Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
818/01.7 TAFIG
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
LEGITIMIDADE
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 11/29/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º, 21º,23º,29º DO D.L. 522/85-31/12D
Sumário: 1. O conceito de responsável civil, para efeitos do artº 29º, nº6 do D.L. 522/85, de 31/12, não se confunde nem se restringe ao proprietário, enquanto obrigado primacial ao seguro. Sendo certo que o artº 2º do diploma especifica que esse dever recai sobre o proprietário do veículo, não é menos verdade que o nº2 do mesmo preceito admite outras pessoas, que não o proprietário, como tomadores de seguro. Essas pessoas serão, justamente, aquelas que podem vir a ser civilmente responsabilizadas, seja porque conduziam o veículo, seja porque comitentes do condutor, e, de acordo com o artº 1º do D.L. 522/85, de 31/12, também sobre elas recai o dever de assegurarem que o veículo circulava.
2. Existindo vários responsáveis civis, nem todos demandados nos vários pedidos deduzidos contra o Fundo de Garantia Automóvel, não terão todos de acompanhar esse Fundo para assegurar a sua legitimidade passiva.
3. A norma do artº 29º, nº6 do D.L. 522/85, de 31/12, está claramente ordenada a corresponder à posição de garante conferida ao Fundo de Garantia Automóvel e à sub-rogação que lhe assiste sobre o responsável civil
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
[1] No processo comum com o nº 818/01.7 TAFIG do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, foi o arguido A.. condenado como autor material de dois crimes de ofensas à integridade física, por negligência, p. e p. pelo nº1 do artº 148º do CP, nas penas de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de €4,00 (quatro euros), e, em cúmulo jurídico, na pena única de 130 (cento e trinta) dias de multa, à razão diária de €4,00 (quatro euros), perfazendo o montante global de €520,00 (quinhentos e vinte euros).
Decidiu-se, ainda, agora na vertente cível:
- Julgar verificada a excepção de ilegitimidade passiva do arguido A.. no que concerne aos pedidos de reembolso contra ele formulados pelo Centro Hospitalar de Coimbra e pelo Hospital Distrital da Figueira da Foz e absolveu esse arguido da instância;
- Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva do Fundo de Garantia Automóvel e demandado B..., no que concerne aos pedidos de indemnização e de reembolso contra aqueles formulados;
- Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e de indemnização civil formulados por todos os demandantes contra a demandada companhia de seguros Açoreana e absolveu esta seguradora de todos os pedidos;
- Julgar procedente o pedido subsidiário de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social e condenou solidariamente os demandados Fundo de Garantia Automóvel, C..., B... e A.. a pagarem àquele Instituto a quantia de € 2.580,55 (dois mil, quinhentos e oitenta euros e cinquenta e cinco cêntimos);
- Julgar procedente o pedido subsidiário de indemnização civil formulado pela demandante D... e condenou o Fundo de Garantia Automóvel, B... e A.. a pagarem a esta a quantia global, relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais, de €38.268,90 (trinta e oito mil, duzentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos);
- Julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário de indemnização civil formulado pelo demandante E...e condenou o Fundo de Garantia Automóvel, C..., B... e A.. a pagarem ao demandante a quantia global, relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais, de € 47.381,07, a que acrescem as importâncias que o demandante venha despender com futuros tratamentos médicos e/ou cirúrgicos, médicos e medicamentosos, que se julguem necessários à manutenção ou reabilitação do demandante e directamente relacionados com o acidente em questão, cuja liquidação foi relegada para posterior incidente.
[2] Inconformados, o demandante civil E... e o demandado Fundo de Garantia Automóvel interpuseram recurso.
[3] O demandante civil E... extraiu das suas motivações as seguintes conclusões[ Transcrição.]:
I. O arguido A.. foi condenado como autor material de dois crimes de ofensas à integridade física por negligência, previstos e puníveis pelo n°1 do art.148° do Código Penal.
II. Assente os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, o tribunal recorrido julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por E... , condenando o Fundo de Garantia Automóvel, C..., B... e A.., a pagarem ao demandante a quantia global, relativa a danos patrimoniais e não patrimoniais, de €47.381,07 (514,74 (danos directos) + 1.866,33 (lucro cessante) + 20.000,00 (danos futuros) + 25.000,00 (danos não patrimoniais), acrescida das importâncias que o demandante venha a despender com futuros tratamentos médicos e/ou cirúrgicos, médicos e medicamentosos, que se julguem necessários à manutenção ou reabilitação do demandante e directamente relacionados com o acidente em questão (alínea h) da douta decisão recorrida).
III. O presente recurso é ainda motivado pela discordância do demandante relativamente aos montantes indemnizatórios fixados por lucros cessantes e danos futuros, que considera escassos e muito aquém dos realmente devidos.
IV. O demandante exercia a actividade de pedreiro da construção civil, trabalhava à hora, por conta própria e não exercia qualquer outra actividade profissional.
V. Auferia mensalmente quantia não inferior a €777,92, à data do acidente, ou se assim não se entender, e face aos rendimentos declarados em sede de I.R.S. reportados ao ano de 2000, nunca o rendimento é inferior a €415,04, por mês.
VI. Os factos dados como provados na sentença recorrida conjugados com as regras de experiência comum conduzem a um resultado diferente do decidido, existindo, na perspectiva do recorrente, erro notório na apreciação da prova.
VII. O período de capacidade temporária absoluta corresponde a 832 dias (817 dias mais 15 dias de previsível internamento futuro), porque tal deverá compreender o tempo que dista entre a data do acidente (08.05.2001) e a da concessão de alta definitiva (05.08.2003 - ponto 60. dos factos provados), e não à data da consolidação médico-legal das lesões (18.02.2002).
VIII. Pelo que o quantum indemnizatório correspondente à incapacidade temporária absoluta para o trabalho habitual será de €18.991,17, ou pelo menos, sem prescindir, se assim não se entender, de €8.928,51.
IX. Em consequência do acidente o demandante ficou impedido de realizar tarefas imprescindíveis ao exercício da actividade de pedreiro, ou outra actividade compatível com os seus conhecimentos, pelo que o mesmo sofre de uma incapacidade permanente de 100% para a sua actividade profissional.
X. Para a determinação da incapacidade do demandante relevou apenas o relatório da perícia médico-legal, que fixou ao demandante uma I.P.P. de 30% (25% incapacidade permanente parcial, em especial resultante das dores na coxa esquerda, da dificuldade da marcha com claudicação, ao encurtamento do membro inferior esquerdo, à atrofia muscular da coxa esquerda, à limitação da mobilidade da anca esquerda, à rigidez do punho esquerdo nos quatro movimentos, acrescida de 5% a titulo de dano futuro, para o trabalho em geral), com compatibilidade para o exercício da profissão de pedreiro, embora com esforços suplementares - pontos 72., 73. e 74 dos factos provados.
XI. Decidiu o tribunal recorrido julgar adequada a compensação devida ao demandante por danos futuros em €20.000,00, através da aplicação de uma fórmula matemática (14 meses x 14 anos x €355,75 x 30%), e considerando que as lesões sofridas são compatíveis com a actividade profissional do demandante, com esforços suplementares.
XII. Contudo, o relatório médico-legal será um entre outros elementos a apreciar livremente pelo tribunal, porque embora corresponda a apreciações técnicas, estas por mais qualificadas que sejam, estão sujeitas à livre apreciação do tribunal.
XIII. O tribunal deve socorrer-se de um juízo de equidade na determinação dos danos futuros, pela conjugação de todos os factos dados como provados -designadamente a de que as tarefas inerentes ao exercício da profissão de pedreiro não se coadunam com a insegurança no andar por instabilidade da marcha e as dificuldades em estar algum tempo de pé - e a I.P.P. fixada pela perícia.
XIV. O dano fisiológico e o dano funcional ou biológico não são directamente proporcionais, pelo que a utilização de quaisquer operações aritméticas, deverá ser meramente adjuvante no cálculo indemnizatório, em decorrência do disposto no art.566°, n°3, do C.C..
XV. A indemnização por danos futuros decorrentes de Incapacidade Parcial Permanente deve ser avaliada como dano patrimonial e corresponder a um capital produtor de rendimento que o lesado deixará de receber, e que se extinguirá no final do tempo provável da sua vida (70 anos).
XVI. A equidade funciona como elemento corrector do resultado que se atinja com base nos factos provados e resultantes da experiência comum, eventualmente trabalhados com recurso a operações aritméticas, tendo em conta a evolução normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso concreto, e por isso, sem prescindir do peticionado, poder-se-á considerar justa e equitativa uma indemnização, por danos futuros, nunca inferior a €90.000,00.
XVII. O demandante pediu a condenação dos demandados no pagamento de juros legais moratórios contados a partir da citação.
XVIII. A decisão condenatória é omissa quanto a juros (alínea h ) da decisão).
XIX. No caso dos autos, tanto a indemnização fixada a titulo de danos patrimoniais como a resultante de danos não patrimoniais não foram actualizadas pelo Meretissimo Juiz a quo, nos termos do disposto no art.566°, n°2, do Código Civil.
XX. Os juros sobre as quantias indemnizatórias, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, são sempre devidos desde a data de citação/notificação do pedido cível aos demandados, só assim não se entendendo se no momento da prolação da sentença tais valores tivessem de alguma forma sido corrigidos (Ac. Uniformizador de Jurisprudência n°4 /2002, de 09.05, publicado na I série do D.R., de 27.06.2002).
XXI. A condenação do Fundo de Garantia Automóvel e dos demais demandados civis é solidária.
XXII. A douta sentença recorrida é nula nos termos do art.379°, n°1, al.c), do Código de Processo Penal, com violação no disposto nos arts.566°, n°2, 805°, n°3 e 806, n°1, todos do Código Civil, e nos arts.21°, n°1, e 23°, do Dec-Lei n° 522/85, de 31.12.
Termina pedindo que a sentença seja substituída por acórdão que condene os responsáveis civis solidariamente a pagar ao demandante as quantias indicadas na petição inicial a título de incapacidade temporária absoluta e de incapacidade futura, ou subsidiariamente em conformidade com o que a pretensão formulada no recurso ou ainda em valor que se achar mais justo e equitativo, sempre acrecendo de juros legais moratórios, até efectivo e integral pagamento, contados a partir da data da citação dos demandados, mantendo-se em tudo o mais o decidido em primeira instância.
[4] Por seu turno, o demandado Fundo de Garantia Automóvel conformou a síntese conclusiva da seguinte forma [ Transcrição.]:
1) No caso concreto não se chegou a apurar qual o proprietário do veículo sem seguro.
2) Relativamente ao mesmo apenas se apurou qual o seu condutor, e quem tinha incumbido o mesmo de efectuar o transporte de trabalhadores.
3) Assim, bastou-se a douta sentença com a condenação do FGA juntamente com o condutor, e, de acordo com os comitentes demandados, também com a condenação destes,
4) O que resultou numa condenação desigual no que diz respeito à figura dos demandados, podendo assim acompanhar o FGA e o arguido, um ou vários comitentes consoante o número dos demandados em cada pedido de indemnização civil.
5) No entanto, a figura do comitente não pode ser confundida com a do sujeito obrigado a segurar,
6) Até porque os comitentes podem estar a utilizar um veículo emprestado pelo seu proprietário, e como tal sob a direcção efectiva e interesse deste último.
7) Assim, na condenação em causa o FGA encontra-se desacompanhado do "responsável civil" enquanto responsável pela obrigação de segurar não cumprida.
8) Ora, o obrigado à celebração do seguro deve ser demandado obrigatoriamente com o FGA, juntamente com o condutor (responsável civil pelo acto danoso e culposo), como se extrai das disposições dos arts. 25° n°3 e 29° n°6 do Dec-Lei 522/85 de 31/12, sob pena de ilegitimidade.
9) Pelo que, não poderá o FGA ser condenado desacompanhado do obrigado ao seguro, sob pena de ilegitimidade.
10) Resultou do acidente em causa para o Demandante F.. a fractura do acetábulo esquerdo, fractura da diáfise femural esquerda, fractura do rádio tipo Colles no punho e contusões várias.
11) Para além das demais consequências físicas e psíquicas supra descritas, resultou ainda uma i.p.p. de 30%.
12) Atenta a idade do Demandante à data do acidente, e tendo em conta os valores atribuídos jurisprudencialmente a casos semelhantes, deveria o valor ser reduzido para a quantia de Euros: 15.000.
13) Como refere o acórdão de uniformização de jurisprudência do STJ AUJ n°4/02 publicado no Diário da República n°146, 1 a série-A, quando a decisão é actualizadora, é a partir da data da prolação desta que são contados os juros de mora e não a contar da data da citação.
14) No entanto tal acórdão não impõe sobre o julgador a obrigação de fazer constar se actualizou ou não os montantes em que condenou.
15) No caso concreto, a presente sentença nada refere quanto ao facto de ser ou não actualizadora.
16) Assim, quando a sentença da 1a instância é silente, dever-se-á entender que actualizou.
17) Tal entendimento provém do facto de o julgador estar sujeito ao disposto no art° 566° n°2 do Código Civil que o obriga a, utilizando a teoria da diferença, procurar a data mais aproximada do dia em que profere a sentença para efectuar o cálculo da indemnização.
18) Assim, e por princípio, a indemnização proferida é actualizadora, mesmo que nada diga quanto a tal.
19) Pelo que, por aplicação do acórdão de fixação de jurisprudência a uma sentença actualizada, deverá contar-se o termo inicial da contagem dos juros sobre danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros da data da prolação da sentença e não da citação, o que se requer no presente caso.
20) A sentença em causa violou, entre outros, o disposto nos n° 6 do art° 29° e n°3 do art° 25° do Dec-Lei 522/85 de 31/12, ainda o disposto nos n°2 e 3 do art° 566° do Código Civil.

[5] O demandante B... respondeu ao recurso apresentado pelo demandante Fundo de Garantia Automóvel, dizendo, em síntese, que não se apurou no decurso da audiência de julgamento quem era o proprietário da viatura ligeira de mercadorias nº RS-60-32 interveniente no acidente. Apenas se provou que era conduzida pelo arguido A.., pelo que deverá ser alterada a decisão recorrida na parte em que o condena no pagamento solidário da indemnização, pois não era o proprietário do RS-60-32, não detinha a sua direcção efectiva, nem era entidade patronal do arguido.
[6] Por seu turno, o Instituto da Segurança Social / Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra apresentou resposta ao recurso apresentado pelo demandante Fundo de Garantia Automóvel, na qual deixou as seguintes conclusões [ Transcrição.]:
1.ª Dispõe o n.° 6 do art. 29.° do Dec-Lei 522/85 que "As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade."
2.ª Normalmente, o "civilmente responsável" a que este preceito legal se refere corresponde ao proprietário do veículo causador do acidente, pois normalmente o condutor do veículo coincide com o seu proprietário (veja-se o acórdão da Relação de Lisboa citado pelo Apelante) ou é utilizado no interesse deste (veja-se o acórdão da Relação do Porto citado pelo Apelante).
3.ª Todavia, nem sempre o obrigado ao seguro, proprietário do veículo, é o responsável civil pelo acidente.
4.ª Considerou o M.mo Juiz a quo responsáveis pelo acidente: o arguido com base na responsabilidade civil por factos ilícitos (art. 483.° do CC) e B... (embora tal não conste da matéria de facto provada) e C..., por força do n.° 1 do art. 500.° do CC – responsabilidade dos comitentes, independentemente de culpa.
5.ª Assim, tendo em consideração que ficou provado que o veículo foi utilizado no interesse do B... e do C..., apenas existia interesse em fazer intervir o proprietário do veículo, a quem incumbia a obrigação de segurar (caso não fosse algum dos demandados) para efectivação da faculdade de sub-rogação que é reconhecida ao FGA pelo art. 25.° do Dec-Lei 522/85.
6.ª Ora, quem tem interesse em fazê-lo intervir, dado ficar subrogado nos direitos do lesado, é o FGA e não o lesado ou o interveniente principal que deduziu o pedido de reembolso ao abrigo do DL n.° 59/89, de 22 de Fevereiro, pelo subsídio de doença que assegurou provisoriamente.

[7] Colhidos os vistos, procedeu-se a audiência.

II. Fundamentação
2.1. Âmbito do recurso
2.1.1. Do recurso do demandante E..
[8] É pacífica a doutrina e jurisprudência [ Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso [ Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.].
[9] O objecto do recurso interposto pelo demandante F.. envolve a apreciação da evocada nulidade da sentença, nos termos do artº 379º, nº1, al. c) do CPP, por omissão de pronúncia, quanto a juros moratórios e condenação solidária; da pretendida modificação dos factos provados com os nºs 64, 72 e 74; da presença de vícios na decisão, mormente aquele contemplado no artº 410º, nº2, al. c) do CPP; do montante de indemnização por perda de rendimentos; do montante da indemnização por danos futuros; e, finalmente, do regime de responsabilidade pela indemnização.
2.1.2. Do recurso do demandado Fundo de Garantia Automóvel
[10] Por seu turno, o recurso interposto pelo demandante Fundo de Garantia Automóvel coloca a questão da sua ilegitimidade; do montante da indemnização por danos futuros; e da contagem de juros moratórios.

2.2. Nulidade da sentença
[11] Por razões metodológicas, face aos respectivos efeitos, a primeira questão a conhecer corresponde à evocada nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
[12] Como decorre das conclusões XVII a XXII, entende o demandante F.. que a sentenção não conheceu do seu pedido de condenação dos demandados em juros moratórios desde a citação, nem do pedido de condenação solidária, o que, considera, constitui fundamento de nulidade da sentença, por aplicação do disposto no artº 379º, nº1, al. c) do CPP. Refere ainda, em sustento dessa posição, que os montantes indemnizatórios fixados não foram actualizados nos termos do artº 566º, nº2 do CC.
Por seu turno, também o demandado Fundo de Garantia Automóvel alude à questão da fixação de juros no seu recurso, dizendo que, apesar de nada se dizer na sentença, deve entender-se que a decisão levou em conta a actualização dos valores.
Vejamos.
[13] Nos termos do artº 379º, nº1, al. c) do CPC, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
[14] Compulsada a sentença recorrida, verifica-se que, ao contrário do entendido por aqueles sujeitos processuais, o pedido de condenação em juros moratórios formulado pelo demandante F.. foi objecto de apreciação e decisão. Lê-se a fls. 1449 (linhas 3 a 5): “Em conclusão, é devida indemnização ao demandante no montante global de €47.381,07 (€514,74+ €1.866,33+€20,000+€25.000) à qual acrescem juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil”. Da leitura desse segmento resulta evidente que a pretenção de condenação em juros moratórios foi apreciada e considerada procedente nessa parte. Aliás, o mesmo acontece relativamente ao pedido formulado por D... (cfr. fls. 1451, infra).
[15] Acontece, porém, que na parte dispositiva não se reflectiu essas decisões, pois nem na al. h) - relativa ao pedido do demandante F.. - nem na al. g) - relativa ao pedido relativo a D... - vem referida a decisão quanto a juros.
Então, deve considerar a situação como de simples lapso, gerador de obscuridade, como decorre da forma distinta como foi lida a decisão. Lapso esse que cumpre ultrapassar, através da possibilidade de correcção constante do artº 380º, nºs. 1 al. b)e 2 do CPP, sem qualquer modificação essencial, na medida em que o pensamento do tribunal a quo resulta nítido no segmento supra referido [ Ac. do STJ de 1/06/2000, sumários do STJ, nº42, 60.].
[16] Passemos agora à vertente da questão relativa ao regime de responsabilidade.
Porém, Como se vê da conjugação do último período do corpo das motivações e da conclusão XXI, o recorrente F.. inscreve no âmbito da evocação de nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, divergência quanto à circunstância de ter sido proferida condenação conjunta dos demandados e não, como entende, em solidariedade.
Então, e de forma patente, não existe omissão de pronúncia nessa vertente do objecto do processo. Apenas discordância.
[17] Pelo exposto, cumpre concluir pela inverificação dos fundamentos de nulidade de sentença invocados pelo recorrente F...

2.3. Factos pertinentes ao recurso
[18] Entremos agora nas demais questões, começando por enunciar a decisão proferida pelo tribunal a quo relativa aos factos provados [ Transcrição.]:
A) Da Acusação Pública
1. No dia 08.05.2001, ao final da tarde, o arguido, a pedido de C..., foi buscar uns trabalhadores que andavam também por conta deste, na Serra da Boa Viagem;
2. Para tal, o arguido conduziu o veículo ligeiro misto, de matrícula RS-60-32;
3. Para além do condutor, aquando do regresso, contavam-se outros cinco homens, entre os quais G... e E... , seguindo este último no banco de trás;
4. O regresso ocorreu a hora concretamente não apurada, mas por volta das 19h45m;
5. No decurso desse regresso, o arguido circulou pela Rua Comandante Acácio Ribeiro, sita na Serra da Boa Viagem, Figueira da Foz, atento o sentido de marcha Norte – Sul (Serra da Boa Viagem – Figueira da Foz);
6. O alcatrão daquela rua estava, nessa altura, muito polido e encontrava-se escorregadio e molhado, em virtude da chuva que caía;
7. O arguido imprimia à viatura a velocidade de cerca de 50 kms/hora;
8. Em determinado ponto aquela rua descreve uma curva e contra-curva com inclinação;
9. A certo momento, porque não adequou a velocidade que imprimia à viatura às condições do piso e às características do local, o arguido perdeu o controlo daquele veículo;
10. Já em descontrolo, havendo guinado para a esquerda, a viatura entrou em derrapagem e invadiu a hemi-faixa contrária;
11. Vindo a embater no ciclomotor de matrícula 3-FIG-50-38, tripulado por D..., que circulava no sentido oposto, Sul – Norte (Buarcos – Serra da Boa Viagem);
12. Ainda desgovernada, a viatura comandada pelo arguido prosseguiu de encontro a um muro de protecção existente junto da berma da estrada, acabando por resvalar e provocar estragos nesse muro, numa extensão de cerca de 12 metros;
13. O ciclomotor e a sua condutora, D..., por força do embate, foram projectados até uma distância de 14 metros do local do embate;
14. T..., por seu turno, ficou encarcerado nas chapas do veículo ligeiro misto, contra o muro;
15. Naquele local a via tem uma largura de 6,70 metros;
16. Em consequência destes factos, sofreu D..., além do mais infra referido, traumatismo crânio-encefálico, fractura distal do rádio direito, lesão do plexo braquial esquerdo e as fracturas do 4° e 5° arcos costais esquerdos;
17. Também em consequência destes factos, E...sofreu, além do mais infra referido, rigidez global do punho esquerdo, encurtamento de 2 cm do membro inferior esquerdo e limitação da rotação interna da coxo­femural esquerda;
18. O arguido agiu de forma livre;
19. O arguido era capaz de conformar a condução de acordo com o estado e as características da via no local, supostas também as condições climatéricas;
20. O arguido poderia ter previsto que, ao não conformar a condução, em especial a velocidade de que animava o veículo, àquelas características do local e às existentes condições climatéricas, daí poderiam advir os resultados atrás descritos;
21. Todavia, o arguido não previu aqueles resultados, assim dando causa à produção dos factos de que advieram as descritas lesões para D... e T...;
22. O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

B) Do Pedido De Reembolso Formulado Pelo Centro Hospitalar De Coimbra
23. D... deu entrada no Centro Hospitalar de Coimbra no dia 09.05.2001;
24. Aí recebeu tratamento no serviço de urgência;
25. Ficou internada naquele Centro Hospitalar entre 09.05.2001 e 11.05.2001;
26. A assistência que lhe foi prestada resultou dos ferimentos apresentados em consequência do descrito acidente;
27. A assistência que lhe foi prestada orça em € 2.705,95;

C) Do Pedido De Indemnização Deduzido Por D...
28. À data do acidente D... trabalhava por conta da Junta de Freguesia de Quiaios;
29. Auferia a quantia mensal de 63.800$00, acrescida de subsídio de refeição, no valor de 13.650$00 e da quantia de 15.000$00, pelo trabalho extraordinário de abrir e encerrar os portões do cemitério da Serra da Boa Viagem;
30. Com efeitos a partir de Dezembro de 2001, passou a prestação mensal de € 78,31, paga pela Segurança Social, a título de rendimento mínimo garantido;
31. Em consequência do acidente deixou de poder juntar os dedos da mão esquerda, não podendo, com esta, descascar batatas ou pegar em dinheiro ou na vassoura para limpar, estando incapaz de fazer força ou de levantar o braço;
32. Sofreu limitação funcional do membro superior esquerdo com sinais aparentes de espasticidade e limitação da mobilidade do punho direito;
33. Sofreu um período de incapacidade temporária geral fixável em 7 dias, entre 08.05.2001 e 14.05.2001;
34. Sofreu um período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 179 dias, entre 14.05.2001 e 09.11.2001;
35. Entre 08.05.2001 e 09.11.2001 esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional, sofrendo, pois, um período de 186 dias de incapacidade temporária profissional total;
36. As lesões resultantes do acidente determinaram-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 35%, em especial resultante das dificuldades na mobilização da mão esquerda, das dores no punho direito, das dores cervicais e limitação de mobilidade do ombro esquerdo, da amiotrofia grave das eminências tenar e hipotenar da mão esquerda, da hipostesia álgica da palma da mão esquerda, da limitação da elevação do membro superior esquerdo;
37. As referidas lesões que lhe advieram do acidente permitem-lhe realizar a sua actividade profissional habitual, mas exigem esforços suplementares;
38. Sofreu dores consideráveis no momento do acidente e posteriormente, as quais, numa escala de sete graus de gravidade crescente, são fixáveis no ponto 5;
39. Sofreu moderado dano estético, fixável no ponto 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
40. Não está habilitada ao exercício de qualquer outra profissão, além das actividades de limpeza a que se dedicava;
41. Nasceu em 05.07.1951 e era pessoa trabalhadora e saudável;
42. Em razão do acidente, sente-se infeliz e angustiada quanto ao seu futuro, já que sobrevive por auxílio de uma sua filha;

D) Do Pedido De Indemnização Deduzido Por T...
43. Na sequência do descrito acidente, E... deu entrada politraumatizado no Hospital Distrital da Figueira da Foz;
44. Aí foi submetido a tratamentos vários com intervenção cirúrgica;
45. Nessa ocasião, em consequência do acidente, apresentava fractura do acetábulo esquerdo, fractura da diáfise femural esquerda, fractura do rádio tipo Colles no punho esquerdo e contusões várias;
46. Em razão do descrito acidente, sofreu imobilização gessada e, no dia 17.05.2001, foi operado para encavilhamento do fémur;
47. Passou a consulta externa a partir de 09.07.2001, para controlo clínico e radiológico;
48. A cirurgia teve lugar ao nível do fémur esquerdo, onde foi necessário proceder ao implante de uma prótese, e do rebordo acetular, da qual resultou uma cicatriz com cerca de 15 centímetros, que, actualmente tem cerca de 6 cm;
49. Esteve internado por um período de 22 dias, entre 08.05.2001 e 30.05.2001, data em que recebeu alta hospitalar, período este de incapacidade temporária geral total;
50. A este período de incapacidade temporária geral total acrescerão, previsivelmente, 8 dias de incapacidade para futuro internamento para extracção de material do fémur esquerdo;
51. Após alta hospitalar permaneceu cerca de dois meses imobilizado no seu leito, durante os quais esteve dependente da ajuda de terceiros para satisfazer as suas necessidades, alimentar-se, tomar banho e só se pôde deslocar em cadeira de rodas;
52. No dia 09.07.2001 iniciou sessões diárias de fisoterapia, acompanhadas das respectivas consultas externas no Hospital Distrital da Figueira da Foz;
53. Em virtude dos mencionados factos, despendeu a quantia de € 382,63 em taxas moderadoras;
54. E gastou a quantia de €71,01 em deslocações de ambulância da sua residência ao Hospital;
55. E desembolsou a quantia de € 61, 10 em despesas medicamentosas;
56. Porque não podia sustentar as deslocações em ambulância, passou a ser transportado no veículo da sua filha ou de outros familiares para as consultas e para a fisioterapia, tudo no Hospital Distrital da Figueira da Foz;
57. Deslocou-se cerca de 100 vezes àquele Hospital;
58. As lesões que sofreu mostravam-se, em termos médico-legais, consolidadas por referência à data de 18.02.2002;
59. Em 8 de Janeiro de 2003 ainda apresentava queixas dolorosas, em razão do acidente dos autos;
60. Obteve alta na consulta externa de ortopedia em 05.08.2003;
61. Em 16.06.2003, sempre em virtude do dito acidente, mantinha queixas de dores ao nível do punho esquerdo e da bacia, tinha dificuldades na mobilização do punho, apresentava marcha claudicante à esquerda, devido ao encurtamento de 2 cm e rigidez da coxa femural esquerda à rotação interna;
62. Sofreu um período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 263 dias, entre 31.05.2001 e 18.02.2002;
63. A este período acrescerão, previsivelmente, 7 dias de pós-operatório para futura extracção de material do fémur esquerdo;
64. O acidente determinou-lhe um período de incapacidade temporária profissional total de 285 dias, entre 08.05.2001 e 18.02.2002;
65. A este período acrescerão, previsivelmente, 15 dias de futuro período de internamento e pós-operatório para extracção de material do fémur esquerdo;
66. E... nasceu em 15.07.1949, contando, pois, com 51 anos à data do acidente;
67. Era pessoa saudável, sem qualquer limitação física;
68. Dotado de grande alegria de viver e de boa disposição;
69. Era um trabalhador responsável, esforçado, pontual e assíduo;
70. Exercia a actividade de pedreiro da construção civil;
71. Auferia, à data do acidente, o rendimento mensal de 71.321$43;
72. As lesões resultantes do acidente determinaram-lhe uma incapacidade permanente geral fixável em 25%, em especial resultante das dores na coxa esquerda, da dificuldade na marcha com claudicação, ao encurtamento do membro inferior esquerdo, à atrofia muscular da coxa esquerda, à limitação da mobilidade da anca esquerda, à rigidez do punho esquerdo nos 4 movimentos;
73. A esta incapacidade acresce, a título de dano futuro, a incapacidade de 5%;
74. As referidas lesões que lhe advieram do acidente permitem-lhe realizar a sua actividade profissional habitual, mas exigem esforços suplementares;
75. Sente insegurança a andar, pois tem instabilidade de marcha;
76. Sente dificuldades em sentar-se, ou em estar algum tempo de pé, sobre a perna esquerda;
77. Sofreu dores consideráveis no momento do acidente e diariamente nas sessões de fisioterapia sofreu dores intensas e prolongadas, as quais, numa escala de sete graus de gravidade crescente, são fixáveis no ponto 5;
78. Sofreu moderado dano estético, fixável no ponto 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
79. Sentiu e sente angústia e ansiedade pela situação em que se encontra com perda de locomoção e de autonomia;
80. Sente incertezas quanto à sua reabilitação futura;
81. Sente-se, ainda hoje, triste e complexado, com sentimentos de inferioridade;
82. Em razão do acidente tornou-se introvertido e pessimista, tendo perdido grande parte da anterior alegria de viver;
83. O veículo conduzido pelo arguido era-o com autorização e conhecimento de B..., que usava aquele veículo no seu próprio interesse por intermédio do arguido;

E) Do Pedido De Reembolso Formulado Pelo Hospital Distrital Da Figueira Da Foz
84. Em razão do descrito acidente, o Hospital Distrital da Figueira da Foz prestou assistência hospitalar a D...;
85. O custo dessa assistência orça em € 222,44;

F) Do Pedido De Reembolso De Prestações Implementado Pelo Instituto Da Segurança Social
86. Em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 08.05.2001,E... esteve de baixa médica no período compreendido entre 30.05.2001 e 12.06.2001 e no período compreendido entre 03.07.2001 e 01.08.2001;
87. Durante esse período foi-lhe atribuído o subsídio diário de € 7,07;
88. Foi-lhe, assim, processado e pago, pelo Instituto da Segurança Social, o montante total de € 2.580,55;

G) Das Contestações Apresentadas Pela Companhia De Seguros Açoreana
89. Através da apólice n°.406259, Auto Maiorca, H...transferiu, em 03.07.1998, a responsabilidade civil emergente de acidente de viação por danos causados a terceiros pelo veículo ligeiro misto particular de matrícula RS-60-32, de marca Toyota, para a companhia de seguros "O Trabalho";
90. Por carta datada de 08.02.2001, recebida pela companhia de seguros "O Trabalho em 09.02.2001, H...comunicou a esta seguradora que o dito veículo tinha sido vendido;
91. E solicitou que a apólice fosse temporariamente suspensa, até ser adquirida outra viatura;
92. Auto Maiorca de H...propôs à Companhia de Seguros "O Trabalho", no dia 25.06.2001, pelas 15 horas, que a apólice n°.406259 passasse a garantir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação por danos causados a terceiros pelo veículo ligeiro de matrícula 12­06-BR, de marca Peugeot;

H) Da Instrução Da Causa
93. O arguido é, actualmente, carpinteiro, trabalhando por conta de Ponte Foz, Tramelgo, actividade na qual aufere cerca de € 500 - € 600 mensais;
94. Vive com a sua esposa — que é doméstica — e dois filhos menores, de 11 anos e de 15 meses de idade, em casa que pertence aos seus sogros;
95. Não é proprietário de veículo automóvel nem de motociclo ou ciclomotor;
96. Contraiu um empréstimo para realizar o baptizado da sua filha, estando a pagar, a esse respeito, a prestação mensal de € 175;
97. Tem o 6° ano por habilitações literárias;
98. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais;


[19] Por seu turno, os factos não provados foram os seguintes:
Com interesse para a decisão da causa, nada mais resultou provado, não se provando, designadamente, que:

A) Da Acusação Pública
a) O veículo conduzido pelo arguido pertencesse a B...;
b) O veículo conduzido pelo arguido tenha capotado;

B) Do Pedido De Indemnização Formulado Por D...
c) D... auferisse o salário líquido mensal de 156.250$00;
d) A demandante tenha sofrido outras incapacidades que não as descritas na matéria de facto demonstrada;

C) Do Pedido De Indemnização Deduzido Por T...
e) E...pagasse a quantia de € 5 à sua filha ou aos seus familiares pela gasolina gasta com o seu transporte para consultas e fisioterapia no Hospital Distrital da Figueira da Foz;
f) O demandante tenha sofrido outras incapacidades que não as descritas na matéria de facto demonstrada;
g) Se o acidente não tivesse ocorrido poderia continuar a desempenhar a sua actividade de pedreiro pelo menos até aos 70 anos de idade;
h) O demandante auferia rendimento médio diário, não inferior a € 29,92, perfazendo cerca de € 777,92 por mês;

D) Das Contestações Apresentadas Pela Companhia De Seguros Açoreana
i) Com a carta remetida por H...tenha sido junta e devolvida a carta verde respeitante à viatura de matrícula RS-60-32.


[20] O Tribunal a quo motivou a decisão em matéria de facto, nos termos que se passam a indicar:
O Tribunal fundou a sua convicção ponderando, de forma crítica e conjugada a prova produzida em audiência, assim como aquela nesta susceptível de exame, o que tudo foi analisado à luz das regras da experiência comum.
Importa assinalar, aliás, que não se verificou qualquer divergência relevante entre os diversos meios de prova produzidos, que, entre si conjugados, ofereceram um encadeado lógico coerente e concorreram globalmente para se alcançarem os resultados espelhados na matéria de facto provada e não provada.
Assim, quanto à dinâmica do acidente consideraram-se, desde logo, as declarações do arguido, que foram prestadas de uma forma plausível, conforme com as regras da experiência e sem que se evidenciasse qualquer postura desculpabilizante.
Com efeito, o arguido relatou as circunstâncias de tempo e lugar do acidente; esclareceu a velocidade a que seguia – confirmando o que constava da acusação pública –; atestou o estado do piso e das condições climatéricas também por forma a corroborar o que estava descrito na acusação pública; referiu que o veículo estava em boas condições mecânicas, não sofrendo de qualquer vício nos mecanismos de travagem.
A respeito da dinâmica do acidente considerou-se, ainda, a participação de acidente de viação, de fts.11 a 13, cuja feitura foi confirmada pelo agente autuante, Daniel Gonçalves Dias.
I..., agente da PSP que se deslocou ao local, prestou, igualmente, um depoimento isento e concordante com o que se encontrava descrito na participação de acidente de viação. Em especial, não obstante o lapso de tempo entretanto decorrido, recordava-se do estado do piso e das condições climatéricas, do que deu conta de forma isenta.
G..., que seguia na viatura conduzida pelo arguido, também confirmou, em traços gerais, a dinâmica do acidente, tal corno aquela resultava das declarações prestadas pelo arguido, pelos agentes da PSP, e tal como estava descrita na participação de acidente de viação. Atestou, ainda, que o arguido conduzia a mando de C..., que era, à data do acidente, a entidade patronal de ambos. Referiu que, ao que julgava, existia, ainda, um outro sócio, que conhecia apenas pelo nome de António.
A assistente D... não tinha uma recordação precisa quanto ao acidente, apenas sabendo dizer que tinha sido projectada após embate do veículo conduzido pelo arguido.
O demandante E...confirmou a ocorrência do despiste, nos mesmos termos referidos pelo arguido, e relatou, de modo convincente, a operação de desencarceramento que teve lugar.
Quanto às consequências do acidente, em especial no que se refere aos danos sofridos pelos demandantes, relevaram-se, conjugadamente, os seguintes elementos probatórios:
A) Quanto ao demandante F..:
i. Relatório ortopédico do serviço de ortopedia do Hospital Distrital da
Figueira da Foz de fls.33 (datado de 13 de Dezembro de 2001), de fls.82 (datado de 15 de Abril de 2002) e de fls.106 (datado de 19 de Junho de 2002) (matéria de facto provada sob os pontos 43 a 47);
ii. Relatórios de perícia médico-legal de fls .115, fls..140 a 143, fls.1038 1040 e de fls.1073 a 1079;
iii. Os recibos relativos às quantias despendidas com taxas moderadoras, que constam de fls. 210 a 357;
iv. Os recibos relativos a transportes efectuados ao Hospital da Figueira da Foz constantes de fls.358 a 361;
v. Os recibos relativos a despesas de farmácia de fls. 362 ;
vi. A certidão de nascimento de fls.367;
vii. No que concerne aos rendimentos que auferia antes do acidente, ponderaram-se, fundamentalmente, as declarações de IRS relativas aos anos de 2000 e 2001 (fls. 777 a 785);
B) Quanto à demandante D...:
i. Os elementos clínicos def/s. 63 e 64, 83 a 86, 92 a 97;
ii. Os resultados do exame médico-legal defls.102 e 103, que logo refere um défice na mobilização dos dedos da mão esquerda, mais acentuado nos 4° e 5° dedos, impedindo-a de realizar movimentos finos, assim corno os relatório de perícia médico-legal de fls.1042 a 1045 e, em particular, de fls.1088 a 1093, (matéria de facto provada sob o ponto 31);
Os recibos de vencimento defls.186 e de fls.1349, referentes aos meses de Novembro de 2000 e Fevereiro de 2001, os quais, aliás, resultaram confirmados pela informação prestada pela Junta de Freguesia de Buarcos de fls.1262, e complementados pela informação da mesma Junta de fls.1375;
Ainda a respeito das consequências do acidente, ponderaram-se as declarações de ambos os demandantes e os depoimentos de U... e de V... a – ambos filhos da demandante D... –, deJ...– amiga da demandante D... e que a veio a substituir na Junta de Freguesia de Buarcos, no trabalho que aquela desempenhava –, K..., L..., M..., N..., O... e P... –todos amigos do demandante E..., sendo os dois últimos ainda ex-colegas de trabalho deste demandante – e de Q... –esposa do demandante F...
Todas estas testemunhas revelaram bem conhecer a situação actual dos demandantes e as dores que padeceram, tendo-os, designadamente, visitado no momento da doença, tendo-lhes, inclusive prestado assistência (caso de L...)
Todavia, face às relações de proximidade entre as vítimas e os depoentes e ponderando a apreciação necessariamente subjectiva e sem rigor científico, preteriram-se estes depoimentos em favor dos elementos clínicos e dos resultados constantes dos relatórios periciais juntos aos autos, quando aqueles testemunhos se revelaram conflituantes com estes elementos científicos.
Relevaram-se as facturas de fls. 165 e 166 – relativas à assistência prestada pelo Centro Hospitalar de Coimbra à demandante D... –, de fls.370 –relativos à assistência prestada à mesma demandante pelo Hospital Distrital da Figueira da Foz –, elementos estes que não foram postos em crise por qualquer outro meio de prova.
Considerou-se a certidão emanada do Instituto da Segurança Social (fls.424), no que concerne ao subsídio de doença que foi pago ao demandante T..., pagamento esse que resultou ainda confirmado pelos recibos juntos pelo demandante (fls.363 a 365).
No que respeita ao pedido de suspensão da apólice de seguro relevou-se o documento particular de Ils.435, o qual permite extrair a segura conclusão de que H...comunicou à companhia de seguros demandada a pretensão de ver suspensa a apólice do seguro, suspensão essa resultante do facto de o veículo ter sido vendido. Aliás, R..., funcionário da demandada, confirmou, de forma convincente, que nos registos informáticos daquela seguradora a apólice em questão se encontrava suspensa, em razão daquela comunicação. Por outro lado, sabendo-se que o veículo circulava a mando de C... e de B... – como confirmou o arguido e, ainda, G... –, sabendo-se, ainda, que na participação de acidente de viação foi inscrito o nome de B... corno proprietário do veículo, e ponderando os depoimentos dos agentes da PSP – a revelarem recordar-se da existência de nomes de diferentes pessoas inscritas como titular do veículo e como tomador do seguro, tudo milita no sentido da confirmação daquela comunicação, ou seja de que H...alienara já o veículo de que era proprietário.
Não foi, todavia, produzido qualquer meio de prova que permitisse concluir, com segurança, que a carta verde referente àquela apólice tinha sido remetida à seguradora demandada conjuntamente com a missiva onde era pedida a suspensão. Na verdade, R... não soube precisar se ocorreu, ou não, aquela devolução da carta verde. Por outro lado, conjugando os depoimentos dos agentes da PSP com o facto de ter sido inscrito o n°. de apólice na participação de acidente de viação, tudo concorre no sentido de supor que o veículo continuava a circular com carta verde, não obstante o pedido de suspensão da apólice. Ou, pelo menos, que esta carta verde se encontrava em poder de outras pessoas – C... e/ou B... – que não tomador do seguro – H...
Também não foi produzido qualquer meio de prova que permitisse concluir que o proprietário do veículo era B.... A este respeito, os autos apenas revelam que o seu nome constava na participação de acidente de viação nessa qualidade. Os agentes policiais não souberam, porém, esclarecer, face ao lapso de tempo decorrido, se, na participação de acidente de viação tinham mencionado B... como proprietário do veículo em virtude de declarações verbais prestadas por qualquer interveniente ou por consulta a qualquer documento, designadamente, ao título de registo de propriedade.
Aliás, como bem notou a seguradora demandada em alegações orais, nos autos não consta qualquer certidão de registo automóvel. Acresce que, sendo certo que o registo, não obstante obrigatório, é meramente enunciativo e não constitutivo e, por outro lado, que a alienação de veículo automóvel não está sujeita a forma especial, a verdade é que também não foi produzido qualquer meio de prova, designadamente testemunhal, que permitisse assegurar que o veículo fora alienado por H...a favor de B....
Todavia, de diversos depoimentos pode concluir-se com segurança que B... e C... eram sócios numa empresa irregularmente constituída dedicada à construção civil. Foi o que resultou claro do depoimento de U... , sogro de B..., que revelou ter tido conhecimento, pela sua filha, de que o seu genro era sócio de C...; assim como das declarações do arguido e de G... ("havia outro sócio de nome António"), P... ("depois o C...meteu outro sócio. Só o conhecia por Tó").
No que se refere ao salário auferido pelo demandante E... considerou-se, como se disse, essencialmente, as declarações de IRS relativas aos anos de 2000 e de 2001. É bem certo que o demandante e a sua esposa referiram que este auferia um salário superior. Todavia, é igualmente certo que ambos mencionaram que o demandante trabalhava sendo pago à hora e que tinha tido diversas entidades patronais.
Por outro lado, é bem evidente o interesse que ambos tinham em inflacionar o salário percebido por aquele, o qual, de resto, não esclareceram exactamente qual era. Assim sendo, ponderou-se a média resultante dos rendimentos declarados pelo demandante no ano de 2000 (998.500$00 / 14 meses), a qual se mostra de acordo com o que resulta dos 4 meses de trabalho (de Abril a Maio de 2001) prestados no ano de 2001 (1.606,13 /4).
Considerou-se, outrossim, a proposta de seguro subscrita por H...no sentido de que a apólice n°406.259 passasse a garantir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação por danos causados pelo veículo 12-06-BR (fls.436 a 439).
Tiveram-se por credíveis as declarações do arguido no que concerne à sua situação pessoal e económica.
Relevou-se o certificado de registo criminal do arguido junto aos autos (fls.530).


2.4.Apreciação

2.4.1. Do recurso interposto por F..

2.4.1.1. Da discordância quanto ao juízo de prova constante dos pontos 64, 71 e 74 dos factos provados

[21] Embora em termos poucos explícitos e fragmentários, verifica-se do recurso interposto por E... que pretende ver modificada a matéria de facto provada, a saber, os factos provados indicados com os nºs 64 (sofreu 285 dias de incapacidade temporária para o trabalho), 71 (rendimento mensal de €355,75), e 74 (as lesões que lhe advieram do acidente permitem-lhe realizar a sua actividade profissional habitual, mas exigem esforços suplementares).
[22] Nos termos do artº 428º, nº1 do CPP, as relações conhecem de facto e de direito. E, de acordo com o disposto no artº 431º do CPP, sem prejuízo dos vícios contemplados no artº 410º do mesmo código, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de prova; b) Se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artº 412º, nº3; ou c) Se tiver havido renovação da prova.
[23] A consideração que o demandante F.. não deu cumprimento às especificações constantes do artº 412º, nº3 do CPP e alude apenas a meios de prova documental – declarações de IRS e relatórios médico-legais – significa que a cognição deste tribunal de recurso relativamente aos factos encontra-se, pois, limitada aos elementos constantes do processo.
[24] Vejamos a questão do rendimento mensal do demandante.
Nos pontos 70 e 71 dos factos provados, deu-se como assente que o demandante F.. exercia a actividade de pedreiro da construção civil e que auferia, à data do acidente, o rendimento mensal de 71.321$43.
Como se referiu supra, o tribunal a quo explicitou as razões que levaram à fixação do rendimento mensal: dividiu-se o valor inscrito na declaração de IRS do ano de 2000 e dividiu-se por 14.
Considera o recorrente a utilização desse divisor foi incorrecta, na medida em que o demandante era trabalhador por conta própria, o que significa que só recebia rendimentos por 12 vezes, correspondentes aos meses do ano. Indica, então, como mais adequado o valor de €415,04 mensais.
Porém, pretende que seja fixado esse valor em €777,92, pois, entende, assim decorre do conhecimento geral relativo aos rendimentos da actividade de pedreiro.
[25] A fixação do montante da remuneração mensal do demandante constitui inequivocamente questão de facto, em que a sua afirmação carece de ser demonstrada por qualquer meio de prova admissível.
Ora, por estrito recurso aos meios de prova constantes do processo, não é possível afirmar qual o valor horário auferido pelo demandante nem quantas horas trabalhava por mês, decorrendo da experiência comum [ Como refere Castanheira Neves, o recurso à experiência comum significa a utilização de critérios generalizantes e tipificados de inferência factual, simples índices corrigíveis, que definem conexões de relevância, orientando caminhos de investigação e oferecendo probabilidades conclusivas, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, 4, Os Princípios Fundamentais de Processo Penal, p. 42 e segs.] que tais valores podem diferir de trabalhador para trabalhador.
Assim, a afirmação de que existe um valor salarial horário dos pedreiros “do conhecimento geral” é claramente insubsistente e contrária à experiência comum.
[26] Ausente fundamento para modificar a matéria de facto para o montante de €777,92, o que dizer do valor de €415,04 mensais?
Em primeiro lugar, mostra-se adequado, na falta de outros meios de prova fidedignos, recorrer às declarações de IRS. Por imperativo legal, os declarantes estão sujeitos ao dever de verdade e, nessa medida, merecem apreço reforçado, designadamente no confronto com outros meios de prova.
Mas, perante a declaração de fls. 777 e 778, verifica-se que são apenas declarados rendimentos oriundos da prestação de serviços, ou seja, que o demandante era trabalhador por conta própria e, então, inexistem elementos que permitam concluir que aufere subsídio de férias e/ou 13º mês. Logo, o divisor adequado corresponde ao número de meses em que são auferidos rendimentos, i.e. 12 meses.
Consequentemente, e sem necessidade de mais considerações, mostra-se justificado modificar a decisão de facto relativamente ao valor do rendimento mensal (facto nº71), de forma a consignar que o demandante F.. auferia mensalmente o montante de 83.208$33 (998.500$00/12), equivalente a €415,04.
[27] Prosseguindo, pretende o recorrente que o período de “incapacidade temporária absoluta” deve situar-se entre 832 dias, por abranger o período de tempo que dista entre a data do acidente (08.05.2001) e a concessão da alta definitiva (05.08.2001) e não apenas até à data da consolidação médico-legal das lesões (18.02.2007). Afirma que esteve “totalmente incapacitado de exercer a sua actividade pedreiro da construção civil” até à data da alta.
Ao invés, indicou a decisão recorrida que o demandante sofreu 285 dias de incapacidade temporária para o trabalho.
[28] Os meios de prova a ponderar resultam dos relatórios médico legais produzidos pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, Gabinete Médico-Legal da Figueira da Foz, especialmente daquele constante de fls. 1073 a 1078, por ser aquele mais recente.
Trata-se de prova de valor reforçado, na medida em que o artº 163º nº1 do CPP estabelece que o juízo técnico, científico ou artistico inerente à prova pericial presume-se substraído à livre apreciação do tribunal. E, nos termos do nº2 do mesmo preceito, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer, deve fundamentar a divergência, no que constitui especial exigência face ao disposto no artº 374º, nº2 do CPP.
[29] Tomando a realidade incapacidade temporária para o trabalho, com o sentido constante daquele relatório médico-legal, estamos a ponderar o período de tempo em que a vítima esteve totalmente impedida de realizar a sua actividade profissional, e que corresponde, com o valor de juízo técnico-científico, ao tempo que decorreu entre o acidente e a consolidação das lesões. A partir daí – 18/02/2007, o juízo científico formulado indica capacidade para o trabalho habitual, ainda que com esforço suplementar.
[30] Pretende o demandante que isso só aconteceu mais tarde, com a alta clínica.
Mas, como decorre de forma evidente daquele relatório, não existe qualquer confusão entre consolidação de lesões e alta médica.
Por consolidação, entende-se “o momento em que na sequência de um período transitório que constitui a fase de cuidados a lesão ou lesões se fixaram (estabilizaram) e tomaram um carácter permanente, de tal forma que qualquer tratamento não é mais necessário a não ser para evitar um agravamento (dado que não se espera qualquer melhoria apreciável, e em que é possível constatar um determinado prejuízo a título definitivo” [ Nuno Duarte Vieira, “A ‘missão’ de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil, Subjudice , nº17, 2000, p.24.], enquanto a alta constitui o momento em que cessa a necessidade de acompanhamento médico, explicável no caso do demandante com necessidade de evitar um retrocesso.
[31] Transpondo esses significados para o caso presente, verifica-se que o demandante sofreu lesões com sequelas permanentes ou seja, sofreu incapacidade permanente geral ou, noutra designação mais comum, incapacidade permanente parcial de 30%. E, como é evidente, sempre que se verifica diminuição de capacidades, existe esforço acrescido no desenvolvimento das tarefas.
[32] Novamente, emerge a necessidade de efectuar outra distinção, agora entre a definição de incapacidade permanente parcial e a incapacidade para o trabalho habitual, realidades bem distintas.
Com efeito, à afirmação de incapacidade permanente parcial pode, ou não, juntar-se incapacidade permanente para o trabalho habitual, sendo configuráveis as mais diversas hipóteses, desde aquelas, como a presente, em que a IPP não afecta a capacidade para o trabalho habitual, até outras em que a uma IPP relativamente reduzida acresce incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual. Basta pensar na situação do pianista, privado da plena mobilidade de um dedo [ Nuno Duarte Vieira, ob. cit, p. 26.].
[33] No caso do demandante, a apreciação médico legal constante do relatório de fls. 1073 a 1078 indica claramente que as sequelas são compatíveis com a actividade profissional de pedreiro, ainda que com esforços suplementares, e que essa compatibilidade existiu durante todo o período posterior à consolidação das lesões, independentemente da continuação do esforço terapeutico, em ambulatório.
Nenhuma dúvida emerge, pelo que não se encontra fundamento para afastar a indicação constante daquele relatório.
[34] Apela o recorrente F.. para juízo de equidade na alteração do juízo pericial, o que, salvo o devido respeito, mais não constitui do que o convite a que este Tribunal formule juízo científico, desligado de qualquer suporte racional, para mais contrário àquele indicado pelo Instituto de Medicina Legal.
Assim, e de forma manifesta, desde logo face ao disposto no artº 163º do CPP, inexiste razão para modificar os factos provados relativamente ao período de incapacidade temporária.
[35] Importa aqui abrir um parentesis para referir que o citado relatório incorre em lapso na contagem dos dias que decorreram entre 08/05/2001 e 18/02/2007, o que foi já considerado na sentença, em que indica o número de dias correcto.
[36] Falece, pois, fundamento para alterar o juízo constante de 64 dos factos provados.
[37] E, pelas mesmas razões, deve também afastar-se a pretensão de modificação do facto constante de 74 dos factos provados.
Deparando este tribunal, como o tribunal a quo, com indicação pericial, qualificada e devidamente fundamentada, de que o rebate profissional das sequelas, mormente dificuldade na marcha, com claudicação, bem como artrose do punho, são compatíveis com a actividade habitual do sinistrado – pedreiro - bem como com outras profissões da sua área de formação técnico-profissional, não existe a menor razão para divergir dessa indicação.
[38] Assim, mantém-se a indicação de que o demandante não sofreu, em resultado do acidente, qualquer incapacidade permanente para o trabalho habitual.


2.4.1.2. Erro notório na apreciação da prova
[39] Na conclusão VI, refere o recorrente F.. que os factos dados omo provados na sentença recorrida, conjugados com as regras da experiência comum, conduzem a um resultado diferente do decidido, existindo, na perspectiva do recorrente, erro notório na apreciação da prova.
[40] Verifica-se erro notório na apreciação da prova que a decisão chega a uma conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum, desconhecedor dos meandros jurídicos, sem esforço particular [ Ac. do STJ de 11/07/2007, Pº 07P1416, relator Santos Monteiro, www.dgsi.pt.]. Para tanto, e como resulta expressamente do disposto no artº 410º, nº2 do CPP, pode apenas ponderar-se o texto da decisão recorrida ou à sua conjugação com as regras da experiência comum.
[41] Porém, a alegação produzida a este propósito inscreve-se na indicação de discordância quanto ao divisor utilizado para achar o rendimento mensal, o que foi já abordado, esvaziando a questão, nesta sede.
Por outro lado, e como também já se disse, o montante auferido por um pedreiro por hora em 2001 não constitui facto notório, sempre permanecendo a necessidade de determinar quantas horas trabalhou, por conta própria, o que afasta qualquer incongruência na decisão recorrida.
[42] Inexiste, assim, o vício evocado e, acrescente-se, qualquer dos vícios contemplados no artº 410º, nº2 do CPP.

2.4.1.3. Indemnização por privação de rendimento
[43] A partir da consideração de valor de rendimento mensal distinto daquele ponderado na sentença, pretende o recorrente F.. que o montante correspondente à privação de rendimento seja fixado em €18.991,17, tomando o valor de €777,82, multiplicado por 27,73 meses (obtido pela divisão de 832 dias por 30) e deduzido de €2.580,55, correspondente ao subsídio de doença pago pela segurança social. Subsidiariamente, tomando o valor unitário mensal de €415,04, atinge, com os mesmos cálculos, o montante de €8.928,51.
[44] Vejamos o que se escreveu a este propósito na sentença recorrida:
As lesões decorrentes do acidente determinaram-lhe um período de incapacidade temporária profissional total de 285 dias, entre 08.05.2001 e 18.02.2002. A este período acrescerão, previsivelmente, 15 dias de futuro período de internamento e pós-operatório para extracção de material do fémur esquerdo. Na vertente dos danos emergentes, é, assim, devida indemnização pelo período de incapacidade absoluta para o trabalho. A este título são devidos os salários não auferidos pelo demandante, na quantia de €355,75, acrescidos de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, o que tudo perfaz, considerando 10 meses de trabalho, a quantia global de €3.557,50 (equivalente a 10 meses de trabalho multiplicados pelo salário que auferida e de €889,35 (acréscimo relativo a proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal)”.
[45] Esse critério mostra-se correcto, pelo que deve ser mantido, ainda que com as alterações decorrente do supra decidido relativamente ao valor do rendimento mensal e, inerentemente, à percepção de rendimentos 12 vezes por ano e não 14, como se ponderou. O valor unitário a ponderar deve ser de (€415,04).
[46] Mais ficou também apreciada a impropriedade da consideração de incapacidade temporária absoluta superior à duração indicada na sentença – 300 dias – pelo que o multiplicador adequado continua a ser de 10 meses.
[47] Assim, considerando ajustado o raciocínio seguido pelo Tribunal a quo, o montante a fixar é o de 1.569,49€ (€415,04 x 10 - €2.580,55).

2.4.1.3. Dano futuro
[48] Discorda o demandante F.. do montante fixado na sentença recorrida relativamente aos danos futuros - €20.000,00 – pretendendo que a condenação seja fixada em montante não inferior a €90.000,00. Para além da evocação da equidade como critério fundamental, com rejeição de formulas matemáticas, aponta ainda que a vida activa pode prolongar-se até aos 70 anos de idade.
Esta mesma questão vem colocada no recurso apresentado pelo demandado Fundo de Garantia Automóvel, limitando-se a referir que, atenta a idade da vítima, e os montantes atribuídos jurisprudencialmente a casos semelhantes, deverá o valor ser reduzido para €15.000,00.
Justifica-se, assim, abordar, de forma unitária, esta questão comum aos dois recursos.
[49] A indemnização devida em função da perda da capacidade de ganho deve representar um capital que se extinga no final da vida activa do lesado, susceptível de gerar prestações periódicas durante esse período, procurando, a um tempo, assegurar que a sua esfera patrimonial permanece no nível que teria se o evento lesivo não tivesse ocorrido e compensar a diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, vertente em que os critérios de equidade assumem primazia [ Ac. do STJ de 01/04/2004, Pº04B863, relator Ferreira de Almeida, www.dgsi.pt., onde se lê: “Consagram-se deste modo, nos citados preceitos legais a teoria da diferença e a equidade como critérios de compensação patrimonial por danos futuros. No caso vertente, face à idade do recorrente (32 anos à data do evento), há que lidar com um conceito de «danos previsíveis» futuros ou de «perda da capacidade de ganho» proporcional ao montante dos vencimentos previsivelmente a auferir no futuro e não com o de uma actual e efectiva «perda de ganhos» (…)
E, para estas vai operar-se certamente uma diminuição de condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.
E é precissamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.”].
Assim, para aferição do quantum indemnizatório importa, por um lado, o valor do rendimento auferido pelo sinistrado à data do acidente e, por outro, o grau de incapacidade com que ficou – incapacidade permanente parcial, de 30%– tendo como horizonte a esperança média de vida activa.
[50] Tomando a decisão recorrida, verificamos que seguiu, de forma inteiramente correcta, estes princípios, revelando louvável preocupação determinação de decisões jurisprudenciais em casos similares. Considerou, no entanto, que esperança de vida activa do recorrente era de 65 anos.
[51] Ora, como é sabido, sobretudo a partir da discussão da reforma da segurança social, o aumento continuado da esperança de vida e a qualidade dos cuidados de saúde permitem antecipar que, para os trabalhadores por conta própria, essa idade atinge, pelo menos, os 70 anos. Esse tem sido o critério jurisprudencial prevalecente, designadamente do nosso mais Alto Tribunal Cr. Ac. do STJ de 31/07/2007, Pº 06A4301, relator João Camilo, onde se refere:
”O aumento da esperança de vida e consequente e previsível falência do sistema de segurança social actual são circunstâncias que vão levar a subir a idade geral de reforma, estando já em execução medidas a fomentar a manutenção voluntária do trabalhador ao serviço após atingir a idade mínima de reforma. Por isso e numa previsibilidade a médio e a longo prazo, é de considerar que a idade de reforma de 65 anos é pouco consentânea com a realidade. Desta forma, parece-nos mais razoável a consideração do valor de 7O anos para a previsibilidade da cessação da vida activa para um adolescente que nasceu apenas em 1980”. Cfr. ainda o Ac. do STJ de 05/07/2007, Pº 07B2132, relator Gil Roque. Partindo igualmente deste pressuposto – esperança de vida activa até aos 70 anos – com indicação dos vários critérios e metodologias possíveis para o cômputo da indemnização, cfr. Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJ (STJ), ano IX, tº1, 2001, pp. 5-12. .
[52] Assim, o critério indicativo apresentado, com a multiplicação do rendimento mensal de €415,04 por 12 meses (por identidade de razões com a utilização desse divisor para calcular o rendimento mensal) e pelo número de anos em falta até aos 70 anos de idade (19 anos) e, por fim, por 30%, oferece como referência o montante de €28 388,74.
[53] No entanto, e como salienta Sousa Dinis [ Ob. cit, p.9.], em todas as situações em que irá ser recebido de uma vez o que, em princípio, deveria ser recebido em fracções anuais, é necessário proceder a um desconto, sem o que será gerado enriquecimento injustificado, ainda que reduzido, correspondente à taxa de juro corrente nas aplicações de capitais (3%) [ Ac. do STJ de 31/01/2006, recurso 4080/05, 6ª secção, relator Salreta Pereira, sumários do STJ organizados pelos assessores, www.stj.pt.].
[54] Dito isto, importa afirmar que tais cálculos não são mais do que um ponto de partida, cumprindo atingir Justiça adequada ao caso concreto.
Assim, considerando a dimensão do esforço acrescido necessário para a actividade de pedreiro, reconhecidamente de forte desgaste físico, a idade da vítima à data do acidente (51 anos) e o grau de compromisso (30% de incapacidade permanente, ficando a claudicar), entende-se ajustado fixar o quantum indemnizatório por danos futuros em €30000,00 (trinta mil euros).
Dessa forma, a indemnização global ao demandante F.. será de €57.084,23 (€514,74 + 1.569,49€ + €30.000,00 + €25.000,00), a que acrescem as despesas já relegadas para execução de sentença.
[55] Procede, então, em parte, o recurso do demandante F.. e, correspondentemente, improcede essa dimensão do recurso do Fundo de Garantia Automóvel.

2.4.1.3. Solidariedade
[56] A última questão suscitada pelo recorrente F.. prende-se com o regime da condenação dos responsáveis civis. Sustenta que a condenação deveria ter sido proferida em regime de solidariedade, evocando o disposto nos artºs. 23º e 29º, nº6 do D.L. 522/85, de 31/12 [ Diploma vigente à data do acidente, entretanto revogado pelo artº 94º do D.L.291/2007, de 21/8.].
Apreciando, verifica-se que assiste razão ao recorrente.
[57] Nos termos das disposições conjugadas dos artsº 21º e 23º do D.L. 522/85, de 31/12, compete ao Fundo de Garantia satisfazer as indemnizações por lesões consequentes de acidentes originados por veículos sujeitos ao seguro obrigatório quando o responsável não beneficie de seguro válido ou eficaz.
E, de acordo com o disposto no artº 497º nº1 do CC, se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade, norma aplicável ao Fundo de Garantia Automóvel [ Ac. do STJ de 01/07/2004, recurso 296/04 - 7.ª Secção, relator Araújo Barros, sumários do STJ organizados pelos assessores, www.stj.pt, onde se refere: O Fundo de Garantia Automóvel, integrado no Instituto de Seguros de Portugal, não pode, no âmbito das suas atribuições de coordenação e fiscalização, deixar de ter conhecimento da existência ou inexistência de seguro relativamente a qualquer veículo interveniente em acidente de viação, de mais a mais quando tal situação é denunciada através da instauração de uma acção contra o FGA, nele integrado, tendo, por força dessa sua especial posição, obrigação de fornecer aos interessados (sobretudo se lesados em consequência de acidente de viação) todos os elementos que lhes permitam, em concreto, demonstrar a existência ou inexistência de seguro válido e eficaz.
Quando alegado pelos autores que o proprietário do veículo causador do acidente não tem seguro, incumbe ao Fundo de Garantia Automóvel, através do Instituto de Seguros de Portugal em que está integrado, usando da normal diligência e obedecendo aos ditames da boa fé, apresentar nos autos, ou no mínimo, fornecer ao autor, os elementos que, sem dúvida, possui, e que àqueles permitiriam fazer a prova dos factos que, quanto ao seguro do veículo causador do acidente, seriam susceptíveis de demonstrar a existência ou não de seguro válido e eficaz.
V - Enquadrado numa política em que ao Estado incumbe assegurar, em matéria de acidentes de viação, a protecção dos terceiros lesados, nas finalidades e objectivos de segurança social do risco de circulação automóvel, quanto à satisfação das indemnizações, ao Fundo de Garantia Automóvel terão de ser aplicáveis as disposições e princípios que disciplinam a responsabilidade das seguradoras, tanto quanto é certo que ele não deixa de desempenhar a mesma função social, correspondente à idêntica necessidade, da obrigatoriedade do seguro do risco da circulação rodoviária automóvel, e, como tal, verdadeira empresa seguradora nos casos em que o Estado não conseguiu assegurar que o lesante celebrasse o obrigatório contrato de seguro de responsabilidade civil (art.º 21 do DL n.º 522/85).
Desta forma, também o FGA tem que ser abrangido pelo âmbito do art.º 497 do CC, e considerado responsável solidário conjuntamente com o lesante nos casos em que se lhe impõe que satisfaça as indemnizações a atribuir.].
Aliás, foi esse – solidariedade – o regime fixado na condenação relativa ao pedido formulado pelo Instituto de Segurança Social, sem que se indiquem as razões porque não foi seguido o mesmo entendimento relativamente às restantes condenações.
[58] Procede, também nessa parte, o recurso.

2.4.2. Do recurso interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel

2.4.2.1. Da ilegitimidade do Fundo de Garantia Automóvel
[59] Pretende o demandado Fundo de Garantia Automóvel que não pode ser condenado desacompanhado do obrigado ao seguro, sob pena de ilegitimidade, e evoca o disposto nos artsº. 25º, nº3 e 29º, nº6, ambos do D.L. 522/85, de 31/12.
Discordam B..., dizendo que basta o apuramento de que a viatura era de matrícula portuguesa e não tinha seguro válido, e o Instituto de Segurança Social, o qual entende que, apurada a responsabilidade do condutor – com base em conduta ilícita – de B... e C... – por efeito da condição de comitentes – apenas existia interesse por parte do FGA em fazer intervir o proprietário para efectivação de sub-rogação.
[60] Vejamos, antes de mais, as normas indicadas pelo recorrente.
Dizia o artº 25º, nº3, do D.L. 522/85, de 31/12:
3- As pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro poderão ser demandadas pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do nº 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiveram pago.
E, por seu turno, o artº 29º, nº6 do mesmo decreto refere que:
6 - As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido ou eficaz, devem obrigatoriamente ser interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.
[61] Na posição do recorrente, a conjugação destes preceitos significa que o conceito de “responsável civil” deve ser integrado pelo obrigado a segurar o veículo, ou seja, pelo seu proprietário.
Sem razão.
[62] A institucionalização do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel responde a necessidades sociais, permitindo que todos os lesados em sinistro automóvel obtenham ressarcimento [ Atallah, citado por Maria José Capelo, refere que “na circulação rodoviária ninguém contesta que a indemnização equitativa das vítimas é uma necessidade social numa época onde os indivúduos de todas as classe sociais estão expostos indistintamente aos riscos da circulação rodoviária”, in “A intervenção do responsável civil na acção de indemnização fundada em acidente de viação”, Subjudice, nº17, 2000, p. 31.]. E, quando não é possível accionar esse seguro obrigatório, assumiu o Estado especial posição de garante, através do Fundo de Garantia Automóvel – financiado com percentagem do todos os prémios de seguros e, então, por todos os segurados – inserido no Instituto de Seguros de Portugal. Assim, pode afirmar-se que o sistema de protecção dos lesados em acidente de viação assenta em dois pilares: pilar-seguro obrigatório e o pilar-FGA. Quando falta o primeiro, é possível recorrer ao segundo e obter ressarcimento do FGA, ainda que com direito de regresso relativamente a outros responsáveis pelo acidente.
[63] Porém, e como decorre claramente da parte final do referido artº 29º, nº8 do D.L. 522/85, de 31/12, o legislador configurou situações em que o responsável civil é desconhecido e, então, vedada a possibilidade de exercício de direito de regresso, sem afastar a legitimidade e responsabilidade do FGA. Ou seja, quando se estatui que quando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido, pode o lesado demandar directamente o Fundo de Garantia Automóvel, contempla-se necessariamente situação em que esse Fundo estará em juízo desacompanhado de qualquer outro sujeito, e portanto desacompanhado do proprietário e obrigado ao seguro, em obediência à sociabilização da responsabilidade que marca o regime vigente [ Maria José Capelo, ob. cit., p. 31.].
O conceito de responsável civil, para efeitos do artº 29º, nº6 do D.L. 522/85, de 31/12, não se confunde nem se restringe ao proprietário, enquanto obrigado primacial ao seguro. Sendo certo que o artº 2º do diploma especifica que esse dever recai sobre o proprietário do veículo, não é menos verdade que o nº2 do mesmo preceito admite outras pessoas, que não o proprietário, como tomadores de seguro. Essas pessoas serão, justamente, aquelas que podem vir a ser civilmente responsabilizadas, seja porque conduziam o veículo, seja porque comitentes do condutor, e, de acordo com o artº 1º do D.L. 522/85, de 31/12, também sobre elas recai o dever de assegurarem que o veículo circulava com [ Neste sentido, Ac. do STJ de 12/06/2007, Pº 4197/06.8TJCBR-A.C1, relator Cardoso de Albuquerque. ].
[64] Acresce que, se se entender, como entende o Fundo de Garantia Automóvel, que o conceito de responsável civil contido no artº 29º, nº6 do D.L. 522/85, de 31/12, apenas comporta o proprietário do veículo, então a situação dos autos, em que a identidade do proprietário é desconhecida, caberia na previsão do artº 29º, nº8, já referido, possibilitando ao lesado demandar unicamente do Fundo.
[65] Afasta-se, pelo exposto, a ilegitimidade do Fundo de Garantia Automóvel, em virtude de não ter sido demandado o proprietário, desconhecido, do veículo RS-60-32.
[66] Questão diversa da supra referida prende-se com a existência de vários responsáveis civis, nem todos demandados nos vários pedidos deduzidos contra o Fundo de Garantia Automóvel. Terão todos de acompanhar esse Fundo para assegurar a sua legitimidade passiva?
Pela nossa parte, e com a jurisprudência citada pela decisão recorrida [ Ac. da Relação de Lisboa de 29/03/2006, Pº 7519/2003-3, relator Varges Gomes.], entendemos que a resposta é negativa.
[67] A norma do artº 29º, nº6 do D.L. 522/85, de 31/12, está claramente ordenada a corresponder à posição de garante conferida ao Fundo de Garantia Automóvel e à sub-rogação que lhe assiste sobre o responsável civil [ Ac. da Relação do Porto de 10/01/96, in CJ, ano XXXI, tº1, 231, notando-se que neste aresto não se afasta a possibilidade de vários responsáveis civis mas sim, e perante situação em que foi demandado com o Fundo de Garantia Automóvel e o obrigado ao seguro, sublinhar o papel “principal” deste último e a necessidade da respectiva condenação. ].
Assim, quando o demandante venha a beneficiar da especial segurança consubstanciada no ressarcimento pelo Fundo de Garantia Automóvel, em virtude do artº 21º do D.L. 522/85, de 31/12, mormente, como no caso dos autos, por inexistência de seguro, deve, correspondentemente, alargar a discussão da causa aos pressupostos de que depende a sub-rogação daquele relativamente ao responsável civil. Ou seja, porque, embora primeiro responsável, a posição do Fundo corresponde à de mero garante, não pode estar sozinho da acção, pois sempre a discussão irá envolver o responsável civil, enquanto obrigado principal, e a quem poderá ser exigido, em virtude de sub-rogação, o pagamento de tudo o que o garante tiver que satisfazer.
Mas, presente na lide pelo menos um responsável civil, fica atingida a finalidade processual apontada – presença na lide dos sujeitos da relação material controvertidas e assegurada a sub-rogação – e respeitado o litisconsórcio necessário passivo imposto pelo artº 29º, nº6 do D.L. 522/85, de 31/12, não sendo exigível ao lesado, face ao escopo do preceito, que demande todos os responsáveis civis. Basta um único para que a posição do Fundo de Garantia Automóvel fique salvaguardada.
[68] E nem se diga que o referido fundo ficará, então, impedido de exercer o seu direito de sub-rogação perante responsáveis civis não demandados. Tal como fizeram nos presentes autos os demandantes F.. e D..., que requereram, respectivamente, as intervenções principais deA...e C..., e do mesmo Fundo e C..., poderia aquele sujeito processual ter requerido outras intervenções principais.
[69] Inexiste, assim, a ilegitimidade passiva do Fundo de Garantia Automóvel, como este sustentou nas conclusão 1ª a 9ª.
[70] Merece breve menção a posição assumida, em sede de resposta ao recurso interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel, por B..., pedindo a sua absolvição, apenas para referir que, porque não interpôs recurso da decisão contra si proferida, não pode este Tribunal conhecer dessa matéria. Note-se que o recurso interposto por demandado civil não aproveita aos demandados civis não recorrentes (artº 402º, nº2, a contrario, do CPP).

2.4.1.4. Contagem de juros moratórios
[71] Finalmente, veio o demandado Fundo de Garantia Automóvel sustentar, tomando como premissa de raciocínio o facto da sentença nada dizer sobre o facto de ter ou não actualizado os valores indemnizatórios, nos termos do artº 566º, nº2 do CC, que deve entender-se que o fez, pelo que o termo inicial de contagem de juros moratório será o da prolação da condenação.
Como se referiu supra [ Ponto 2.2. desta decisão.], não é exacta a indicação de que a sentença foi omissa sobre essa questão. Pese embora não tenha, por lapso, indicado os juros na parte dispositiva, tomou o tribunal a quo posição explícita quanto à obrigação de juros moratórios sobre a indemnização global e sobre a sua contagem desde a data da notificação nos presentes autos.
Então, e de forma clara, verifica-se que a decisão recorrida não procedeu à actualização permitida pelo artº 566º, nº2, do CC e, por isso, não tem aplicação a jurisprudência uniformizadora do Ac. do STJ nº 4/2002, de 9-05-2002, in DR I série-A, nº 146 de 27/06/2002.
[72] De acordo com o disposto no artº 805º, nº3, do CC, os juros moratórios devidos contam-se desde a notificação do pedido de indemnização civil, incluíndo a notificação na sequência de intervenção principal provocada, como foi decidido.
[73] Improcede, então, mais esta questão suscitada pelo Fundo de Garantia Automóvel, o que envolve a improcedência global do recurso que interpôs.

III. Dispositivo

[74] Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação de Coimbra em:
A) Ao abrigo do disposto no artº 380º, nº1, al. b) do CPP, corrigir a sentença proferida relativamente às alíneas g) e h), a fls. 1453, as quais passam a ter a seguinte inscrição, seguida ao montante da indemnização: “, à qual acrescem juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido de indemnização civil”;
B) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto por E...e:
- Alterar a decisão constante de 71 dos factos provados, do qual passará a constar - Auferia, à data do acidente, o rendimento mensal de 83.208$33, equivalente a €415,04;
- Fixar a indemnização devida a E...em €57.084,23;
- Condenar solidariamente o Fundo de Garantia Automóvel, C..., B... e A.. a pagarem ao demandante essa quantia, a que acrescem as importâncias que o demandante venha despender com futuros tratamentos médicos e/ou cirúrgicos, médicos e medicamentosos, que se julguem necessários à manutenção ou reabilitação do demandante e directamente relacionados com o acidente em questão, cuja liquidação foi relegada para posterior incidente.
- Manter, no mais, o decidido;
C) Julgar improcedente o recurso interposto pelo Fundo de Garantia Automóvel;
D) Custas cíveis a cargo dos recorrentes, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.


Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).
Recurso 818/01.7 TAFIG.C1

Coimbra,




(Fernando Ventura - relator)



(Gabriel Catarino)




(Barreto do Carmo)