Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
329/09.2JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: BUSCA
Data do Acordão: 11/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 174º E 177º CPP
Sumário: 1. A busca como meio de obtenção de provas que é não pode estar dependente da prévia existência das provas que visa alcançar.
É de ordenar nas situações em que a diligência se mostra como capaz de reforçar a responsabilização do agente.
Decisão Texto Integral: A - Relatório:
1. A Senhora Juiz de Instrução Criminal a exercer funções no Tribunal Judicial de Alcobaça, no âmbito dos autos de Inquérito registados sob o n.º 329/09.2JALRA, decidiu, por despacho datado de 22/9/2009, não autorizar a busca domiciliária requerida pelo Ministério Público, em 15/9/2009.
2. O Ministério Público, não se conformando com o respectivo despacho, dele veio, em 6/10/2009, interpor recurso, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que defira a passagem dos competentes mandados de busca para a residência do suspeito, com recurso ao arrombamento da porta se tal se vier a revelar necessário, extraindo da sua Motivação as seguintes Conclusões:
A) Para ser ordenada a busca e apreensão não é necessário que os indícios da prática do crime sejam suficientes e fortes;
B) Na fase de inquérito, em juízos de mera probabilidade, o conceito de “indícios” a que se refere o n.º 2, do artigo 174.º, do CPP, deve ser interpretado como sendo a mera possibilidade, ainda que séria, a fundada possibilidade de que os objectos referidos nas circunstâncias do n.º 1 do mesmo artigo “se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público”;
C) O douto despacho recorrido interpretou e aplicou incorrectamente a norma do artigo 174.º, n.º 2, do CPP.
3. O recurso foi admitido, por despacho de 12/10/2009.
4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, remetidos que foram os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, emitiu, em 26/10/2009, douto parecer em que defendeu a procedência do recurso, subscrevendo integralmente a fundamentação do Ministério Público na 1ª instância.
5. Colhidos os vistos, efectuada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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B – Com interesse para a apreciação do recurso, importa considerar o seguinte:
1) o inquérito supra identificado teve início, em 2/9/2009, dele constando uma Informação de Serviço da P. J. (Departamento de Investigação Criminal de Leiria), na qual pode ser lido o seguinte:
Informo V. Exª que, através de fontes que merecem grande credibilidade, chegou ao meu conhecimento que, na serra, zona da M… – A…, vive um casal de etnia cigana, com dois filhos menores, o qual se dedica à venda de heroína e cocaína em grandes quantidades.
O indivíduo é conhecido por F..., recebe o produto estupefaciente com elevado grau de pureza e utilizará a casa onde mora para a preparação/corte do mesmo, não vendendo a consumidores, mas apenas a traficantes, e como tal, sempre quantidades apreciáveis, não inferiores a 100 gramas.
Possui, pelo menos, duas viaturas na actividade de tráfico, tratando-se de um automóvel ligeiro de passageiros, Alfa Romeo, e de automóvel ligeiro de mercadorias, Mercedes-Benz, Modelo 112 CDI, as quais utiliza para se deslocar em direcção à E.N. 1 – EN1 (IC2), descendo a serra, a fim de desenvolver a actividade de tráfico de estupefacientes, na área do Concelho de Alcobaça, onde distribui a revendedores.”;
2) em 4/9/2009, a P.J. realizou uma diligência externa, conforme auto de fls. 6, do qual consta o seguinte:
Decorrente da informação que antecede, e no intuito de identificar e reconhecer o local onde residem os suspeitos nos presentes autos, deslocámo-nos, pelas 11h00, à localidade de mendiga para recolher informação adicional respeitante aos mesmos.
Assim, depois de conversação com a fonte de informação, que declinou indentificar-se, por receio de represálias, e de diversas diligências no local, apurámos que os suspeitos são F..., de etnia cigana, e a companheira E..., residentes na Rua …, M…, lugar pertencente ao concelho de Porto de Mós.
Ali deslocados, apurou-se que o lugar se situa em local ermo, de difícil acesso, em zona serrana, terminando ali a estrada alcatroada e sem saída; trata-se de um pequeno aglomerado de casas antigas, abandonadas e em estado avançado de degradação, pensando ser a casa dos suspeitos a única habitada, visto não se ter observado vivalma aquando da nossa deslocação.
Na Rua …, observou-se ali estacionado o veículo com a matrícula …, referenciada a fls. 2.
No sentido de não darmos a conhecer a nossa presença no local e face à dificuldade de permanecer no local sem alertar os suspeitos, cerca das 12h00, deu-se por encerrada a presente diligência.
3) em 10/9/2009, um inspector da P.J. trouxe aos autos a seguinte informação:
Nos presentes autos investiga-se uma suspeita de tráfico de estupefacientes, a acontecer no lugar de M… (Porto de Mós), cujos principais suspeitos não desenvolvem qualquer actividade profissional visível apesar de serem referenciados como vendedores ambulantes (de acordo com as várias diligências até ao momento efectuadas), deslocando-se facilmente do local onde habitam (M…) para a zona de Alcobaça (descendo a serra até à E.N. 1) e para a zona de Porto de Mós.
A partir das primeiras diligências realizadas, constatou-se que o suspeito F... tem emitido em seu nome um mandado de detenção para cumprimento de pena remanescente, cfr. fls. 15.
Assim, tendo em conta que:
1 – a informação constante de fls. 2 refere que o suspeito é fornecedor de produto estupefaciente a vários revendedores, desenvolvendo esta prática a partir da residência identificada;
2 – a área envolvente à residência (local ermo, desertificado, isolado, de difícil acesso) predispõe e facilita a prática de tráfico de estupefacientes, pressupondo, assim, indícios de que o suspeito poderá ocultar ou guardar ali produto estupefaciente;
3 – existe um mandado de detenção já emitido, cfr. fls. 15, sugere-se:
- a emissão de mandado de busca domiciliária para a residência habitada pelo suspeito F... e companheira, sita na Rua …, M…”;
4) na sequência, concordando com o proposto, o Exmo. Sr. Inspector-chefe da P.J. ordenou, em 10/9/2009, que “vão, assim, os autos à apreciação do Exmo. Sr. Coordenador de Investigação Criminal no DIC de Leiria”, tendo este, em 11/9/2009, determinado a remessa dos autos ao M.P. junto do Tribunal Judicial de Alcobaça para “apreciação e decisão relativamente ao ora proposto”;
5) em 15/9/2009, o respectivo Magistrado do Ministério Público formulou o seguinte requerimento:
Investiga-se o tráfico de estupefacientes por parte do suspeito F..., o qual procede à venda de produto estupefaciente a revendedores, na área de Alcobaça.
Porém, o suspeito vive no lugar de M…, Porto de Mós, local onde armazena e prepara o produto estupefaciente para posterior distribuição por vários revendedores.
Nesta conformidade, e tendo em vista a aquisição e veracidade da prova, conclua os autos à meritíssima Juiz de Instrução, a quem se requer, com urgência que o caso merece, a passagem de mandados de busca para serem cumpridos no prazo de 30 dias, na residência do suspeito F... e esposa, sita no lugar de M…, Porto de Mós (artigos 174.º, n.º 2, 176.º, 177.º e 269.º, n.º 1, todos do CPP).
6) em 22/9/2009, foi, então, proferido o despacho ora em crise, cujo teor passa a ser transcrito:
No presente inquérito, em que se investiga a prática de factos susceptíveis de integrar o crime de tráfico de estupefacientes, veio o Digno Magistrado do Ministério Público requerer que seja autorizada a realização de busca domiciliária à residência do suspeito F..., alegando que este procede à venda de produto estupefaciente a revendedores, na área de Alcobaça, e que vive no Lugar de M…, Porto de Mós, onde armazena e prepara o mesmo para posterior distribuição.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos, constata-se que foi levado ao conhecimento de um inspector-chefe da Polícia Judiciária que um casal de etnia cigana, residente na zona da M…, se dedicaria à venda de heroína e cocaína em grandes quantidades, informação que foi obtida através de pessoas que “merecem grande credibilidade”, que o suspeito é conhecido por F..., vende o produto apenas a traficantes/revendedores, e se faz deslocar num Alfa Romeo, e num Mercedes-Benz,.
Do relato de diligência externa, junto a fls. 6 do inquérito, resulta que, através de pessoa que recusou identificar-se, foi possível apurar que os suspeitos são um casal de etnia cigana, F... e E..., que residirão na Rua …, M…, local ermo, onde se encontrava estacionado o veículo de matrícula ….
No mais, a Polícia Judiciária, apurou que o suspeito F... terá já cumprido pena de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e que está pendente de cumprimento um mandado de detenção emitido pelo Tribunal Judicial de Águeda, pela prática do mesmo crime.
No decurso do inquérito não foi levada a cabo qualquer outra diligência, designadamente vigilâncias, susceptíveis de ir ao encontro do que é referido por pessoas que recusam identificar-se e que apontam no sentido de que os suspeitos se dedicarão à venda de produtos estupefacientes.
Assim, nenhuma diligência de inquérito sustenta, por ora e em termos suficientes, os factos indiciados, não tendo sido colhidos elementos que corroborem o que foi veiculado à Polícia Judiciária, desconhecendo-se totalmente o modus operandi alegadamente seguido pelos suspeitos.
Ora, a busca só deve ser ordenada quando houver indícios de que se encontrem objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova em lugares reservados ou não livremente acessíveis ao público (artigo 174.º, n.ºs 1 e 2, do CPP),
Compulsados os autos, conforme já referido supra, afigura-se-me que os mesmos se encontram ainda incipientemente instruídos para afirmar-se a existência de indícios capazes de justificar o recurso imediato a buscas, na medida em que não foram ainda colhidos elementos informadores mínimos sobre a actuação dos suspeitos que permitam sustentar a necessidade do referido meio de obtenção de prova.
Pelo exposto, decide-se não autorizar, por ora, a requerida busca domiciliária.
Notifique.
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C – Apreciação do Recurso:
De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), uma questão vem colocada pelo recorrente à apreciação deste tribunal:
- saber se o despacho recorrido interpretou e aplicou incorrectamente a norma do artigo 174.º, n.º 2, do C.P.P.
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O artigo 174.º, n.º 1, do C.P.P., consagra quequando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
Por sua vez, dispõe o n.º 2 do mesmo artigo quequando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
Estamos perante meios de obtenção de prova, conforme resulta da sua inserção no Código de Processo Penal (Título III – Dos Meios de Obtenção de Prova, Capítulo II – Das Revistas e Buscas).
Quando a busca seja realizada em casa habitada ou numa sua dependência fechada, a mesma só pode ser ordenada ou autorizada por um juiz, de acordo com o artigo 177.º, n.º 1, do C.P.P.
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O despacho recorrido recusou a emissão de mandados de busca com o fundamento na inexistência de indícios suficientes da prática do crime aludido nos autos.
Resulta evidente que, como meio de obtenção de provas que é, a busca não pode estar dependente da prévia existência das provas que visa alcançar. Considerar o contrário conduziria a retirar qualquer efeito útil relevante ao referido instrumento de obtenção de prova.
Conforme podemos ler no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 23/5/2007, processo n.º 3/07.4GBCNT-A.C1, in www.dgsi.pt, «Ao longo do seu percurso, o processo penal desenvolve-se através de um “iter” que tem o seu ponto de partida na suspeita, passa pela recolha do material probatório, crivado pelo juízo de probabilidade, até terminar na certeza prática da realização do ilícito que apenas será alcançada a final, em julgamento, após discussão e debate público das provas reunidas.
Não definindo a lei o conceito de “indícios” nesta fase inicial do processo, movimentando-se o inquérito preliminar em juízos de mera probabilidade, deve tal conceito ser interpretado num sentido próximo do atribuído pelo senso comum – uma indicação, um sinal ou vestígio de algo relacionado com um crime. E o que se pretende com a busca é precisamente a recolha de elementos de prova que confirmem ou infirmem os factos participados.
Para ser ordenada a busca e apreensão não é necessário, pois, que os indícios da prática do crime sejam suficientes ou fortes – nesse caso já existiria prova suficiente para deduzir a acusação, esvaziando-se de sentido o meio de obtenção de prova em questão.»
Podemos, pois, afirmar, que, para a realização de uma busca, a lei processual exige apenas a existência de “meros indícios”, contrariamente ao que acontece para efeito de acusação ou pronúncia, no artigo 283.º, n.º 1 e no artigo 308.º, n.º 1, ambos do C.P.P., em que é exigida a presença de “indícios suficientes”, ou para efeitos de aplicação de medidas de coacção, a que aludem os artigos 200.º, 201.º, e 202.º, n.º 1, al. a), todos do C.P.P., em que se impõe a presença de “fortes indícios” – ver, neste sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra, de 7/12/2005, Processo n.º 3616/05, in www.colectaneadejurisprudencia.com, de 15/2/2006, Processo n.º 4354/05, C.J., tomo I/2006, página 50, e de 22/2/2006, Processo n.º 33/06, in www.dgsi.pt.
Ainda neste sentido, podemos encontrar o Acórdão da Relação de Lisboa, de 3/10/2000, Processo n.º 7069/99, 9ª Secção, onde pode ser lido quepara se poder ordenar uma diligência de busca domiciliária ou em outros lugares reservados, basta a existência de indícios de que naqueles lugares existam ou se encontram ocultos objectos relacionados com um crime ou que possam servir de meio de prova, não se exigindo para tal que existam indícios suficientes. Entende-se como indícios as suspeitas, indicações, sinais ou quaisquer outros elementos que apontem para a existência dos objectos naquele lugar.
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No caso dos autos, investiga-se um eventual crime de tráfico de estupefacientes.
Será que estamos perante um pedido de busca solicitado com base numa mera informação de serviços de um senhor inspector da P.J., relativamente a possível tráfico de estupefacientes, baseado, sem mais, numa sua convicção, situada no campo do subjectivismo e de meras eventualidades e que, por isso, justifique o despacho recorrido?
Manifestamente, não vemos desse modo o que consta dos autos.
Vejamos. A decisão ora em crise não se mostra adequada. A apreciação que se lhe impunha devia ter em perspectiva o contexto processual concreto, bem como a viabilidade da autorização da diligência solicitada, não exigindo, como acontece, um nível muito próximo de certezas probatórias, mas apenas da sua probabilidade. Como correctamente anota o recorrente na sua Motivação, “ (…) será que as suspeitas daquele O.P.C., que derivaram de informações obtidas no início da investigação, não merecem qualquer credibilidade por parte do tribunal? (…)”. Nos termos precisos em que foi solicitada pelo Inspector P… ao respectivo Coordenador de Investigação Criminal (oito dias após a informação de serviço de fls. 2), o que originou a posterior remessa ao titular do Inquérito e subsequente requerimento datado de 15/9/2009, por parte deste último, pretendia-se trazer para o inquérito, além da simples probabilidade manifestada pela entidade policial, um subsequente e mais fundamentado juízo de certeza, o que a recusa proferida inviabilizou manifestamente (e, quiçá, irremediavelmente).
Concretizemos o que acabamos de afirmar.
Em primeiro lugar, não estamos, sem mais, perante uma posição isolada de um Inspector, assente numa simples convicção.
Na realidade, com base em elementos objectivos, que abaixo serão enumerados, há uma sugestão de um determinado inspector, com a qual concordam o respectivo Coordenador de Investigação Criminal e um Magistrado do Ministério Público, enquanto titular do Inquérito, isto é, há três pessoas com diferentes responsabilidades nos autos, cuja credibilidade não está posta em causa, que convergem no sentido da realização da busca, em virtude de a acharem pertinente.
Em segundo lugar, e entremos nos dados objectivos, a investigação foi iniciada com base em fontes que preferiram manter o anonimato, o que bem se compreende, tendo em conta a natureza do crime investigado, as quais “ merecem grande credibilidade”.
Em terceiro lugar, consta dos autos que o suspeito não aparece como um vulgar “traficante de rua” que vende pequenas doses, antes surge referenciado como alguém que armazena na sua residência produto estupefaciente para, em dado momento, o distribuir por diversos revendedores, isto é, o indivíduo em causa enquadra-se, para já, na categoria daqueles que, à partida, não têm um contacto directo com “as drogas”, no âmbito da disseminação diária aos consumidores, deixando tal actividade para terceiros, o que inviabiliza, em tempo útil e em termos práticos, a realização de vigilâncias.
Em quarto lugar, resulta, do relato de diligência externa de fls. 6, que a residência do suspeito se situa em local ermo, numa zona serrana de difícil acesso, aparentando ser a única habitada num aglomerado de casas antigas, o que, sem dúvida, predispõe e facilita a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, segundo as regras da experiência comum.
Em quinto e último lugar, faz parte da ficha biográfica junta a fls. 7 a 11, o que não pode ser escamoteado nesta fase processual, a informação de que o suspeito sofreu uma condenação numa pena de prisão, pela prática de tráfico de estupefacientes, além de que contra o mesmo está pendente um mandado de detenção, emitido em 27/10/2005, proveniente do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda.
Tudo visto, conjugando o passado criminal do suspeito com a denúncia efectuada e o local onde reside, impõe-se, assim, a realização da busca.
Tenhamos bem presente que, na ponderação de que as diligências processuais reclamadas devem ser as necessárias à prossecução dos fins que o processo traduz, bem como de que na compressão dos direitos individuais absolutos deve prevalecer o princípio da proporcionalidade, no caso sub judice, atenta a fase de investigação em que ocorreu, era, na verdade, a busca solicitada a única diligência idónea à obtenção de provas para o crime denunciado. Pelo exposto, a decisão recorrida encerra, sem margem para dúvidas, um grau de exigência excessivo, quando considera que não foram “colhidos elementos informadores mínimos sobre a actuação dos suspeitos”.
Sendo certo que as “averiguações” e subsequentes “suspeitas” da entidade policial não comportam valor probatório por não poderem, desde logo, ser submetidas ao contraditório, não menos certo será que, nas circunstâncias e fase em que se apresentaram, traduzem um valor indiciário a que se não pode processualmente ser alheio sob pena de, com apelo a um individual direito garantístico se sacrificar, irremediavelmente, um direito colectivo atinente à boa e rápida investigação criminal que deve sempre acontecer num Estado de Direito. A diligência indicada mostrava-se como capaz de reforçar a responsabilização do agente mencionado e, assim, era de ordenar-se.
Aliás, na consideração entre o conflito do direito fundamental de reserva da intimidade e da vida privada do suspeito e a tutela do interesse punitivo do Estado, não se constata qualquer danosidade social que fizesse extravasar desproporcionadamente a tutela deste em detrimento do primeiro, até pelo modo como deve processar-se a efectivação da busca, ex vi dos artigos 176.º e 177.º, ambos do C.P.P. Tudo para se concluir, como já dito, do infundado do despacho recorrido.
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D - Decisão:
Nesta conformidade, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que defira a emissão de mandados de busca, nos termos requeridos.
Sem custas.
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(Texto processado e integralmente revisto pelo relator.)


Coimbra, 18 de Novembro de 2009,

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(José Eduardo Martins)

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(Isabel Valongo)