Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1847/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 10/18/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 406º ;1207.º; SS 1218.º SS. 762.º, N.º 2 ; 799.ºDO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: 1. O empreiteiro é obrigado a construir bem e de acordo com as leges artis, incorrendo em responsabilidade civil contratual se o não fizer. Esta obrigação é extensiva aos chamados deveres laterais ou de conduta, deveres secundários ou de protecção, no fundo também uma projecção do princípio da boa-fé e lisura que deve presidir ao cumprimento do contrato.
2. Quer o cumprimento defeituoso da obra quer os prejuízos provocados na mesma por inobservância das leges artis se situam no âmbito da responsabilidade contratual; estes últimos assumem a natureza de danos circa rem que não estão diferenciados da prestação fundamental, antes se perfilando como uma projecção do cumprimento defeituoso.

3. O contrato de empreitada está sujeito aos princípios gerais que presidem ao cumprimento das obrigações, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos previstos por lei – artigo 406º do Código Civil.

4. A resolução do contrato de empreitada por virtude da existência de defeitos só pode ter lugar cumpridas que sejam determinadas etapas a que se reportam os artigos 1 218º ss e que passam pela denúncia e eliminação dos defeitos, eventual redução do preço, apenas havendo lugar à resolução do contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada para o fim a que se destina.

5. Tal não invalida contudo que colocado perante a tramitação de uma obra que não esteja a ser levada a cabo com os devidos cuidados e com risco iminente para os moradores do prédio o dono da obra não possa interpelar de imediato o empreiteiro para que tome as devidas providências concedendo-lhe um prazo para corrigir a orientação tomada atentando nas normas de segurança exigíveis sob pena de resolução do contrato. Tratar-se-á de uma situação de emergência que justifica perfeitamente uma interpelação admonitória do empreiteiro e a eventual resolução do contrato caso aquele não mude de orientação.

6. É requisito fundamental da compensação que haja uma reciprocidade de créditos e débitos de ambas as partes. Não havendo lugar à resolução do contrato de empreitada, os AA. não têm direito a haver a quantia que entregaram aos RR. por conta do preço daquela empreitada. De igual forma não tendo os RR. dado azo a qualquer prejuízo por parte dos AA., também os RR. não são devedores da importância que os AA. pagaram à empresa que contrataram.

Decisão Texto Integral: 1. RELATÓRIO.

Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A..., casado, reformado, residente na Rua de S. Pedro, nº 16, em Repeses, Viseu, intentou a presente acção sob a forma de processo ordinário contra os RR., B... e mulher C... (que o A. identificou como D...), pedindo a resolução do contrato de empreitada ajuizado entre A. e R., por justa causa, e por via dela a condenação dos RR. à restituição ao A. da quantia entregue de Esc. 918 690$00, bem como a pagarem-lhe a indemnização de Esc. 2 925 000$0, correspondentes aos danos sofridos por este, e ainda em juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alega o A., em síntese, que celebrou com o R. um contrato de empreitada que consistia no tratamento e impermeabilização do terraço afecto ao 1º andar do prédio do mesmo A.; o R. deu início às obras objecto de tal contrato de empreitada, mas fê-lo de forma a que, ao picar as massas na placa, feriu a lâmina de compressão das lajes, provocando-lhe a diminuição da resistência a que estavam submetidas, facto que, conjugado com as fortes chuvadas que de seguida se fizeram sentir e cuja água se acumulou e infiltrou nas lajes, exercendo forte pressão e peso nestas, veio a ocasionar uma deformação das lajes próxima da ruptura, com a possibilidade de, a verificar-se, provocar o arrastamento parcial da estrutura do edifício, com óbvios prejuízo materiais e riscos para a vida dos trabalhadores e clientes da inquilina da A.; o A. custeou as obras necessárias às reparação de tais danos nas lajes, consistentes no escoramento da laje e pórticos adjacentes e outros, pagamento à empresa que os efectuou da quantia de Esc. 2 925 000$00; o R. não mais voltou ao local, apesar de chamado pelo A., pelo que este, que perdeu a confiança naquele, entendeu que se havia desinteressado da conclusão das obras, comunicando-lhe, por isso, que considerava sem efeito o contrato, solicitando-lhe o reembolso dos valores entregues e o ressarcimento dos prejuízos, o que até ao momento o R. não fez.
Os RR. contestaram e deduziram pedido reconvencional. Em sua defesa, impugnam os factos alegados pelo A. tendentes à sua responsabilização pelos danos surgidos na placa do terraço onde se procedeu aos trabalhos de impermeabilização contratados, trabalhos esse que, segundo os RR., foram efectuados segundo as regras técnicas comummente utilizadas, pelo que, se porventura ocorreu alguma deficiência na resistência e estabilidade da placa, tal não foi devido a qualquer actuação do R. e seus operários, os quais se limitaram a iniciar os trabalhos que lhe foram encomendados pelo A. e que, pouco depois, o A. lhe mandou suspender, inexistindo, por isso, qualquer relação de causa – efeito entre os trabalhos executados pelo R. e as reparações que o A. alega terem sido feitas por outra empresa, não tendo, por isso, os RR. qualquer obrigação de pagar essas reparações; aceitam os RR. que o R. não voltou ao local para concluir as obras de impermeabilização do terraço porque foi impedido pelo A. que lhe mandou ao suspender os trabalhos e que não o voltou a convocar para os reiniciar.
Em sede de reconvenção, alegam os RR. quais os trabalhos efectuados no âmbito do contrato celebrado entre as partes e os materiais adquiridos com vista à prossecução do mesmo, reclamando do A. o pagamento do montante global de esc. 1 825 910$00, correspondente a trabalhos não pagos; (esc. 541 910$00), máquinas, ferramentas e materiais que o A. fez desaparecer; (esc. 284 000$00), dispêndio com uma passagem aérea; (esc. 250 000$00) e lucro que deixou de auferir pela não execução da obra e pagamento do respectivo preço (esc. 750 000$00).
Terminam, assim, os RR. pugnando pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido, e pela procedência da reconvenção, com a consequente condenação do A. a pagar à R. a quantia de esc. 1 825 910$00, com juros à taxa legal desde a notificação da reconvenção e até efectivo pagamento.
O A. replicou defendendo que, ao contrário do que os RR. alegam na contestação, a impermeabilização do terraço haveria de ser executada em 97, durante o Verão e terminada antes do termo desse ano e, sobre a reconvenção, manifestam a falta de fundamento fáctico e jurídico para a mesma, reiterando que a resolução do contrato celebrado, por justa causa – fundamentada entre outras, na quebra de confiança quanto à sua capacidade para executar e concluir a obra e o seu desinteresse manifestado no evoluir da situação – são impeditivos da constituição de qualquer direito indemnizatório na esfera jurídica dos RR.
Termina, assim, o A. por concluir pela procedência da acção e pela improcedência da reconvenção.
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo sido elencados os factos provados e elaborada a BI que não sofreu reclamação.
Efectuou-se o julgamento e acabou por ser proferida sentença que:
- Julgou totalmente improcedente a presente acção instaurada pelo A., A..., contra os RR., B... e mulher C..., e, consequentemente, absolveu estes do pedido contra si formulado na mesma.
- Julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido nos autos pelos mencionados RR. contra o referido A., e consequentemente condenou este a pagar aqueles a quantia global de € 3.818,67 (Esc. 765 575$00), quantia essa acrescida de juros moratórios desde a notificação ao A. do pedido reconvencional e até integral pagamento, à taxa de 7% até 30 de Abril de 2003 e de apenas 4% a partir de tal data, nos termos das disposições legais conjugadas dos Artsº 805º do C. Civil, Dec-Lei 260/83, de 16.06 e Portaria nº 263/99, de 12.04 e 291/2003, de 08.04, absolvendo o A. do demais contra si peticionado.
Daí o presente recurso de apelação interposto pelo Autor Horácio Simões, o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra, a proferir por este Tribunal, que julgue totalmente procedente e provada a acção e os pedidos formulados pelo Recorrente e totalmente improcedente o pedido reconvencional.
Subsidiariamente, se assim não se entender, pede que se declare nula a decisão recorrida na parte em que ao julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional não tomou em linha de conta o valor já pago pelo Recorrente ao Recorrido permitindo a respectiva compensação, o que representa violação da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil e artigos 562º, 564º nº 1 e 874º todos do Código Civil, pelo que sempre deverá ser revogada e alterada por outra decisão que tome tal pagamento em consideração e permita operar a respectiva compensação.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) A matéria dada como assente na presente acção é só por si suficiente para permitir a sua total procedência e portanto a condenação dos Recorridos nos pedidos formulados pelo Recorrente na petição;
2) Tal matéria é demonstrativa de actuação ilícita e culposa do Recorrido no cumprimento e execução do contrato de empreitada, nomeadamente por não observância das regras de segurança, informação e lealdade e as exigíveis pela leges artis inerentes à profissão;
3) E é ainda justificativa da resolução contratual, com fundamento em justa causa, levada a cabo pelo Recorrente relativamente ao contrato de empreitada celebrado com o Recorrido;
4) Ao não entender assim, a decisão recorrida, fez errada interpretação e aplicação do direito aos factos assentes e desrespeitou as regras de distribuição do ónus da prova, violando o disposto nos artsº 1 208º, 406º, 798º, 799º, 432º nº 1, 436º nº 1, 562º e segs. e 344º nº 1, todos do Cód. Civil;
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. Na Avª Dr. António José de Almeida em Viseu, nº 325, existe uma fracção autónoma designada pela letra "A" correspondente ao r/ch, destinado a estabelecimento comercial do prédio constituído em regime de propriedade horizontal.
2.1.2. O R. dedica-se à indústria de impermeabilização de imóveis, isolamentos e revestimentos.
2.1.3. Em Abril de 1997, A. e R. acordaram em que mediante pagamento do preço o R. efectuaria o tratamento e impermeabilização do terraço afecto ao 1º andar Dto. do prédio que serve de cobertura à dita fracção "A" e no interior desta, o que seria efectuado do seguinte modo:
- Demolição de massa solta sobre o terraço, limpeza, carga e descarga à entulheira pública;
- Substituição dos funis das águas pluviais e condutas paralelas ao exterior dos pilares em direcção às caixas;
- Impermeabilização composta por um feltro betuminoso elastómero com armadura em poliester;
- Aplicação de um feltro esponjoso em polipropileno;
- Aplicação de argamassa em cimento e areia ao traço ¼ para assentamento do mosaico;
- Revestimento em mosaico de 2ª;
- Fechamento das fendas no interior (tecto);
- Reparação de algumas massas soltas no tecto;
- Pintura do tecto designado pela letra (C);
- Tratamento da junta de dilatação compreendida por:
- Aplicação de uma folha de poliesterano de 3 cm de espessura sobre 4 cm de altura em toda a extensão da junta compreendida de uma argamassa fina;
- Aplicação de uma tela butílica ou polyester;
- Na protecção do mosaico este ficaria afastado em ambos os lados da junta para se poder proceder ao enchimento final da junta com silicone acrílico para um bom funcionamento da sua dilação.
2.1.4. O preço estipulado foi de Esc. 3 062 300$00;
2.1.5. Tal valor incluía o fornecimento e a aplicação de todos os materiais, montagem de estruturas, seguros de acidentes de trabalho e responsabilidade civil a cargo do R.
2.1.6. Não foi acordado prazo para o início de execução das ditas obras, pois, em face das condições climatéricas dependia de um critério de oportunidade técnico para o seu início.
2.1.7. Em Abril o A. pagou ao R. que recebeu a quantia ajustada de 30% do preço supra referido no valor de Esc. 918.690$00.
2.1.8. Em Maio do ano de 1997 o R. iniciou as obras com a picagem e demolição de massas de cobertura do terraço, fê-lo sem alguma vez ter esclarecido ou aconselhado ao Autor o que quer que fosse e não solicitou elementos técnicos sobre as características da obra.
2.1.9. Alarmado pela inquilina e avisado por um engenheiro que se deslocou ao local das obras sobre os riscos que corriam pessoas e bens, o A. ordenou à imediata suspensão das aludidas obras.
2.1.10. E procurou e adjudicou a uma empresa de construção civil, a Ecovil, que realizou os trabalhos que constam dos documentos juntos pelo A. com os nsº 11 e 12.
2.1.11. As obras levadas a cabo por esta empresa eram estruturais.
2.1.12. Os RR. casaram um com o outro no dia 24 de Agosto de 1968, sendo o casamento celebrado sem convenção antenupcial.
2.1.13. O R. exerce habitual e de forma regular a actividade supra referida.
2.1.14. Desta actividade angariam os resultados e receitas necessários ao sustento dele e de sua mulher.
2.1.15. Em execução do acordado o R. realizou no dito prédio demolição da argamassa do terraço com cargas e descargas e transporte e materiais soltos e abertura de um acesso ao terraço.
2.1.16. Como não havia acesso ao terraço o R. teve de montar uma passagem aérea sobre um prédio vizinho.
2.1.17. O terraço onde deveria ser realizada a dita obra tinha cerca de 355,25 m2.
2.1.18. O prédio e a placa a reparar foram construídos, pelo menos, há 15 anos.
2.1.19. No mês de Maio de 1997 em que o R. iniciou as obras, fizeram-se sentir intensas chuvas, alternando estas, de forma incerta, com dias mais amenos.
2.1.20. O R. tinha conhecimento dos factos descritos em 16. e 17.
2.1.21. Foi explicado ao R. que a placa a reparar se encontrava deteriorada e permitia infiltrações através dela que afectavam o interior da fracção aludida em 1., factos que o R. previamente constatou no local.
2.1.22. A água proveniente das ditas chuvas infiltrou-se nas lajes da aludida placa, exercendo nesta pressão correspondente ao seu peso.
2.1.23. Após o R. ter iniciado as ditas obras, evidenciou-se uma deformação de, pelo menos, um módulo de um pórtico, cujos valores das flechas, superiores e inferiores, eram, respectivamente, de 10 e 16 cm, deformação essa que colocou e submeteu a armadura da laje a tensões próximas da ruptura, com a possibilidade de, a verificar-se, provocar o arrastamento parcial da estrutura do edifício.
2.1.24. No decurso dos trabalhos iniciados pela R. a água recolhida na dita fracção e conduzida pela via pública completava bidões de 200 litros.
2.1.25. Após o referido em 23. o A. perdeu a confiança no R.
2.1.26. O A. não adjudicou ao R. os trabalhos referidos em 10.
2.1.27. As obras descritas em 10. findaram em finais de Janeiro, inícios de Fevereiro de 1998.
2.1.28. Por estas o A. pagou à Ecovil – Empresas de Construções, Lda. Esc. 2 925 000$00.
2.1.29. Depois do A. lhe ter mandado suspender os trabalhos o R. não voltou ao local destes.
2.1.30. Mercê da quebra de confiança no R. referida em 25., as obras contratadas entre o A. e o R. foram realizadas e concluídas por outra empresa.
2.1.31. Na picagem das massas da placa feita pelo R. saíram cerca de 3 cm de espessura da mesma, o que era de forma absoluta necessário para a impermeabilização.
2.1.32. Na execução das obras acordadas entre o A. e o R. supra mencionadas, este efectuou no prédio, pelo menos, tratamento de junta de dilatação letra "C", tratamento da junta de dilatação, compreendida por aplicação de uma folha de poliesterano de 3 cm de espessura sobre 4 cm de altura em toda a extensão da junta compreendida de uma argamassa fina. (sic)
2.1.33. Adquiriu e armazenou telas e mosaicos numa garagem vizinha destinados à obra. Tratava-se de tela especial.
2.1.34. O R. despendeu com material e mão-de-obra na execução dos trabalhos que efectuou na dita obra quantia não concretamente apurada.
2.1.35. Deixou depositados no prédio, quando foi mandado suspender os trabalhos, uma betoneira, carros de mão, ferramentas e materiais, de valor não concretamente apurado.
2.1.36. Tais máquinas, instrumentos e materiais desapareceram.
2.1.37. A passagem aérea referida em 16, custou, com mão-de-obra incluída, quantia não concretamente apurada.
2.1.38. Ao valor mencionado em 4. acrescia IVA.
2.1.39. Nesta obra contratada entre A. e R este lucraria cerca de 25% sobre o valor mencionado em 4.
2.1.40. Os trabalhos executados pelo R. e referidos em 15. e 30. custam quantia não concretamente apurada.
2.1.41. Depois do A. mandar o R. suspender os trabalhos, este não voltou a ser convocado pelo A. para reiniciar os trabalhos.
+
2.2. O Direito.

Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Da caracterização do contrato celebrado entre A. e RR.; direitos e deveres das partes.
- Da resolução do contrato.
- Da alegada nulidade da sentença. Eventual compensação.
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2.2.1. Da caracterização do contrato celebrado entre A. e RR. Direitos e deveres das partes.

Em Abril de 1997 A. e R. acordaram em que mediante o pagamento do preço de esc. 3 062 300$00, o R., que se dedica à construção civil, efectuaria o tratamento e impermeabilização do terraço afecto ao 1º andar Dto. do prédio que serve de cobertura à fracção "A" sita na Avª Dr. António José de Almeida, correspondente ao r/c destinado a estabelecimento comercial do prédio constituído em regime de propriedade horizontal. O valor supracitado incluía o fornecimento e a aplicação de todos os materiais, montagem de estruturas, seguros de acidentes de trabalho e responsabilidade civil a cargo do Autor.
Perante tais factos provados, constantes dos pontos 2.1.3. a 2.1.6, não se colocam dúvidas quanto à natureza do contrato celebrado entre as partes. Estamos em presença de um contrato de empreitada regulado no Código Civil nos artigos 1 207º ss. Trata-se do "contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço". Como todos os contratos, está sujeito aos princípios gerais que presidem ao cumprimento das obrigações que postulam o seu cumprimento pontual, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos previstos por lei – artigo 406º do Código Civil - Diploma ao qual pertencerão doravante as restantes disposições citadas sem menção de origem. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, sendo certo todavia que nos termos do artigo 762º nº 2 "no cumprimento da obrigação assim como no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa-fé". Concretamente, no que toca à empreitada, estatui o artigo 1 208º que "o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato".
Trata-se de normativos que visam salvaguardar no fundo o princípio pacta sunt servanda, basilar do direito contratual Cfr. Pedro Romano Martinez "Da Cessação do Contrato", Almedina, Coimbra 2005, pags. 124 ss. .
No caso que reapreciamos, o Autor pede a resolução do contrato e a subsequente condenação dos RR. à restituição da quantia que este lhe havia entregue no montante de esc. 918 690$00; peticiona ainda daqueles o pagamento da indemnização de esc. 2 925 000$00 correspondente aos danos sofridos por este, bem como acréscimos legais. Na verdade o Réu ao realizar a obra contratada de impermeabilização da laje, não teria tomado as precauções que se impunham, de onde resultou que ao picar as massas da placa feriu a lâmina de compressão das lajes provocando-lhe diminuição de resistência, o que deu azo a que, associado às chuvas que caíram, se tivessem verificado infiltrações de águas que acabaram por deformar as lajes próximas da ruptura com a possibilidade de provocar o arrastamento parcial da estrutura do edifício. O quantitativo por último apontado corresponde ao preço pago pelo Autor a uma empresa que lhe resolveu o problema.
Dos factos provados vê-se ainda que o Autor mandou o Réu suspender os trabalhos e não mais voltou a contactá-lo.
Perante esta factualidade entendeu o Sr. Juiz dar como não provada a acção e absolveu os Réus quer do pedido de resolução do contrato por incumprimento quer do de indemnização pelas despesas com o acabamento da obra. E diga-se desde já que justificadamente. Na realidade o contrato de empreitada está sujeito a uma tramitação específica no tocante à extinção do contrato, não podendo o dono da obra desistir do mesmo sem que tenha de indemnizar o empreiteiro quer pelos gastos e trabalho despendidos na execução, quer pelo proveito que este último podia vir a tirar da obra – o interesse contratual positivo – artigo 1 228º. É certo que o empreiteiro é obrigado a construir bem e de acordo com as leges artis, incorrendo em responsabilidade civil contratual se o não fizer. Esta obrigação é extensiva aos chamados deveres laterais ou de conduta, "deveres secundários" ou "de protecção", no fundo também uma projecção do princípio da boa-fé e lisura que deve presidir ao cumprimento do contrato Cfr. A. Varela "Das Obrigações em Geral" I Almedina, Coimbra, 6ª Edição, pags. 127 ss; Carneiro da Frada "Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra 1994, 143 ss. Pedro Romano Martinez "Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada", Coimbra, Almedina, Teses, pags. 519 ss.
À semelhança do que sucede no Direito Alemão das Obrigações BGB § 242, é genericamente no princípio geral da Boa-Fé que a Jurisprudência tem ancorado o dever de indemnização abrangendo desse modo situações que extravasariam à primeira vista o conteúdo obrigacional; cfr. Acs. Ac. da Rel. do Porto de 06-04-2000 (R. 20 277) in Bol. do Min. da Just., 496, 310; de 11-11-1999 (R. 1210/99) in Col. de Jur., 1999, 5, 187; da Rel. de Évora de 13-1-2000 (R. 675/99) in Col. de Jur., 2000, I, 261. . Tais deveres são variáveis de caso para caso, sendo "o contrato de empreitada" pródigo em exemplos dessa natureza, cabendo desde logo no âmbito do supracitado artigo 1 208º. É que na realidade o incumprimento da obrigação e nomeadamente o cumprimento defeituoso não se situam apenas no núcleo dos deveres contratuais, podendo gerar-se também na incúria do empreiteiro na preparação e protecção da obra susceptível de lhe retirar ou por qualquer forma reduzir-lhe o valor para o fim a que a mesma se destinava. Deverá aliás adiantar-se ser nosso entendimento que quer o cumprimento defeituoso da obra quer os prejuízos provocados na mesma por inobservância das leges artis se situam, ao contrário do que o Sr. Juiz defendeu, no âmbito da responsabilidade contratual; ter-se-ia tratado de danos circa rem que não se nos antolham diferenciados da prestação, antes se perfilando como uma projecção de um cumprimento defeituoso.
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2.2.2. Da resolução do contrato.

Revertendo ao caso concreto diremos que sobre o Autor recaía o ónus da prova do cumprimento defeituoso da obrigação assumida, nos termos do artigo 342º nº 1; e só verificado aquele, é que o devedor ficaria onerado em provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procederia de culpa sua – artigo 799º nº 1. Todavia das respostas aos quesitos não se prova minimamente que tivesse havido incúria do Réu na execução dos trabalhos da empreitada. Tão pouco se provou – dado terem recebido resposta negativa os quesitos 10º e 11º - a ocorrência dos factos que na tese do Autor teriam dado origem às infiltrações, i.e. ter a picagem das massas ferido a lâmina de compressão das lajes provocando a diminuição da resistência a que estavam submetidas. Sabe-se apenas que na ocasião ocorreram fortes chuvadas e que se verificaram infiltrações; contudo os factos são escassos para permitir estabelecer um nexo de causalidade entre as obras em curso e tais infiltrações. A perda de confiança do Autor no Réu não vem acompanhada, perante os factos apurados, de uma justificação cabal que legitimasse sem mais a entrega da obra a uma terceira empresa. Na verdade, as obras estavam em curso, tendo sido o Autor que impediu que o Réu as prosseguisse, não mais o convocando para tal efeito. Em face da prova produzida, tudo aponta para o facto de ter havido precipitação do Autor na atitude que tomou, tanto mais que a resolução do contrato de empreitada por virtude da existência de defeitos só pode ter lugar, cumpridas que sejam determinadas etapas a que se reportam os artigos 1 218º ss e que passam pela denúncia e eliminação dos defeitos, eventual redução do preço, apenas havendo lugar à resolução do contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada para o fim a que se destina.
O que deixámos dito não impediria a nosso ver, que colocado perante a tramitação de uma obra que não estivesse a ser levada a cabo com os devidos cuidados e com risco iminente para os moradores do prédio o Autor não pudesse interpelar de imediato o Réu para que tomasse as devidas providências concedendo-lhe um prazo para corrigir a orientação tomada atentando nas normas de segurança exigíveis sob pena de resolução do contrato. Tratar-se-ia de uma situação de emergência que justificaria perfeitamente uma interpelação admonitória do empreiteiro e a eventual resolução do contrato caso aquele não mudasse de orientação Pedro Romano Martinez in "Cumprimento Defeituoso" cit. pags. 387 s coloca reticências à intervenção prematura do dono da obra na correcção dos defeitos da mesma o que entende como um interferência daquele num contrato onde não há subordinação jurídica do empreiteiro ao dono da obra; mas quer-nos parecer que a realidade é portadora de peculiaridades insusceptíveis de precisão, tendo que ser encaradas na sua especificidade quando surgem. Ora também aqui a condução de uma obra em termos inadequados poderá dar azo a prejuízos muito gravosos, o que justifica uma intervenção atempada do respectivo dono. . O princípio da não interferência do dono da obra durante a execução do contrato – artigo 1 209º nº 1 – supõe, como não poderia deixar de ser, da parte do empreiteiro um modus agendi que acautele danos laterais perigosos cuja prevenção, como é óbvio em sede de ponderação dos valores em causa prevalece nitidamente perante o de respeito pela autonomia técnica do construtor. No entanto não se provou da parte do dono da obra qualquer comportamento no sentido de respeito pelas medidas apontadas e sendo assim, não se encontram verificadas as condições para a resolução do contrato.
Ao longo de toda a sua alegação e nomeadamente a nível das conclusões, os AA. omitem tudo aquilo que acima se disse e que tem uma importância decisiva para o desfecho da acção; sem as cautelas e procedimentos omitidos, nunca seria possível a responsabilização dos RR… tudo isto para já não falar na prova que os apelantes arvoram em sede de alegações, depois de naufragar em sede de julgamento da matéria de facto.
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2.2.3. Da alegada nulidade da sentença. Eventual compensação.

O apelante suscita por último a questão da nulidade da sentença. De harmonia com a sua tese o aresto julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional sem que tivesse tomado em linha de conta o valor já pago pelo recorrente ao recorrido, pelo que deveria ter sido permitida a compensação de créditos. Mostra-se assim em sua óptica, cometida a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil. De acordo com este normativo legal, a sentença é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. Ora a compensação não é de conhecimento oficioso tendo de ser suscitada pela parte a quem a mesma pode aproveitar. Tal não sucedeu no momento próprio e por isso não foi e bem, apreciada na sentença apelada. E também não o pode ser já nesta fase de recurso, uma vez que nesta sede não há lugar ao conhecimento de questões novas que não tivessem sido objecto de decisão.
Não se verifica pois qualquer nulidade.
Encarando também e por outro lado a questão do ponto de vista do mérito dir-se-á que a compensação nunca poderia operar no caso vertente. Explicitando:
Nos termos do preceituado no artigo 847º nº 1 do Código Civil que "Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor (…)". É assim requisito fundamental da compensação que haja uma reciprocidade de créditos e débitos de ambas as partes. A existência de um crédito dos RR. sobre os AA. é um dado adquirido e como tal foi contemplada na sentença ora apelada. Só que o inverso não é verdadeiro, como decorre da improcedência das razões esgrimidas pelos AA. com vista à resolução do contrato de empreitada. Na verdade, não havendo lugar à resolução do contrato, os RR. não têm direito a haver a quantia de esc. 918 690$00 que entregaram aos RR. por conta do preço da empreitada. De igual forma não tendo os RR. dado azo a qualquer prejuízo por parte dos AA., já que a contratação da empresa estranha à empreitada, a Ecovil, não logrou justificação cabal, também os RR. não são devedores da importância que os AA. pagaram àquela, no montante de esc. 2 925 000$00.
Nesta conformidade e por os AA. não terem qualquer crédito sobre os RR. nada há a compensar.
A sentença em crise irá assim confirmada in toto.

Poderá concluir-se assim o seguinte:

1) O empreiteiro é obrigado a construir bem e de acordo com as leges artis, incorrendo em responsabilidade civil contratual se o não fizer. Esta obrigação é extensiva aos chamados deveres laterais ou de conduta, deveres secundários ou de protecção, no fundo também uma projecção do princípio da boa-fé e lisura que deve presidir ao cumprimento do contrato.
2) Quer o cumprimento defeituoso da obra quer os prejuízos provocados na mesma por inobservância das leges artis se situam no âmbito da responsabilidade contratual; estes últimos assumem a natureza de danos circa rem que não estão diferenciados da prestação fundamental, antes se perfilando como uma projecção do cumprimento defeituoso.
3) O contrato de empreitada está sujeito aos princípios gerais que presidem ao cumprimento das obrigações, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos previstos por lei – artigo 406º do Código Civil.
4) A resolução do contrato de empreitada por virtude da existência de defeitos só pode ter lugar cumpridas que sejam determinadas etapas a que se reportam os artigos 1 218º ss e que passam pela denúncia e eliminação dos defeitos, eventual redução do preço, apenas havendo lugar à resolução do contrato se os defeitos tornarem a obra inadequada para o fim a que se destina.
5) Tal não invalida contudo que colocado perante a tramitação de uma obra que não esteja a ser levada a cabo com os devidos cuidados e com risco iminente para os moradores do prédio o dono da obra não possa interpelar de imediato o empreiteiro para que tome as devidas providências concedendo-lhe um prazo para corrigir a orientação tomada atentando nas normas de segurança exigíveis sob pena de resolução do contrato. Tratar-se-á de uma situação de emergência que justifica perfeitamente uma interpelação admonitória do empreiteiro e a eventual resolução do contrato caso aquele não mude de orientação.
6) É requisito fundamental da compensação que haja uma reciprocidade de créditos e débitos de ambas as partes. Não havendo lugar à resolução do contrato de empreitada, os AA. não têm direito a haver a quantia que entregaram aos RR. por conta do preço daquela empreitada. De igual forma não tendo os RR. dado azo a qualquer prejuízo por parte dos AA., também os RR. não são devedores da importância que os AA. pagaram à empresa que contrataram.
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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente confirmando a sentença apelada.
Custas pelo apelante.