I (…) e suas filiais, o aderente e o seu cônjuge ou companheiro prestam cada um a sua garantia pessoal e solidária de que serão respeitados todos os compromissos assumidos pela dita sociedade perante o agrupamento, renunciando também a todo o benefício de excussão prévia.

Por seu turno, do Contrato de Insígnia que foi celebrado em 4 de Novembro de 2003 entre a I (…) – Norte-Sul, Portugal, S.A. ali designada como sociedade franqueadora, e a autora, e A (…), casado com M (…), ali designados como aderentes, consta do mesmo, além do mais, que o aderente formalizou a sua adesão pessoal através do contrato de adesão com a I (…), e que o objecto do contrato de uso de insígnia é a transmissão do Know how do agrupamento I (…) pela sociedade franqueadora à sociedade e aderente franqueados, permitindo-lhes a utilização da insígnia, e vigorando independentemente da data da sua assinatura, a contar do dia de abertura ao público do estabelecimento comercial explorado pela sociedade franqueada.

Ademais a sociedade franqueadora obriga-se a prestar assistência no estudo de localização do estabelecimento comercial; na análise e elaboração financeira do projecto; e na preparação do processo de pedido de alvará de construção e colocação à disposição das normas de construção e execução, sendo causas de causas de resolução pela sociedade franqueadora o facto de o aderente provocar o encerramento do estabelecimento comercial e possibilitar o exercício do comércio pela sociedade franqueada sob outra insígnia ou designação.

Também neste contrato foi clausulado que o aderente enquanto sócio maioritário e gerente administrador da sociedade franqueada bem como o seu cônjuge prestaram por via deste a sua garanta pessoal e solidária de que serão respeitados todos os compromissos assumidos por via do presente contrato pela sociedade franqueada, quer em relação à sociedade Franqueadora, I (…) e suas filiais directas ou indirectas, quer respeitantes a todos os organismos ligados ao grupo dirigido pela I(…) entreprises, tendo declarado que subscreve o presente contrato de uso de insígnia e que assumiu vários compromissos pessoais no contrato, do qual recebeu uma minuta, dito contrato de adesão.

Portanto, também daqui não decorrem quaisquer dúvidas de que, aquando da celebração do contrato de insígnia, a vontade das partes se mantinha no sentido de cada um dos contratos estar ligado ao outro.

Mas, mais do que isso, aqui já se referem à obrigação da sociedade franqueadora quanto às obrigações de uns e outros quanto à instalação do estabelecimento comercial reconhecem que um estabelecimento comercial inclui diversos elementos, nomeadamente, a insígnia e a clientela; e o direito ao arrendamento do local onde o estabelecimento comercial é explorado.

Ora, logo na sequência da celebração do contrato de uso da insígnia Intermarché, no dia 1 de Abril de 2003, entre a ora ré A (…) SA e a ora autora S (…), Ld.ª, foi celebrado um contrato de arrendamento, do qual constam, para além das demais, os seguintes considerandos: que a arrendatária pretende arrendar a coisa locada para nela explorar uma área comercial sob a insígnia Intermarché ou outra que pertença ou venha a pertencer ao grupo os mosqueteiros; que a arrendatária celebrou com a I(…)– Norte-Sul, um contrato de uso de insígnia por via do qual se constitui aderente de pleno direito do grupo Os Mosqueteiros que é detentor em Portugal dos direitos privativos das insígnias Intermarché, Ecomarché entre outras ao qual pertence igualmente a senhoria, estabelecendo ainda na cláusula oitava que a coisa locada destina-se à exploração da actividade comercial sob a insígnia Intermarché ou outra pertencente ao mesmo grupo desta.

Em face destes considerandos e cláusula, já não existem quaisquer dúvidas de que também este contrato está intrinsecamente ligado aos demais.

Mas, se dúvidas existissem, a cláusula sétima do contrato de arrendamento é absolutamente clara ao estatuir que a «vigência e eficácia deste contrato de arrendamento fica directamente dependente da vigência do contrato de uso de insígnia identificado em E dos considerandos supra, pelo que ocorrendo rescisão desse contrato, sob que forma for, a mesma determinará a caducidade automática do presente contrato de arrendamento comercial, nos termos da al. b) do numero um do artigo mil e cinquenta e um do Código Civil». Concluindo, também a vigência e eficácia deste contrato dependem da vigência do contrato de uso de insígnia.

Ora, ao abrigo do princípio da liberdade contratual previsto no art. 405.º, n.º 1 do Código Civil, em face de direitos disponíveis, as partes podem fixar livremente o conteúdo dos contratos e inserir neles as cláusulas que lhes aprouver, logo podem fazer depender a eficácia, a vigência e o cumprimento de um contrato da eficácia, da vigência e do cumprimento de um outro contrato.

Em face das sobreditas cláusulas contratuais, podemos concluir que no caso dos autos estamos perante uma união de contratos dependentes entre si (dependência bilateral), porquanto estamos perante três contratos individuais mas ligados por um vínculo de reciprocidade ou interdependência na medida em que as obrigações emergentes de cada um dos contratos se interliga com os demais, e a respectiva vigência está condicionada pela manutenção dos demais, apresentando-se, portanto, com uma lógica de conjunto que só faz sentido na economia contratual se globalmente considerado.

De facto, na união de contratos com dependência, apesar dos contratos serem diferenciados, conservando a sua individualidade e não se fundindo, «a ligação dos contratos é mais estreita porque se estabelece entre eles um laço de dependência. Os contratos são também distintos mas não já autónomos. As partes querem-nos como conjunto económico, que envolve um nexo funcional. (…) O vínculo de dependência significa que a validade e vigência de um contrato, ou de cada um dos contratos, depende da validade e vigência do outro. Um contrato só será válido se o restante o for; e desaparecido este, aquele desaparecerá também”[22].

Distinguindo esta figura da junção de contratos, onde existe um vínculo puramente exterior ou acidental, em regra decorrente de terem sido celebrados ao mesmo tempo e entre as mesmas pessoas, Antunes Varela afirma que: «[o]utras vezes, porém, sucede que os contratos, mantendo embora a sua individualidade, estão ligados entre si, segundo a intenção dos contraentes, por um nexo funcional que influi na respectiva disciplina. Já se não trata de um nexo exterior ou acidental, mas de um vínculo substancial que pode alterar o regime normal de um dos contratos ou de ambos eles, por virtude da relação de interdependência que eventualmente se crie entre eles.

A relação de dependência (bilateral ou unilateral) assim criada entre os dois ou mais contratos pode revestir as mais variadas formas. Pode um dos contratos funcionar como condição, contraprestação ou motivo do outro; pode a opção por um ou outro estar dependente da verificação ou não verificação da mesma condição; muitas vezes constituirá um deles a base negocial do outro (…)»[23].

No caso dos autos, cada um dos contratos é motivo da celebração do outro. Portanto, atenta a causa de pedir e o pedido formulado na presente acção, se for declarada a nulidade de qualquer um deles, tal repercutir-se-á, inevitavelmente, em face da vontade das partes, em cada um dos outros, não fazendo consequentemente qualquer sentido que se remeta para apreciação pelo tribunal arbitral o único dos três contratos em que existe cláusula compromissória.

De facto, à semelhança do que acontece para decidir a matéria da excepção de incompetência material, também no caso em apreço há que considerar a factualidade emergente dos articulados globalmente considerada, abrangendo, portanto, a causa de pedir, as excepções deduzidas, e o pedido formulado[24].

Ora, nos termos do artigo 96.º, n.º 1, do CPC “[o] tribunal competente para a acção é também competente para conhecer dos incidentes que nela se levantem e das questões que o réu suscite como meio de defesa”.

Portanto, tendo sido suscitada pelas rés a questão da preterição do tribunal arbitral quanto a um dos contratos mas verificando-se que o mesmo está intrinsecamente dependente dos demais para os quais o tribunal judicial é o competente, pode este conhecer por via deste preceito legal, da matéria que as partes haviam inicialmente submetido a jurisdição arbitral.

De facto, tem sido entendido que a expressão “incidentes” referida no n.º 1 do artigo 96.º do Código de Processo Civil deve ser tomada em sentido amplo, englobando também os pedidos acessórios ou dependentes formulados em acumulação real, mesmo quando para o seu conhecimento isoladamente considerado fosse competente foro diferente do comum, isto por via da extensão de competência ou competência conexa consagrada no referido preceito[25].

Esta extensão da competência, como é pacífico, visa evitar a suspensão da causa principal até ao julgamento das questões prejudiciais ou incidentais.

Desta sorte, sendo o tribunal judicial competente[26] em razão da matéria para conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes nos presentes autos, e existindo uma união de contratos bilateralmente dependentes, será também competente para conhecimento das questões relativas ao único dos três contratos cujos litígios as partes haviam acordado submeter ao tribunal arbitral, por via da extensão de competência prevista no citado preceito legal[27].

      Procedem, com estes fundamentos, as conclusões das alegações do recurso, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.


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            III.3 – Síntese conclusiva

I - Apesar da revogação da Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, pelo artigo 5.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, não estando a situação que se nos apresenta prevista na disposição transitória que consta no artigo 4.º desta lei, a apreciação do regime aplicável ao caso em apreço está subordinada à previsão daquela primeira lei.

II - Em face do disposto no artigo 21.º, n.º 1, da LAV, incumbe prioritariamente ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal efeito os pressupostos que a condicionam, e podendo fazê-lo mesmo que as partes tenham invocado a nulidade do contrato onde se insere a convenção de arbitragem.

III - Atento o efeito negativo da convenção de arbitragem, - agora inclusivamente consagrado no artigo 5.º da LAV ora em vigor -, os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição comum, quando seja manifesto que se está perante convenção de arbitragem inexistente, nula, ineficaz, ou inexequível.

IV - A manifesta inexistência, nulidade, ineficácia original ou superveniente ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, é aquela que se apresente ao julgador de forma evidente, não carecendo de qualquer produção de prova para ser apreciada.

            V - Impondo a causa de pedir e o pedido formulado no processo judicial a apreciação de três contratos, e existindo convenção de arbitragem apenas num deles, para aquilatar se a competência do tribunal arbitral se pode ou não estender aos demais, importa determinar casuisticamente qual foi a vontade das partes nesta matéria.

            VI - A existência de partes distintas nos contratos e de pactos de atribuição de competência nos demais contratos, afasta a possibilidade de se concluir que a intenção das partes foi estender a competência do tribunal arbitral constante da cláusula compromissória dum deles, à apreciação de todos os litígios decorrentes dos mesmos.

            VII - Tratando-se de contratos que estão entre si numa relação de interdependência se for declarada a nulidade de qualquer um deles, tal repercutir-se-á, inevitavelmente, e em face da vontade das partes, em cada um dos outros contratos, razão pela qual, não faz qualquer sentido que se remeta para apreciação pelo tribunal arbitral o único dos três contratos em que existe cláusula compromissória, quando uns estão dependentes dos outros.

            VIII - Ao invés, atento o disposto no artigo 96.º, n.º 1, do CPC, sendo o tribunal judicial competente em razão da matéria para conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes nos presentes autos, e existindo uma união de contratos bilateralmente dependentes, será também o mesmo competente para conhecimento das questões relativas ao único dos três contratos cujos litígios as partes haviam acordado submeter ao tribunal arbitral, por via da extensão de competência prevista no citado preceito legal.


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IV - Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se a decisão impugnada, julgando-se consequentemente improcedente a excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário, e determinando-se o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.

Custas do recurso a cargo das Apeladas.

Notifique.


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Virgílio Mateus

Carvalho Martins


[1] Doravante abreviadamente designado CPC.
[2] Apesar de não tendo sido elencados nestes termos pela primeira instância nos termos do artigo 659.º, n.ºs 2 e 3, do CPC, mas constando dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados pelas rés, atendem-se nesta sede, em face do disposto no artigo 713.º, n.º 2, do referido código.
[3] Do documento n.º 1 – junto de fls. 161 a 163 dos autos – certidão permanente da sociedade autora.
[4] Do documento n.º 1 – junto de fls. 161 a 163 dos autos – certidão permanente da sociedade autora.
[5] Do documento n.º 1 – junto de fls. 161 a 163 dos autos – certidão permanente da sociedade autora.
[6] Do documento n.º 2 junto de fls. 165 a 172 dos autos – escritura pública de constituição de usufruto.
[7] Do documento 3 – Contrato de Adesão, junto de fls. 174 a 223 dos autos.
[8] Do documento 4 – Contrato de Insígnia Intermarché, junto de fls. 226 a 282 dos autos
[9] Do documento 5 - Contrato de Arrendamento, junto de fls. 284 a 316 dos autos.
[10] Ou seja, no dia 15 de Março de 2012, e não no dia 14 de Março, como é defendido pela Associação Portuguesa de Arbitragem in http://arbitragem.pt/, porquanto a lei refere “após” o que significa “decorridos”, “depois de”. Por isso,  atento o disposto no artigo 279.º, alíneas b) e c) do Código Civil, que rege quanto à contagem de prazos, tendo a lei sido publicada no dia 14 de Dezembro, e tendo uma vacatio de três meses, tal prazo termina às 24 horas do dia 14 de Março. Portanto, a lei só entrou em vigor no dia 15.
[11] Doravante abreviadamente designado CC.
[12] Doravante abreviadamente designada LAV.
[13] A lei actual tem idêntica formulação no respectivo artigo 18.º.
[14] Também referido em inglês como Competence-Competence, e em alemão Kompetenz-Kompetenz. Note-se, porém, que esta expressão do direito alemão tem um significado tradicional diferente daquele que, em matéria arbitral, se encontra actualmente consagrado na maioria das legislações nacionais e internacionais sobre arbitragem. De facto, a mesma significa tradicionalmente que os árbitros têm competência para decidir definitivamente sobre a sua competência, sem possibilidade de recurso dessa decisão para os tribunais judiciais, enquanto o que se mostra legalmente consagrado na maioria das legislações é que os árbitros têm tal competência mas a sua decisão admite recurso, ainda que com contornos diversos. Cfr. a este respeito os exemplos legislativos que são referidos por Lino Diamvutu, in “O princípio da Competência-Competência na Arbitragem Voluntária”, texto de Conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, em 12-10-2009, disponível in www.fd.ul.pt.
[15] Cfr. Mariana França Gouveia e Jorge Morais Carvalho, in Convenção de Arbitragem em contratos múltiplos. Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2011, proferido no processo n.º 5961/09, publicada no n.º 36 dos Cadernos de Direito Privado, págs. 41 a 43, citando doutrina e jurisprudência que seguiram as referidas posições.
[16] Cfr. Ac. STJ de 10-03-2011, anotado, na esteira do que já havia sido decidido pelo Ac. STJ de 20-01-2011, proferido no processo n.º 2207/09.6 TBSTB.E1.S1, ambos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt.
[17] Cfr. citado Ac. STJ de 10-03-2011.
[18] Cfr. neste sentido, os citados autores, pág. 44.
[19] Cfr. os referidos autores a págs. 45 e 46, citando o autor indicado, in Complex Arbitrations, 2005, págs. 109, 113, 133 e 153.
[20] Cfr. Lino Diamvutu, loc. cit., pág. 21.

[21] Como aconteceu na situação a que se refere o Acórdão do TRC de 15-11-2012, proferido no proc.º n.º 9/11.9TVLSB-C.L1-2 e disponível em www.dgsi.pt.

[22] Cfr. Galvão Teles, in Direito das Obrigações, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 60. Cfr. na jurisprudência, neste preciso sentido, o Ac. STJ de 11-09-2007, proc.º 07A2104, disponível em www.dgsi.pt.
[23] In Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, Almedina 1986, págs. 265 e 266. No mesmo sentido, também Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1984, pág. 257.
[24] Cfr. neste sentido, a propósito da competência material, Ac. STJ de 08-05-2003, proc.º 03B3846, disponível em www.dgsi.pt.
[25] Cfr. neste sentido, o citado acórdão, e os Acs. STJ de 13-03-2008, proc.º 08A391, e 09-03-2004, proc.º 04A117, também disponíveis no local citado.
[26] Em face da existência dos pactos de atribuição de competência ao foro de Lisboa, excepção que não chegou a ser conhecida – apesar de ter sido referida – pelo Tribunal a quo e, por tal, não foi objecto de recurso, quando nos referimos a tribunal judicial reportamo-nos ao tribunal judicial competente, quer seja o Tribunal Judicial de Alcanena quer venha a considerar-se que são as Varas Cíveis de Lisboa, em sede de decisão da suscitada excepção.
[27] Cfr. neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, pág. 170.