Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
805/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MEDIDA DA SUA RESPONSABILIDADE NA PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
Data do Acordão: 05/03/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º, 2º E 3º DA LEI Nº 75/98, DE 19/11, E ARTºS 3º E 4º DO D.L. Nº 164/99, DE 13/5.
Sumário: I – O FGADM garante o pagamento das prestações de alimentos a menores apenas a partir do momento em que é chamado a substituir o devedor, o qual ocorre na sequência do incidente de incumprimento do devedor originário, tramitado nos termos do artº 3º da Lei nº 75/98 .
II – O dever do Estado reveste natureza subsidiária e autónoma, limitando-se à garantia dos alimentos devidos a menores e assegurando o pagamento das prestações mensais atribuídas pelo tribunal enquanto subsistirem as circunstâncias que motivaram a sua concessão, desde o momento em que é desencadeada esta decisão e até que cesse a obrigação do devedor .
Decisão Texto Integral: 4

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- O «Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social» veio agravar do despacho proferido a fls.525-528 na parte em que determinou que fiquem a cargo do «Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores» (FGADM), as prestações de alimentos vencidas desde Julho de 2004, também no montante mensal de 200 €.
Concluiu assim, e em síntese nossa, as alegações de recurso:
1ª- Não foi intenção do legislador da Lei 75/98 de 19.11, regulamentada pelo DL 164/99 de 13.5, prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado, ou parte dele, pelo obrigado judicialmente a prestar alimentos aos menores;
2ª- Foi antes intenção ficar a cargo do Estado apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo Tribunal dentro de determinados parâmetros;
3ª- Deve ter-se presente a ratio legis dos diplomas no âmbito do «FGA», que, a na sua razão de ser, visa assegurar a prestação de alimentos a menores, um mês após a notificação da decisão do tribunal, e não o pagamento dos débitos acumulados anteriormente pelo progenitor responsável pelo pagamento dessas prestações;
4ª- Não nos parece curial que o Estado pague os débitos do progenitor relapso. Fazer impender sobre o «Fundo» a obrigação de satisfazer o débito acumulado anularia ab initio - subvertendo o espírito da lei – a verificação de tal pressuposto, porquanto deixariam de subsistir prestações em dívida;
5ª- A referida Lei e Dl decorrem, essencialmente, da falta de cumprimento da obrigação de alimentos por parte do devedor e da preocupação do Estado em instituir uma garantia de alimentos aos menores para lhes assegurar aqueles de que carecem, garantia traduzida na fixação de uma prestação em função das condições actuais do menor e do seu agregado familiar, que podem ser diferentes das que determinaram a primitiva prestação;
6ª- É pois uma prestação autónoma e actual que não visa subtrair definitivamente a obrigação de alimentos que recaiu sobre o obrigado a eles, mas antes proporcionar ao menor, de forma autónoma e subsidiária, a satisfação de uma necessidade actual de alimentos.
I.2- Contra-alegou o MºPº em defesa do julgado, sustentando que na fixação da prestação a suportar pelo «Fundo» podem e devem ser abrangidas as prestações já vencidas e não pagas pelo obrigado a alimentos.
Foi sustentado o despacho recorrido.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
Com interesse para a decisão a factualidade a considerar é a seguinte:
1- Na sentença de regulação do poder paternal relativo ao menor A... proferida a 9.6.04, ficou estabelecido que os pais, B... e C..., contribuiriam, respectivamente, a título de alimentos, o primeiro com a quantia mensal de 150,00 €, e a segunda, com a quantia de 50,00 €, a entregar directamente aos tios paternos, D... e E... a cuja guarda o menor foi confiado;
2- Em 28.12.04, a E... informou o tribunal que até a esta data não recebeu qualquer quantia fixada a título de alimentos;
3- A E... aufere um rendimento mensal de cerca de 200,00 € como trabalhadora do campo, e o D..., também como trabalhador do campo aufere uma quantia mensal de cerca de 350,00 €.

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II.2 - de direito
No despacho em crise foi decidido que a prestação de alimentos no montante total de 200,00 € devida ao menor pelos seus progenitores fosse suportada pelo «Fundo», fixando-se a mesma em idêntico valor, por se considerar verificados os pressupostos previstos na Lei 75/98, de 19.11 e nos arts.3º e 4º do DL 164/99, de 13.5.
Mais se decidiu que o «Fundo» suportasse as prestações de alimentos não pagas desde Julho/04.
Não se discute a obrigação do Estado, através do «Fundo-FGADM», ao pagamento mensal da prestação de alimentos ao menor enquanto não for possível obter alimentos de quem estava judicialmente obrigado.
Nem vem questionado o montante da prestação fixada a cargo do mesmo «Fundo».
A questão – única - suscitada no recurso e que importa resolver, está em saber se o «FGADM» deve também assegurar o pagamento das prestações que estão em dívida antes de ter sido requerida pelo MºPº a sua intervenção (Julho/04 a Dezembro/04).
Esta questão é controversa, mas é largamente maioritária a orientação jurisprudencial das Relações que vai no sentido defendido pela agravante.( Entre outros, os Acs. R.E. de 16.12.03 (CJ V/03-268), R.P. de 15.6.04 (CJ III/04-201), R.C. de 12.4.05 (CJ II/05-23) e R.L. de 13.7.05 (CJ IV/05-83).)
É também entendimento nosso, que o «Fundo» garante o pagamento das prestações de alimentos a menores apenas a partir do momento em que é chamado a substituir o devedor. Esse momento ocorre na sequência do incidente de incumprimento do devedor originário, tramitado nos termos do art.3º da Lei 75/98.
A razão está no critério da fixação dos alimentos que radica em dois tipos de protecção: a familiar e a estatal.
A obrigação alimentar dos pais para com os filhos decorre do poder paternal e está contida nos arts.1878º a 1880º/C.C.. Portanto, quando o tribunal condena o (s) progenitor (es) ou outra pessoa legalmente obrigada a prestar alimentos a menores (art.2009º/C.C.), a pagar prestação de alimentos, fá-lo no âmbito do dever paternal de alimentos, dando assim cumprimento àquela obrigação que recai sobre os pais de prestar alimentos a favor dos filhos, ou na base da solidariedade familiar. A obrigação de alimentos que aqui está subjacente é aquela que tem a sua génese num vínculo específico de natureza familiar entre alimentante e alimentado.( Cfr. Luís Miguel Lucas Pires, «os aspectos processuais e as garantias do direito a alimentos», in «Lex familiae», ano I – nº2, pág.44.)
Caso o alimentante não cumpra a sua obrigação e não sendo possível obter o pagamento pelo meio previsto no art.189º da OTM, verificado ainda que o alimentado não possui rendimento líquido superior ao do salário mínimo nacional, nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado – através do «FGADM» - assegurará, então, as prestações até ao início do efectivo cumprimento da obrigação, prestações que não têm de confinar-se ao montante que foi inicialmente fixado (arts.1º e 2º da Lei 75/98 e 3º do DL 164/99).
A intervenção do Estado é, assim, feita no cumprimento de uma obrigação própria em situações de falta ou diminuição de meios de subsistência que decorre do direito a alimentos devidos a menores consagrado nos arts.63º/2 e 69º/2 da Const.R.P..( Cfr. a este propósito o artigo publicado a págs.81 a 92 da citada revestida (ano II – nº3) do Desembargador desta Relação, Dr. Paulo Távora Vítor.)
O dever do Estado reveste, pois, natureza subsidiária, limita-se à garantia dos alimentos devidos a menores, assegurando o pagamento das prestações enquanto subsistirem as circunstâncias que motivaram a sua concessão e até que cesse a obrigação do devedor.
Conforme se escreveu no Ac. desta Relação de 26.6.01 (agravo nº1386/01) “Trata-se de obrigações autónomas, independentes, apenas sucedendo que uma das razões para o nascimento da obrigação do Estado é a falta de cumprimento da obrigação do devedor”.
Em suma, o critério da fixação dos alimentos que o Estado assegura não é o mesmo que vigora no âmbito do dever paternal. Não podendo, pois, haver uma igualdade ou paridade entre a obrigação decorrente desse dever e a obrigação de protecção de crianças em situação de carência que se constitui sobre o Estado prevista na Lei 75/98, entende-se que não cabe ao «Fundo» pagar as prestações de alimentos em dívida pela pessoa vinculada ao seu pagamento, substituindo-se a ele.
Como se afirmou no Ac.R.P. de 4.7.02 (agravo nº 657/02), as prestações devidas constituem um crédito de quem, na ausência ou durante o incumprimento do requerido, custeou unilateralmente, ao longo dos anos, a satisfação das necessidades do menor.
Consoante antes se afirmou, o «Fundo» garante o pagamento das prestações mensais a atribuir pelo tribunal em substituição do devedor inadimplente, a partir do momento em que é desencadeada esta decisão.
Por isso, não tem de assegurar as prestações que estejam em dívida pelo devedor relapso à data do requerimento da sua intervenção nos termos dos arts.1º da Lei 75/98 e 3º do DL 164/99. Só àquele devedor pode exigir-se o pagamento do débito acumulado.
Nesta medida, o «Fundo» garantirá o pagamento das prestações de alimentos fixadas que se forem vencendo desde a data em que é desencadeado o mecanismo de substituição previsto nos citados diplomas, fazendo assim sentido que se considere o princípio contido no art.2006º/C.C..( Neste sentido os atrás citados Acs. R.E e da R.L.)
Revertendo ao caso concreto, a agravante iniciará o pagamento das prestações de alimentos devidas ao menor A... que foram fixadas na decisão recorrida, desde a data da suscitação do presente incidente de incumprimento visando a intervenção estatal, ou seja, desde Janeiro de 2005.
Ao contrário do decidido, não há que lhe impor o pagamento das prestações vencidas até então a cargo do devedor originário.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em conceder provimento ao agravo, e, em consequência, revoga-se a decisão agravada na parte em que determinou que fiquem a cargo da agravante as prestações de alimentos vencidas desde Julho de 2004, devendo a agravante, porém, proceder ao pagamento das prestações que lhe foram fixadas, a partir de Janeiro de 2005.
Sem custas.
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COIMBRA,