Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3071/18.0T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
CONCEITO A SEGUIR
TRANSFERÊNCIA DOS CONTRATOS DE TRABALHO
Data do Acordão: 07/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 318º DO CT/2003; ARTº 285º DO CT/2009.
Sumário: I - No conceito de «transmissão» de estabelecimento, os precisos termos que os artigos 318.º do CT/2003 e 285º do CT/ 2009 utilizam para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar “por qualquer título” (nº 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

II - O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

III - Considera-se transmissão de estabelecimento a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

IV - Em consequência, são transmitidos para outrem os contratos de trabalho que ligam os trabalhadores deste estabelecimento ao seu proprietário, mantendo-se, transmitindo-se para o respetivo adquirente a posição contratual que, desses contratos, decorre para aquele.

V- Se é certo que no âmbito de um processo de reenvio o TJUE não pode pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma disposição legislativa ou regulamentar nacional com o direito comunitário, menos certo não é que o mesmo TJUE pode fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação resultantes do direito comunitário e que permitam a esse órgão decidir da compatibilidade dessas normas com a norma comunitária invocada.

VI - Na definição de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia adoptou como critério para aplicação da directiva 98/50/CE a existência de uma "unidade económica que mantenha a sua identidade depois da transmissão", entendendo-se como identidade da empresa o conjunto de meios organizado com o objetivo de prosseguir uma atividade económica. Na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efetivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso. Mas nas empresas cuja actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, como nas áreas de serviços, o factor determinante para se considerar a existência da mesma empresa pode ser o da manutenção dos efetivos, ou, na interpretação mais recente do TJCE, "um conjunto organizado de trabalhadores que executa de forma durável uma atividade comum pode corresponder a uma unidade económica".

VII - A directiva nº 2001/23/CE refere, no seu artº 1º, al. B) que é considerada “transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade como conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

VIII - O legislador do Cod. do Trabalho de 2003 transpôs para o ordenamento jurídico português tal directiva, no seu artº 318º:

“1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

2 - Durante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão.

3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica.

4 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.

IX - Por sua vez o artº 285º do CT de 2009 tem a seguinte redação, anterior à alteração decorrente da Lei nº 14/2018, de 19/03:

“1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem -se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação labora

...”.

X – Lendo o conceito de estabelecimento contido nesses artºs 318º e 285º, numa interpretação conforme à jurisprudência comunitária, é considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado, com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

XI - Quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que aqueles artigos 318.º do CT/2003 e 285º do CT/ 2009 utilizam para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar “por qualquer título” (n.º 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

XII - O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

Decisão Texto Integral:                     Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                    A..., F..., J..., M..., A..., J..., J... e V... intentaram a presente ação de processo comum contra M..., SA, e F..., SA, pedindo:

          - a título principal, a declaração de nulidade ou anulação da transmissão dos contratos de trabalho dos Autores da M... para a F... e a consequente reintegração nos seus postos de trabalho ao serviço da M... e nas respectivas categorias profissionais e funções e manutenção de todos os direitos e regalias integrantes dos seus contratos individuais de trabalho com a M..., com a antiguidade que lhes compete e a condenação de ambas as Rés no pagamento de sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento desta reintegração;

                    - subsidiariamente, deverá ser reconhecido o direito de oposição dos Autores com a faculdade de continuarem a relação laboral com a M... desde a data da transmissão dos seus contratos de trabalho e condenadas ambas as Rés no pagamento de sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento deste reconhecimento;

                    - subsidiariamente, deverá ser qualificada a transmissão dos contratos de trabalho dos Autores da M... para a F... como uma cedência de posição contratual sem o seu consentimento e, consequentemente, declarada ilícita, declarando-se nula ou anulando-se a transmissão dos contratos de trabalho dos autores, mantendo-se os mesmos ao serviço da M...

                    Para tanto alegam, no essencial e tal como consta da sentença recorrida, que foram admitidos ao serviço da Ré M...

                    Em 29 de Junho de 2017 esta comunicou-lhes a venda à F... da unidade económica de projecto e implementação da rede de acesso fixa norte interior e grande Lisboa e a consequente transmissão dos seus contratos de trabalho, com efeitos a 22 de Julho de 2017, transmissão a que se opuseram invocando o seu direito de oposição.

                    Não se verificou a venda de qualquer unidade económica da M... à F... e a actuação da M... consubstancia uma cedência ilícita dos trabalhadores Autores.

                   

                    Contestou a M.. invocando a inexistência do direito de oposição dos Autores à transmissão e pugnando pela validade e regularidade do contrato de transmissão da unidade económica celebrado com a F...

                    Contestou a F... pugnando pela validade e regularidade do contrato de transmissão da unidade económica celebrado com a M...

                    Os Autores responderam à matéria de excepção invocada pela M...

                    Os Autores A..., F..., J..., A..., J... e J... desistiram dos pedidos e, consequente, foi proferida sentença que declarou parcialmente extinta a instância relativamente a estes Autores.

                    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se proferido sentença cuja parte dispositiva transcrevemos:

                        “Julgo a ação procedente e, em consequência:

                        a) declaro a nulidade da transmissão dos contratos de trabalho dos autores M... e V... da M... para a F..., com todas as consequências legais, nomeadamente, as da manutenção de todos os direitos e regalias integrantes dos seus contratos individuais de trabalho com a ré M... que deverá ser considerada a sua entidade empregadora e a consequente reintegração nos seus postos de trabalho ao serviço da ré M..., nas respetivas categorias profissionais, funções e com a antiguidade que lhes compete;

                        b) condeno ambas as rés no pagamento da sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia que passe sem que seja dado integral cumprimento ao determinado na alínea a);

                        Custas a cargo das rés (art.º 527.º do NCPC)”.

                                                           x
                    Inconformadas, vieram as Rés interpor recurso, tendo ainda a Ré M... arguido a nulidade da sentença.
                    Apresentaram as seguintes conclusões das suas alegações:
                    A R. M...:
                    ...

                            A R. F...:

                            ...
                    Os Autores contra-alegaram, defendendo a manutenção do julgado.

                    O Exmº PGA emitiu parecer no sentido da improcedência da apelação.
                    Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos como questões em discussão:
                    - no recurso da Ré M..:
                    - a nulidade da sentença;
                    - a reapreciação da matéria de facto;
                    - se se justifica o pedido de reenvio prejudicial;
                    - se se verificou a transmissão do estabelecimento para os efeitos do artº 285º do Código do Trabalho;
                    - se se verifica do direito de oposição dos Autores a esta transmissão;
                    - no recurso da Ré F...:
                    - a reapreciação da matéria de facto.

                        A 1ª instância fixou assim a matéria de facto:

                        Fsctos provados:

                        ....

                        Factos não provados:

                    ...      
                    O direito:
                    Antes de entrarmos nas questões supra-elencadas objecto do recurso importa esclarecer o seguinte, até porque a extensão da alegação de recurso da Ré M... o impõe:

                    Como é sabido, o âmbito dos recursos define-se pelas suas conclusões.

                    A este respeito, este Tribunal de recurso não tem de apreciar todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pela parte, mas tão só as questões objecto do mesmo recurso, entendidas as mesmas como aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as (reais) excepções porventura aduzidas.
                    Nos presentes autos, e no recurso dessa Ré, as questões primordiais a apreciar têm que ver, para além da nulidade da sentença, com se se verificou a transmissão do estabelecimento para os efeitos do artº 285º do Código do Trabalho e se se verifica o direito de oposição dos Autores a esta transmissão.
                    Assim sendo, e porque a lei proíbe a prática de actos inúteis - artº 130º do CPC -, devendo as decisões judiciais somente tratar da abordagem das questões que lhe são postas para apreciar, poderão não ser objecto de apreciação alguns dos argumentos que a Ré-apelante alinha nas suas conclusões.
                    Não podendo deixar também de se referir, e salvo o muito e devido respeito, que a alegação de recurso desta Ré não faz a devida compartimentação entre impugnação de facto e direito, misturando frequentemente as duas, tornando, necessária e consequentemente, mais complicada a sua destrinça e análise por este Tribunal de recurso.
                    - a nulidade da sentença:

                    Veio a Ré M... arguir a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, traduzida nos seguintes aspectos / fundamentos:

                    - conhecimento de questões - inexistência do contrato de compra e venda, indeterminabilidade absoluta do contrato de arrendamento para fins habitacionais e existência e validade do negócio de transmissão - sem a observância do princípio do contraditório, constituindo quanto a isso a sentença uma decisão-surpresa;
                    - não ser o tribunal do trabalho competente para conhecer da última referida questão - existência e validade do negócio de transmissão;

                    - ter conhecido igualmente da nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre as Rés, para a qual também não dispunha de competência em razão da matéria.

                    Vejamos:

                    Recorde-se o pedido formulado pelos Autores na petição inicial:

          - a título principal, a declaração de nulidade ou anulação da transmissão dos contratos de trabalho dos Autores da M... para a F... e a consequente reintegração nos seus postos de trabalho ao serviço da M... e nas respectivas categorias profissionais e funções e manutenção de todos os direitos e regalias integrantes dos seus contratos individuais de trabalho com a M..., com a antiguidade que lhes compete, e a condenação de ambas as Rés no pagamento de sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento desta reintegração;

                    - subsidiariamente, deverá ser reconhecido o direito de oposição dos Autores com a faculdade de continuarem a relação laboral com a M... desde a data da transmissão dos seus contratos de trabalho e condenadas ambas as Rés no pagamento de sanção pecuniária compulsória de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento deste reconhecimento;

                    - subsidiariamente, deverá ser qualificada a transmissão dos contratos de trabalho dos autores da M... para a F... como uma cedência de posição contratual sem o seu consentimento e, consequentemente, declarada ilícita, declarando-se nula ou anulando-se a transmissão dos contratos de trabalho dos autores, mantendo-se os mesmos ao serviço da M...

                    Na sentença fixou-se o  thema decidendum como circunscrevendo-se “à apreciação das seguintes questões:

                    1.ª da verificação e validade da transmissão da unidade económica de projeto e implementação da rede de acesso fixa norte interior e grande Lisboa;

                    2.ª do direito de oposição dos autores a esta transmissão;

                    3.ª da cedência ilícita dos trabalhadores autores;

                    4.ª da sanção pecuniária compulsória”.

                     E com relevância para a abordagem desta problemática da existência de decisão–surpresa, escreveu-se o seguinte:

                        “Donde resulta que efetivamente não se verificou qualquer contrato de compra e venda entre as rés, nem qualquer outro negócio translativo da alegada unidade económica, tendo o contrato em apreço nos autos como único objetivo fazer cessar os contratos de trabalho dos trabalhadores selecionados pela M... e operar a sua transmissão para outra sociedade, a ré F...

                        Consubstanciam indícios da inexistência de um efetivo contrato de compra e venda:

                        - o reduzido valor do preço contratado de €13.502,00 (cláusula 4.1. do contrato de transmissão);

                        - a indeterminabilidade absoluta do contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado entre as rés, que declararam contratar o arrendamento dos metros quadrados indicados a fls. 174 (5 m2), que referem como dimensão da área locada (alínea d) dos considerandos do contrato referido em 61.º dos factos provados), que será atualizada em função do número de colaboradores da segunda contraente adstrito aos locais arrendados no final de cada período de três meses (cláusula 1.3.), mas sem qualquer concretização e delimitação destes metros quadrados;

                        - o facto de não resultar do clausulado do contrato e respetivo anexo II o preço pelo qual os equipamentos aí identificados foram vendidos pela M... à F...”.

                        Resulta deste excerto, conjugado com a restante fundamentação de direito da sentença, que esta, como argumento subsidiário da resposta positiva à questão de “que não ocorreu a transmissão de qualquer estabelecimento ou de unidade económica entre as rés e a transmissão dos contratos de trabalho dos autores para a F...”, conheceu das aludidas questões salientadas pela Ré/apelante M... - inexistência do contrato de compra e venda, indeterminabilidade absoluta do contrato de arrendamento para fins habitacionais e existência e validade do negócio de transmissão.

                        Ora, como refere essa Ré, que passamos a citar, os Autores intentaram a presente acção pedindo, para o que aqui importa e a título principal, que se declarasse a nulidade, ou se anulasse a transmissão dos contratos de trabalho dos Autores, da 1ª Ré para a 2ª Ré, com todas as consequências legais, nomeadamente os da manutenção de todos os direitos e regalias integrantes dos seus contratos individuais de trabalho com a 1ª Ré, que deveria ser considerada a sua entidade empregadora, com a consequente reintegração nos seus postos de trabalho ao serviço da 1ª Ré e nas respectivas categorias profissionais, funções e com a antiguidade que lhes competia.

                    Ao longo da sua p.i. os Autores alegam matéria tendente à apreciação do preenchimento dos requisitos do artº 285º do CT, isto é, se a empresa ou estabelecimento ou parte da empresa ou estabelecimento transmitido constituía ou não uma unidade económica nos termos desse mesmo artº 285º do CT e não se o negócio de transmissão celebrado existiu ou não.

                    De igual sorte, as Rés ao longo dos seus articulados de contestação defendem que o negócio de transmissão efectuado preenche os requisitos previstos no artº 285º do CT, por o objecto do negócio constituir uma unidade económica passível de transmissão.

                    Ora, são questões totalmente diversas, por um lado, a questão de saber se existiu um negócio, formalmente válido, de transmissão de estabelecimento ou parte de estabelecimento, e, por outro, a questão de saber se existiu a transmissão de uma unidade económica nos termos previstos no artº 285º do CT.

                    Assim, uma coisa é saber se a transmissão efectuada existiu formalmente, outra totalmente diversa é saber se a transmissão efectuada preenche os requisitos que permitam qualificá-la como transmissão de uma unidade económica.

                    No despacho proferido em sede de audiência prévia foram fixados da seguinte forma o objecto do litígio e os temas de prova:

                    “O objecto do litígio consiste em determinar se é válido, ou não, a transmissão de estabelecimento, nos termos do disposto no art.º 285.º do C. do Trabalho, operado entre a 1ª ré e a 2ª ré no tocante à atividade de projeto de implementação de rede de acesso fixa, no caso concreto – norte interior e grande Lisboa.

                        Fixam-se assim os seguintes temas de prova:

                        1 – Saber se é válida e operante a invocação do direito à oposição feita pelos autores/trabalhadores à pretendida transmissão dos contratos de trabalho celebrados com a 1ª ré para a 2ª ré na sequência da transmissão de estabelecimento operada;

                        2 – Saber se o serviço de projeto de implementação de rede de acesso fixa – norte interior e grande Lisboa, constitui uma unidade económica nos termos e para os efeitos do disposto no artº 285º, do C. do Trabalho”.

                    Ora, nem nesse despacho nem em momento algum foram as partes notificadas para exercer o contraditório em relação às supra aludidas questões identificadas pela Ré M...
                              Um dos princípios basilares do direito processual civil é o princípio do contraditório, previsto no artº 3º, nº 3, do Cod. Proc. Civil.
                    Dispõe este normativo legal – aplicável ao caso em apreço por força do disposto no art. 1º, n.º 2, al. a) do Cod. Proc. Trabalho – que «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem».
                    Ao estabelecer este normativo legal, não há dúvida que o legislador impõe ao juiz, enquanto principal garante de um correcto e equilibrado desenvolvimento do processo em ordem a que se obtenha, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, que nas suas intervenções ao longo do processo observe o princípio do contraditório, dando sempre às partes nele envolvidas a oportunidade de se pronunciarem sobre questões de direito ou de facto que se lhe suscitem, ainda que oficiosamente, antes de proferir qualquer decisão (mesmo que interlocutória), obstando, desse modo, à prolação das denominadas decisões-surpresa, ou seja, decisões que se revelam completamente inesperadas para qualquer das partes envolvidas no litígio, inserindo-se, aliás, essa imposição no respeito por um primacial dever de lealdade que deve existir entre os diversos operadores judiciários, de forma a que, mais facilmente, se possa alcançar aquele objectivo último da uma justa composição do litígio.
                    “Concretiza-se através desta norma e no âmbito do processo civil o princípio constitucional da proibição da indefesa, associada à regra do contraditório,  a significar que o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que, previamente, tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar”- Ac. desta Relação de Coimbra de 31/3/2017, proc. 304/14.5T8GRD-A.C1, relatado pelo aqui 2º adjunto.

                       A violação deste princípio do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artº 195º do CPC: dada a importância do contraditório é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa - Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pag. 48, ed. 1997, Lex.

                    As nulidades do processo constituem desvios do formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder, embora não de forma expressa, uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais - Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pag. 103, ed. 1982, Almedina.

                              Ora, no caso vertente o conhecimento das aludidas questões pela sentença e com os fundamentos que a suportam, e face à não notificação das partes da intenção do seu conhecimento na mesma sentença, constituiu manifesta decisão-surpresa para a aqui recorrente/arguente (e para a recorrente F... e para os recorridos), já que foi proferida sem que lhe tivesse sido dada a prévia oportunidade de se pronunciar sobre os aspectos jurídicos ligados a tais questões.

                    Contudo, há que ter em conta o seguinte:

                    A existência de decisão-surpresa só poderá ter, em termos de consequências processuais ao nível da procedência de qualquer nulidade invocada, relevância quando incide sobre questões que influam  no exame e decisão da causa e possa condicionar, de alguma forma, tal decisão.
                    O que releva, apesar de tudo, é que a Srª Juíza do Tribunal a quo omitiu, pois, uma formalidade legalmente prescrita, mas que não tem influência na decisão a incidir sobre as questões objecto do recurso, supra identificadas, designadamente a de saber se se verificou a transmissão do estabelecimento para os efeitos do artº 285º do Código do Trabalho.

                    Com efeito, e como teremos oportunidade de desenvolver mais adiante, quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que os artigos 318.º do CT/2003 e 285º do CT/ 2009 utilizam para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar “por qualquer título” (nº 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

                    O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

                    Ora, se a mera transmissão de facto, no sentido exposto, ou por acto juridicamente não atendível em termos de forma, pode relevar para a consideração da existência de transmissão do estabelecimento, facilmente se conclui que se torna perfeitamente irrelevante a abordagem dos aspectos abrangidos pela sentença e que a Ré M... identifica - inexistência do contrato de compra e venda, indeterminabilidade absoluta do contrato de arrendamento para fins habitacionais e existência e validade do negócio de transmissão -, tornando inócuas as considerações a esses respeito expendidas pela sentença, já que o releva apurar é se se verificou  a transmissão, por qualquer meio, de uma unidade económica, com a definição e contornos que mais à frente abordaremos com mais detalhe.

                    Aliás, e como se adiantou, numa leitura atenta da sentença verifica-se que esta arvorou aqueles aspectos mencionados pela apelante como meros argumentos subsidiários para a resolução da questão da transmissão da unidade económica.
                    Improcede, assim, a nulidade da sentença, sendo que das considerações expostas também resulta a irrelevância da argumentação, da Ré M..., sobre a competência do tribunal do trabalho em razão da matéria sobre o conhecimento da nulidade, considerada existente pela sentença, do contrato de arrendamento celebrado entre as Rés.
                    - a reapreciação da matéria de facto da Ré M...:
                    Esta apelante vem dizer que os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada na 1ª instância encerram unicamente matéria de direito / conclusiva:

                    ...

                    Vejamos:

                    Num primeiro momento de apreciação do recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto importa não perder de vista que de uma decisão dessa natureza não devem constar factos conclusivos ou matéria de direito.

          Por imposição do artº 646º, nº 4, do anterior CPC tinham-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito ou, o que é o mesmo, conclusivas. O mesmo deve considerar-se no quadro do actual CPC, na medida em que o juiz deve considerar apenas os factos que considera provados ou não provados (artº 607º, nºs 3, 4 e 5 do Novo CPC), do que resulta dever ser afastada a matéria notoriamente conclusiva ou de direito. Se apenas a matéria de facto releva para a decisão final, ela deve apresentar-se isenta de considerações jurídicas ou conclusivas que apenas devam ter leitura na apreciação de direito.

              Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/10/2015, proferido no processo 544/13.4TTGDM.P1, e citado no Ac. desta Relação de Coimbra de 20/10/2017, proc. 187/12.0TTCLD.C1, “… embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado – de acordo com o qual se têm "por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes" – a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos.
      Apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.
       Por isso o artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que "[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
      Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07 (Processo n.º 488/08.1TBVPA.P1, in www.dgsi.pt)    esta questão “resolve-se nos mesmos termos no domínio da lei processual que vigorou até 31.08.2013 ou aplicando o novo diploma adjetivo: antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos”.
      Assim, não podem os tribunais deixar de continuar a enfrentar a sobejamente conhecida dificuldade da destrinça entre os factos (reconstituição histórica do mundo do ser) e as questões de direito (actividade perceptiva do dever ser)[1], entre o saber o que constitui um puro facto ou o que se traduz já numa conclusão que apenas se pode afirmar perante a análise e valoração de factos concretos[2].
      Segundo o artigo 663º, n.º 2 do Código de Processo Civil de 2013, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar o elenco de facto.

            Apenas podem equiparar-se aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes[3].” – no sentido propugnado pelo acórdão acabado de transcrever, decidiu igualmente este Tribunal da Relação, por exemplo, nos acórdãos de 28/4/2017, proferidos na apelação 2283/16.5T8LRA.C1 e na apelação 2282/16.7T8LRA.C1, e de 2/6/2017, proferido na apelação 2281/16.9T8LRA.C1, em que o aqui relator interveio como segundo adjunto.
                    E conforme se decidiu, entre outros, no Ac. desta mesma Relação de 30/6/2016, proc. 916/15.0T8VIS.C1, com o mesmo relator, a distinção entre aquilo que conforma matéria de facto e aquilo que corresponde a matéria de direito é uma questão deveras complexa e delicada. A linha divisória não tem carácter fixo, dependendo muito dos termos da causa, bem como da estrutura das normas aplicáveis.

                    Alberto dos Reis, no Código de Processo Civil Anotado, vol. III, pags. 206-207 refere: “a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior. b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.

                    Mas, como o ilustre professor advertia, se é fácil enunciar critérios gerais de orientação, abundam as dificuldades de ordem prática.

                    Efectivamente, se relativamente a certas expressões podemos concluir seguramente que correspondem a matéria de facto ou a matéria de direito, outras são susceptíveis de integração ambivalente: consoante o contexto, ora se integram no campo dos factos, ora nos aparecem como categorias jurídicas.

                    As dificuldades de delimitação verificam-se, também, no que concerne aos juízos de valor que tanto integram normas jurídicas como se poderão, por vezes, situar no plano dos factos.

                    Antunes Varela (no comentário ao acórdão do STJ de 8-11-84, Rev. Leg. e Jurisp. Ano 122º, pags. 209 e segs.) considera que os factos, no campo do direito processual, abrangem, principalmente embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real. Nos juízos de facto (juízos de valor sobre a matéria de facto) haverá que distinguir entre aqueles cuja emissão se há-de apoiar em simples critérios do bom pai de família, do homem comum, e aqueles que na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador. Enquanto os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto, os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei.

                    Assim, entendeu-se no acórdão do STJ de 3 de Maio de 2000, publicado no BMJ nº 497, pag. 315:

                    “São factos «os juízos que contenham a subsunção a um conceito geralmente conhecido que seja de uso corrente na linguagem comum, sendo, ainda, factos “as relações jurídicas que sejam elementos da própria hipótese de facto da norma...”

                        Os juízos de valor continuam, pois, a ser matéria de facto, quando baseados em critérios do homem comum ou mesmo técnico especializado, (não ligado ao mundo do direito)...».

                    E no Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 8/11/95, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano III, tomo 3, pag. 293 foi entendido que como critério geral de distinção «pode dizer-se que é questão de facto tudo o que vise apurar ocorrências da vida real, eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior, bem como o estado, a qualidade ou a situação real das pessoas ou das coisas»”.

                    No Ac. da Relação de Lisboa de 7/11/07n - proc. 8.624/07-4, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:

                    “Se em determinadas situações, de imediato podemos integrar uma determinada afirmação no campo da matéria de direito (v.g. má fé, abuso de direito, culpa, justa causa, imprevidência, diligência do bom pai de família) ou no campo da matéria de facto (v.g. carta postal, edifício, trabalho, actividade), já, com alguma frequência, se suscitam sérias dúvidas quanto ao estabelecimento de uma linha de demarcação entre os dois terrenos nos casos em que as expressões têm, simultaneamente, um sentido técnico-jurídico, de onde o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar e corrente, facilmente captado pelas pessoas comuns (v.g. consentimento; pagar; despedido; trabalhar por conta, sob as ordens e instruções; foi admitido ao serviço; trabalho extraordinário, etc.).

                        Não é despicienda a opção que o juiz tiver que tomar quanto à integração de determinada expressão ou afirmação no campo da matéria de facto ou na matéria de direito, já que dela pode depender o sucesso ou insucesso da pretensão deduzida pelo autor.

                        (…) a inclusão daquelas expressões numa ou noutra das categorias dependerá fundamentalmente do objecto da acção

                        Se o thema decidendum da acção, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente e localizado no significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, insusceptível de ser incluída no despacho de condensação, na matéria de facto assente, ou de fazer parte da base instrutória e de ser objecto de instrução (arts. 508º, n.º 1, al. e), 511º, n.º 1. 513º, 522º, n.º 2, 577º, n.º 1, 623º, n.º 1 e 638º, n.º 1 do CPC) ou de integrar a decisão sobre a matéria de facto (arts. 646º, n.º 4 e 653º, n.º 2 do CPC).

                        Se pelo contrário, o objecto da acção não girar à volta da resposta exacta que se dê às afirmações feitas pela parte, parece-nos que as referidas expressões (pagar, despedido; trabalhar por conta, sob as ordens e instruções, foi admitido ao serviço, trabalho extraordinário, etc.) e outras de cariz semelhante, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção de meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efectua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se dos textos legais”.
                    Ora, no caso em apreço procura dar-se resposta às questões supra-enunciadas: - se se verificou a transmissão do estabelecimento para os efeitos do artº 285º do Código do Trabalho e se se verifica o direito de oposição dos autores a esta transmissão;

                    Sem prejuízo do necessário e posterior desenvolvimento, considera-se transmissão de estabelecimento a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

                    Em consequência, são transmitidos para outrem os contratos de trabalho que ligam os trabalhadores deste estabelecimento ao seu proprietário, mantendo-se, transmitindo-se para o respectivo adquirente a posição contratual que, desses contratos, decorre para aquele.

                              Assim, numa acção, como a presente, e de acordo com o supra exposto, em que o thema decidendum se reconduz às questões descritas, facilmente se constata que as expressões, o conteúdo dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 122, 131 e 137  reveste carácter claramente de direito, em muito deles transcrevendo os normativos legais.

              Por consequência, jamais poderia o Tribunal recorrido ter dado como provadas os supra-transcritos pontos. Isto, claro, sem prejuízo da respetiva matéria poder e dever, se for o caso, relevar para o enquadramento jurídico e contratual das questões em apreciação.

                    Ao invés, já não padecem desse mal os restantes pontos indicados pela apelante M..., que não versam directamente sobre o objecto do pleito, podendo enquadrar-se, mesmo fazendo apelo a alguns conceitos jurídicos, em expressões de facto facilmente perceptíveis, com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se dos textos legais, sendo, em alguns casos, até bastante útil para percepção da restante factualidade dada como provada.

                    Sendo que não se vislumbra, nem a recorrente o indica, fundamento para considerar que o facto 127 só possa ser provado por documento.

                    Assim, eliminam-se os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 122, 131 e 137.

...

Reportando-nos ao caso dos autos, facilmente se depreende que em relação à matéria impugnada e supra descrita, a recorrente levou a efeito uma impugnação por “blocos de factos” do tipo da que o STJ considerou inadmissível e fundamentadora de uma decisão de imediata rejeição da impugnação da matéria de facto. Com efeito, transcrevendo parte dos depoimentos das testemunhas e citando prova documental, o apelante não faz qualquer referência a qual dos pontos concretos da impugnação reporta essas declarações e documentos, quais os factos específicos de que resulta que estes fizeram incorrer em erro a apreciação da  Srª Juíza.

                    Como assim, nesse concreto segmento, rejeita-se a impugnação fáctica.

                    E ainda que assim não fosse, sempre teria de se atender que a recorrente não faz a indispensável análise crítica a em relação a cada um dos depoimentos,  referindo-se genérica e globalmente a todos os depoimentos.

                    Aqui, o que ressalta desde logo é que a apelante se limita a transcrever parte do depoimento das testemunhas que indica, sem fazer a correspondente análise crítica, isto é, se e em que medida de cada um desses depoimentos resulta a prova da factualidade (alteração/ eliminação) proposta.

            “A omissão, a insuficiência ou a suficiência da análise crítica, pelo recorrente, das provas a reapreciar é questão que tem a ver com o mérito da impugnação, com a procedência ou improcedência do recurso, mas não com a sua liminar rejeição ou aceitação.” – acórdão do STJ de 22/2/2018, proferido no processo 8948/15.1T8CBR.C1.S1, cujo sumário poderá consultar-se em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/Mensais/Fevereiro_2018.pdf.

                    A necessidade dessa análise crítica é também salientada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2015, proferido pela Secção Social, P.1348/12.7TTBGR.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt:

                        “Na verdade, ao recorrente ao dizer que determinado facto não devia ser dado como provado pelo confronto da prova testemunhal com a documental fazendo uma transcrição da primeira, não está a fazer uma análise critica da prova, nem sequer a fornecer os elementos necessários para permitir que o tribunal a faça, deixando nas mãos do tribunal uma atividade “recolectora” de todos os documentos e dos depoimentos identificados, não sendo assim possível ao tribunal de recurso refazer o percurso/raciocínio lógico-jurídico que o próprio recorrente fez para concluir de forma diferente daquilo que a instância inferior decidiu.

                    Uma correta impugnação que cumpra o ónus previsto no art. 640º do Código de Processo Civil, passaria por identificar que determinado facto provado foi incorretamente julgado, enunciando-o e apresentando o porquê de tal incorreção, isto é, dever-se-ia apresentar uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado e não provado”.
                        Não pode ser deixada ao critério do Tribunal de recurso a “escolha” dos possíveis sentidos a retirar dos depoimentos meramente transcritos, nem da sua confrontação com a prova documental. A segunda instância recursiva não pode substituir-se à parte nessa determinação do aludido percurso/raciocínio lógico-jurídico que o recorrente terá feito.
                    ...
                    - a reapreciação da matéria de facto da Ré F...:

                    Como já acima se referiu, o Tribunal de recurso não tem de apreciar todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pela parte, mas tão só as questões objecto do mesmo recurso, entendidas as mesmas como aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as (reais) excepções porventura aduzidas.
                    Da mesma forma, só deve este Tribunal apreciar a  impugnação da matéria de facto quando esta, segundo a própria argumentação levada às conclusões do recurso, possa conduzir à alteração do decidido, em termos de direito, pela primeira instância. Para isso, todavia, importa que o recorrente retire dessa impugnação o que efectivamente entende que pode levar a tal alteração.                   
                    Ora, no caso em apreço, a recorrente F..., pugnando pela alteração de parte da matéria dada como provada e parte da que foi considerada como não provada,  da mesma não retira, nas conclusões do recurso, nem tão pouco no corpo das alegações, qualquer consequência em termos do que deve ser modificado no decidido em 1ª instância, em matéria de direito. Por outras palavras, não indica em que é que e como é que essa alteração da matéria de facto produz efeitos, e quais, no decidido na sentença.

                        É manifesto, sem ser necessário qualquer tipo de consideração, que para tanto não vale a afirmação, lapidar, constante da conclusão LXIV: “Refira-se, a final, que em tudo o que a aqui Apelante não verteu como matéria no presente recurso da douta sentença, não acarreta uma renúncia a esse direito”.
                    Como se considerou no recente acórdão desta Relação e secção social de 13/11/2019, proc. 10132/15.5T8CBR.C1, relatado pelo aqui 1º adjunto, só “os factos que tenham interesse para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito devem ser objecto de prova e da sua reapreciação.

     Se de determinado facto não resultarem quaisquer efeitos jurídicos segundo aquelas soluções, ou seja se o facto se revelar absolutamente inócuo para a decisão de direito, saber se esse facto deve ser considerado provado, não provado ou provado apenas, redundará na prática de um acto perfeitamente inútil”.
                    Tendo em conta o exposto, revela-se, como se adiantou, como completamente inútil a reapreciação factual pretendida pela Ré recorrente F...
                    - se se justifica o pedido de reenvio prejudicial:

                        É a seguinte a argumentação da Ré/apelante M... para justificar o pedido formulado:  

                        “Ora, admitindo por mera hipótese de raciocínio – ainda que sem conceder – que, no quadro do presente processo, possam suscitar-se dúvidas quanto à concreta e correta interpretação do direito da União Europeia aplicável, nomeadamente das disposições relevantes da Diretiva 2001/23,

                        (…)

                        Embora as ora Recorrentes entendam que não há quaisquer dúvidas quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido das normas em causa ser, na sua opinião, claro e evidente, admitem, no entanto embora sem conceder, que possam surgir dúvidas razoáveis na mente do julgador, em particular por se tratar de matérias com algum grau de complexidade e que têm dado azo a diversas dúvidas por parte de diversos órgãos jurisdicionais nacionais de diversos Estados-Membros, inclusivamente Portugueses,

                        Até por causa e em razão de algumas dificuldades particulares inerentes à interpretação do direito da UE, resultantes, por um lado, da existência de várias versões linguísticas oficiais e, por outro lado, do recurso a terminologia e conceitos próprios, que são distintos de conceitos nacionais homónimos ou sujeitos a interpretação própria e diferenciada destes.

                        E se é verdade que existe diversa jurisprudência nacional e sobretudo dos tribunais da UE a respeito da Diretiva 2001/23 (e sua antecessora, a Diretiva 77/187/CEE), não é menos verdade que tal jurisprudência não dá resposta a todas as questões suscitadas no presente litígio.

                        Ora, neste contexto, basta recordar o que o próprio Tribunal de Justiça já referiu, a respeito desta mesma Diretiva 2001/23 e da mesma matéria, num caso em que o Supremo Tribunal de Justiça Português não só acolheu uma interpretação incorreta precisamente do conceito de direito da UE de “transferência de estabelecimento” como, além disso, não observou o seu dever de submeter um pedido de decisão pre-judicial a este respeito, não obstante o teor imperativo do terceiro parágrafo do artigo 267.º do TFUE.

                        O Supremo Tribunal de Justiça foi, por isso mesmo, censurado pelo Tribunal de Justiça no processo Ferreira da Silva e Brito por não ter cumprido tal obrigação e abriu caminho para a responsabilização do Estado Português por esse facto: “importa sublinhar que, no que se refere ao domínio considerado no caso em apreço e como resulta dos n.ºs 24 a 27 do presente acórdão, a interpretação do conceito de «transferência de estabelecimento» suscitou numerosas interrogações por parte de vários órgãos juris-dicionais nacionais, que, consequentemente, se viram obrigados a submeter questões ao Tribunal de Justiça. Estas interrogações comprovam não só a existência de dificuldades de interpretação mas tam-bém a presença de riscos de divergências jurisprudenciais ao nível da União.”34

                        Recorde-se, aliás, que a circunstância de os Estados-Membros responderem por danos causados aos particulares em razão de uma violação do direito da UE cometida por um órgão jurisdicional nacional foi confirmada anteriormente pelo Tribunal de Justiça no acórdão Köbler35, pelo que a mencionada responsabilidade dos Estados-Membros, pode, pois, ocorrer em virtude de uma simples negação de um reenvio prejudicial, com as consequências daí decorrentes para o erário público36.

                        Também a exigência e os importantes imperativos de economia processual, de uma boa e atempada administração da justiça, pugnam no sentido da realização de um reenvio prejudicial, posto ser notório que a clarificação correta e definitiva dos aspetos relativos à interpretação do direito da UE tão cedo quanto possível poupa tempo e meios quer aos órgãos jurisdicionais, quer às partes litigantes que, de outra forma, terão, para esse efeito, de fazer uso de todas as possibilidades processuais que o direito interno lhe confere, percorrendo se necessário os vários graus de jurisdição na hierarquia do sistema judicial nacional até ao ponto em que já não exista um recurso judicial de direito interno.

                        (…)

                        Em suma, embora exista jurisprudência dos competentes Tribunais da UE que possa, de algum modo, servir de orientação a esse Tribunal, quanto ao teor, alcance e correta interpretação e aplicação de tais normas e princípios,

                        E não obstante as ora Recorrentes assim não o entenderem, admitem, como mera hipótese académica e sem prescindir, que a correta interpretação e aplicação do direito da União possa não se parecer impor com uma evidência tal que não dê lugar a qualquer dúvida razoável, sobretudo tendo em conta as características próprias do direito da União e as dificuldades particulares de que a sua interpretação se reveste e do risco de surgirem divergências jurisprudenciais no interior da União.

                        Pelo que entendem poderem estar reunidos os necessários requisitos e ser útil e conveniente, no quadro de uma boa e atempada administração da justiça, proceder, desde já, a um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da UE, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 267.º, alínea b) e segundo parágrafo, do TFUE, para que esta possa, o quanto antes, pronunciar-se sobre a interpretação das relevantes disposições de direito da União constantes, mormente, da Diretiva 2001/23 e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devendo, em conformidade, ser declarada a suspensão da instância, nos termos dos artigos 269.º, n.º 1, alínea c), e 272.º, n.º 1, ambos do C.P.C., aplicável ex vi 1 nº 2 do CPT , até proferimento da pertinente pronúncia pelo Tribunal de Justiça da UE.

                        Assim e em conclusão, por forma a tornar mais célere uma eventual decisão desse Tribunal no sentido de proceder ao aludido reenvio prejudicial, as ora Recorrentes desde já sugerem, como ponto de partida e a título provisório, que sejam formuladas, em reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, as questões que, grosso modo, se poderão sintetizar da seguinte forma e que se afiguram como relevantes e imprescindíveis para a boa decisão da presente causa, colocando-se, desde já e em todo o caso, à inteira disposição deste Tribunal para prestar qualquer outro contributo julgado necessário para a formulação das questões prejudiciais a submeter ao Tribunal de Justiça:

                        1. Tendo em conta a liberdade de empresa e o direito de propriedade, constantes dos artigos 16.º e 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o artigo 1.º, alíneas a) e b), da Diretiva 2001/23, devem os mesmos ser interpretados no sentido de poder ser posto  em causa a qualificação de uma operação como uma “transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento”, a cessão de uma entidade transferida constituída por um conjunto de ativos e trabalhadores, nos seguintes termos:

                        a) Quando, anteriormente à transmissão em questão, a entidade transferida não consubstancie um departamento ou é designado pelo nome da entidade ou unidade que se designou transferir ?

                        b) Terem sido transferidos conjuntamente outros trabalhadores da cedente, v.g., do departamento de recursos humanos, funcionalmente afetos á atividade transmitida,

                        c) Ainda que os trabalhadores tenham continuado:

                        (i) a desempenhar exatamente as mesmas funções ?

                        (ii) no mesmo local de trabalho da cedente agora arrendado pelo cessionário?

                        (iii) com os mesmos instrumentos de trabalho transmitidos ?

                        d) E se o Transmissário, na data imediatamente após a transmissão, presta maioritariamente serviços para o Transmitente, tal facto impede a transmissão da entidade económica?

                        2. Tendo em conta a liberdade de empresa e o direito de propriedade, constantes dos artigos 16.º e 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem os artigos 3.º, n.ºs 1, 3 e 4, e 8.º da Diretiva 2001/23 pode questionar-se a qualificação de uma operação como uma “transferência de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento”, que ocorra relativamente a um cedente inicialmente empresa pública e objeto de, ao longo de mais de 30 anos, múltiplas operações de cisão, fusão, restruturação e privatização:

                        a) Se a transferência da entidade se realizar para um cessionário que é uma empresa privada, o facto de alguns trabalhadores abrangidos por essa transferência, estarem anteriormente à realização da mesma e por força de lei, ainda abrangidos por um “regime de uma instituição de previdência responsável pela gestão do regime de segurança social de funcionários públicos e equiparados em termos de aposentação, reforma, sobrevivência, entre outros (Caixa Geral de Aposentações)” e sejam obrigados a passar para o regime geral da segurança social, tal significa que o regime da transferência previsto na Directiva deixa de ser aplicável?

                        b) O facto de algum trabalhador abrangido pela transferência estarem, anteriormente à realização da mesma, abrangido por um fundo especial de previdência e, o cedente ter sido legalmente obrigado a realizar contribuições de 1% do valor das remunerações dos trabalhadores não estando o cessionário legalmente obrigado a continuar a realizar tais contribuições, implica a não aplicação da Directiva?

                        c) O facto de benefícios decorrentes de Acordo Coletivo de Trabalho do cedente (ex. complemento de subsídio de doença por baixa médica) cessarem um ano após a data da transferência de estabelecimento nos termos previstos na lei, impede a aplicação do instituto da transmissão aos trabalhadores abrangidos pela transferência?

                        d) O facto de alguns trabalhadores abrangidos pela transferência disporem, anteriormente à realização da mesma, de benefícios decorrentes da específica atividade da cedente (operador de telecomunicações) e que (v.g., benefícios telefónicos, possibilidade de aquisição de equipamentos da cedente a prestações, possibilidade de acesso a programa de apoio ao estudo para descendentes, possibilidade de obtenção de regalias inerentes aos protocolos celebrados pela cedente com entidades externas, seguro de saúde vitalício) impede a aplicação do instituto da transmissão aos trabalhadores abrangidos pela transferência?”.

                    Segue-se aqui, para enquadramento teórico da necessidade de tal reenvio, o escrito no Ac. da Rel. do Porto de 23/05/2016, Proc. 1282/15.9T8MTS.P1, relatado pelo aqui 2º adjunto e disponível em www.dgsi.pt.

                        Os órgãos jurisdicionais nacionais estão vinculados interpretar o direito nacional em conformidade com o direito europeu, incluindo as Directivas, e com a interpretação do mesmo realizada pelo TJUE, tendo em consideração o princípio do primado do Direito da UE.

                    Nos termos do art. 267º do Tratado da União Europeia, “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial:

                    a) Sobre a interpretação dos Tratados;

                    b) Sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.

                    Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie.

                    Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.

                    Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.

                    Na categoria dos “actos adoptados pelas instituições … da União” está incluído todo o “… conjunto do Direito Comunitário derivado, isto é, do conjunto de actos tanto autónomos como convencionais, concluídos pelas instituições comunitários. Abarcam-se, pois aqui, os regulamentos e as decisões individuais (…) e também as directivas e as decisões de carácter normativo geral …” – M. Melo Rocha, O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, Coimbra ed. 1982, p. 48.

                    Por outro lado, está em causa nestes autos, a interpretação de disposições do Direito Comunitário derivado, concretamente da Diretiva 2001/23 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/11/2003, a fim de que, assente essa interpretação, se possa subsequente interpretar em conformidade com a mesma determinadas normas jurídicas nacionais, concretamente as normas, do CT/2009 e dos AE aplicáveis supra citadas e que regem em matéria de descanso semanal obrigatório e complementar.

                    O reenvio prejudicial é um instrumento jurídico criado pelos Tratados em face da especificidade da EU (União de Estados dotada de personalidade jurídica) e com vista à aplicação uniforme do direito comunitário pelos tribunais nacionais, a qual depende de uma interpretação uniforme das mesmas regras e constitui, ao mesmo tempo, fundamento e consequência da aplicabilidade directa (efeito directo) e da primazia das normas comunitárias.Ora, o reenvio prejudicial deve ocorrer “Quando um tribunal nacional tem fundadas dúvidas sobre a interpretação a dar a uma norma comunitária ou sobre a validade de um acto jurídico das instituições …”, ou de outro modo, o TJUE pronuncia-se “…a pedido da jurisdição nacional de um estado membro que deve aplicar uma regra de direito comunitário ou que deve constatar as consequências jurídicas de um acto levado a cabo por uma instituição...”, sendo papel do TJUE “…o de definir o sentido das disposições cuja interpretação lhe é pedida ou de se pronunciar sobre a sua validade isto é sobre a sua legalidade.” - Jean Victor Louis, A Ordem Jurídica Comunitária, ed. Comissão das C.E. 1981, p. 24.

                    Resta dizer que se é certo que no âmbito de um processo de reenvio o TJUE não pode pronunciar-se sobre a compatibilidade de uma disposição legislativa ou regulamentar nacional com o direito comunitário, menos certo não é que o mesmo TJUE pode fornecer ao órgão jurisdicional nacional todos os elementos de interpretação resultantes do direito comunitário e que permitam a esse órgão decidir da compatibilidade dessas normas com a norma comunitária invocada.

                    No caso em apreço  as dúvidas levantadas pela recorrente M... não justificam, a nosso ver, fundadas dúvidas sobre a interpretação a dar a uma norma comunitária ou sobre a validade de um acto jurídico das instituições.

                    Repare-se que é a própria recorrente que na sua argumentação afasta essas dúvidas - “as ora Recorrentes entendam que não há quaisquer dúvidas quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido das normas em causa ser, na sua opinião, claro e evidente”.

                    E repare-se na abundante doutrina e jurisprudência existente sobre a matéria, citadas na sentença e nas alegações de recurso.

                    Sendo que, embora não seja este o critério decisivo, sempre se obsta à suspensão desta instância (artº 272º, nº 1, do CPC).

                    Há que indeferir, assim, o pedido de reenvio prejudicial.
                    - se se verificou a transmissão do estabelecimento para os efeitos do artº 285º do Código do Trabalho
                    Face à improcedência, no essencial, da impugnação factual, sendo irrelevante, por razões facilmente perceptíveis, a eliminação da matéria de direito do acervo dos factos provados, mas com a relevância acentuada para a qualificação de direito, desde já dizemos que não vemos motivos para alterar o que a este respeito ficou decidido na sentença.

                    O princípio da livre contratação constitui corolário do direito de iniciativa económica privada; mas a liberdade negocial não é absoluta, antes sofre limitações várias, designadamente no que concerne ao contrato de trabalho, sujeito como está a várias normas legais imperativas -Ac. do Tribunal Constitucional de 17/5/89, BMJ 387º, 128.

                    Uma das normas que limitava a liberdade negocial da entidade patronal era a do artº 37º da LCT, entretanto revogada pelo Cod. Trabalho de 2003.

                    Aí se dispunha, no seu nº 1,  que a "posição que dos contratos de trabalho decorre para a entidade patronal transmite-se ao adquirente, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores exercem a sua actividade, salvo se, antes da transmissão, o contrato de trabalho houver deixado de vigorar nos termos legais, ou se tiver havido acordo entre o transmitente e o adquirente, no sentido de os trabalhadores continuarem ao serviço daquele noutro estabelecimento...".

                    Por sua vez, o nº 4 de tal artigo estabelecia que o "disposto no presente artigo é aplicável, com as necessárias adaptações, a quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da exploração do estabelecimento".

                    A propósito deste artigo, surgiram várias referências doutrinais e jurisprudenciais.

                    Assim, e segundo Vasco da Gama Lobo Xavier, RDES, XXVIII, 443 e ss, quando o estabelecimento muda de sujeito de exploração, designadamente porque é transmitido para outrem, os contratos de trabalho, que ligam os trabalhadores deste estabelecimento ao seu proprietário, mantêm-se, transmitindo-se para o respectivo adquirente a posição contratual que, desses contratos, decorre para aquele.

                    Os trabalhadores de uma empresa ou estabelecimento como que "inerem" ou "aderem" a essa empresa ou estabelecimento -estabelecimento entendido aqui como "organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria" - Orlando de Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial, Coimbra 1967, 717.

                    No dizer do Ac. do S.T.J. de 10/4/91, BMJ 406º, 553, o que há de característico no conceito do estabelecimento onde os trabalhadores exerçam a sua actividade é que o mesmo deve ser encarado como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económico-jurídica, mais ou menos complexa, que na sua transmissão se compreende normalmente todos os elementos que o compõem, incluindo a sua organização económica e produtiva.

                    A "... transmissão da empresa, ..., deve entender-se em sentido muito amplo, abarcando actos negociais e não negociais. Quer dizer, o regime da norma aplica-se sempre que haja modificação subjectiva do empregador devida a circulação (negocial - venda, doação, usufruto, locação, etc.- ou não negocial- sucessão legal, nacionalização, confisco), ou a alteração objectiva da empresa"- Jorge Leite, em número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1983, 300.

                    A transmissão  que releva para efeitos do artº 37º da LCT deve ter carácter global, mas não é necessário que coincida tecnicamente com o conceito de trespasse, conforme se depreende do nº 4 do mesmo artigo: a exemplo do que sucede amiúde na lei fiscal, o legislador do trabalho terá privilegiado as situações de facto em detrimento das qualificações jurídicas (cfr. J.C. Javillier, Droit du Travail, 1978, 210, citado por Abílio Neto- Contrato de Trabalho- Notas Práticas, 15ª edição, 215).

O conceito de estabelecimento deve ser entendido em termos amplos, de modo a abranger a organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria, os conjuntos subalternos, que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens ou fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica - Ac. do S.T.J. de 24/5/95, Questões Laborais, 5º, 112.

Na definição de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia adoptou como critério para aplicação da directiva 98/50/CE a existência de uma "unidade económica que mantenha a sua identidade depois da transmissão", entendendo-se como identidade da empresa o conjunto de meios organizado com o objectivo de prosseguir uma actividade económica. Na determinação do conceito de unidade económica o TJCE tem vindo a enunciar critérios relevantes como o tipo de estabelecimento, a transferência de bens corpóreos, a continuidade da clientela, o grau de semelhança da actividade exercida antes e depois da transmissão, a assunção de efectivos, a estabilidade da estrutura organizativa, variando a ponderação dos critérios de acordo com cada caso. Mas, nas empresas cuja actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, como nas áreas de serviços, o factor determinante para se considerar a existência da mesma empresa pode ser o da manutenção dos efectivos, ou, na interpretação mais recente do TJCE, "um conjunto organizado de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma unidade económica" (cfr. Joana Simão em A Transmissão de Estabelecimento na Jurisprudência do Trabalho Comunitária e Nacional, publicado em Questões Laborais, nº 20, pag. 203 e ss., e Júlio Manuel Vieira Gomes em a Jurisprudência Recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão da empresa, estabelecimento, ou parte do estabelecimento – inflexão ou continuidade, publicado em Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Almedina, pag. 481 e ss.).

Como refere Júlio Gomes, ob. cit., 491, a determinação de se a entidade económica subsiste “exige a ponderação, no caso concreto, de uma série de factores, entre os quais se contam o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do activo, tais como edifícios e bens corpóreos, mas também o valor dos elementos imateriais no momento da transmissão, a continuidade da clientela, a manutenção do pessoal (ou do essencial deste), o grau de semelhança entre a actividade exercida antes e depois e a duração de uma eventual interrupção da actividade”.

O que importa é, assim, analisar, em relação a cada hipótese concreta, o conjunto de circunstâncias presentes no caso em análise e ponderar o peso relativo de cada uma delas, tendo em conta o tipo de actividade desenvolvido, como se decidiu no Ac. da Relação  de Lisboa de 24/5/2006, proc. 869/06, disponível em www.dgsi.pt.

Dizendo-se, igualmente, em tal aresto:

Deve salientar-se que os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça mostram uma crescente independência face a critérios próprios do direito comercial, bem como a superação de uma perspectiva predominantemente material do estabelecimento (que atribui grande importância, por ex., à transmissão de elementos do activo, designadamente bens patrimoniais que constituem o suporte do exercício de uma actividade) e que corresponde a uma visão clássica da empresa (v. Júlio Vieira Gomes, in segundo estudo citado, pag. 494).

Vem-se contudo exigindo que a transferência deve ter por objecto uma entidade económica organizada de modo “estável”, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou parte das actividades da empresa cedente”.        

A directiva nº 2001/23/CE refere, no seu artº 1º al. B) que é considerada “transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade como conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.

O legislador do Cod. do Trabalho de 2003  transpôs para o ordenamento jurídico português tal directiva, no seu artº 318º:

                    “1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

                    2 -  Durante o período de um ano subsequente à transmissão, o transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão.

                    3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração da empresa, do estabelecimento ou da unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes exerceu a exploração da empresa, estabelecimento ou unidade económica.

                    4 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”.

                    Por sua vez o artº 285º do CT de 2009 tem a seguinte redacção, anterior à alteração decorrente da Lei nº 14/2018, de 19/03:

                    “1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

                        2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.

                        3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

                        4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável em caso de trabalhador que o transmitente, antes da transmissão, transfira para outro estabelecimento ou unidade económica, nos termos do disposto no artigo 194.º, mantendo -o ao seu serviço, excepto no que respeita à responsabilidade do adquirente pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra -ordenação laboral.

                        5 - Considera -se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.

                        6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no n.º 1 e na primeira parte do n.º 3”.

                    Como se refere na sentença, considerando a data da alegada transmissão, em 22/07/2017, não são aplicáveis no caso as alterações ao Código do Trabalho decorrentes da Lei nº 14/2018, de 19/03, uma vez que tais alterações entraram em vigor em 20 de Março de 2018 (cfr. artº 4º da referida Lei nº 14/2018) ou seja, já depois de ter ocorrido o alegado negócio de transmissão de estabelecimento que as Rés celebraram entre si.

                    Lendo o conceito de estabelecimento contido nesses artºs 318º e 285º, numa interpretação conforme à jurisprudência comunitária, é considerada transmissão a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado, com objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

                    Como se conclui no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2009, in www.dgsi.pt, “o regime jurídico enunciado apresenta uma dúplice justificação: por um lado, pretendem-se acautelar os interesses do cessionário em receber uma empresa funcionalmente operativa; mas, por outro lado, como foi enfatizado no âmbito do direito comunitário pela Directiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, alterada pela Directiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho e revogada pela Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, transposta para o nosso ordenamento pelo artigo 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, a manutenção dos contratos de trabalho existentes à data da transmissão para a nova entidade patronal pretende proteger os trabalhadores, garantindo a subsistência dos seus contratos e a manutenção dos seus direitos quando exista uma transferência de estabelecimento”.

                    Quanto ao conceito de «transmissão», os precisos termos que aqueles artigos 318.º do CT/2003 e 285º do CT/ 2009 utilizam para a ele aludir, explicitando que a transmissão se pode operar “por qualquer título” (n.º 1), evidencia que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

                    O conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, podendo corresponder a um negócio relativo à transmissão do direito de propriedade sobre o bem, mas também à transmissão (formal ou de facto) dos direitos de exploração desse bem, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa, mesmo que inexista um vínculo obrigacional directo entre transmitente e transmissário.

          No acórdão do STJ 25/11/2010, Procº 124/07.3TTMTS.P1S1, www.dgsi.pt, escreveu-se  que “ (..) nos casos de transmissão da titularidade do estabelecimento ou da ocorrência de quaisquer actos ou factos que envolvam a transmissão da sua exploração, não é afectada, em princípio, a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respectivo conteúdo, de tal modo que, em relação ao trabalhador, tudo se passa como se a transmissão não houvera tido lugar. Como já se consignou no aresto desta Secção de 25.02.2009 (proferido no âmbito do Proc. 2309/08, disponível www.dgsi.pt., que, embora reportado ao art. 37.º da LCCT, mantém toda a sua actualidade uma vez que o art. 318º do CT de 2003 corresponde àquele preceito, embora com alterações que, neste caso, não relevam), com este regime teve-se em vista, fundamentalmente, proteger os trabalhadores do risco de verem cortada a sua ligação à comunidade de trabalho a que pertencem, garantindo o direito à manutenção do posto de trabalho, que constitui uma das vertentes do direito constitucional consagrado no art. 53º da Constituição da República, nos casos de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, por um lado, e, por outro, tutelar o próprio estabelecimento (a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão).

(...)

Como decorre destes normativos, as expressões “estabelecimento” e “empresa” são usadas indistintamente para designar o bem objecto da transmissão, que deve constituir uma unidade económica. Nos dizeres do n.º 4 do art. 318.º CT, considera-se unidade económica “o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória”, o que corresponde ao referido na alínea b), n.º 1 do art. 1º da referida Directiva “de uma entidade económica”.

Desta forma, para os efeitos da apreciação da transferência, ou transmissão, o conceito de unidade económica corresponde ao conjunto de meios materiais e humanos organizados para o exercício de uma actividade económica, principal ou acessória, que, com a transmissão, mantém a sua identidade.

Adoptou-se com esta definição um critério material em que sobrelevam um elemento organizatório – a entidade económica apresenta-se como um complexo organizado de bens e/ou de pessoas –, e um elemento funcional – esse complexo organizado de meios visa prosseguir uma actividade económica.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal, emitida à luz do art. 37.º da LCT e, posteriormente, face ao art. 318.º do CT, tem sido no sentido de que o conceito de estabelecimento (ou empresa) abrange, quer a organização afecta ao exercício de um comércio ou indústria, quer os conjuntos subalternos que correspondem a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços, desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma entidade produtiva autónoma, com organização específica.

Da aplicação do critério material da “unidade económica” resulta a irrelevância quer da transmissão de elementos patrimoniais isolados, não agregados entre si, quer da transmissão de bens, interligados ou não, mas não essenciais ou não destinados à prossecução de determinada actividade económica

Não obstante a lei consagrar um conceito amplo de transmissão de estabelecimento – por se poder operar por “qualquer título” e se aplicar ainda à cessão ou reversão da exploração –, a afirmação, no caso concreto, dessa transmissão pressupõe, sempre, a passagem da unidade económica que o consubstancia, entendida esta nos termos acima expostos, tendo o trabalhador de estar inserido nesse complexo jurídico-económico.

(...)

Na apreciação concreta, de molde a afirmar a existência de uma transmissão de estabelecimento, ou empresa, impõe-se que o tribunal indague se há uma entidade que desenvolve uma actividade económica de modo estável e se essa entidade, depois de mudar de titular, manteve a sua identidade. Isto é, a afirmação da transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

Ou, como refere Joana Vasconcelos (In Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 71, pág. 82, remetendo, ainda para Júlio Gomes “ A jurisprudência recente do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias em matéria de transmissão de empresa, estabelecimento ou parte de estabelecimento – inflexão ou continuidade?”.), “a averiguação acerca da manutenção, ou não, da identidade da unidade económica transferida implica, em qualquer caso, a ponderação de uma série de factores – tipo de estabelecimento, transmissão ou não de elementos do activo (edifício, bens corpóreos), valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, continuidade da clientela, permanência do pessoal, grau de semelhança entre a actividade prosseguida antes e depois da duração de eventual interrupção. O tipo de actividade desenvolvido pode, mesmo, ser decisivo para decidir do peso relativo, no caso concreto, de tais elementos: por vezes, e precisamente por tal motivo, é o complexo humano organizado que confere identidade à empresa (ou a parte dela). E quando assim suceda, frisa o TJCE, importa essencialmente atender a elementos como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração e, ainda, sendo o caso, os meios de exploração à sua disposição.”.

            Como se tem reafirmado, para apurar da identidade económica deve recorrer-se ao método indiciário fazendo-se, caso a caso, a comparação, tendencial e não absoluta, dos vários elementos em que se decompõe a unidade económica, antes e depois da transmissão, sendo certo que a identidade não se perde se a transferência envolver apenas uma parte do estabelecimento ou da empresa, desde que estas partes mantenham a estrutura de uma unidade económica e possam funcionar como tal- Ac. desta Relação de Coimbra de 24/10/2013, proc. 972/12.2TTLRA.C1.

                        Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho, in Direito do Trabalho parte II Situações Laborais Individuais, 2ª ed. revista e actualizada, pag. 693, tal conceito legal de unidade económica tem um carácter vago que carece de concretização. “Para esse efeito, o critério a ter em conta não deve ser o da organização formal da empresa (em secções ou serviços) mas antes o critério económico da possibilidade de individualização de uma parte da sua actividade numa unidade negocial autónoma. Por outras palavras, o que parece decisivo para a equiparação da transmissão de «parte» da empresa ou do estabelecimento à transmissão da própria empresa ou do próprio estabelecimento é o conceito de unidade de negócio.

                    Assim, e como se refere no Ac. do STJ de 06/12/2017, in www.dgsi.pt,  “Essencial é que tenha ocorrido, efectivamente, a transmissão de um negócio ou actividade, que constitua uma unidade económica autónoma na esfera do transmitente para a do transmissário, «mantendo a sua identidade» ( artº 1º. Nº 1 da Directiva) e que demonstre o animus translativo da operação pelo facto de o primeiro ter deixado de exercer a actividade correspondente a tal unidade e o segundo passar a exercê-la nos mesmos moldes.”

                    Mais se adianta em tal acórdão que “O conceito nuclear inserido nesta Directiva, conforme resulta da sua análise, não é tanto o de transferência/transmissão de empresa, mas sim o de “transferência de uma entidade económica” – cf. a alínea b), do nº 1, do seu art. 1º. Conceito que reencontramos explicitado no art. 285.º do Código do Trabalho, no seu n.º 5, com a noção aí consagrada de “unidade económica”, como o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória. Reproduzindo na nossa ordem jurídica o citado art. 1.º, n.º 1, alínea b), da Directiva nº 2001/23/CE, de 12 de Março, em consonância com o entendimento da bJurisprudência do TJUE, segundo o qual é considerada como tal a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta nos mesmos termos: “como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

                    Asserção vertida claramente no atrás citado Acórdão do TJUE, de

09.09.2015,[proc. C-160/14 in www.curia.europa.eu] com a seguinte narrativa: «Segundo jurisprudência constante, a Diretiva 2001/23 tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário. O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na acepção dessa diretiva, consiste na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma»

                    Sendo considerado como elemento determinante dessa definição e reconhecimento de unidade económica, pela Jurisprudência Comunitária, a autonomia de parte da empresa ou do estabelecimento transmitidos.

                    Podendo ler-se, a este propósito, no Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado no Proc. C-458/05 (Ac. Jouini), de 13/09/2007, que o Tribunal de Justiça acentuou a necessidade de a unidade económica manter a sua própria identidade no seio do transmissário, o que se revela pela prossecução de um objectivo próprio.

                    Identidade a aferir pelo conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória – cf. nº 5, do art. 285º, do Código do Trabalho de 2009.

                    Importa, assim, avaliar se a unidade económica mantém a sua identidade, se se mostra dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica.

                    Neste sentido se expressou igualmente o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão desta Secção, de 26.09.2012 [proc. 889/03.1TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt] quando se sintetizou nos seguintes termos, no final do ponto 3.2.: «Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.

                    É, contudo, essencial que a transferência tenha por objecto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».

                    De forma a evitar repetições inúteis, remete-se para a doutrina e jurisprudência citada na sentença.

                    No caso em apreciação, e face à factualidade dada como provada, constatamos que não nos pode merecer qualquer censura a conclusão da sentença recorrida de que não se poderá concluir pela existência antes do referido negócio de transmissão de uma unidade de negócio correspondente à invocada no negócio celebrado entre as Rés, ou seja, uma “Unidade de Projecto e Implementação da rede de Acesso Fixa Norte Interior e

Grande Lisboa”.

                    Escreveu-se, a este respeito, na sentença:

            “Considerando os entendimentos jurisprudências e doutrinais expostos, importa apurar se existia na M... uma unidade económica autónoma e independente, denominada de unidade de projeto de implementação da rede de acesso fixa norte interior e grande Lisboa que pudesse ser objeto de transmissão à F... e que a M.. declarou vender-lhe em 30 de junho de 2017.

                        A este respeito, ressalta desde logo da factualidade apurada que:

                        - nunca existiu na M... uma designada unidade de atividade de projeto e implementação da rede de acesso Norte Interior e Grande Lisboa que a mesma declarou vender no acordo em apreço nos autos;

                        - nunca existiu no organigrama da M..., autonomizada, uma designada Unidade de Atividade de Projeto e Implementação da Rede de Acesso Norte Interior e Grande Lisboa;

                        - era na estrutura de Projeto e Implementação da Rede de Acesso, que integrava o departamento EIF- Engenharia e Implementação da Rede de Acesso Fixo, que a M... desenvolvia a atividade de projeto da rede de acesso fixa;

                        E mais se provou que:

                        - a ré F... foi constituída em 20 de janeiro de 2009, tem o capital social de €500.000,00 e dedica-se à execução de projetos, engenharia, obras, serviços e assessorial técnica de telecomunicações exteriores, interiores e móveis; eletricidade, obras públicas e construção civil; comércio de bens e tecnologias militares e de mercadorias em geral;

                        - é uma pequena empresa prestadora de serviços que subsiste, predominantemente, pelos serviços prestados à ré M..., isto é, está na dependência económica e financeira desta;

                        - não tem know-how em certificação técnica porque não tem objeto social, nem CAE para o exercício desta atividade;

                        - a ré M... tem o capital social de €230.000.000,00 e dedica-se à conceção, construção, gestão e exploração de redes e infraestruturas de comunicações eletrónicas; à prestação de serviços de comunicações eletrónicas, dos serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e à atividade de televisão;

                        - a atividade de projeto e implementação da rede de acesso fixa materializa parte da atividade constante do objeto social da M... e sempre foi desenvolvida pela M... e na M...;

                        - na atividade de projeto e de construção de projeto identificam-se três blocos de atividade, perfeitamente destacáveis entre si:

                        (i) tomada de decisão quanto às opções de investimento - atividade que é desenvolvida pela M...;

                        (ii) projeto de rede a construir - atividade que a M... desenvolvia através dos PIN e PIS integrados na DEO e declarou transmitir para a F...;

                        (iii) construção da rede conforme o projeto - atividade que já é desenvolvida em regime de outsourcing há vários anos;

                        - as principais componentes da atividade de projeto da rede a construir são as seguintes:

                        » levantamento das condições de terreno para a elaboração de projeto, nomeadamente, localizações e ocupação dos elementos de rede relevantes e identificação e caraterização/registo das condições;

                        » elaboração dos projetos de instalação, otimização e adequação da rede de acesso fixo, assegurando a sua respetiva inscrição nos sistemas corporativos de cadastro e edição das peças de projeto:

                        (i) sinóticos e esquemas de rede;

                        (ii) lista de materiais e tarefas da sua aplicação;

                        (iii) instrução de processos de licenciamento quando necessário ou solicitado.

                        » elaboração dos Projetos de acordo com a especificação do cliente (no caso, a M...), nomeadamente:

                        (iv) SLA inscritos na aplicação NEMESIS;

                        (v) arquitetura e/ou topologia da solução definida pela M...;

                        (vi) dimensionamento dos elementos de rede a instalar, otimizar ou adequar, conforme definição de solução pela M...;

                        (vii)cumprimento da legislação em vigor, nomeadamente a emissão dos Termos de Responsabilidade de Projeto;

                        » assegurar a elaboração de Projetos Infraestruturas de Telecomunicações em Edifícios (ITED) simplificados de adaptação de Edifícios à Fibra Ótica (FO) e emissão dos Termos de Responsabilidade de Projeto e respetivo registo no site da ANACOM.

                        » garantir a atualização do cadastro conforme as telas finais, no sistema de gestão de cadastro da rede exterior, conforme os projetos implementados ou outras telas finais fornecidas pela M... no âmbito de outras atividades, nomeadamente a instalação de cabos em infraestrutura M... por outros operadores no âmbito de ofertas reguladas ou comerciais;

                        - no âmbito da atividade de Projeto é necessária a manipulação das ferramentas informáticas de gestão de fluxos de trabalho, com interfaces com a M... (como o Netwin e Nemesis) e esse tipo de atividade está intimamente associada à atividade de projetar;

                        - todo o tratamento administrativo de processos e a edição de todas as peças de projeto para entrega para construção, fazem parte do serviço integrado associado à atividade de projetar a rede;

                        - a atividade de definição de solução técnica constitui uma opção do investimento que se pretende fazer e respetivo retorno tendo em conta os objetivos de negócio da empresa, em que é tomada uma opção técnico-económica da M..., compondo-se, essencialmente, da definição da tecnologia pretendida, arquitetura pretendida, dimensionamento dos elementos de rede pretendidos e eventuais requisitos adicionais tais como eixos viários ou afins pretendidos e reservas para crescimentos futuros;

                        - a M..., como empresa de telecomunicações que na prossecução da sua atividade tem elevados custos, requerendo a realização de elevados investimentos e fundos para financiamento desses investimentos, não pode dispor para terceiros da atividade de definição da solução técnica, pois está ligada a aspetos de tecnologia, arquitetura e dimensão e, por conseguinte, ao investimento que se pretende fazer e respetivo retorno tendo em conta os objetivos de negócio da empresa;

                        - a atividade de definição de solução técnica não se confunde com a idealização dos pormenores de projeto previamente a passá-los para o sistema informático de projeto (NETWIN), tais como rascunhos em papel daquilo que em seguida se fará em definitivo, que integra a atividade de Projeto;

                        - Projetar também consiste na identificação dos materiais específicos a instalar na rede, sua identificação e capacidade detalhada, identificação da colocação dos mesmos nos traçados de condutas ou postes, valorização detalhada das tarefas a desempenhar e listas detalhadas dos materiais a aplicar e geração dos esquemas de cabos, tabelas de juntas e sinóticos de rede, necessários para que o projeto possa ser executado no terreno por equipas de construção;

                        - findo o processo de construção, a rede construída é ainda cadastrada no sistema de gestão geográfico do operador;

                        - a atividade de orçamentação é uma peça de projeto que é gerada automaticamente a partir da ferramenta de Projeto (NEMSIS / NETWIN) e quem a realiza é o próprio projetista;

                        - esta peça de projeto contem uma informação detalhada a respeito do custo dos vários itens que compõem o projeto, (ex: 10 parafusos a €0,20/cada, etc…) e quando o projeto é apresentado à M... contem de entre as suas várias folhas/peças, também a folha/peça do orçamento;

                        - e a M... - enquanto entidade que tem o poder de decisão sobre o investimento que pretende realizar - aprova, ou não (atendendo ao custo do Projeto que lhe é apresentado) a construção do mesmo;

                        - a triagem é uma tomada de decisão de investir ou não em rede, conforme a faturação dos serviços a contratar, e, por isso, uma decisão de gestão financeira da M... - opção de investimento;

                        - a atividade de distribuição é também uma opção de investimento e consiste na tomada de decisão por parte da M... da alocação ou adjudicação de um determinado trabalho e elaboração de projeto a um concreto prestador;

                        - a representatividade local traduz-se na representação da M... junto das entidades públicas e privadas com as quais a M... tenha alguma relação ou litígio no âmbito da negociação para defesa do património de infraestruturas da empresa (exemplo: condutas, cabos ou postes), que tem a si associada um poder de decisão/ compromisso formal da parte da M...;

                        - assim, por exemplo, se um Município quiser construir uma nova rotunda, ou se um Intermarche decide fazer um novo supermercado, e as respetivas obras de construção colidirem com uma qualquer infraestrutura da M... (como as acima identificadas) é o colaborador da M... - enquanto seu representante - que negoceia com a entidade em causa a solução a adotar ou eventuais compensações que sejam devidas entre os envolvidos;

                        - na M... a atividade de projeto era desenvolvida no âmbito da Direção DEO (Direção de Engenharia e Operações de Rede), composta por vários departamentos, de entre os quais o Departamento de EIF- Engenharia e Implementação da Rede de Acesso Fixo, com serviços espalhados por todo o país;

                        - no Departamento de EIF - Engenharia e Implementação da Rede de Acesso Fixo, era desenvolvida a atividade de desenvolvimento e evolução tecnológica das infraestruturas da rede de acesso e onde se procedia à elaboração dos projetos de instalação, otimização e adequação da rede exterior e equipamentos de agregação da rede de acesso;

                        - o Departamento de EIF era composto pelas seguintes estruturas:

                        (i) Gestão e Coordenação da Implementação;

                        (ii) Planeamento da Rede de Acesso;

                        (iii) Tecnologias da Rede de Acesso;

                        (iv) Projeto e Implementação da Rede de Acesso;

                        - era na estrutura de Projeto e Implementação da Rede de Acesso que se vinha desenvolvendo a atividade de projeto da rede de acesso fixa;

                        - esta atividade era desenvolvida em todo o território nacional, que estava dividido em duas áreas geográficas de atuação distintas: a área geográfica do Norte (onde esta atividade estava organizada e dividida em PIN) e a área geográfica do Sul (onde esta atividade estava organizada e divida em PIS);

                        - como é do conhecimento público, por ter sido amplamente noticiado, a M... mudou de acionista em 2015 (...), o qual tem vindo a implementar a sua própria cultura empresarial e estratégia;

                        - sendo um dos objetivos deste acionista o aumento da produtividade da empresa e a redução dos custos de exploração;

                        - a implementação desta nova cultura empresarial implica uma profunda

reestruturação da atividade e da organização interna da empresa;

                        - reestruturação essa que, atendendo à dimensão da M... e ao número de trabalhadores por esta detidos - aproximadamente 9000, é complexa, morosa e nem sempre de fácil comunicação;

                        - foram 22 os trabalhadores identificados no Anexo II do Contrato de Transmissão de Unidade Económica em apreço nos autos:

                        (…)

                        - na área de atividade de Projeto desenvolvida pela M..., os autores viram os seus contratos de trabalho transmitidos para a F... e outros colegas, nas mesmas áreas, não tiveram os seus contratos de trabalho transmitidos para a F..., designadamente:

                        (…)

                        - os trabalhadores (...), também exerciam à data da transmissão e continuam a exercer a atividade de representatividade local e definição de solução e aprovação técnico-económica de projetos;

                        - os trabalhadores ..., exerciam à data da transmissão e continuam a exercer a atividade de definição de solução e aprovação técnico-económica de projetos;

                        - os trabalhadores ... também exerciam à data da transmissão e continuam a exercer a atividade de triagem, contratação de projeto e controlo de SLA – Service Level Agreements;

                        - a M... manteve ao seu serviço cerca de 25 colegas dos autores com funções que também eram desempenhadas pelos autores;

                        - dividiu os trabalhadores ao seu serviço da atividade do projeto, entre aqueles que pretendia que ficassem somente a elaborar soluções técnicas e aqueles que pretendia que executassem essas soluções e declarou ceder à F... 22 trabalhadores para exercerem esta última atividade de execução;

                        - dos cerca 60 trabalhadores que se encontravam afetos a idêntica atividade, a M... declarou transmitir para a F... 22 trabalhadores e permaneceram ao serviço da M... cerca de 25 trabalhadores;

                        - as chefias do Departamento DEO que coordenavam a área de projeto, nomeadamente ..., não foram cedidos/transmitidos para a F...;

                        - apenas foi cedido/transmitido para a F... a chefia do Porto ...;

                        - esta plataforma continua a ser controlada pela M... através da equipa coordenada pelo engenheiro ..., que sendo antes da transmissão diretor do departamento PIN - Projeto Infraestrutura Norte, continuou na M... como diretor do mesmo departamento, embora com outro nome: IAN – Implementação de redes de acesso Norte;

                        - a unidade EIF – Engenharia de Implementação da Rede de Acesso Fixo, está integrada no Departamento DEO – Departamento de Engenharia e Operações de Rede da M... que continuou a funcionar e a desenvolver a atividade para que foi criada;

                        - a M... determina toda a atividade da F...;

                        - é sempre a M... que valida a solução apresentada pela F... no âmbito da referida atividade;

                        - a M... - que é a entidade que define a solução Projeto - quando recebe o projeto, valida que o projeto cumpre as condições técnicas e económicas, antes de ser enviado para construção;

                        - a M... pede e contrata um Projeto, paga-o, mas não o constrói, mantendo o controlo da situação end-to-end, pela via da contratação e controlo dos SLA’s que tem com os seus clientes;

                        - sempre que uma contratação de Projeto é feita, a M... procede com a entrega à entidade que executará o Projeto - no caso a 2ª Ré - de uma especificação do que se pretende;

                        - a fim de clarificar eventuais pormenores constantes da especificação fornecida, são fornecidos contactos operacionais da M... para que o executante (Projetista) possa clarificar aspetos da especificação técnica para o Projeto pretendido;

                        - qualquer desenvolvimento do projeto e respetiva orçamentação continuam controlados e sujeitos a aprovação da M...;

                        - e os trabalhadores que foram cedidos à F... continuam dependentes, na sua atividade, da M..., de quem recebem e-mails e chamadas telefónicas relativas à execução dos seus trabalhos;

                        - em termos práticos a M... mantém absoluto controlo e fiscalização sobre a atividade de Projeto da F...;

                        - mantendo a M... o controlo e fiscalização sobre a atividade exercida pelos autores, os quais não sofreram alteração, designadamente, do local de trabalho e dos instrumentos de trabalho que pertencem à M...;

                        - apenas foram cedidos trabalhadores pela M...à F...;

                        - após a transmissão os autores mantiveram o mesmo local de trabalho, em instalações pertencentes à M...;

                        - os instrumentos de trabalho utilizados pelos autores pertencem à M..., designadamente os computadores, as viaturas e o telemóvel, as ferramentas de trabalho e os equipamentos de medida;

                        - as transmissões de estabelecimento não tiveram qualquer interferência na atividade que continuou a ser desenvolvida dentro da organização;

                        - não foram objeto do acordo de transmissão em apreço nos autos as ferramentas corporativas PT;

                        - é o caso das ferramentas informáticas NEMESIS e NETWIN que consubstanciam aplicações corporativas da M..., na qual fica registado todo o workflow da atividade de Tecnologias de Informação (IT) da PT;

                        - estas ferramentas corporativas visam facilitar o relacionamento da PT (aqui se incluindo a M...) com todos os seus prestadores nos vários segmentos de atividade, na medida em que mantém um registo atualizado de todo o fluxo de trabalho de IT da PT;

                        - o que, para além de gerar eficiência intra-grupo, também facilita o trabalho dos seus profissionais e permite controlar e reduzir os gastos da organização;

                        - os vários prestadores prestam a atividade contratada usando ferramentas de workflow da M... (como as referidas ferramentas corporativas), para o que a M... define mecanismos de acesso/permissões previamente estabelecidas e contratualizadas, de acordo com a atividade que lhes tiver sido contratada;

                        - a M... não deu a conhecer quais os elementos concretos integrantes da parte do estabelecimento a transmitir que permitam qualificá-la como atividade económica;

                        - os autores desconheciam qual a hierarquia da F... que os avalia no seu desempenho;

            - pois a F... nunca lhe deu conhecimento de qualquer estrutura orgânica onde pudessem estar inseridos;

                        - a Direção de Recursos Humanos da M... emite transitoriamente os recibos de vencimento dos trabalhadores da F... que têm idêntico lay out;

                        - as atividades desenvolvidas até agora pela F... têm apenas um cliente que é a M...;

                        - com a celebração do acordo de transmissão em apreço nos autos a M... visou a redução dos seus efetivos, pela extinção dos postos de trabalho dos trabalhadores transmitidos;

                        - a F... é mera empresa de prestação de serviços, sem conhecimento e know how na certificação técnica, absolutamente dependente da M... nesta matéria;

                        - a F..., enquanto empresa, encontra-se em absoluta dependência, quanto à sua viabilidade económica e financeira, dos contratos celebrados com a M...;

                        - os contratos que a F... tem em carteira, com relevância económica e financeira, são exclusivamente os contratos celebrados com a M... ou com empresas que esta também controla e que dela são dependentes, seja de prestação de serviços seja de fornecimento ou aquisições, ou quaisquer outros;

                        - a F... não tem uma estratégia de gestão estruturada para dar continuidade à área de projecto, pois qualquer estratégia sobre esta matéria é da exclusiva responsabilidade da M...;

                        - a F... não tem qualquer estratégia que não seja aquela que é ditada pela M... de quem depende inteiramente quanto à sua continuidade;

                        Em face desta factualidade resulta claro que a unidade de projeto e implementação da rede de acesso fixa norte interior e grande Lisboa que a M... declarou transmitir à F..., em 30 de junho de 2017, não pode ser considerada como uma unidade económica, concebida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória, porque:

                        - a atividade de projeto de rede a construir não tem suficiente autonomia para poder funcionar independentemente no mercado, pois não pode ser desenvolvida sem a definição da solução técnica pela M... (de que esta não pode abdicar) e sem as ferramentas corporativas da M... (Nemesis e Netwin);

                        - os trabalhadores transmitidos continuam a executar exatamente as mesmas funções que antes desempenhavam, no mesmo local de trabalho e com os mesmos instrumentos de trabalho e no exclusivo interesse da M..., como ocorria antes da transmissão, uma vez que esta é único cliente da F...;

                        - a M... determina toda a atividade da F... e os trabalhadores que foram cedidos à F... continuam dependentes, na sua atividade, da M..., de quem recebem emails e chamadas telefónicas relativas à execução dos seus trabalhos;

                        - em termos práticos a M... mantém absoluto controlo e fiscalização sobre a atividade de Projeto da F...;

                        - mantendo a M.. o controlo e fiscalização sobre a atividade exercida pelos autores, os quais não sofreram alteração, designadamente, do local de trabalho e dos instrumentos de trabalho que pertencem à M...;

                        No mais, regista-se que foi a M... quem, já depois da celebração do acordo de transmissão em 30 de junho de 2017, negociou e celebrou as rescisões, por mútuo acordo, dos contratos de trabalho de ..., dois dos trabalhadores incluídos na transmissão, assim privando a unidade económica que declarou transmitir, de grande preponderância de mão de obra, de uma parte dos seus efetivos humanos, o que denota a falta de lógica contratual e interesse negocial efetivo do contrato de transmissão em apreço nos autos.

                        Acresce que nem todos os trabalhadores que desenvolviam a atividade de projeto foram objeto da alegada transmissão (factos provados 80º a 86.º), apenas um dos coordenadores das diversas áreas de projeto foi transmitido (o coordenador ...) (factos provados 87.º, 88 e 91.º), foram transmitidos dois trabalhadores aqui autores - ... - que já nem sequer pertenciam à estrutura de projeto e implementação da rede de acesso da EIF e à DEO, a quem competia o desenvolvimento da atividade de projeto, pois integravam a direção de recursos humanos da M... desde 28 de novembro de 2016 (factos provados 78.º e 79.º) e a unidade EIF continuou a funcionar e a desenvolver a atividade de projeto para que foi criada (facto provado 90.º).

                        Também esta desconsideração pela M... de manutenção dos elementos humanos da unidade económica alegadamente transmitida revela claramente a inexistência de uma verdadeira unidade económica.

                        Desde logo, porque a transmissão da unidade económica em apreço implicaria a transmissão dos coordenadores desta unidade, enquanto pilares fundamentais desta organização de meios, pelo que mostra de todo injustificada a permanência dos coordenadores na M..., o que igualmente demonstra a falta de lógica contratual e interesse negocial efetivo do contrato de transmissão em apreço nos auto.

                        Refira-se, ainda, que também resultou provado que a atividade de projeto de rede a construir sempre esteve na estrutura de projeto e implementação da rede de acesso, a qual era uma estrutura da EIF, que integrava a DEO e que a única divisão geográfica da atividade de projeto e implementação da rede fixa que sempre houve até 2017 era a divisão entre PIN (projeto e implementação da rede norte) e PIS (projeto e implementação da rede sul), não existindo na M... em data anterior à da celebração do contrato de transmissão em apreço nos autos, qualquer divisão geográfica da atividade de projeto e implementação da rede de acesso em todo o território nacional em área geográfica do norte litoral, área geográfica do norte interior e grande Lisboa e área geográfica do sul”.

                    Pese embora tudo o alegado pela Ré, e face à improcedência da impugnação da matéria de facto relevante para tal assunto, sendo que segundo a própria economia das conclusões do recurso a procedência deste dependia essência e primordialmente da procedência da impugnação factual, não podemos deixar de concordar com a argumentação da sentença, já que, e com o intuito de evitar repetições inúteis e sem a preocupação de exaustividade:

                    - não existia na Ré M... uma unidade económica autónoma e independente, denominada de “Unidade de Projecto de Implementação da Rede de Acesso Fixa Norte Interior e Grande Lisboa”, que pudesse ser objecto de transmissão entre as Rés, sendo que não houve qualquer transmissão da titularidade da empresa, ora 1ª Ré, nem de qualquer estabelecimento desta.  A actividade de projecto e implementação da rede de acesso fixa era desenvolvida na “Direção de Engenharia e Operações de Rede” ou “Direção de Engineering and Network Operations” (“DEO”), a qual era composta por vários Departamentos, de entre os quais o Departamento de EIF – Engenharia e Implementação da Rede de Acesso, com várias e diversas estruturas, como desenvolvidamente se descreve na sentença;

                    - não resulta dos factos provados que essa actividade de “Projecto de Implementação da Rede” fosse exercida na Ré M...  no sentido de estar individualizada como uma unidade negocial autónoma, ou seja, como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir apenas tal actividade de projecto e que fosse transmitida à 2ª Ré tal conjunto de meios organizados enquanto unidade de negocial que tivesse autonomia no âmbito organizativo da Ré. – como se disse era na estrutura de Projeto e Implementação da Rede de Acesso, que integrava o departamento EIF- Engenharia e Implementação da Rede de Acesso Fixo, que a M... desenvolvia a atividade de projeto da rede de acesso fixa;

          - a actividade de projeto e de construção de projeto abarcava três blocos de atividade, perfeitamente destacáveis entre si:

                    (i) tomada de decisão quanto às opções de investimento - actividade que é desenvolvida pela M...;

                    (ii) projeto de rede a construir - atividade que a M... desenvolvia através dos PIN e PIS integrados na DEO e declarou transmitir para a F...;

                    (iii) construção da rede conforme o projecto - actividade que já é desenvolvida em regime de outsourcing há vários anos;

                    - essas actividades exercidas conjuntamente com a actividade de projecto na 1ª Ré antes da aludida transmissão não se confundem com as restantes desenvolvidas na DEO. Todas essas actividades eram exercidas na 1ª Ré, antes da transmissão, no âmbito do mesmo conjunto de meios organizados, designadamente no seio da mesma estrutura hierárquica, com as mesmas chefias, ou seja, no seio da mesma organização de actividade, sendo certo que pese embora alguns dos trabalhadores que não foram transmitidos exercessem estas funções, os mesmos também faziam projectos ou coordenavam o trabalho dos projectistas, não podendo a suas tarefas ser dissociadas dessa forma da actividade de projecto;

                    - sendo que dos trabalhadores existentes nos denominados PIN (Projecto de Infraestruturas Norte), designados com os nºs 1, 2, 3, 4 e 5,  (PIN4), nem todos viram  “transmitidos” os contratos. A M... manteve ao seu serviço cerca de 25 colegas dos Autores com funções que também eram desempenhadas pelos últimos;

                    - a maioria dos superiores hierárquicos - chefias do Departamento DEO que coordenavam a área de projeto-  dos Autores manteve-se ao serviço da Ré M... E não se compreende como é que, a existir uma actividade autónoma, sejam desde logo excluídos da aludida unidade de negócio as chefias que integravam necessariamente o alegado conjunto de meios organizados;

                    - a M... mantém absoluto controlo e fiscalização sobre a actividade de projecto da F..., mantendo também a M... o controlo e fiscalização sobre a actividade exercida pelos Autores;

          - os Autores desconhecem qual a hierarquia da F... que os avaliam no seu desempenho, pois  aquela nunca lhes deu conhecimento de qualquer estrutura orgânica onde pudessem estar inseridos;

                    - o contrato de transmissão abrangeu trabalhadores que  não se encontravam afectos ao departamento onde era exercida a aludida actividade de projecto;

                    - relativamente à actividade de projecto não ficou comprovado que

existisse distinção geográfica entre Norte Litoral,  Norte Interior, e Grande Lisboa e  Sul, havendo uma atribuição perfeitamente estabelecida de tais áreas geográficas a três prestadores de serviço para a actividade de construção de projecto para a Ré M...

                    Tudo argumentos sólidos, decisivos e inabaláveis no sentido de que, tal como se referiu e aqui se repete, não se poder concluir pela existência, na Ré M... e antes do referido negócio de transmissão, de uma unidade de negócio correspondente à invocada no negócio celebrado entre as Rés, ou seja, uma “Unidade de Projecto e Implementação da rede de Acesso Fixa Norte Interior e Grande Lisboa”.

                    Concordando-se, igualmente, com a sentença quando afirma que, na verdade, dos factos dados como provados resulta antes que o negócio celebrado entre as Rés teve essencialmente como objecto a transmissão de contratos de trabalho relativamente a trabalhadores previamente selecionados pela 1ª Ré e não qualquer unidade de negócio enquanto conjunto de meios organizados.

                    As alegações da Ré M... que pudessem contrariar esta conclusão baseiam-se, predominante e decisivamente, no pressuposto na procedência, que ultrapassasse a mera consideração da matéria de direito como não escrita, da impugnação factual, o que não sucedeu. Não podendo, por isso, vingar, com a amplitude e consequências que resultam das conclusões do recurso, os, entre outros, argumentos relativos à irrelevância da designação formal da “Unidade de Projecto e Implementação da rede de Acesso Fixa Norte Interior e Grande Lisboa”, à inclusão no contrato de transmissão de vários activos e elementos corpóreos ou materiais afectos à invocada ( e inexistente) unidade económica, e a invocada irrelevância, no sentido de não configurar um motivo impeditivo da transmissão da unidade económica da 1ª para a 2ª Ré, do facto de que a 2ª Ré só presta os seus serviços à 1ª Ré.

                        Nos contornos fácticos descritos, presente o que acima ficou dito sobre transmissão do estabelecimento, está fora de quaisquer dúvidas que não ficou provada a ocorrência desta no caso concreto, com a inerente não transmissão dos contratos de trabalho para a adquirente, a Ré F...

     Não estando demonstrado que os trabalhadores – Autores tenham sido inseridos num complexo jurídico económico transmitido, com os contornos expostos.

     Ficando assim prejudicada, até porque a lei proíbe a prática de actos inúteis - artº 130º do CPC -, a abordagem da restante questão objecto do recurso, supra elencada- se se verifica o direito de oposição dos autores à  transmissão.

                    Devem, pois,  improceder os recursos.

                    Decisão:

                    Nesta conformidade, acorda-se em:

                    - indeferir o pedido de reenvio prejudicial;

                    - julgar as apelações improcedentes, confirmando-se a sentença recorrida.

                              Custas dos recursos pelas  respectivas Rés- apelantes.

                                                           Coimbra, 10/07/2020


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[1] Vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 1985, p. 410, nota 1, e as obras aí citadas.
[2] Lançando mão da palavra do referido douto Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07, “pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo”.
[3] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.03.12, Recurso n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1 - 4.ª Secção.