Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
72/10.0GAACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
CRIME DE DIFAMAÇÃO
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 180º Nº 1 E 181º Nº 1 CP
Sumário: 1.- A linha essencial da distinção entre a difamação e injúria reside no facto de o ataque ser direto à pessoa do ofendido, sem intermediação, no caso da injúria, ou ser feito de forma inviesada, indireta, através de terceiros, no caso da difamação.
2.- Comete apenas um crime de injúria o arguido que, dirigindo-se ao assistente disse "és um pedófilo" e de seguida, na presença deste, dirigindo-se às educadoras de infância, que se encontravam no local proferiu a seguinte expressão " vocês têm aqui um pedófilo".
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

1.
Na sentença proferida nos autos foi decidido:
1º - condenar a arguida A...
- na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 6 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física;
- a pagar ao demandante B... a quantia de 300 € a título de danos não patrimoniais e a quantia de 715 € a título de danos patrimoniais, com juros de mora até integral pagamento;
2º - condenar o arguido C…
- na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física;
- na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 6 €, pela prática de um crime de injúria;
- na pena única de 90 dias de multa, à taxa diária de 6 €;
- a pagar ao demandante B... a quantia de 300 € a título de danos não patrimoniais.

Quanto ao mais foram os arguidos absolvidos da prática de um crime de difamação, de um crime de ofensa a pessoa coletiva e do pedido de indemnização deduzido pelo Centro WW....

2.
Inconformado, o assistente recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso nasce da inconformidade do recorrente com a douta sentença que absolveu o arguido C...do crime de difamação, da medida da pena aplicada e do montante da indemnização cível;
B. Os arguidos vinham acusados pelo Ministério Publico pela prática de crime de ofensa à integridade física simples, cada um, e acusado o arguido C...pelo assistente pelo crime de difamação e crime de injúrias.
C. O arguido C...foi absolvido do crime de difamação apesar de se ter produzido prova e resultado provados factos que permitiam a sua condenação;
D. A Mma. Juiz considerou provado na alínea K) dos factos provados que: "nas circunstâncias referidas em d) e e) o arguido dirigiu-se às educadoras de infância e disse vocês tem aqui um pedófilo".
E. O arguido C...referia-se ao assistente, uma vez que minutos antes e nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar chamou "pedófilo" ao assistente, tendo a Mma. Juiz condenado o mesma pela prática de um crime de injúrias.
F. O arguido C...(agente) imputa ofensa ao assistente (ofendido) mas dirigindo-se às educadoras infantis (terceiros) pelo que se encontra preenchido o tipo de crime previsto no artigo 180º do Código Penal,
E. Os elementos objetivo e subjetivo do crime de difamação encontram-se preenchidos, uma vez que a norma diz claramente que difamar é imputar a outra pessoa um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração.
F. Estabelecido que a conduta do arguido C...é típica e a ilicitude não pode ser excluída, dado que da factualidade provada não resulta que o arguido C...tenha seguido um caminho de adequação e proporcionalidade de modo a preservar até onde fosse possível o direito à honra e consideração que era e é atributo do assistente;
G. O arguido C...ao fazer a afirmação aqui em causa "(...) o arguido dirigiu-se às educadoras de infância e disse vocês tem aqui um pedófilo", fá-lo veementemente, de forma que quem ouve tal expressão a tem como verdadeira e, por conseguinte, que o jardim de infância tem um pedófilo, o que tem poder para influenciar negativamente os pais as crianças e até as educadoras infantis, bem como as pessoas que passavam na rua.
H. A afirmação efetuada pelo arguido C...tem uma conotação negativa, além de que com a expressão proferida o Arguido transmite a ideia de que o assistente é um pedófilo e que o jardim escola permite a sua presença junto de crianças.
I. A conduta do arguido C...é típica, ilícita e culposa, pelo que se impõe a sua condenação, pelo crime de difamação, não podendo deixar de considerar-se a agravação em virtude do preenchimento do artigo 183º, nº 1, a) do Código Penal
J. No que respeita ao pedido de indemnização pelo crime de difamação deverá proceder, uma vez que resultou provado na sentença que:
Alínea n) os arguidos sabiam que nas circunstâncias de tempo referidas supra, os pais vão ao jardim de infância e creche buscar os filhos;
Alínea o) o assistente B... desempenha há 3 anos funções como membro da direção do centro de bem estar social;
Alínea p) o assistente B... é reputado como sendo pessoa séria, educada, honesta e respeitadora;
Alínea q) por força dos factos referidos supra, o assistente B... sentiu-se triste, magoado e abalado;
Alínea r) o assistente B... por força dos factos referidos supra mais se sentiu envergonhado, humilhado,
Alínea t) os factos referidos supra foram difundidos na imprensa escrita, o jornal o mirante e correio da manhã
Alínea W) por força dos factos referidos supra, o centro de bem estar social reuniu com os pais das crianças
L. A pena de multa aplicada aos arguidos peca por ser benevolente, pelo que a punição deveria ter tido uma medida superior.
M. Os arguidos não fizeram prova de qualquer facto que pudesse justificar a sua conduta, e desta forma beneficiar da aplicação da pena próxima do limite mínimo,
N. A Mma. Juiz considerou que a motivação que levou os arguidos a agir, por alegadamente, o assistente ter beijado a filha de ambos, tendo a Mma. Juiz parecido esquecer-se que o assistente não foi acusado, em sede de processo crime, por tal factualidade, muito menos condenado, pelo que continua a imperar o principio da presunção de inocência,
O. Veja-se que não colhe a argumentação da Mma Juiz quando refere que os arguidos estavam muito nervosos por tal situação, uma vez que quando tiveram conhecimento através do que a filha lhes contou foi no dia 15 e nem sequer procuraram o assistente para esclarecer a situação com ele; acresce que a informação junta aos autos, elaborada pela Guarda Nacional Republicana, encontra-se datada de 19 de Março de 2010, constando que se desconhece a identidade do indivíduo, pelo que mal se compreende que na data dos factos objeto do presente processo - 18 de Março de 2010 - vide acusação pública e particular, os arguidos tenham referido que já sabiam que se tratava do assistente?!
P. A arguida A...não foi à procura do assistente, com efeito, daquilo que alegou resulta que tendo-o visto ao pé do jardim escola, resolveu pedir para a amiga para o carro e foi falar com ele, tendo logo começado a agredi-lo,
Q. Quanto ao arguido C...nem sequer trocou palavras com o assistente, mas chegou e logo começou a agredir o assistente, e diga-se que nem sequer foi em defesa da sua esposa, quer porque não houve qualquer agressão do assistente à arguida A…, quer porque quando o arguido lá chegou a arguida já não estava ao pé do assistente;
R. A atuação dos arguidos foi muito grave, atendendo ao local em questão e também às consequências, não só físicas mas também o facto de que o assistente pessoa com 70 anos de idade, é membro da direção do jardim escola, é honrado e respeitado na comunidade, e foi agredido e injuriado e difamado no local onde aliás presta funções, na presença de crianças, educadoras e pais, o que resultou provado;
S. Entendemos assim que nenhum fundamento havia para que pena aplicada aos arguidos seja tão branda, desde logo porque a lei não possibilita que sejam os cidadãos a fazer justiça pelas suas próprias mãos, pelo que o assistente sustenta a agravação da pena aplicada por a mesma não realizar o direito na sua perspetiva.
T. À arguida A...pelo crime de ofensas à integridade física foi aplicada a pena de 50 dias de multa, e ao arguido C...a pena de 70 dias de multa, o que quanto a nós peca por ser branda, com efeito, não podemos esquecer que a pena não pode ser tão branda que o condenado não a sinta como uma verdadeira condenação;
U. Impunha-se que o tribunal fosse mais profícuo na determinação da situação pessoal dos arguidos no sentido de esclarecer qual a sua situação pessoal de modo a aproximar tanto quanto possível a realidade da decisão a tomar, pelo que se impõe a alteração da decisão, com a consequente adequação das penas e indemnizações por forma a torná-las mais próximas da realidade.
P. Na determinação da pena deverá ponderar-se:
- a gravidade dos ilícitos em causa, que é elevada, atendendo ao tipo de expressões proferidas, relevando pela via da culpa [71/2, aI. a) do CP];
- o modo de execução do crime, relevando pela via da culpa e prevenção geral [71/2, aI. a) do CP]. Com efeito, os crimes de ofensas à integridade física, injurias e difamação foi praticado perante crianças, pais, educadores infantis e terceiros, num local onde o assistente exerce as funções de membro da direção da instituição;
- a intensidade do dolo na sua forma direta, relevando pela via da culpa [71/2, aI. b) do CP]. com consciência e vontade de praticar os factos que integram os elementos dos crimes referidos.
Q. No mais a condenação quase pelo mínimo, quer de quantitativo diário quer de total de dias de pena de multa, atendendo à condição socioeconómica dos arguidos os quais apresentam uma boa condição, o arguido aufere 1300,00€ e a arguida 1200,00, é em si mesma diminuta, não garantindo o cumprimento das especiais exigências de prevenção que pendem sobre os arguidos, sendo adequado fixar a razão diária da pena de multa em valor superior a 6€.
R. Ao que deverá a sentença ora recorrida ser igualmente reformulada condenando-se os arguidos exemplarmente em quantitativo que permita eficazmente garantir o cumprimento de tais exigências de prevenção e bem assim, dissuadi-los de voltar a praticar os atos pelos quais foram condenados.
S. Ambos os arguidos a pagar ao assistente a quantia de 300,00€ a título de danos não patrimoniais;
T. A arguida A...foi condenada na prática de um crime de ofensas à integridade física, e segundo as palavras da Mma. Juiz teve uma atuação e consequências menos graves do que a conduta do arguido C… ;
W. Por outro lado o arguido C...foi condenado pela prática de dois crimes, crime de ofensas à integridade física e crime de injurias, sendo que no que respeita às ofensas, a gravidade e consequências foram superiores às da arguida A..., e foi também condenado a pagar 300,00€?!
U. O próprio valor indemnizatório é diminuto, face às circunstâncias que não podemos esquecer em que os factos foram praticados: num jardim escola, com crianças, pais e educadoras a assistir, local onde o assistente exerce funções de membro de direção do Centro … .
V. Face aos factos provados é evidente que os danos não patrimoniais peticionados são merecedores da tutela do direito, artigo 496 nº 1 do Cód. Civil, sendo que o nº 3 aponta para que a indemnização nesta sede seja fixada equitativamente pelo tribunal;
X. Em face da factualidade probatoriamente demonstrada alíneas n) a w), afigura-se como certo que os factos praticados pelos arguidos foram causa adequada da ocorrência de danos de natureza não-patrimonial na esfera pessoal do assistente, que se traduziram, essencialmente, nas dores, no sofrimento, angústia, medo, humilhação e natural tristeza que sentiu;
Z. Sendo certo que, tendo o assistente sido agredido num sitio público, exatamente à hora em que os pais se deslocam para ir buscar as crianças ao jardim escola, encontrando-se presentes pais, crianças, educadores e até pessoas que passavam na rua, não podem as condutas levadas a cabo pelos arguidos deixar de ter uma gravidade bastante elevada, tendo necessariamente a indemnização e ser de montante bastante superior.
Z. O valor indemnizatório aplicado pela Mma. Juiz é manifestamente desproporcionado, devendo ser agravada a quantia fixada a título de indemnização a pagar pelos arguidos, uma vez que da análise dos factos apurados concluímos que se encontram preenchidos os elementos constitutivos dos crimes imputados aos arguidos.
X. Por erro de interpretação e/ ou aplicação foram violados, entre outros, o art. 47º, 180º, 203º, 204º do Código Penal, 127º, 128º do Código de Processo Penal, 483º, 494º e 496º do Código Civil».

3.
O recurso foi admitido.

4.
O Ministério Público respondeu, defendendo a procedência do recurso no que respeita à condenação do arguido pela prática de um crime de difamação simples.

A arguida respondeu dizendo que é inadmissível dar como provado, como o assistente pretende, que nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar o arguido se tenha dirigido às educadoras de infância dizendo “têm aqui um pedófilo” e diretamente ao arguido dizendo “és um pedófilo, pois que o arguido proferiu a expressão apenas uma vez.
Para além disso ao proferir aquela expressão o arguido apenas visou a imputação de um único facto, baseado no que o assistente fez à filha, e não a formulação de qualquer juízo de valor.
Inexistindo qualquer indício de ser falso que o assistente tenha dado um beijo na boca da filha, de 9 anos de idade, significa isto que os arguidos agiram dentro dos limites dos seus poderes/deveres de defesa da sua filha. Além disso resulta que quando os arguidos agiram estavam muito limitados no seu controlo, precisamente devido ao que havia sucedido.
Na mesma peça a arguido reclama, ainda, a absolvição do arguido da condenação pelo crime de injúria e a diminuição substancial das indemnizações fixadas.

Nesta Relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido do improvimento do recurso.

Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º do C.P.P..

5.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
*

FACTOS PROVADOS

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«Da acusação pública
a) No dia … de 2010, cerca das 17h30, a arguida A... , que se encontrava no recinto do Jardim de Infância do Centro WW..., área deste concelho e comarca, chamou o assistente B..., que se encontrava a sair na sua viatura, desse mesmo recinto do jardim escola, onde trabalha;
b) Ao que o assistente voltou a entrar com a sua viatura no recinto, sendo que quando este saiu da viatura, devido a dissídios relacionados com a filha menor dos arguidos, a arguida, aproximou-se do assistente e desferiu-lhe bofetadas na cara, tendo-lhe provocado dores, fazendo-o sangrar do nariz, hematomas, e um ferimento no pescoço;
c) A actuação da arguida fez os óculos do assistente cair ao chão, os quais e partiram.
d) Poucos minutos depois, enquanto o assistente procurava os seus óculos no chão, chegou o arguido C..., que se dirigiu ao assistente, empurrando-o, provocando-lhe de imediato a queda.
e) De seguida, o arguido C… , deu diversos pontapés pelo corpo do assistente, que se encolheu no chão, para evitar as hostilidades.
f) Com esta actuação o arguido provocou dores, e eritema na região dorsal lombar no assistente.
g) Em consequência de tais condutas dos arguidos, sofreu B..., as lesões descritas no exame pericial de fls. 15 a 17 e documentação médica de fls. 138 e 139, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, designadamente, escoriações no nariz e na região cervical direita, eritema na região dorsal e lombar, lesões estas que lhe demandaram necessária e adequadamente, para cura, sete dias de doença, sem afectação da capacidade para o trabalho.
h) Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, no propósito conseguido, de molestarem B..., na respectiva integridade física e de lhe provocar dores e mal-estar físico.
i) Estavam cientes, os arguidos, que as suas relatadas condutas os implicava em responsabilidade criminal.
Das acusações particulares
j) nas circunstancias referidas em d) e e) o arguido dirigiu-se ao assistente B... dizendo-lhe "és um pedófilo";
k) nas circunstancias referidas em d) e e) o arguido dirigiu-se as educadoras de infância e disse" vocês tem aqui um pedófilo";
1) as expressões proferidas em local publico e em voz alta, referidas em j) e k), ofenderam a honra e bom nome do assistente B...;
m) o arguido sabia que tais expressões eram de molde a ofender a honra e bom nome do assistente B..., o que fez, de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Dos pedidos cíveis
n) Os arguidos sabiam que nas circunstâncias de tempo referidas supra, os pais vão ao Jardim-de-infância e creche buscar os filhos;
o) O assistente B... desempenha há 3 anos funções como membro da direcção do Centro …;
p) O assistente B... é reputado como sendo pessoa séria, educada, honesta e respeitadora;
q) Por força dos factos referidos supra, o assistente B... sentiu-se triste, magoado e abalado;
r) O assistente B... por força dos factos referidos supra mais se sentiu envergonhado, humilhado;
s) Por força dos factos praticados pela arguida, os óculos do assistente partiram-se tendo este adquirido uns óculos novos no valor de € 715 (setecentos e quinze euros);
t) Os factos referidos supra foram difundidos na imprensa escrita;
u) O centro … é uma instituição de solidariedade social sem fins lucrativos, através das valências de creche, pré-escolar, lar de idosos, centro de dia e apoio domiciliário a idosos;
v) O centro … goza de elevada reputação na comunidade;
w) Por força dos factos referidos supra, o Centro … reuniu com os pais das crianças;
Mais se provou:
x) As publicações na imprensa escrita foram solicitadas pelo Centro … , na pessoa do seu anterior director;
z) Em 19.03.2012, a GNR de U... comunicou ao tribunal que a aluna D..., filha dos arguidos, no dia 15 de Março de 2012, por cerca das 17h30m, procurava uma bola perdida num terreno situado entre a escola EB 1 e o Jardim de Infância (particular) tendo sido abordada por um individuo, perguntando-lhe se precisava de ajuda na procura da bola, durante a procura a menor picou-se nas mãos e o individuo prontificou-se a retirar os picos, tendo de seguida levado a menor para outro local, onde a terá beijado na boca;
aa) Mais consta da informação referida em z), participada pela professora da filha dos arguidos, que o director da escola desconhece a identidade o individuo;
bb) A filha dos arguidos identificou o individuo como sendo o aqui assistente B...;
cc) Nas circunstancias referidas supra a arguida pretendia conversar com o assistente B...;
dd) nas circunstancias referidas supra, uma amiga da arguida telefonou para o arguido descrevendo o que ocorria em a) a c);
ee) Nas circunstancias referidas de a) a n), os arguidos encontravam-se perturbados;
ff) Os arguidos tiveram conhecimento dos factos referidos em z) no dia 16 de Março de 2012;
gg) A filha dos arguidos tem acompanhamento psicológico;
hh) Após os factos referidos em z) a filha dos arguidos não conseguia dormir de noite;
ii) Os arguidos são reputados na comunidade como pessoas serias, honestas e educadas;
jj) Os arguidos não tem antecedentes criminais;
kk) Os arguidos são casados entre si, tem dois filhos a cargo (um deles maior que aufere cerca de € 505 euros mensais);
ll) 0 arguido desempenha a profissão de técnico de vendas auferindo mensalmente a quantia de € 1.300,00 e tem como habilitações literárias o antigo 7º ano de escolaridade;
mm) A arguida desempenha a profissão de professora auferindo mensalmente cerca de € 1.200,00 e tem como habilitações literária licenciatura;
nn) Os arguidos tem como encargo, para alem dos demais, o pagamento de empréstimo para habitação a entidade bancária no valor de € 805,00;
00) Nas circunstancias referidas em b), o assistente chamou a assistente para o interior do Centro de Bem estar social».

7.
E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:
«- a arguida nas circunstancias referidas em a) tivesse dado pontapés nas pernas do assistente;
- o arguido nas circunstancias referidas em d) tivesse dado um soco na cara do assistente;
- nas circunstancias referidas em d) e e) o arguido tivesse ofendido o prestigio, credibilidade e confiança do Centro … e fossem as ofensas adequadas a abalar a confiança dos pais na instituição;
- nas circunstancias referidas em k) o arguido tivesse dito "e vocês não sabem" ; "vocês tem aqui um grande pedófilo dentro de casa", "não vêem que tem aqui um pedófilo";
- os arguidos soubessem e tivessem intenção de ao praticar os factos provados os pais tivessem receio de entregar as crianças à guarda da instituição ou receio pela integridade física destas;
- Inúmeros pais tivessem contactado as educadoras e directora do jardim para esclarecer o que teria ocorrido e se poderiam continuar a confiar os filhos aos cuidados do Centro … :
- a conduta dos arguidos tivesse provocado uma onda de alarmismo nos pais das crianças;
- nos dias que se seguiram aos factos referidos supra, os pais tivessem telefonado mais vezes a perguntar pelos filhos e que tivessem demonstrado receio pela integridade física dos mesmos;
- os arguidos tivessem escolhido propositadamente as circunstancias de tempo e lugar dos factos praticados».

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«O tribunal estribou a sua convicção positiva na análise da factura de compra dos óculos do assistente, no CRC's juntos quanto aos antecedentes criminais dos arguidos e na informação da GNR de U... quanto à ocorrência participada pela escola da filha menor dos arguidos.
No mais, quanto à dinâmica dos factos em que intervieram os arguidos foi relevante as declarações do assistente B... e da testemunha … que, em parte, corroboraram a versão apresentadas pelos arguidos (ainda que só tenham usado o direito da palavra na fase final da audiência de discussão e julgamento).
Com efeito, a arguida (como a testemunha … ) que acompanhava nesse dia afirmou peremptoriamente) encontrou o assistente a sair das instalações do Centro … e fez-lhe sinal.
O mesmo voltou a entrar com a viatura no recinto e aproximou-se da arguida tendo a mesma iniciado uma conversa com este pedindo-lhe explicações sobre o sucedido com a sua filha.
A arguida refere que este a terá puxado para dentro das instalações, o que o mesmo negou, mas a testemunha A..., amiga da arguida, confirmou, porém, que o assistente a terá chamado para o interior, pelo que subsistindo a duvida neste particular, se considerou provado apenas que a pedido do assistente a arguida entrou nas instalações.
No essencial, os arguidos convenceram parcialmente os factos descritos na matéria provada, que o assistente descreveu (nomeadamente quanto à inexistência de um soco por parte do arguido mas antes vários pontapés) e a testemunha … assistiu.
Os mesmos justificaram a sua conduta inusitada por força de factos que tiveram conhecimento dias antes e que envolviam a sua filha menor alegadamente beijada na boca pelo assistente.
As lesões do assistentes, descritas por este, foram confirmadas pela testemunha ……….(filha do assistente) com especial incidência para esta ultima porquanto descreveu com credibilidade o estado psicológico do pai após os factos.
Do mesmo modo, a prova dos factos referentes à publicação de noticias sobre o sucedido teve por base o depoimento do assistente que confirmou ter sido a direcção do centro de bem estar que veiculou um "esclarecimento".
No que tange às expressões dirigidas ao assistente e pese embora o arguido tenha confessado lhe ter dirigido apenas a expressão "es um pedófilo" o certo é que a expressão "vocês tem um pedófilo aqui (ou cá em casa)" as testemunhas …. foram peremptórias ao afirmar terem ouvido a mesma.
O estado emocional dos arguidos com especial incidência para o arguido foi salientado pela testemunha … que referiu este "estar fora de si”.
A matéria não provado resultou da inexistência de prova nesse sentido já que no respeita à instituição nenhuma das testemunhas enfatizou qualquer aspecto negativo (veja-se as declarações das testemunhas … … ) associado à entidade, chegando mesmo a testemunha … referir que confia no modo de funcionamento não se preocupando com o sucedido.
A testemunha … inquirida sobre a reunião com os pais após os factos acrescentou que a mesma nem teve a presença de muitos pais, o que releva para efeitos da inexistência de um impacto negativo na imagem da instituição.
As testemunha …, …(mãe da arguida, sogra do arguido), … , contrariamente ás restantes não tem conhecimento directo dos factos.
De todo o modo, a testemunhas … e … relevaram para efeitos de contextualizar o alegado episodio envolvendo o assistente e a filha menor deste.
A testemunha … , filho dos arguidos, confirmou o estado psicológico da sua irmã após a ocorrência dos alegados factos envolvendo o assistente e que se encontram em investigação criminal, descrevendo que, na actualidade, a menor ainda tem medo de dormir e andar sozinha.
A testemunha … teve relevo apenas na convicção relativa ao modo como ocorreu a abordagem da arguida ao assistente, uma casualidade, segundo testemunhou porquanto vinha com arguida no carro. Recorda-se, porque o seu campo de visão não permitia ver mais, de ouvir a arguida gritar para o assistente "largue-me, largue-me" sem contudo percepcionar qualquer outro facto para alem de o assistente ter chamado a arguida para o interior das instalações.
Mais referiu que foi quem telefonou ao marido da arguida, o aqui arguido C… , relatando o sucedido o que fez com este se deslocasse ao loca, pelo que se mostra negativa a nossa convicção quanto ao propósito concertado dos arguidos em actuar da forma descrita nas circunstancias de tempo e espaço. Todas as testemunhas ouvidas mereceram credibilidade da forma descrita supra, relevando, finalmente, a testemunha B... para aferição da personalidade ao arguido.
Os factos atinentes à personalidade do assistente e dos arguidos foram confirmados por todas as testemunhas ouvidas na medida do seu conhecimento pessoal e profissional que detém de todos.
A convicção relativa às condições sócio económicas dos arguidos estribou-se nas declarações dos mesmos e bem assim das testemunhas … e … , mãe e filho da arguida A...».
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DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:
I – Enquadramento legal dos factos provados
II – Impugnação das penas aplicadas aos arguidos
III – Impugnação do valor das indemnizações fixadas

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Antes de iniciarmos o conhecimento do recurso cumpre dizer que a pretensão da arguida manifestada na resposta, de ver o arguido absolvido do crime de injúria e o valor das indemnizações diminuído, está claramente votada ao insucesso. Desde logo, o ataque à sentença teria que ser desferido por via de recurso. Para além disso, e no que respeita à condenação do arguido, não tem a arguida legitimidade para por em causa a condenação.
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I – Enquadramento legal dos factos provados

O assistente começa por requerer a condenação do arguido também pela prática de um crime de difamação porque, alega, o arguido ao dizer «vocês tem aqui um pedófilo», dirigindo-se às educadoras e referindo-se a si, inequivocamente preencheu aquele crime, na medida em que lhe imputou uma ofensa dirigindo-se a terceiros.

Dispõe o nº 1 do art. 180º do Código Penal, cuja epígrafe é “difamação”, que «quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias».
E dispõe o nº 1 do art. 181º do Código Penal, sobre o crime de injúria, que «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias».

Como é comum dizer-se, estes tipos legais respeitam à defesa da honra e consideração e com eles o legislador quis, inequivocamente, reafirmar a dignidade penal de tais valores.
Os valores visados foram violados pelo arguido. Daí a condenação por injúria.
A questão que se coloca é se ele cometeu um crime de injúria ou, ao invés, um crime de injúria e um crime de difamação, em concurso.
Vistas as coisas da forma como o assistente as colocou temos dois crimes: quando o arguido disse para o assistente "és um pedófilo" cometeu um crime de injúria e de seguida, quando disse para as educadoras de infância, que também se encontravam no local, "vocês tem aqui um pedófilo" cometeu o crime de difamação.

Entendemos que esta visão das coisas é, digamos, pouco correta.
Como afirmam os estudiosos da matéria, a linha essencial da distinção entre a difamação e injúria reside no facto de o ataque ser direto à pessoa do ofendido, sem intermediação, no caso da injúria, ou ser feito de forma inviesada, indireta, através de terceiros, no caso da difamação.
Evidentemente que não é a circunstância de também estarem terceiras pessoas que determina a prática de um crime de difamação nem é, sequer, o facto de o agente, nas mesmas circunstâncias, repetir uma expressão ofensiva olhando o ofendido ou olhando terceiros que tem a virtualidade de multiplicar os ilícitos.
Sintetizando diremos, usando as palavras de Faria Costa In Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 1999, pág.608., que «uma coisa é a violação da honra perpetrada de forma directa (na forma mais simples e comum: isto é, perante a vítima) outra será levar a cabo aquela mesma ofensa fazendo intervir uma terceira pessoa, operando uma tergiversação, instrumentalizando um terceiro para conseguir os seus intentos … fácil é de entender que o ponto nevrálgico da difamação se centra, como de imediato ressalta mesmo com a mais desatenta das leituras do tipo, na imputação a outrem de factos ou juízos desonrosos efectuada, não perante o próprio, mas dirigida, veiculada através de terceiros».
Ou seja, na difamação o ofendido está ausente, daí que a ofensa seja enviesada, porque recorre a um terceiro ao invés de ser dirigida ao ofendido ou na presença do ofendido.
É este enviesamento, tergiversação, subterfúgio que leva, precisamente, à maior severidade da punição da difamação precisamente porque não estando o ofendido presente não toma conhecimento imediato do facto, não pode tomar medidas, não se pode defender.
É evidente que nada disto sucedeu no caso: o ofendido esteve sempre presente e do enquadramento resulta que foi para ele, na realidade, que ambas as expressões foram dirigidas.

Cumpre fazer uma última referência, a propósito do argumento utilizado para defesa da verificação do concurso, de a ofensa perpetrada pelo arguido ter sido difundida na imprensa escrita.
A utilização de um tal argumento é curiosa, pois que se é verdade que se provou que os factos ocorridos foram difundidos na imprensa, também é verdade que se provou que esta difusão, a divulgação dos factos na imprensa foi levada a cabo a solicitação do Centro … (al. x) dos factos provados), instituição onde o assistente é membro da direção desde há 3 anos (al. o dos factos provados).

Concluindo, bem andou a sentença recorrida ao circunscrever os factos provados a um crime de injúria.

Falecendo o recurso quanto ao pedido da condenação do arguido pela prática do crime de difamação falece, em consequência, o pedido da sua condenação em indemnização pelo danos causados com o alegado ilícito.
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II – Impugnação das penas aplicadas aos arguidos

De seguida o assistente reclama uma agravação das penas aplicadas aos arguidos, quer quanto aos dias de multa, quer quanto ao valor da taxa fixada, dizendo, no que a esta respeita, que se impunha «que o tribunal fosse mais profícuo na determinação da situação pessoal dos arguidos no sentido de esclarecer qual a sua situação pessoal de modo a aproximar tanto quanto possível a realidade da decisão a tomar …».
Parece indiciar-se, aqui, a invocação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, do art. 410º, nº 1, al. a), do C.P.P., vício que significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem, e que ocorre quando, na tarefa da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais além.
No caso dos autos não se verifica um tal vício, pelo que improcede a alegação.

Os arguidos foram condenados por crimes de ofensas à integridade física simples e um crime de injúrias. No entanto, o enfoque do assistente dirige-se contra as penas aplicadas pelos crimes de ofensas, conforme resulta claramente das conclusões P a R e T do recurso, que dizem:
«P. A arguida A...não foi à procura do assistente, com efeito, daquilo que alegou resulta que tendo-o visto ao pé do jardim escola, resolveu pedir para a amiga para o carro e foi falar com ele, tendo logo começado a agredi-lo,
Q. Quanto ao arguido C...nem sequer trocou palavras com o assistente, mas chegou e logo começou a agredir o assistente, e diga-se que nem sequer foi em defesa da sua esposa, quer porque não houve qualquer agressão do assistente à arguida A..., quer porque quando o arguido lá chegou a arguida já não estava ao pé do assistente;
R. A atuação dos arguidos foi muito grave, atendendo ao local em questão e também às consequências, não só físicas mas também o facto de que o assistente pessoa com 70 anos de idade, é membro da direção do jardim escola, é honrado e respeitado na comunidade, e foi agredido e injuriado e difamado no local onde aliás presta funções, na presença de crianças, educadoras e pais, o que resultou provado

T. À arguida A...pelo crime de ofensas à integridade física foi aplicada a pena de 50 dias de multa, e ao arguido C...a pena de 70 dias de multa, o que quanto a nós peca por ser branda, com efeito, não podemos esquecer que a pena não pode ser tão branda que o condenado não a sinta como uma verdadeira condenação».

Dispõe o art. 69º, nº 2, al. c), do C.P.P., cuja epígrafe é “posição processual e atribuições dos assistentes”, que «compete em especial aos assistentes interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito».
Depois, determina o nº 1, al. b), do art. 401º do mesmo diploma, que «têm legitimidade para recorrer o arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas».
Portanto, e face ao art. 401º, o assistente apenas terá legitimidade para recorrer de decisões contra si proferidas e não também de decisões que o afetem.
Assim, para a lei a legitimidade consubstancia-se na posição de um sujeito processual face a determinada decisão, justificativa na possibilidade de a impugnar através de recurso. Isto é, para o código é parte legítima aquela que pode recorrer de uma decisão Código de Processo Penal notas e comentários, de Vinício Ribeiro, 2ª ed., pág. 1190..

A legitimidade do assistente de recorrer sentença condenatória, nomeadamente da pena aplicada, foi objecto de controvérsia jurisprudencial, tendo, a certa altura, aparecido três soluções:
- uma, que entendia que o assistente nunca tinha legitimidade para recorrer;
- outra, que lhe conferia sempre essa legitimidade;
- uma terceira que entendia que a decisão era casuística, dependendo de a posição do assistente ser afetada pela natureza da condenação ou pela espécie da medida da pena aplicada.

Esta terceira posição obteve vencimento quando, em 30-10-1997, o S.T.J. fixou a seguinte jurisprudência: «o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir» Assento 8/99..
Sendo certo que as questões atinentes à medida da pena fazem parte do núcleo punitivo do Estado, cuja defesa cabe ao Ministério Público, entendeu-se que o assistente teria legitimidade para recorrer em determinados casos concretos, quando demonstrasse o tal concreto e próprio interesse em agir.

Entretanto foi questionada a constitucionalidade desta decisão por, relativamente à espécie e medida da pena aplicada ao arguido, fazer depender a atribuição de legitimidade ao assistente para recorrer de uma específica e concreta demonstração de um particular interesse em agir, não reconduzida à pura e simples invocação da qualidade de assistente no processo.
E sobre isto o Tribunal Constitucional, no acórdão 205/2001, pronunciou-se sobre a constitucionalidade da decisão por os princípios consagrados nos artigos 2º e 9º, alínea b) e c) da Constituição não terem sido afrontados, por a limitação imposta ao assistente não afectar o núcleo essencial da intervenção do ofendido como assistente na tramitação do processo penal que por o princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático, não ter sido afetado.

Portanto o assistente tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir, que não se pode reconduzir à pura e simples invocação da qualidade de assistente. É que se a qualidade de assistente bastasse para conferir uma tal legitimidade, então não teria sentido exigir a demonstração de um concreto e próprio interesse, uma vez que a qualidade de assistente estaria demonstrada à partida.
Ora, lendo a motivação ressalta que o assistente não invoca, em parte alguma, um qualquer interesse concreto e próprio, para além do interesse na realização da justiça - «o assistente sustenta assim a agravação da pena aplicada por a mesma não realizar o direito na sua perspetiva» -, interesse este que compete, na sua essência, ao Ministério Público.

Assim sendo temos que concluir que, no caso, o assistente carece de legitimidade para recorrer da pena aplicada aos arguidos pelo cometimento, por cada um deles, de um crime de ofensa à integridade física, dado que não invocou qualquer interesse concreto e próprio para recorrer, tanto mais que não tomou qualquer posição com reflexo penal no processo sobre esta matéria Sobre a matéria, e para além das decisões referidas, vide, nomeadamente, os acórdãos do S.T.J. de 30-4-2008, relatado pelo sr. conselheiro Raul Borges e proferido no processo 08P687, da Relação do Porto, proferido no processo 3023/08.1 e relatado pelo sr. desembargador Luis Teixeira, e da Relação de Coimbra, proferido em 28-1-2009 no processo 196/07.1TAVGS.C1, relatado pelo sr. desembargador Alberto Mira. Vide, ainda, a decisão proferida pela srª vice presidente da Relação de Lisboa, srª desembargadora Filomena Clemente Lima, em 21-4-2009, na reclamação deduzida no processo 1771/07.9PBFUN-A.L1-5. .

Relativamente ao crime de injúria, o assistente refere-se-lhe, é certo, nas conclusões R e P (segunda conclusão P), quando diz:
- «a atuação dos arguidos foi muito grave, atendendo ao local em questão … o assistente … foi agredido e injuriado e difamado no local onde aliás presta funções, na presença de crianças, educadoras e pais, o que resultou provado»;
- «na determinação da pena deverá ponderar-se … o modo de execução do crime … os crimes de ofensas à integridade física, injurias e difamação foi praticado perante crianças, pais, educadores infantis e terceiros, num local onde o assistente exerce as funções de membro da direção da instituição».

Independentemente de lhe assistir, ou não, legitimidade para recorrer da pena quanto ao crime particular – e a questão é decidida, por muitos, nos exatos termos acima expostos -, o certo é que esta alegação é manifestamente curta, insuficiente, para conseguir um tal desiderato.
O recurso é o meio processual que visa a reapreciação jurisdicional de uma anterior resolução judicial.
A concepção legal de recurso adotada na nossa lei, conforme se evidencia do art. 412º, corresponde a uma visão limitada: o recurso tem sempre que ser dirigido à decisão impugnada, partindo-se da mesma matéria de facto e de direito e o âmbito de conhecimento do tribunal de recurso não é ilimitado, antes está circunscrito às conclusões de recurso. De facto esta norma impõe um autêntico ónus de impugnação recursiva, que restringe o objecto do recurso às suas conclusões
No que respeita ao recurso relativo à pena aplicada ao crime de injúria, para além da questão da legitimidade do assistente a verdade é que o recurso carece de fundamentação suficiente.
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III – Impugnação do valor das indemnizações

Finalmente o assistente insurge-se contra o montante fixado às indemnizações, por o respetivo valor ser diminuto face à circunstâncias de os factos terem sido praticados num jardim escola, com crianças, pais e educadoras a assistir, local onde exerce funções de membro de direção.

Os arguidos foram condenados a pagar ao assistente a quantia de 300 €, cada um, a título de danos não patrimoniais e a arguida foi, ainda, condenada a pagar-lhe 715 €, a título de danos patrimoniais.
No pedido formulado o assistente havia requerido a condenação da arguida a pagar-lhe 1.715,00 €, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, e do arguido em 1.800,00 €, por danos não patrimoniais.

Dispõe o art. 400º, nº 2, do C.P.P. que «sem prejuízo do disposto nos art. 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada».
Considerando que a alçada dos tribunais de 1ª instância é de € 5.000,00 e considerando o valor do decaimento, resulta que o recurso não é admissível.
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O despacho proferido na 1ª instância, admitindo o recurso, não vincula este tribunal – art. 414º, nº 3, do C.P.P.
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DISPOSITIVO

Por todo o exposto, decide-se:
I – Não admitir o recurso quanto ao pedido de indemnização civil.
II – Não admitir o recurso relativamente à medida concreta das penas aplicadas.
III – Quanto ao mais, negar provimento ao recurso.

Fixa-se em 5 UC’s a raxa de justiça.


Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.


Coimbra, 2012-10-10