Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
291/07.6TASRT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: SEGREDO PROFISSIONAL
Data do Acordão: 11/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: QUEBRA DE SEGREDO PROFISSIONAL
Legislação Nacional: ARTIGOS 135º, Nº3 DO CPP E 87º DO EOA
Sumário: 1. O segredo profissional consiste na proibição da revelação de factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento por via de relação de confiança estabelecida no exercício de uma actividade profissional.
2. Este dever de segredo profissional não é absoluto, devendo ceder a outro dever que lhe deva prevalecer e que com ele seja conflituante como sucede nos casos em que está em causa a investigação sobre a prática de um crime.
3 Á advogada,arguida, assiste- lhe o direito a poder defender-se da acusação que contra si é dirigida, pois que estando em causa a eventual prática de um crime de difamação em peça processual, tem todo o interesse no exercício desse direito. Por outro lado e nessa medida, as suas declarações não podem deixar de constituir um contributo para a descoberta da verdade material, com vista à realização da Justiça.
4. Da ponderação destes interesses, e tendo ainda em conta que a própria arguida já em audiência manifestou interesse em prestar essas declarações entendemos que o interesse público da realização da justiça no caso concreto se sobrepõe ao segredo profissional.
Decisão Texto Integral: RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo comum singular a correr termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, foram pronunciadas as arguidas M.. e R… pela prática de um crime de difamação agravado, em co-autoria material p. e p. pelos artºs 180º nº 1, 182º e 183º nº 1 a) e b) CP.
No decurso da sessão de julgamento realizada no dia … de …. de 2009, a arguida R. advogada, no início das suas declarações, alegando que os factos a revelar eram susceptíveis de ofender o sigilo profissional a que estava obrigada, requereu que fosse solicitado ao tribunal superior a quebra do sigilo a que está obrigada.
O Exmº juiz que preside ao julgamento suscita o presente incidente de levantamento do sigilo profissional, nos termos do art. 135.º n.º 3 do C. P. Penal, e o levantamento do sigilo profissional invocado.
O Conselho Distrital de Coimbra da O.A. emitiu parecer a fls. 69, em que conclui que no exercício do direito de defesa “ poderá a Exmª Senhora Drª R. ter de relatar factos que possam estar abrangidos pelo dever de guardar segredo.
Nesse caso, é nosso entendimento que a mesma poderá divulgá-los dentro do estritamente necessário à sua defesa, procurando sempre que possível, não revelar factos que possam afectar terceiros”.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Estabelece o nº 3 do artº 135º CPP que “O tribunal imediatamente superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.”
Por outro lado, em matéria de segredo profissional, dispõe o artº 87º do EOA que:
1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.
5 - Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração.”.
O segredo profissional consiste pois na proibição da revelação de factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento por via de relação de confiança estabelecida no exercício de uma actividade profissional.
Assim e, como escrevem Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, Vol. I, pág. 735., se “ for chamada a depor sobre facto a que teve acesso por virtude do exercício do seu múnus, pode, em princípio, escusar-se a fazê-lo, precisamente com base no sigilo que anda associado a esse exercício e que gerou uma especial proximidade e confiança entre quem exerce e aqueles que a ela recorrem”.
Porém este dever de segredo profissional não é absoluto, devendo ceder a outro dever que lhe deva prevalecer e que com ele seja conflituante como sucede no caso dos autos, em que está em causa a investigação sobre a prática de um crime.
Como refere o preceito transcrito, o fundamento dessa quebra reside na prevalência do interesse preponderante.
A este propósito escrevem aqueles autores Obra citada, pág. 736. “ cessa a obrigação de segredo profissional em tudo quanto seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes”.
Também Costa Andrade nos diz Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 798 e 799., que em matéria de conflito entre o dever de sigilo e os valores ou interesses pertinentes à administração da justiça, estão estabilizados três enunciados do princípio:
“a) A revelação de um segredo é lícita quando for necessária para evitar a condenação penal de um inocente….;
b) Os valores ou interesses encabeçados pelo processo penal (identificação e perseguição dos criminosos e repressão dos crimes passados), a saber a eficácia da justiça penal, não justificam, só por si, a revelação do segredo;
c) O conflito entre o dever de colaboração com a justiça e o dever de sigilo deve solucionar-se nos termos gerais da ponderação de interesses”.
Ora no caso dos autos, desde logo é mais do que evidente que a Srª advogada, sendo aqui arguida, lhe assiste o direito a poder defender-se da acusação que contra si é dirigida, como aliás a própria Ordem dos Advogados reconhece no seu parecer, pois que estando em causa a eventual prática de um crime de difamação em peça processual, tem todo o interesse no exercício desse direito.
Por outro lado e nessa medida as suas declarações não podem deixar de constituir um contributo para a descoberta da verdade material, com vista à realização da Justiça.
Acresce que não se pode deixar de considerar que o crime reveste gravidade, face aos factos que são imputados ao assistente na peça processual – “Constou à arguida que o progenitor tinha tido “ uns problemas” quando prestara serviço militar em …, relacionados com “ abuso sexual de menores”, e que chegara a ser punido com 5 dias de prisão pelo seu Comandante (Processo NUIPC… e Decisão do Comandante Interino do Regimento de Infantaria… )…
E que tivera “ uns problemas” por “ falsificar o valor de um cheque” ( Processo nº …, do Tribunal Judicial da….
Foi também dito à arguida que o progenitor não tinha emprego nem ocupação, nem auferia rendimentos, desconhecendo-se o seu modus vivendi”.
Está em causa a honra, respeito e consideração que são devidos ao assistente N..
Assim da ponderação destes interesses, e tendo ainda em conta que a própria arguida já em audiência manifestou interesse em prestar essas declarações ( cf. fls. 6 destes autos), entendemos que o interesse público da realização da justiça no caso concreto se sobrepõe ao segredo profissional.

DECISÃO

Nestes termos, ao abrigo das citadas disposições legais, acordam os Juizes desta Relação em determinar que, com a quebra do segredo profissional, a referida arguida possa prestar as declarações que, como referiu em audiência, deseja fazer.

Sem tributação.
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP)
Coimbra