Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2168/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
QUESTÕES A CONHECER
MÁ FÉ PROCESSUAL
Data do Acordão: 11/29/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA GUARDA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 456º ; 660º, Nº 2 E 668º, Nº 1, AL. D), DO CPC .
Sumário: I – A nulidade da sentença por falta de pronúncia ou por excesso desta – al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC – está intimamente ligada à imposição que recai sobre o juiz, prevista no artº 660º, nº 2, do CPC, que estabelece que o mesmo deverá resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras .
II – O vocábulo “questões” tem um sentido técnico-jurídico preciso, sendo dominantemente entendido que o mesmo não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir .

III – Resulta do artº 456º, nº 2, do CPC, que a litigância de má fé pressupõe uma actuação dolosa ou com negligência grave, consubstanciada objectivamente numa das diversas situações previstas nas alíneas desse preceito .

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra,

I – RELATÓRIO

A..., intentou acção declarativa tramitada sob a forma do processo sumário, contra B... e C..., pedindo que fosse declarada a nulidade da escritura de compra e venda de imóvel entre eles celebrada ou, caso assim se não entendesse, a sua anulação.
Alegou para tanto a autora, ser dona, por o ter adquirido em 1995, do prédio urbano, situado em Moinho da Lapa, com a área de 40 m2 e inscrito na matriz predial sob o art.º 93.
Autora e réu são filha e pai, respectivamente.
Porque ambos fossem sócios da sociedade “D....”, o réu solicitou à autora procuração com poderes para lhe administrar os bens no âmbito da sociedade, o que a autora fez.
O imóvel foi arrendado à sociedade “D....”, que nele fez obras, no valor de 5.000.000$00.
O 1.º réu, sem o consentimento e contra a vontade da autora, fazendo uso da procuração que lhe tinha sido outorgada para administrar os bens no âmbito da sociedade supra referida, procedeu à venda do imóvel, por escritura de compra e venda;
A outorgante compradora e 2.ª ré, vive maritalmente com o 1.º réu.
A autora apenas teve conhecimento da compra e venda em Novembro de 1998, sendo que a electricidade do imóvel foi requerida em seu nome, o que impossibilitou que tivesse conhecimento da venda.
Os réus contestaram, alegando, em síntese, que:
O prédio foi adquirido em nome da autora, mas com dinheiro do 1.º réu, que pagou directamente aos vendedores José Marques e Angelina dos Anjos Lopes;
A autora não despendeu qualquer quantia com a aquisição do prédio, sendo por isso, que lhe outorgou os poderes que constam da procuração.
Mais alega que a autora alega factos que sabe serem falsos, alterando de forma deliberada a verdade dos mesmos e deduzindo pretensão que sabe despida de fundamento, pelo que peticiona a sua condenação em multa, como litigante de má fé.
Foi proferido despacho saneador e elaborado despacho que fixou os factos assentes e os constitutivos da base instrutória, não tendo aquele sido objecto de recurso nem este de quaisquer reclamações.
Instruído o processo, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, finda a qual foram dadas as respostas que constam de fls. 198, que não foram objecto de reclamação válida.
Foi proferida sentença, a qual julgou a acção não provada e improcedente, tendo assim absolvido os RR. do pedido.
Inconformada com tal decisão, veio a A. recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões:
A) A acção foi julgada improcedente, contudo, a matéria dada como provada e dada como não provada não parece ser suficiente para decidir como decidiu o M° Juiz a quo.
B) Nem tão pouco existem factos suficientes para se poder concluir com exactidão como se decidiu.
C) O tribunal de primeira instância fundamentou a sua decisão nos artigos 268° e 269° ambos do C.C., sendo que tal fundamentação não consubstancia o que está provado documentalmente nos autos.
D) Isto porque, se atendermos ao disposto no artigo 269°-2 do C.C., exige-se o conhecimento do abuso pela outra parte.
E) No caso concreto e não obstante não existir facto controvertido nesse sentido, a outra parte, neste caso a ré C..., conhecia perfeitamente o abuso, pois e talvez pelo receio do resultado dos presentes autos, enviou uma declaração á autora, por si assinada, e que se encontra junta ao requerimento apresentado dia 18-05-1999, a fls..
F) Ora este documento não foi impugnado, sendo um documento válido e com todo o valor probatório.
G) Só que, não foi tomado em consideração a quando da elaboração da sentença, tendo sido violados os artigos 374°, 375 ° e 376° todos do CC., e arts. 660°-2 e 669°-2 do CPC (segunda parte), pois, não tendo sido impugnado, o teor do mesmo faz prova plena.
H) Como se não bastasse, consta da referida escritura que o imóvel foi vendido pelo valor de 55.000$00 (cinquenta e cinco mil escudos), quando na realidade tinha um valor superior a
7.000.000$00 (sete milhões de escudos) em resultado das obras que entretanto nele foram efectuadas.
I) Este último facto pode não ser suficiente para afirmar a existência da intenção dos réus em prejudicar a autora, contudo é um facto que indicia essa mesma intenção por parte de ambos os réus.
- E a ré tem obrigação de saber que assinou uma procuração ao réu com poderes para este comprar, vender e administrar em seu nome bens, pelo que é na sua esfera jurídica que se reflectem os direitos e obrigações inerentes a esse facto, pelo que ela é responsável a este titulo.
J) Como pode afirmar-se que não está provado que houve conluio entre os RR. para prejudicarem a A.?.
K) Por todos os factos que ficam referidos, demonstra-se que nem a autora quis vender aos réus, nem a ré quis comprar á autora.
L) Como se explica que está provado no quesito 14.º que na data da celebração da escritura a ré vivia maritalmente com o réu B...?
M) E para colmatar todo o exposto, salienta-se que está provado que os RR. vivem no imóvel contra a vontade da A.
N) Pretenderam os RR. continuar a viver naquele imóvel, ainda que contra a vontade da autora, recorrendo á escritura nos termos em que o fizeram ou seja, contra a vontade da autora, e no sentido de a prejudicar e por forma a serem eles beneficiados, sendo o que se verifica.
O) Reforça-se que a autora está prejudicada, e que houve conluio entre os réus.
P) Prova do que se refere é outro requerimento apresentado pela autora após a data da resposta á matéria de facto (ou seja depois de encerrada a audiência de discussão e julgamento), e no qual se transcreve factos em que a ré é interveniente. Esta ousou apresentar-se no local de trabalho da mãe da autora, e frente a testemunhas devidamente identificadas, em suma diz que julgava que o imóvel dos presentes autos já se encontrava em nome dos três filhos do réu B....
Q) Reconheceu ainda que nunca pagou qualquer quantia por conta deste imóvel, imputando a culpa de todo este processo ao réu.
R) Existe uma errada aplicação das normas jurídicas invocadas mormente artigos 242°, 268°, 269° todos do CC..
Isto porque,
S) Na realidade aplicam-se ao caso concreto, mas com fundamentação e conclusão diversa da dada pelo tribunal de primeira instância.
T) O tribunal de pequena instância fundamentou a decisão, salvo o devido respeito, de forma “aligeirada”.
W) Verifica-se a falta de mais matéria de facto relevante para a decisão da causa, por forma a poder decidir-se segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida, tendo neste sentido sido violado o artigo 511.º, n.º 1 do CPC.
Y) Não pode deixar de se referir que, e salvo o devido respeito, a prova produzida foi no sentido de dar como provados os factos 1.º a 6°, 9.º e 10°.
X) Não obstante isso, entendeu o M° Juiz a quo dar a resposta que deu, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova.
Z) A autora reclamou sem sucesso. Dispôs-se a apresentar as mesmas ou outras testemunhas, sem sucesso.
AA) Está demonstrado que o M.° Juiz devia pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (ex. documento referido nos pontos 6. e 7.) bem como sobre a questão do pedido que a autora fez no sentido dos réus serem condenados como litigantes de má fé (cfr. Articulado apresentado em 18-05-1999).
BB) Não o tendo feito, viola a sentença recorrida o artigo 668.º, n.º 1, al. d) do CPC.
CC) Faltam elementos de facto indispensáveis à apreciação da questão suscitada, e podia e devia o Sr. Juiz a quo, em caso de dúvida, ter tido uma posição mais activa sobre a lide, isto por forma a aproximar-se mais da verdade material, nos termos dos artigos 264°, 265 do CPC, e não o fez!

Não foram apresentadas contra-alegações.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO;
Questões a conhecer

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pela apelante, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC.
Vejamos então as questões que são suscitadas pela apelante:

1. – Impugnação da matéria de facto
- alteração das respostas aos quesitos 1.º a 6º, 9.º e 10.º.

2. – Insuficiência de matéria de facto – violação do art.º 511.º do CPC

3. – Reforma da sentença art.º 669.º, n.º 2, al. b) do CPC

4. – Nulidades da sentença – art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC

5. – Violação do princípio do inquisitório

III – FUNDAMENTOS

1. De facto

Na sentença recorrida foram os seguintes os factos dados por provados:
A) Pela inscrição G199509210004 – Ap. 4, foi inscrita a aquisição de tal prédio a favor de A....
B) Encontra-se, actualmente, em vigor a inscrição G199970715003, aquisição a favor de C....
C) Procuração junta a fls. 7, que se dá por reproduzida, nomeadamente, que A..., na qualidade de outorgante, constituiu seu bastante procurador o Dr. Barbas Valente, a quem deu poderes para “... com livre e geral administração civil, reger e gerir todos os bens dela outorgante; ... para comprar e vender, permutar, quaisquer bens imóveis, outorgar e assinar escrituras...”.
D) Procuração de fls. 13, que se dá por reproduzida, nomeadamente, que C..., na qualidade de outorgante, constituiu seu bastante procurador o 1.º réu, Dr. Barbas Valente, a quem deu poderes para “ ... para vender ou comprar pelo preço e condições que achar convenientes quaisquer prédios ... na freguesia de Vila Soeiro...”.
E) Por escritura de compra a venda, lavrada em 13-06-1997, no Cartório Notarial de Celorico da Beira e exarada a fls 15 a 15 verso, do Livro 605- A, o Dr. B..., em representação da vendedora A... e da compradora C..., declarou, na qualidade de procurador de A... vender à sua representada C... o prédio descrito em A), pelo preço de 55.000$00 e, em representação desta, declarou aceitar este contrato para a sua representada.
F) Os RR habitam o prédio descrito em A).
G) A autora apenas em Novembro de 1998 teve conhecimento que o R. B... tinha vendido o prédio descrito em A)
H) Foram realizadas obras no valor de mais de 24.939,89 euros.
I) Aumentando o valor ao prédio para preço superior a 34.915, 85 euros.
J) A luz eléctrica do prédio descrito em A) foi requisitado à EDP, em nome da autora.
K) Os RR vivem no prédio contra a vontade da autora.
L) Na data da celebração da escritura, a Ré vivia maritalmente com o R. B....

2. De direito

Antes de apreciarmos as questões supra elencadas, convém deixar expresso que as conclusões do presente recurso se revelam bastante extensas, contrariando a ideia do que delas se pretende e que se mostra consagrado no art.º 690.º, n.º 1 do Código de Processo Civil Diploma a que nos referiremos de ora em diante, sempre que expressamente não indiquemos outro. .
De igual forma mostram-se algo dispersas e pouco sistematizadas, tendo exigido da nossa parte a superação dessa anomalia.

1. – Impugnação da matéria de facto
- alteração das respostas aos quesitos 1.º a 6º, 9.º e 10.º.

Nas alegações refere a recorrente pretender a alteração das respostas dadas aos quesitos 1.º a 6.º, 9.º e 10.º (dados como não provados).
Para fundamentar essa sua pretensão, refere que a prova existente nos autos é no sentido contrário à que foi dada pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, fazendo referência ao facto de ter reclamado sem sucesso das respostas então dadas, tendo- -se ainda disposto a apresentar as mesmas ou outras testemunhas e de existir nos autos o doc. de fls. 45 que não foi considerado na 1.ª instância apesar de se tratar de doc. não impugnado.
A recorrente parece olvidar que o direito processual civil é um ramo do direito que segue regras relativamente apertadas (pese embora a margem de alguma manobra que é dada ao juiz, como entidade reguladora, que no âmbito do princípio do inquisitório pode por vezes superar algumas deficiências das partes ou do processo, para salvaguarda, designadamente, da verdade e da celeridade processuais, desde que tal não se traduza na beneficiação duma das partes face a outra – vd. art.º 265.º), exigindo por isso uma postura processual cautelosa e acertiva, impondo a prática dos actos nos momentos legalmente previstos para o efeito, estabelecendo a preclusão do direito à sua prática se não forem praticados nesses momentos e consagrando a estabilidade da instância, por via designadamente da figura do caso julgado formal.
As considerações que acabamos de tecer têm particular pertinência no caso em apreço, pois que a recorrente faz apelo a situações que não podem ser alvo de discussão neste momento e nesta sede.
Com efeito, se é certo que a apelante apresentou reclamações sobre a matéria de facto resultante da audiência de discussão e julgamento, não é menos verdade que esse seu requerimento foi indeferido por extemporâneo (fls. 204), sendo certo que sobre tal despacho não recaiu qualquer recurso, tendo por isso que se considerar tal questão definitivamente decidida, não podendo agora ser aqui trazida à colação (art.º 672.º).
Quanto ao valor probatório do doc. de fls. 45 e à sua relevância em sede recursiva, isto é, em que medida é que tal doc. poderá provocar uma alteração da matéria de facto dada por provada, importará ter presente o que é estabelecido no art.º 712.º.
Com efeito, este normativo legal refere nas três alíneas do seu n.º 1, quais as situações em que tal pode ocorrer, indicando-se por seu turno no n.º 1 do art.º 690.º-A, do mesmo diploma legal, quais os procedimentos que o(a) recorrente deve assumir para que tal reapreciação possa verificar-se.
Tendo presente o caso em apreço, há desde logo que afastar a aplicabilidade da alínea a), do n.º 1, do citado art.º 712.º, pois que tendo sido produzida prova testemunhal e não tendo esta sido objecto de gravação, não estamos face a uma situação em que se encontrem à nossa disposição todos os elementos probatórios que estiveram na base da decisão de facto proferida na 1.ª Instância.
Da mesma forma haverá que afastar a aplicabilidade da alínea c) desse n.º 1, visto que não foi apresentado supervenientemente, qualquer documento susceptível de, por si só, ser suficiente para destruir a prova em que assentou a decisão sobre a matéria de facto.
Resta-nos como única possibilidade de alteração da matéria de facto a previsão ínsita na al. b), do n.º 1, do art.º 712.º: “Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas”.
Interessa pois saber se os elementos a que a recorrente faz alusão para sustentarem a modificação da matéria de facto, impõem tal tomada de posição, em moldes que não permitam outra resposta (designadamente a que foi dada).
Ora, lendo o doc. de fls. 45, não descortinamos em que medida é que o mesmo poderia ter alterado de forma decisiva a indicada matéria de facto, pois que aquele reporta-se a uma declaração de venda da Ré C... à A. e seus irmãos e os quesitos em causa referem-se a factos relacionados com a aquisição do imóvel por parte da A. (seu valor e meios utilizados para a aquisição), à procuração passada por esta ao Réu (razões da mesma e sua abrangência) e à falta de comunicação por parte do Réu da venda realizada.
Por outro lado, há ainda que ter presente que o doc. em causa é um doc. particular que, não tendo sido impugnado pela Ré e tendo a assinatura reconhecida notarialmente, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (artgs. 363.º, n.ºs 1 e 2, 373.º, n.º 1, 374.º, n.º 1 375.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, todos do Código Civil), sendo certo porém que fora do âmbito da sua força probatória material legal (a respeitante ao próprio conteúdo do documento, às declarações nele incluídas) vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo tribunal (art.º 655º, n.º 1).
Do que se deixa dito deriva que o tribunal aprecia livremente, segundo a sua prudente convicção, o conteúdo de tal documento, dele tirando as suas conclusões, em conformidade com as suas impressões colhidas, e de acordo com a convicção que através delas se for gerando no seu espírito, de acordo com as regras da ciência, do raciocínio, e das máximas da experiência que forem aplicáveis ao caso.
No caso em apreço, o doc. invocado pela A./recorrente não tem força suficiente para levar a que se alterasse as respostas dadas aos apontados quesitos, pois que é susceptível de ser destruído por outros meios de prova, sendo certo que como já referimos houve prova testemunhal produzida que não pode por nós ser apreciada por não ter sido objecto de gravação
Daqui se retira também não ser aplicável, ao caso, o disposto na alínea b), do n.º 1, do art.º 712.º, não havendo por isso razões para alterar a matéria de facto como era pretensão da apelante.

2. – Insuficiência da matéria de facto – violação do art.º 511.º

Entende a apelante que os autos revelam uma insuficiência de matéria de facto, o que na sua óptica se traduz numa violação do art.º 511.º do CPC.
Para além da circunstância da recorrente não especificar quais os factos adicionais, alegados pelas partes, que pretenderia que constassem ou dos factos assentes ou da base instrutória, o que implicaria desde logo que essa sua pretensão estivesse votada ao insucesso, sempre se dirá que uma vez mais se invoca um preceito legal insusceptível de ser aplicado nesta sede de recurso.
Com efeito, a alegada insuficiência de matéria de facto é questão que não poderia ser suscitada neste tribunal de recurso, pois que não foi objecto de reclamação em devido tempo na 1.ª instância (art.º 511.º, n.º 2).
Na realidade, como se refere no acórdão do S.T.J. de 11/01/2000, “A fase da fixação dos factos termina com a respectiva impugnação no recurso interposto da decisão que fixou a matéria de facto em 1.ª instância, nos termos do n.º 3, do art.º 511.º e n.º 4 do art.º 712.º do C.P.C., sendo certo que tal impugnação só pode ser feita se houve reclamação a seu tempo, pois a impugnação consentida só pode respeitar ao despacho que decide a reclamação.” Revista n.º 871/99 – 6.ª Secção, in www.dgsi.pt
Ora, verifica-se dos autos que o despacho que deu por assentes alguns dos factos constantes dos articulados e que elaborou a base instrutória, não foi alvo de qualquer reclamação, havendo por isso que concluir que não o tendo sido então não o pode ser agora.
Por outro lado, analisando a decisão sobre a matéria factual que resultou provada e não provada, não se nos afigura que a mesma surja como deficiente, obscura ou contraditória, de molde a levar-nos, oficiosamente, a determinar a sua anulação, nos termos previstos no art.º 712.º, n.º 4.
O que no caso se passou foi que o Senhor Juiz interpretou diferentemente da apelante os elementos probatórios existentes no processo, tendo a sua decisão sobre a matéria de facto reflectido essa diferente apreciação da prova.
Os autos não revelam no entanto a existência dos pressupostos de aplicação do referido n.º 4, do art.º 712.º.
Por tais razões improcede também esta questão.

3. - Reforma da sentença art.º 669.º, n.º 2, al. b) do CPC

Entende a apelante que o Senhor Juiz não terá tomado em linha de conta o doc. de fls. 45, razão pela qual considera que terão sido violados os artgs. 374.º, 375.º e 376.º do Código Civil e 660.º, n.º 2 e 669.º, n.º 2.
A apreciação desta questão foi por nós já realizada no âmbito da inerente à impugnação da matéria de facto (ponto 1.), razão pela qual nos dispensamos de tecer mais comentários, a não ser aludirmos ao facto do documento em causa não implicar “necessariamente decisão diversa da proferida…”, o que afasta desde logo a aplicabilidade ao caso do apontado art.º 669.º, n.º 2, al. b).
Pelo que se deixa exposto há pois que concluir que também esta questão improcede.

4. – Nulidades da sentença – art.º 668.º, n.º 1, al. d) do CPC

Sustenta a recorrente que a sentença se encontra ferida do vício de nulidade previsto na alínea d) do n.º 1, do art.º 668.º, por via do facto do Senhor Juiz não se ter pronunciado sobre o documento de fls. 45, bem como sobre o pedido formulado pela A. de condenação dos RR. como litigantes de má fé.
A nulidade da sentença por falta de pronuncia ou por excesso desta – al. d) do n.º 1, do art.º 668.º - está intimamente ligada à imposição que recai sobre o juiz, prevista no art.º 660.º, n.º 2, e que estabelece que o mesmo deverá resolver “todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes…”.
Desde logo, tenha-se presente o que é referido no Acórdão do STJ, de 11/01/2000, Revista n.º 1062/99 – 6.ª Secção (in www.cidadevirtual.pt/stj/secciv.html): “Só ocorre nulidade do acórdão nos termos do art.º 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, se o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões suscitadas e não os simples argumentos e opiniões ou doutrinas expendidas pelas partes”.
Ora, quanto à primeira invocada nulidade – falta de apreciação de documento – há que referir que a mesma não se regista, pois que a nulidade ínsita na referida alínea d), reporta-se à omissão de pronúncia sobre questões suscitadas pelas partes, não sobre a omissão do conhecimento de determinado documento ou de argumentos esgrimidos pelas partes.
Com efeito, o vocábulo questões tem um sentido técnico jurídico preciso sendo dominantemente entendido que o mesmo não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por questões as concretas controvérsias centrais a dirimir Vd., entre outros, os Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec..
A não apreciação de determinado documento, que no entender da recorrente poderia levar a uma diferente resposta à matéria de facto provada e não provada, não pode de maneira alguma ser considerada como omissão do conhecimento de determinada questão, antes será assunto passível de ser abordado em sede de impugnação de matéria de facto.
Assim sendo, não se verifica a referida nulidade da sentença, reportada à alegada omissão de apreciação do documento em causa.
Já no que concerne à questão da não apreciação da alegada má fé dos RR./recorridos, afigura-se-nos assistir inteira razão à recorrente.
Na realidade, foi alegada e pedida pela A., no seu articulado de fls. 43-43 verso, a condenação dos RR. como litigantes de má fé, sendo certo que nem no despacho saneador, nem na sentença recorrida foi apreciada tal questão.
Assim, desrespeitou o Senhor Juiz do Tribunal a quo o determinado no art.º 660.º, n.º 2, o que implica a nulidade da sentença, atento o disposto no art.º 668.º, n.º 1, al. d).
Não tendo o Senhor Juiz suprido tal nulidade (art.º 668.º, n.º 4) e verificando-se que foi cumprido o contraditório quanto à questão em apreço, cumpre a este Tribunal de recurso apreciá-la em obediência ao disposto no art.º 715.º (regra da substituição ao tribunal recorrido).
Vejamos pois se assiste razão à recorrente quanto ao seu pedido de condenação dos RR. como litigantes de má fé.
A apelante formula este seu pedido no articulado de fls. 43-43 verso, sendo que o faz em resposta a pedido anterior, formulado pelos RR., no sentido de ser ela A. condenada como litigante de má fé.
Fá-lo, argumentando que os docs. de fls. 44 e 45 são reveladores de tal comportamento pouco ético e passível da sanção legal respectiva.
Apreciemos.
O art.º 456.º, n.º 2, classifica como litigante de má fé, aquele que, com dolo ou negligência grave:
“a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
“b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
“c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
“d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
Resulta pois do preceito, que a litigância de má fé pressupõe, uma actuação dolosa ou com negligência grave, consubstanciada, objectivamente numa das diversas situações previstas nas quatro alíneas de tal n.º 2.
No fundo, pode afirmar-se que “a má fé se traduz na violação do dever de probidade que o artigo 264º do C. Proc. Civil impõe às partes – dever de não formular pedidos injustos, não articular factos contrários à verdade e não requerer diligências meramente dilatórias”. Ac. do STJ de 30/09/2004, in, www.dgsi.pt
Há porém que ter presente que a interpretação a dar ao art.º 456.º do CPC não poderá nunca ser restritiva, de forma a inviabilizar o amplo direito de acesso dos cidadãos aos tribunais e a permitir o pleno exercício do contraditório.
Na realidade, a ousadia de apresentação duma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual.
A este propósito escrevia-se: “… a sustentação de teses controvertidas, bem como a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, pode consubstanciar uma lide temerária ou ousada, mas não integra a litigância de má fé, pois que tal não basta para que se presuma uma actuação dolosa ou com culpa grave.” Ac. do STJ de 16/01/2002, in, Rec. Agravo n.º 3520/01 – 4.ª Secção, Sumários, pág.57
Tendo presente estes princípios haverá que concluir que no caso em apreço não se poderá considerar que a actuação processual dos apelados assuma contornos de má fé.
Na realidade, há que ter presente que a tese sustentada pela A. para fazer valer o seu pedido principal da acção, não vingou, tendo os factos por si alegados e que foram levados à base instrutória resultado não provados, o que implicou a absolvição dos RR. de tal pedido.
Por outro lado, analisando a matéria de facto dada por provada não resulta da mesma que por qualquer forma o comportamento dos RR. se tenha revelado censurável, não tendo feito um uso reprovável do processo.
Consideramos por tudo isso não estarmos face a uma utilização abusiva do processo, sendo por isso de julgar não provado e improcedente o aludido pedido de condenação dos RR., ora apelados, como litigantes de má fé.

5. – Violação do princípio do inquisitório

Refere a apelante que o Senhor Juiz terá violado o princípio do inquisitório, na medida em que não terá tido uma posição mais activa sobre a lide, de forma a aproximar-se mais da verdade material, nos termos dos artgs. 264.º e 265.º.
A questão colocada prende-se com a articulação e harmonização dos princípios do dispositivo e inquisitório.
O legislador tem vindo progressivamente a ampliar os poderes processuais do juiz em ordem a que seja imprimida uma maior celeridade processual, permitindo que o mesmo adopte as medidas necessárias para a concretização desse desiderato, recusando o que for impertinente ou dilatório e implemente o que considerar adequado a um desenvolvimento regular da lide. É o potenciar do princípio do inquisitório, previsto em termos genéricos no art.º 265.º e um pouco espalhado por todo o código (artgs. 386.º, 389.º, n.º4, 456.º, 522.º, 535.º542.º, 543.º, entre muitos outros).
Mas se é certo que este princípio do inquisitório tem hoje efectivamente um maior incremento na nossa lei, não é menos verdade que ainda nela subsiste o princípio do dispositivo, o qual se traduz no facto da iniciativa processual caber às partes, devendo ser elas quem tem o ónus de alegar os factos que integram a causa de pedir que sustenta o seu pedido, sem prejuízo de poder o juiz conhecer dos factos notórios e dos que resultam do exercício das suas funções, ou ainda dos que se prendem com o uso anormal do processo (artgs. 264.º, 514.º, 664.º e 665.º).
Há por outro lado que não esquecer que a lei civil prevê regras sobre a repartição do ónus da prova, que implicam consequências processuais e substantivas para quem não logra efectuar a prova que lhe compete.
Ora, tendo presente este enquadramento, e revertendo-o para o caso em apreço, não vemos em que medida poderia o Senhor Juiz assumir um papel mais activo na lide, sendo certo que a recorrente não acompanha essa sua afirmação com a indicação de quaisquer atitudes que devessem ter sido assumidos e que o não foram, bastando-se com a afirmação vaga e nada esclarecedora.
O que parece perpassar ao longo do recurso é a discordância da recorrente face à decisão proferida, por esta ter o sentido contrário à sua pretensão, esquecendo-se a apelante que a acção foi julgada improcedente por a A. não ter logrado provar a factualidade que alegou, sendo que impendia sobre si esse ónus (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, também esta questão não terá vencimento.
Diga-se a finalizar que face a tudo o que se deixa dito, não tem qualquer fundamento a afirmação proferida pela apelante de que terá havido uma errada aplicação das normas jurídicas invocadas na sentença, mormente os artgs. 242.º, 268.º e 269.º, do Código Civil, pois que essa sua posição só poderia ter qualquer sustentabilidade caso as diversas questões que suscitou (quer as de natureza factual quer as demais) tivessem tido acolhimento neste recurso o que, como vimos, não sucedeu.
Na realidade, face aos factos dados como provados e como não provados, a decisão não poderia ser outra que não a improcedência da acção, pois que a A., ora recorrente não logrou demonstrar a existência de uma venda simulada que implicasse a invalidade do contrato de compra e venda do imóvel. Por tal razão, quanto ao pedido principal, nada há a apontar à decisão recorrida.

IV – DECISÃO

Assim, face a todo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recuso e consequentemente, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.
Coimbra,