Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
102/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
COMUNICAÇÃO
DECISÃO DE FACTO
PROVAS
RECURSO
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 416.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL; ARTIGO 653.º, N.º 2; 712.º, N.º 1, A) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. É o obrigado à preferência (o proprietário), quem deve comunicar ao preferente as condições em que pretende vender o prédio objecto da preferência.

2. Embora a comunicação para preferência não tipifique o clausulado de um verdadeiro contrato, deve, no entanto, conter todas as condições que influenciem a vontade de preferir, designadamente, a indicação do preço, do pagamento e respectivas condições e a identidade do comprador.

3. Não basta ao tribunal indicar as provas a partir das quais formou a sua convicção, tendo também de fundamentar a decisão de facto que assumiu, para o que deverá expor os motivos que o levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como de expor os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente formada.

4. A Relação poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle na medida em que releva o funcionamento do princípio da imediação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Autores:

Herdeiros por óbito de A....:

1.B... e mulher C....

2. D... e mulher E...., e

3. F....

Réus:

Por si e como Herdeiros por óbito de G....:

1. H..., casado com I....;

2.  J....., casada com L....

Ainda:

3. M...., com sede ....

Veio A.... (falecida na pendência da acção) intentar contra os RR a presente acção declarativa de condenação que segue a forma ordinária pedindo:

a)seja reconhecido à autora o direito de haver para si, pelo preço de esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), o prédio que foi objecto de compra e venda e descrito nos arts 1º, 2º e 6º da p.i.; ou na hipótese de se vir a decidir a final que aquele prédio não pode separar-se dos restantes com ele alienados sem prejuízo apreciável:

b) seja reconhecido à autora o direito de preferir na compra de todos os prédios, havendo-os para si pelo preço global indicado na escritura de compra e venda; ou, na hipótese de se vir a entender, a final, que o prédio id no art 1º da p.i., deu origem a dois prédios distintos, um inscrito na matriz predial urbana da freguesia da ...., sob o artigo 11111 e outro sob o 11112

c)seja reconhecido à autora o direito a haver para si o id sob o art 11111 pelo preço proporcional de esc 7.500.000$00 (sete milhões e quinhentos mil escudos) ou pelo que, a final, vier a ser fixado;

d) em qualquer caso, que seja ordenado o cancelamento do registo de aquisição que a compradora tenha efectuado em relação ao(s) prédio(s) referido(s).

Alega que tomou de renda com seu marido o prédio referido em 3º da p.i. há cerca de 58 anos a contar da data da interposição da acção.

Que os 1ºs RR venderam à 2ª Ré, M...., vários prédios, entre os quais o prédio urbano referido em 6º da p.i., que é o mesmo que é referido supra nos arts 1º e 2º desse articulado (se bem que com outra descrição).

Que os RR nunca deram conhecimento à autora da referida venda, tendo aquela conhecido da mesma apenas em 8 de Junho de 1998 por comunicação do advogado da 2ª Ré. Que, assim, pretende exercer o seu direito de preferência na compra do imóvel.

A Ré M.... contestou a fls 50 a 52 alegando que a autora havia sido notificada oportunamente pelos vendedores das condições da venda e havia renunciado ao direito de preferência.

Que, em Julho de 1991 toda a gente soube do negócio pelas alterações que então se verificaram. Que os prédios cuja compra efectuou são inseparáveis devido às dimensões de cada um que determinam que ali se não possa construir um projecto.

A autora replicou impugnando os factos alegados pela ré, nomeadamente a alegada inseparabilidade dos prédios.

            No prosseguimento dos autos, foi dispensada a realização de audiência preliminar em consequência do que foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto relevante tida por assente e a provar, de que reclamou a autora, relativamente à base instrutória, reclamação, essa, que veio a ser decidida como improcedente, cf. despacho de fl.s 290, já transitado.

            Depois de habilitados os sucessores da autora e da ré G...., por falecimento destas, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação, tal como consta de fl.s 410 a 412, sem que lhe tenha sido formulada qualquer reclamação.

            No seguimento do que foi proferida a sentença de fl.s 416 a 426, na qual se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto julgo a acção procedente por provada pelo que declaro que os AA – habilitados por morte da primitiva autora -  têm o direito de haver para si pelo preço de esc. 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), correspondente a € 74.819,68 € (setenta e quatro mil oitocentos e dezanove euros e sessenta e oito cêntimos - já depositados) o prédio identificado em D).

Mais ordeno o cancelamento do registo da aquisição que a compradora efectuou em relação a prédio referido.

Custas pelos RR”.

            Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré “M.....”, recurso, esse, admitido como de apelação e com efeito devolutivo (cf. despacho de fl.s 437), concluindo as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1º- A expressão de uma testemunha dizendo que depois da escritura falou com a A. dando-lhe conhecimento da venda e a outra testemunha que igualmente participou no encontro, referiu que foi após a escritura, significa que isso se passou em data muito próxima da escritura, a qual foi realizada em 19.7.91;

2º- Com base na fundamentação para resposta à matéria de facto, referindo o depoimento das testemunhas, que estão em contradição com a resposta aos quesitos, não pode deixar de se alterar a matéria de facto;

3º- Com base na fundamentação referida as respostas aos artigos 1º e 7º da base instrutória têm de ser alteradas, porque há evidente omissão e até mesmo contradição.

E assim, as respostas a estes artigos, devem ser as seguintes:

Quesito 1º: Só em 8.6.98 é que a autora soube que a referida venda, entre os réus, fora efectuada através de carta do ilustre mandatário da segunda Ré, cuja cópia faz fls. 22 e 23 dos autos e aqui se dá como reproduzida para todos os legais efeitos?

Resposta correcta: Não provado. A autora foi avisada que a segunda ré ia comprar os prédios e, imediatamente após a escritura, foi-lhe comunicado que a mesma tinha sido feita;

Quesito 7º: Apesar disso a segunda Ré antes da celebração daquela escritura, mandou uma pessoa dizer à autora que ia comprar os prédios descritos na escritura, perguntando se queria comprar a casa que habitava?

Reposta correcta: Antes da escritura um dos herdeiros pediu à testemunha N.... para ir comunicar à D. A.... do interesse da M.... em comprar os prédios e questioná-la sobre o seu interesse em exercer o direito de preferência, o que esta declinou.

E, após a escritura a D. A.... foi informada de que a escritura tinha sido feita;

4º- Se uma locatária é avisada antes da escritura de que há uma empresa que vai comprar a casa que habita e após a escritura lhe é informado de que a escritura foi feita, e esta foi outorgada em 19.7.91, não pode argumentar que só em 8.6.98 teve conhecimento do negócio;

5º- Se a autora invoca que só teve conhecimento da venda em 8.6.98, cabe-lhe provar que só nessa altura o soube. E a não prova disso, não pode deixar de ter consequências;

6º- Se em data muito próxima de 19.7.91 a locatária de uma casa teve conhecimento que a casa que habita foi vendida, o seu direito para exercer a preferência, caducou passados seis meses e, quando em 12.11.98 interpôs a acção de preferência, há muito que tinha caducado esse direito;

7º- Para começar a contar o prazo de seis meses para alguém exercer o direito de preferência, não é preciso que o vendedor o tenha avisado das condições do negócio. O prazo começa a contar após ter tomado conhecimento da venda, quer esse conhecimento lhe tenha chegado via comprador, via vendedor ou por outra forma;

8º- A decisão recorrida violou, nomeadamente o artigo 653º nº 2 do CPC, ao não analisar criticamente as provas produzidas, o que justifica melhor resposta aos artigos 1º e 7º da BI, e ainda os artigos 1091º e 1410º do C.Civil, pelo que, só alterando a matéria de facto como fica referido e julgando improcedente a acção, se fará justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.

            Colhidos os vistos legais, há que decidir.        

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

            A. Se a sentença recorrida viola o disposto no artigo 653.º, n.º 2 do CPC, ao não analisar criticamente as provas, o que justifica melhor resposta aos quesitos 1.º e 7.º;

B. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos quesitos 1.º e 7.º da base instrutória e;

C. Caducidade do direito invocado pela autora.

           

            É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

A)

Na Conservatória do Registo Predial da ...., sob o nº 00000.../ 00000..., encontra-se descrito o seguinte prédio: “Prédio Urbano – ... – casa de rés-do-chão – 162 m2 – norte, ..., sul, poente e nascente, H... (herdeiros) – artigo 388.

Pela Ap. 04 de 15.07.1991, e sem que tenha havido qualquer alteração no referido prédio, esta descrição foi alterada pelos réus, ficando a constar: “ ... – duas casas de rés-.do-chão para habitação, uma s.c. de 66 m2 – art 11111; e outra com a s.c. de 60 m2 . artigo11112 – norte, ...”.

B)

Em data não precisa, mas há cerca de 58 anos (com referência a 12 de Novembro de 1998), a ré G... e o então marido H.... deram de arrendamento à autora e marido D..., ou D...., um prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e logradouro, sito na ..., actualmente 1º de Maio nº 46 e 48, no lugar, freguesia e concelho da ...., confrontando do norte com estrada pública, sul, nascente e poente com H...., inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 388, ou seja, o prédio identificado na alínea A).

C)

Desde essa data que primeiro a autora e seu marido, e após a morte deste em 1982, a autora sozinha, têm habitado a casa.

D)

Por escritura pública realizada em 19 de Julho de 1991, no Cartório Notarial de ...., e lavrada a fls 77 verso a fls 79 e documento complementar, do livro de Notas 126-A, os primeiros réus (G...., H.... e mulher e J.... e marido) declararam vender à segunda ré, M...., entre outros, o seguinte prédio:

- ”Urbano constante de duas casas de rés-do-chão para habitação, uma com a superfície coberta de sessenta e seis metros quadrados a que corresponde o artigo onze mil duzentos e cinquenta e oito e outra com a superfície coberta de sessenta metros quadrados, a que corresponde o artigo mil duzentos e cinquenta e nove, sitas na ...., na cidade da ...., que confronta do norte com a ...., do sul, nascente e poente com herdeiros de H..., com o valor patrimonial de cinquenta e sete mil e setecentos e vinte escudos, e descrito na Conservatória do Registo Predial da .... sob o número dois mil oitocentos e sessenta e dois, da freguesia da .... e nela inscrito a favor dos alienantes pela inscrição G-um, pelo preço de quinze milhões de escudos”.

E)

O prédio identificado em A) e o identificado em D) são o mesmo prédio.

F)

A escritura pública referida em D) tem como objecto um conjunto de prédios urbanos e um prédio rústico, e tem declarado que o preço da venda foi um valor global de trinta milhões de escudos.

G)

A segunda ré, antes da celebração daquela escritura, mandou uma pessoa dizer à autora que ia comprar os prédios descritos na escritura, perguntando se queria comprar a casa que habitava, ou, não querendo, em que condições estava disposta a sair dali, rescindindo o contrato de arrendamento.

H)

A autora disse que não estava interessada em comprar.

I)

Os prédios adquiridos pela segunda ré aos primeiros réus através da escritura mencionada na alínea D) foram adquiridos na mesma altura em que a ré adquiriu um outro conjunto de prédios pertencentes a O.....

J)

A casa onde a autora reside confronta do sul com um outro dos prédios adquiridos pela segunda ré aos primeiros réus, e do nascente e do poente com outros prédios adquiridos ao . O....

A. Se a sentença recorrida viola o disposto no artigo 653.º, n.º 2, do CPC, ao não analisar criticamente as provas, o que justifica melhor resposta aos quesitos 1.º e 7.º.

Alega a ora recorrente que a sentença recorrida viola o referido preceito, porquanto, na sua opinião, os depoimentos testemunhais produzidos em audiência de julgamento, justificam que aos quesitos 1.º e 7.º sejam dadas respostas diferentes das que lhes foram dadas em 1.ª instância.

Ou seja, a alegada “falta de análise crítica das provas produzidas”, reside apenas e tão só numa discordância acerca da forma como o Juiz em 1.ª instância formou a sua convicção ao responder aos quesitos em causa.

De acordo com o disposto no artigo 653, n.º 2, in fine, CPC, deve o tribunal, a fim de responder à matéria de facto atinente, declarar quais os factos que julga provados e quais os não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

            A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e não provados, para o que os deve enumerar, mas também que explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança mediante a indicação e exame crítico das provas que serviram de base para formar a sua convicção.

            Trata-se de imposições que visam, por um lado, a total transparência da decisão, por forma, a que, os seus destinatários (aqui se incluindo a própria colectividade) possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação por parte do julgador e, por outro lado, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, o que constitui direito elementar dos participantes processuais, fiscalização e controlo que se concretiza através do recurso.

            Ora, a imposição de motivação (explicitação) da decisão de facto, a qual se concretiza através do exame crítico das provas, traduz-se no dever do julgador expressamente consignar os elementos probatórios que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, subjacentes à livre apreciação da prova (art.º 655, n.º 1, CPC) constituem o substracto racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido e valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados e produzidos no decurso do contraditório.

            Só assim a decisão é susceptível de apreensão, permitindo aos seus destinatários compreender os juízos de valoração e de apreciação da prova, possibilitando, concomitantemente, ao tribunal de recurso uma efectiva actividade de fiscalização e de controlo sobre a forma como o tribunal de 1.ª instância valorou e apreciou a prova produzida.

            Deste modo, ao tribunal não basta indicar as provas a partir das quais formou a sua convicção, tendo também de fundamentar a decisão de facto que assumiu, para o que deverá expor os motivos que o levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como de expor os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substracto racional que conduziu à convicção concretamente formada.

            Afigura-se-nos estarem todos de acordo e nunca é demais sublinhar, que a obrigatoriedade de indicação na decisão acerca da matéria de facto das provas e respectiva análise crítica que serviram para formar a convicção do tribunal, estabelecida no art.º 653, n.º 2, CPC, se destina não só a permitir aos sujeitos processuais e ao tribunal de recurso a verificação de que na sentença se seguiu um critério lógico e racional na apreciação da prova, não sendo portanto uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória nem notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação da prova – cf. Acórdãos do STJ, de 21/06/89, BMJ 388 – 364, de 28/1/93, Processo n.º 43305, BMJ 304 – 92 e de 29/06/95, CJ, STJ, II, 254.

            Assim não impunha, nem impõe o referido normativo, após a alteração do Dec. Lei 39/95, de 15/2 que se indique o conteúdo dos depoimentos, os meios de prova em relação a cada um dos factos que o tribunal tenha considerado provado ou não provado, nem a indicação das razões pelas quais se considera como verdadeiros determinados depoimentos ou declarações.

            Daqui resulta, também, que para cumprir a exigência imposta (com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal), não basta uma mera indicação, sem mais, da identificação das testemunhas ou declarantes ouvidos ou dos documentos que serviram de apoio, é necessário descrever a razão de ciência do impacto probatório na convicção do julgador, expor os motivos que o levaram a considerar aquelas provas como idóneas e relevantes, eventualmente em detrimento de outras, bem como expor os critérios utilizados na apreciação daquelas e o substracto racional que conduziu à convicção concretamente formada.

            Como se refere no Acórdão do STJ, de 06/04/2000, BMJ 496, 169, “a regra da livre apreciação da prova, não se confunde com a decisão arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância às regras da experiência comum, utilizando como métodos de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo”.

            Daquele preceito apenas decorre, como o refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Março/Julho de 1996, a pág. 306 que “Na decisão sobre a matéria de facto …, o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.

            Vejamos, então, por referência ao caso ora em apreço, se a decisão quanto a tal tomada respeita os ditames e comandos legais que ora se deixaram referidos.

            A fundamentação da resposta à matéria de facto dada em 1.ª instância consta de fl.s 410 a 412, na qual se enumeraram os factos provados e não provados e a respectiva fundamentação.

Identificam-se as testemunhas relevantes, resumindo-se os respectivos depoimentos, a respectiva razão de ciência e justificando-se a opção (2.º parágrafo de fl.s 412) pela qual não se deu por provada a comunicação à primitiva autora das condições e termos do negócio e acrescentando-se (no 3.º parágrafo da mesma fl.) o porquê de não se ter considerado relevante o depoimento de parte prestado.

Ora daqui, tem de tirar-se a ilação de que o julgador indicou os fundamentos que teve em linha de conta para formar a sua convicção e enumerou as razões pelas quais o fez, sem que se vislumbrem quaisquer ordens de razões fornecidas pelas regras da ciência, da lógica ou da experiência que a contrariem, pelo que, quanto a tal, nada há que lhe censurar.

            No domínio da livre apreciação das provas produzidas, o julgador, no âmbito da inteira aplicação dos princípios da oralidade e da imediação, tirou as suas conclusões da prova perante si produzida, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis – neste sentido, Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil …, Coimbra Editora, 1996, a pág. 157.

            Foi isso que se passou in casu, como retratado de fl.s 410 a 412, pelo que, quanto a esta questão tem de improceder o recurso.

Se as mesmas (conclusões tiradas em 1.ª instância da prova produzida) podem ser infirmadas através da respectiva reanálise, é questão que trataremos de seguida.

            B. Incorrecta análise e apreciação da prova – reapreciação da prova gravada, relativamente aos quesitos 1.º e 7.º da base instrutória.

            No entendimento da recorrente, com base nos depoimentos das testemunhas N.... e P...., o quesito 1.º deverá passar a ter a seguinte resposta:

“Não provado. A autora foi avisada que a segunda ré ia comprar os prédios e, imediatamente após a escritura, foi-lhe comunicado que a mesma tinha sido feita.”.

E o quesito 7.º a seguinte:

“Antes da escritura um dos herdeiros pediu à testemunha N...para ir comunicar à D. A.... do interesse da M.... em comprar os prédios e questioná-la sobre o seu interesse em exercer o direito de preferência, o que esta declinou.”.

            Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Como se refere no Acórdão desta Relação, de 3/10/2000, in CJ, 2000, 4, 27, “… a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, não pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas inserto no artigo 655, n.º 1 do CPCivil … E na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova – seja áudio seja mesmo vídeo -, por mais fiel que ela seja das incidências concretas das audiência.

Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis …”.

No mesmo sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 19/9/200, mesmo tomo, pág. 186 e seg.s, de acordo com o qual (passa a transcrever-se o sumário):

“I – A reforma processual operada pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, dando nova redacção ao artigo 712.º do C.P. Civil, ampliou os poderes da Relação quanto à matéria de facto, mas não impõe a realização de um novo e integral julgamento nem admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto.

II – Porque se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”.

No seguimento de tais princípios, tem entendido a nossa jurisprudência, maioritariamente, que só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1.ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento, que não ocorrerá perante elementos de prova contraditórios, caso em que deverá prevalecer a resposta dada em 1.ª instância, no domínio da convicção que formou com fundamento no princípio da sua livre convicção e liberdade de julgamento.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 712, n.º 1, al. a), do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados e não ir em busca de uma nova convicção.

Vejamos, então, as respostas postas em causa pelos ora recorrentes, nas respectivas alegações de recurso.

Alteração das respostas dadas aos quesitos 1.º e 7.º da base instrutória.

            Pretende, como vimos, a ora recorrente que ambos estes quesitos passem a ter as respostas que já acima transcrevemos (o que faremos, de novo, aquando da análise de cada um deles).

Para melhor esclarecimento e facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tais quesitos:

“1.º

Só em 8 de Junho de 1998 é que a autora soube que a referida venda, entre os réus, fora efectuada através de carta do Ilustre Mandatário da segunda ré, cuja cópia faz fl.s 22-23 dos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os legais efeitos?;

Apesar disso (o constante do 6.º - a autora ter respondido que não estava interessada em comprar o apartamento onde vivia), a segunda ré, antes da celebração daquela escritura (a mencionada em D), mandou uma pessoa dizer à autora que ia comprar os prédios descritos na escritura, perguntando se queria comprar a casa que habitava?;

Como consta de fl.s 410, a M.ma Juiz deu-lhes as seguintes respostas:

Quesito 1.º: Não provado;

Quesito 7.º: Provado.

 Motivou tais respostas no seguinte (fl.s 411 e 412):

“- O Tribunal baseou a sua convicção na certidão da escritura pública de compra e venda efectuada entre os RR de onde consta a sua data de emissão e a celebração do negócio envolvendo vários prédios;

- ainda nos depoimentos das testemunhas N..... que referiu como, antes da celebração da escritura pública lhe foi pedido por um dos herdeiros que fosse falar com a D.ª A.... para lhe comunicar do interesse da M.... em comprar os prédios e questioná-la sobre o seu interesse em exercer o direito de preferência, uma vez que era arrendatária; que aquela lhe referiu que não estava interessada; que depois da escritura pública, e juntamente com o sócio-gerente da compradora, voltou a falar com a referida A.... perguntando se a mesma estaria disposta a sair da casa com uma indemnização, ao que ela respondeu “Daqui só para o cemitério”;

- P.... que se dirigiu com a testemunha N.... a casa da referida A...., após a celebração da escritura pública de compra e venda, para servir de testemunha, assistindo a conversa entre aqueles; que foi dito à A.... que tinha sido realizado o negócio e feita a escritura e perguntado se estaria disposta a sair da casa para outro apartamento ao que ela disse “Daqui só para o cemitério”.

Do depoimento destas testemunhas não resulta que à D.ª A...., pessoa analfabeta, tenham sido comunicados todos os termos do negócio antes da celebração da escritura pública de compra e venda e que, conhecedora de todas as condições do negócio (o que, como supra referido os RR não lograram provar, sendo certo que aos mesmos incumbia o ónus da prova), esta tenha renunciado ao direito de preferência.

Não mereceu qualquer valoração por parte do Tribunal o depoimento do co-réu H...., o qual só em audiência exibiu duas cartas (fl.s 151 e 152), alegadamente assinadas por si (e estranhamente tendo sido confrontado com o facto de tais cartas serem originais referiu que as fazia em duplicado sendo o duplicado sempre por si assinado) e recebidas pela referida arrendatária (sem que exista qualquer prova de que esta as tenha efectivamente recebido). Do seu depoimento não resultou qualquer confissão pelo que o mesmo não foi considerado como prova.”.

Vejamos, então, se dos depoimentos invocados pela recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que as supras mencionadas respostas sejam modificadas ou alteradas.

Refere a recorrente que tal teor (no sentido da resposta de não provado ao quesito 1.º, com a menção de que “a autora foi avisada que a segunda ré ia comprar os prédios e, imediatamente após a escritura, foi-lhe comunicado que a mesma tinha sido feita”, que propõe) foi confirmado aquando da prestação do depoimento prestado pela testemunha N.....

Ora, do depoimento prestado pelo mesmo, em audiência de julgamento resulta, resumidamente, que o mesmo referiu que um dos sócios gerentes da compradora, que já faleceu, de nome Q..., lhe pediu para falar com a D.ª A...., antes de ser feita a venda em causa, ao que a mesma disse que “não tinha interesse no negócio”.

Já depois de ter sido realizada a escritura voltou a falar com a primitiva autora, acompanhado do mesmo Q... e mais duas pessoas, a dar-lhe conhecimento de que o negócio já tinha sido feito e se havia possibilidade de acordo para sair da casa, ao que a mesma respondeu “Daqui só para o cemitério”.

Mais referiu que, nessa ocasião, a referida D.ª A.... lhe mostrou uma carta que tinha recebido do H...., acerca da venda da casa e perguntou-lhe a quem deveria pagar a renda.

A testemunha P.... apenas disse que acompanhou a anterior para testemunhar uma conversa com a D.ª A...., na qual o . N... lhe disse que a escritura já tinha sido feita e se ela estava disposta a sair da casa ao que a mesma respondeu “dali só para o cemitério”.

Analisados os depoimentos em causa, não se pode concluir no sentido propugnado pela recorrente, sendo de manter as respostas que a tais quesitos foram dadas em 1.ª instância.

Efectivamente, como resulta do depoimento das testemunhas acima identificadas, a primeira limitou-se a acompanhar o sócio gerente da compradora, antes e depois da realização da escritura, a fim de a informarem de que se iria realizar a venda e da sua disponibilidade em sair da casa onde residia para outro sítio, respectivamente, ao que a mesma, de ambas as vezes, terá respondido negativamente.

No entanto, de tal depoimento não resulta que tenha actuado por ordem dos vendedores, ao invés disse que o fez com o sócio gerente da compradora, sem qualquer referência a um pedido expresso de qualquer dos vendedores em concreto e nem sequer que tenham explicado à inquilina em que específica data se realizaria ou realizou a escritura, nem os termos e condições do negócio.

A segunda testemunha indicada apenas disse que informaram a D.ª A.... que a escritura tinha sido feita e se ela estava disposta a sair de casa, ao que a mesma respondeu negativamente.

Ou seja, tais depoimentos em nada infirmam a resposta de “não provado” que mereceu o quesito 1.º, na medida em que nada apontam quanto à concreta data em que a primitiva autora soube da realização da escritura de compra e venda.

De igual forma, dos mesmos, não se pode retirar a conclusão de que as referidas conversas, a terem existido, o tenham sido a pedido dos vendedores, já que nenhuma destas testemunhas o referiu, pelo que, igualmente, é de manter a resposta de “provado” que mereceu o quesito 7.º.

De resto, não pode deixar de se referir que sendo a autora inquilina dos vendedores há tanto tempo, estes precisassem de “intermediários” na comunicação da venda, até porque dos autos não resulta nenhuma relação de animosidade entre ambos.

Assim, nesta parte, consideramos ser de improceder o presente recurso, mantendo-se a matéria de facto dada como provada em 1.ª instância.

C. Caducidade do direito invocada pela autora.

Alega a recorrente que o direito invocado pela autora já caducou, porque a mesma, em data muito próxima de 19/07/1991, soube que a casa onde residia foi vendida e se invocou que só em 8/6/1998 disso teve conhecimento, a si o cabia provar, pelo que, quando em 12/11/1998, interpôs a presente acção, já há muito havia decorrido o prazo de seis meses para o fazer.

Para além disso, alega, ainda, que para que o prazo de caducidade comece a correr, não é necessário que o vendedor tenha avisado o preferente das condições do negócio, bastando, para tal, que este tenha tido conhecimento da venda, quer esse conhecimento lhe tenha chegado via comprador, via vendedor ou por outra forma.

Somos de opinião que nenhum destes fundamentos é de molde a sustentar esta pretensão da recorrente, tendo o seu recurso, também quanto a esta questão, de improceder.

Se não vejamos!

Em primeiro lugar, não se demonstrou que em data próxima de 19 de Julho de 1991, a preferente tenha tido conhecimento da venda, tal como resulta da matéria de facto dada por provada, designadamente a resposta que mereceu o quesito 1.º.

Efectivamente, embora a recorrente, com o presente recurso, tivesse em vista a alteração da matéria de facto dada como provada em 1.ª instância, não o logrou.

Em segundo lugar, a questão da caducidade encerra matéria de excepção (cf. artigo 487.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC), pelo que é aos réus que incumbe a prova dos factos que a sustentam – cf. artigo 342.º, n.º 2, do CC.

E em terceiro lugar, para que comece a correr o prazo de caducidade previsto na lei, têm de estar verificados os requisitos para tal legalmente exigíveis.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 416.º, n.º 1 do CC:

“Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato”.

Daqui resulta, pois, que é o obrigado à preferência (o proprietário), quem deve comunicar ao preferente as condições em que pretende vender o prédio objecto da preferência.

Assim, desde que não mandatado para tal pelo vendedor, nos termos do artigo 258.º CC, não pode outra pessoa, designadamente o potencial comprador substituir-se aquele em tal obrigação de comunicação, sendo que no caso em apreço não se alega nem se verifica tal relação de mandato.

Como refere Aragão Seia, in Arrendamento Urbano Anotado e Comentado, Almedina, 1995, a pág. 222, a notificação para o exercício do direito de preferência só pode ser efectuada pelo próprio obrigado à preferência, ou por seu representante se lhe tiver conferido poderes bastantes, em conformidade com o disposto no artigo 258.º do CC.

Assim sendo, não vale a comunicação referida em G) para os termos e efeitos do n.º 2 do artigo 416.º CC.

Como defendido no Acórdão do STJ, de 02 de Março de 1999, in CJ, STJ, 1999, tomo 1, pág.s 131 a 133 “… só a comunicação ao preferente pelo obrigado à preferência ou melhor, pela pessoa que se propõe vender, ou pelo seu representante, faz nascer na esfera jurídica daquele (beneficiário da preferência) o direito potestativo de declarar que pretende preferir e na deste a obrigação de com ele contratar. Só assim é possível acautelar o interesse do preferente, a favor de quem é estabelecido o dever de ser notificado pelo obrigado à preferência.”.

Ali se acrescentando que:

“Mas já a comunicação efectuada por um terceiro, a menos que intervenha como mandatário do vendedor, não passa de uma pura informação, que em nada vincula o obrigado à preferência nem o constitui em responsabilidade civil contratual para com o preferente, se não consumar o negócio projectado.”.

Esta é, também, a posição defendida por Antunes Varela, in RLJ, ano 105, a pág.s 14 e 15, que ali escreve:

“Ao contrário, a comunicação efectuada pelo terceiro interessado na aquisição da coisa, a menos que intervenha como mandatário do vendedor (…), não passa de uma pura informação. É uma simples declaração de ciência, que o notificado pode utilizar, se quiser, atendendo à natureza da sua fonte, para inquirir da real intenção do vinculado à preferência, mas que não o compele a actuar. Enquanto não houver a notificação por parte desse vinculado (feita directamente ou por meio de mandatário), não se desencadeia o dever de agir que o n.º 2 do artigo 416.º lança sobre o preferente, nem começa a correr o prazo de caducidade, (…), estabelecido no mesmo preceito.”.

Ora, dos factos provados, quanto a tal, apenas releva o que consta em G) e H).

Assim, tem de ter-se por assente que os obrigados à preferência não cumpriram, de todo, o ónus de comunicação que sobre eles impendia, nos termos do artigo 416.º, n.º 1, do CC, pelo que, tal como referido na sentença recorrida, não ficou a autora impedida de, com a presente acção, atempadamente, exercer o seu direito de preferência sobre a coisa vendida.

Isto porque, conforme a referida demonstrada factualidade, nem sequer, através do comprador, os vendedores informaram a primitiva autora de quais as condições e preço, pelos quais a venda iria ser feita.

Assim e mesmo para quem defenda que a comunicação para a preferência não representa uma proposta contratual, bastando-se apenas, em regra, com a indicação do preço e condições de pagamento, apenas se impõe “o dever de comunicar um quadro negocial geral” – neste sentido, v. g. Oliveira Ascensão in Direito de Preferência do Arrendatário, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Vol. III, Direito do Arrendamento Urbano, Almedina, 2002, a pág.s 256 a 260 – (posição que não defendemos, pois não obstante não ser de exigir que a comunicação para preferência tipifique o clausulado de um verdadeiro contrato, deve, no entanto, conter todas as condições que influenciem a vontade de preferir, o que, salvo o devido respeito, não se basta com a mera indicação do pagamento e respectivas condições, designadamente, na maioria das vezes, a identidade do comprador, meios e prazos de pagamento, etc.), é insuficiente para a procedência do recurso a mera indagação, por parte de terceiro, se a primitiva autora, sem mais, queria comprar a casa.

Não se lhe deram a conhecer os mínimos detalhes do negócio, pela que, pura e simplesmente, não foi cumprido o ónus imposto aos vendedores no artigo 416.º, n.º 1 do CC, com as consequência acima já referidas, em função do que é de manter a decisão recorrida.

Relativamente à questão da comunicação por terceiro, Oliveira Ascensão, in ob. cit., a pág. 264, defende que “uma vez formado o propósito de venda, se não se realiza a comunicação devida, o conhecimento obtido por outro meio pelo preferente supre a comunicação faltosa.”, referindo-se a um caso, como o dos autos, em que a comunicação para preferência foi feita pelo promitente-comprador e não pelo promitente-vendedor.

Pelas razões acima expostas, cremos como mais conforme com a lei a solução de que esta obriga a que a comunicação para preferência tenha de ser feita por quem quer vender.

Desde logo porque, como já referido, a lei (artigo 416.º, n.º 1, CC) fala em obrigado (sublinhado nosso) à preferência e porque este é que sabe as condições em que pretende vender, sendo, por isso, a pessoa indicada para das mesmas informar o beneficiário da preferência.

Todavia, ainda que se sufragasse esta posição, no caso dos autos, ainda assim, o presente recurso estaria votado ao insucesso, porque da comunicação/informação prestada pelo comprador, como acima já aludido, também nada resultou quanto aos elementos essenciais da venda.

            Assim, também com base nesta questão, tem o presente recurso de improceder.

 Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente a presente apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.