Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | RUI BARREIROS | ||
Descritores: | CASO JULGADO FORMAL DESPACHO PRÉ-SANEADOR | ||
Data do Acordão: | 03/15/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO FUNDÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 508º, Nº 1, AL. A) E 672º DO CPC | ||
Sumário: | I – O convite para o suprimento do vício da ilegitimidade, feito no despacho pré-saneador forma caso julgado formal, porque se trata de providenciar pelo suprimento de uma execepção (art. 508º, nº 1, al. a) do CPC). II – Assim, transitado, preclude o direito de recorrer do despacho saneador na parte em que julga procedente a excepção de ilegitimidade activa e passiva. | ||
Decisão Texto Integral: | (…) 2. Objecto do recurso. O presente recurso de agravo tem por objecto o despacho que absolveu o réu-agravado da instância por ilegitimidade activa e passiva. 3. Enquadramento da pretensão da recorrente. A agravante e o agravado são interessados num processo de inventário facultativo por óbito do pai de ambos. Nele, apresentada a relação de bens, pelo agravado, na qualidade de cabeça-de-casal, a agravante reclamou. Sobre a questão suscitada, recaiu despacho a relegá-la para os meios comuns. Então, a agravante intentou acção ordinária contra o agravado para pedir que se declarasse «que o bem pertencente à herança aberta por óbito de .... é o direito a uma quota ideal correspondente a 1/16 do prédio ...». O agravado, na Contestação, excepcionou a ilegitimidade da agravante por estar desacompanhada dos restantes herdeiros, bem como a sua própria, por estar desacompanhado do cônjuge, com quem é casado no regime da comunhão geral de bens. A agravante tomou posição na Réplica. A Srª Juíza proferiu despacho pré-saneador e julgou que existia vício de ilegitimidade activa e passiva por preterição de litisconsórcio activo e passivo, pelo que convidou a agravante a fazer intervir nos autos os restantes herdeiros e a cônjuge do agravado. A agravante manteve-se inactiva. Seguidamente, foi proferido o despacho recorrido, que absolveu o agravado da instância, por ilegitimidade activa e passiva. ... 5. Os factos a considerar. 1. Na presente acção, findos os articulados, foi proferido despacho, de acordo com o disposto no artigo 508º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC) nos seguinte termos: «..., porque a preterição de litisconsórcio necessário legal (ou natural) configura a falta de um pressuposto processual susceptível de sanação (art. 265º, nº 2 do CPC), notifique-se a A., para, no prazo de 10 dias, fazer intervir nos autos, ao abrigo do incidente de intervenção principal provocada, previsto no art. 325º do CPC, os demais herdeiros do inventariado e ainda o cônjuge do Réu, ...». 2. Para fundamentar esta posição, escreveu-se: «No caso ora em apreciação, sufragamos também do entendimento de que se verifica, ..., uma situação de litisconsórcio necessário legal, uma vez que é a lei a exigir a presença de todos os herdeiros, para que esteja assegurada a legitimidade das partes». 3. E, ainda se acrescentou: «ainda que assim não se entenda, sempre será de concluir verificar-se preenchida a previsão do nº 2, do mesmo preceito, ...» (artigo 28º do CPC: necessidade de intervenção de todos os interessados para que a decisão possa produzir o seu efeito útil normal, o que decorre da própria natureza da relação jurídica). 4. E, finalmente: «No que respeita à circunstância de ter sido apenas demandado o Réu, isto é, o R. desacompanhado do seu cônjuge, afigura-se-nos, estarmos aqui, também, na presença de uma situação de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário legal». 5. Notificada, nos termos ordenados, a autora não fez nenhuma intervenção no processo. 6. Seguidamente, foi proferido despacho saneador, no qual, entre outras coisas, se afirma: «No presente caso, conclui-se assim carecerem Autora e Réu de legitimidade para prosseguirem, só por si, na presente acção». 7. E esse despacho termina da seguinte forma: «Assim, em face do exposto, e com base nos art. legais citados, julgam-se procedentes as invocadas excepções de ilegitimidade, e em consequência, absolve-se o Réu da instância». 6. O Direito. A autora agrava do despacho saneador, na parte a que se refere o nº 7 dos factos a considerar. Importa saber se o despacho pré-saneador, em que a autora foi convidada a suprir o vício da ilegimidade activa e passiva (nºs. 1 a 4 dos factos a considerar), transitou em julgado, pelo que nada mais há a fazer do que respeitar o que foi nele decidido, ou se essa decisão tomada não forma caso julgado, sendo, então, possível à autora pôr em causa o que foi decidido no despacho saneador (nºs. 6 e 7 dos factos a considerar). 6.1. Tal como o agravado, pensamos que a decisão tomada no despacho pré-saneador formou caso julgado formal, pelo que, tendo deixá-la transitar, precludiu o direito da agravante de recorrer do despacho saneador na parte em que julgou procedente a excepção de ilegitimidade activa e passiva. 6.2. Conforme resulta do disposto no artigo 672º do CPC, o caso julgado formal consiste na força obrigatória que os despachos e as sentenças relativos unicamente à relação processual têm dentro do processo, excepto se não for admissível o recurso de agravo. Ou seja, conforme ensina o Prof. Manuel de Andrade, consiste na preclusão dos recursos ordinários, na irrecorribilidade, na não impugnabilidade [1]. Conforme o Prof. João Castro Mendes, o «caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo», contrariamente ao caso julgado material, cuja força obrigatória se estende para fora do processo em que a decisão foi proferida [2]. Diferente é a característica da irrevogabilidade das decisões, incluindo as que são susceptíveis de recurso, conforme terminologia do Prof. Manuel de Andrade [3] e está previsto no artigo 666º, nº 1, do CPC; esta consiste na imodificabilidade das decisões pelo próprio tribunal que as proferiu. Assim, em princípio e regra geral, proferida uma sentença ou um despacho, o seu conteúdo decisório não pode mais ser alterado (artigo 666º, nº 1, do CPC), a não ser em sede de recurso; se este não for interposto, podendo sê-lo, essa decisão (imodificável) torna-se obrigatória dentro do processo (artigo 672º do CPC). O fundamento do caso julgado formal é a «disciplina ou ordem no desenvolvimento do processo» [4]. 6.3. No caso em análise, finda a fase dos articulados, a Srª Juíza mandou notificar a autora para fazer intervir no processo outros interessados. E fê-lo porque entendeu que a autora sozinha, bem como o réu desacompanhado do seu cônjuge, não tinham legitimidade para prosseguir com a acção. Proferiu, assim, um juízo sobre a relação jurídico-processual; ou seja, independentemente da procedência ou improcedência da pretensão da autora, quis-se que as partes fossem diferentes da que veio ao processo e da que para ele foi convocada; só depois desta recomposição subjectiva é que se partiria para a discussão substantiva. Formulado o referido juízo, devidamente fundamentado - o que não está em causa, mas faz aumentar a compreensão da matéria decidida -, a pessoa que o proferiu ou outra que a substituísse não o poderia alterar; ou seja, dito que a autora, por um lado, e o réu, por outro, eram partes ilegítimas, não se poderia, mais tarde, vir dizer o contrário ou, sequer, diferente (artigo 666º, nº 1, do CPC): mal ou bem já julgou uma vez a questão [5]. Sendo, contudo, uma decisão recorrível, poderia a autora - parte onerada com a ordem dada -, pô-la em causa, contrariá-la, recorrendo e defendendo que, sozinhos - ela e o réu -, poderiam discutir valida e regularmente o litígio. Se o fizesse, a decisão não se consolidava, não transitava em julgado, pelo que poderia ser modificada nesta instância; neste caso, em excepção à regra geral já referida, o próprio tribunal que proferira a decisão poderia modificá-la, uma vez que, no recurso de agravo, pode o agravo ser reparado [6]. Não o tendo feito, a decisão transitou em julgado, ou seja, tornou-se obrigatória dentro deste processo, não podendo já ser alterada, quer na primeira instância, quer em qualquer outra. Todos estamos obrigados a respeitar essa decisão; a respeitar a que foi tomada no despacho pré-saneador, porque aí é que foi decidido que a agravante e o agravado, sozinhos, não tinham legitimidade para a acção. 6.4. Assim, a agravante poderia ter recorrido do primeiro despacho, mas já não do segundo. Claro que a agravante também poderia recorrer deste, por exemplo, se se insurgisse contra a consequência que a Srª Juíza retirou da inactividade da agravante - se viesse defender que o agravado deveria ter sido absolvido do pedido ou, se o tivesse sido, que deveria ter sido da instância ou, ainda, se viesse defender uma outra consequência diferente da que foi decidida -; então, estaríamos perante uma decisão nova, ainda não tomada anteriormente, e, portanto, recorrível. 6.5. No despacho pré-saneador, a Srª Juíza não convidou a agravante a tomar determinado comportamento, tal como está previsto na alínea b), do nº 1, do artigo 508º do CPC, providenciou pelo suprimento de uma execepção, o que é diferente: naquele caso, a agravante, responderia ou não conforme entendesse, não podendo recorrer desse despacho, mas, também, não sofrendo consequências imediatas pela sua não aceitação; neste caso, podendo - e devendo - recorrer do juízo de necessidade de fazer intervir outras pessoas no processo, visto que ele resulta de um outro juízo - o da ilegitimidade da autora e réu -, o qual foi explicitamente afirmado e, ainda, justificado. A ilegitimidade estava já decidida e a consequência anunciada; no saneador, foi só tirá-la. Não faria nenhum sentido deixar em “tempo morto” o despacho pré-saneador. Este despacho fez um juízo sobre a legitimidade das partes, tendo-se tirado a conclusão de que a agravante deveria fazer intervir no processo outras pessoas - actos estes que decorrem de um poder vinculado, o de o juiz se pronunciar pelo suprimento de uma excepção [7] -; não se poderia admitir que o notificado ficasse inactivo, deixando correr o processo e, mais tarde, face a outra decisão - embora consequência da anterior -, viesse, então, pôr em crise o que já estava para trás. 6.6. É um equívoco pensar que é do despacho que retira a consequência que se recorre, por ser esse que toma a decisão que sanciona a parte. Para além do que já se disse, acrescentaremos que a situação não é nova. Já na versão anterior do Código de Processo Civil se defendeu esta mesma posição quando o juiz, após a apresentação da petição inicial, convidava a parte a regularizá-la; se esta não o fazia «a consequência é o não recebimento da petição» [8]; cá está, uma decisão tomada em dois tempos: no primeiro formula-se o juízo, no segundo retira-se a consequência. Notificada a aparte para tomar determinada iniciativa, por falta de requisitos legais da petição inicial, «se se abstém, é claro que passa a funcionar a cominação estabelecida no despacho» [9]. Conforme ensina o Prof. Alberto dos Reis, «tanto faz dizer: “não recebo a petição, salvo se o autor, ..., indicar o valor”, como dizer - “convido o autor a indicar o valor ...; se não fizer a indicação, considero não recebida a petição» [10]. Claro que se pode dizer que a Reforma processual optou pela posição contrária, de acordo com o nº 6 do artigo 508º: «Não cabe recurso do despacho que convide a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados». Mas, essa opção não foi estendida ao poder de se providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias e o raciocínio do Prof. Alberto dos Reis é aplicável a esta situação. III – Decisão. Nestes termos, nega-se provimento ao agravo. Custas pela recorrente.
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