Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3811/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACÇÃO DE DEMARCAÇÃO
MODO DE OBTER A LINHA DIVISÓRIA
Data do Acordão: 01/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO - 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS. 1052º A 1058 DO CPC ( ENTRETANTO REVOGADOS ) .
Sumário: No desenvolvimento de um processo de demarcação cabe aos peritos, num primeiro momento, proceder à demarcação dos prédios através dos títulos e da inspecção ao local, e caso assim não seja possível um eventual acordo na demarcação apenas é possível com intervenção de todos os interessados .
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- A..., residente em Casal da Quinta Milagres, Leiria e B..., menor, residente em Vieira de Leiria, Marinha Grande, representada pela sua mãe, Lisa Fontes Ribeiro, propõem contra C... e mulher D..., residentes em Casal da Quinta, Milagres, Leiria, a presente acção especial de demarcação, pedindo a demarcação de estremas dos prédios que identificam pertencentes a elas, AA. e aos RR., prédios contíguos entre si, com o fundamento de incerteza quanto à linha divisória da estrema nascente do seu prédio.
1-2- Na sua contestação os RR. sustentaram a sua ilegitimidade, dado já não serem proprietários do prédio contíguo em questão, por o haverem doado a Fernando Sousa Gomes e mulher Maria do Rosário Duarte Soares.
1-3- As AA. na resposta à excepção sustentaram a sua improcedência, requerendo, porém, a intervenção principal dos mencionados Fernando Sousa Gomes e mulher Maria do Rosário Duarte Soares.
1-4- Admitida a intervenção destes, através de requerimento próprio, vieram fazer seu o articulado anteriormente oferecido pelos RR..
1-5- Foi proferido despacho saneador onde se decidiu ( para além do mais) passar à fase de nomeação de peritos, por se entender que não havia sido questionada a incerteza da linha divisória entre os prédios em causa.
1-6- Nomeados os peritos e fixado dia para a sua ajuramentação e início de diligência, os mesmos procederam à diligência, juntando o documento de fls. 62 que denominaram «acta de demarcação», subscrito por eles, pela A. Maria Isabel e pelo R. C..., na qual descrevem a colocação e localização de marcos, na concretização de acordo, visando a linha divisória entre os prédios.
1-7- Através de requerimento vieram então os intervenientes Fernando Gomes e mulher, manifestar a sua surpresa “com a efectivação da demarcação feita pelos srs. peritos à sua revelia, requerendo, nos termos do art. 1058º nº 2 do C.P.Civil, a convocação dos interessados “para no local da questão darem o seu acordo quanto à linha divisória”.
1-8- A Mª Juiz, após audição da parte contrária, considerou a posição dos intervenientes inconsequente e extemporânea, visto que era conhecida a realização da diligência, indeferindo assim, o requerimento.
1-9- Não se conformando com esta decisão, dela vieram recorrer os intervenientes, recurso que foi decidido nesta Relação ( acórdão de 16-3-01 ), tendo sido negado provimento e mantido o despacho recorrido.
1-10- Voltando o processo à 1ª instância, foram pedidos esclarecimentos aos peritos, concretamente sobre as pessoas que estiveram presentes na diligência, o que eles fizeram.
Notificadas desses esclarecimentos as partes, vieram os intervenientes Fernando Gomes e mulher afirmar que não estiveram presentes na diligência, tendo aguardado que a definição da estrema e colocação de marcos fosse efectuada com a presença dos mandatários das partes e da Mª Juíza, “razão por que nunca pode ter havido qualquer acordo na colocação dos mesmos” ( requerimento de fls. 122 ).
1-11- Sobre este requerimento incidiu despacho, em que a Mª Juíza, em síntese, entendeu que a questão levantada pelos intervenientes, já havia sido decidida por este Tribunal da Relação, após o que, considerando já ter sido efectuada a demarcação, entendeu não haver lugar à diligência aludida no art. 1058º do C.P.Civil, pelo que considerou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
1-12- Não se conformando com esta decisão dela vieram recorrer os intervenientes Fernando Gomes e mulher, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo.
1-13- Os intervenientes alegaram, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Os recorrentes, partes interessadas, não foram convocados para a conferência no lugar da questão, disposta no art. 1058º nº 2 do C.P.Civil, razão por que não assistiram a ela ou a ela estiveram presentes.
2ª- Não poderia assim a demarcação ter sido efectuada por acordo, razão por que se deveria para o efeito ter dado cumprimento ao disposto no nº 3 e seguintes daquele art. 1058º.
3ª- Razão por que a omissão da tal formalidade acarreta a sua nulidade, nulidade que se invoca ( art. 201º do C.P.Civil ).
Termos em que a decisão deve ser revogada, ordenando-se a convocação de todos os interessados para no lugar da questão, se tentar obter o seu acordo quanto à linha divisória dos prédios em litígio.
1-14- A parte contrária não respondeu a estas alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Como ponto prévio deveremos desde logo salientar que se aplica aos presentes autos as disposições adjectivas dos arts.1052º a 1058º do C.P.Civil, hoje já revogadas mas aplicáveis ao caso dado que a acção foi instaurada antes de 1-1-97 ( art. 16º do Dec-Lei 329A/95 de 12/12, na redacção introduzida pelo Dec-Lei 180/96 de 25/9).
Posto isto, vejamos a questão que nos é proposta e que consiste em saber se, no caso vertente, se deveria ou não ter convocado a conferência no lugar da questão, a que alude o art. 1058º nº 2 do C.P.Civil ( diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem ).
As circunstâncias processuais que deram origem à prolacção do despacho recorrido ( que recusou a realização da dita conferência, declarando antes extinta a instância por inutilidade superveniente da lide ), já acima se referenciaram.
Como se mencionou no acórdão desta Relação de 16-3-2001, nas acções de demarcação há trâmites comuns com as outras acções de arbitramento ( arts. 1052º a 1054º ) e trâmites próprios ( art. 1058º ).
Numa 1ª fase processual, as partes interessadas, são citadas para contestar, sob pena de serem nomeados peritos ( art. 1052º nº 1 ). Havendo contestação, seguir-se-ão os termos processuais ulteriores consoante o processo ordinário ou sumário, conforme o valor ( art. 1053º nº 1 ). Não havendo contestação ou sendo esta considerada improcedente, entra-se na 2ª fase que é a da nomeação de peritos. No acto de nomeação de peritos as partes devem apresentar aos louvados os títulos que tiveram, quando o não hajam feito antes, e os peritos devem proceder à diligência, tendo em atenção o que constar dos títulos apresentados ( art. 1058º nº 1 ).
As partes devem depois ser notificadas do resultado da diligência, a fim de deduzirem a oposição que entenderem, podendo igualmente pedir esclarecimentos ou rectificações ao laudo. Não havendo oposição é homologado por sentença o acto dos peritos. Havendo posição pode a parte contrária responder, seguindo-se, sem mais articulados os termos do processo ordinário ou sumário, conforme o valor ( art. 1054º nº1 e 2 ).
No que tange às acções de demarcações estabelece o nº 2 do art. 1058º que “se não houver títulos, ou se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, os interessados serão convocados para uma conferência no lugar da questão, a fim de tentar, com a assistência dos peritos, obter a acordo deles quanto á linha divisória”. Desta disposição resulta claro que a convocação da mencionada conferência, apenas terá lugar quando não houver títulos, ou quando os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, sendo que essa convocatória terá como finalidade obter o acordo dos interessados quanto à linha divisória. E percebe-se que assim seja. O acordo dos interessados apenas importará quando não haja elementos documentais sobre as estremas dos prédios ou sobre a área pertencente a cada proprietário. Existindo esses elementos a linha divisória poderá ser delineada e consequentemente tal acordo é escusado.
No caso dos autos foi considerada a contestação improcedente ( no sentido em que se entendeu que não havia sido questionada a incerteza da linha divisória entre os prédios em causa ) e como tal procedeu-se à nomeação de peritos. Estes efectuaram a diligência no prazo que lhes foi concedido, tendo elaborado o documento de fls. 62, subscrito por eles, peritos, pela A. Maria Isabel e pelo R. C..., documento que denominaram «acta de demarcação», na qual descrevem a colocação e localização de marcos, na concretização de acordo, visando a linha divisória entre os prédios. Portanto, nesse documento expressamente se refere que a demarcação foi efectuada por acordo das partes. Isto é, contra o que deveriam ter feito, os peritos não procederam à demarcação através dos títulos e demais elementos que eventualmente lhes tenham sido apresentados. Além disso, verifica-se que os intervenientes e interessados Fernando Gomes e mulher não assinaram a denominada acta, indiciando-se até que os mesmos não estiveram aí presentes ( vide esclarecimentos de fls. 118 ).
Quer isto dizer, por um lado, que o documento de fls. 62, porque não baseado em títulos, não poderá ser entendido como uma louvação válida, de harmonia com o indicado no nº 2 do art. 1058º e por outro, o acordo que ( também ) serviu para a definição da linha divisória era naquela altura inadmissível, sendo também certo que nem sequer se demonstra que nesse acordo tenham intervindo e tenha sido aceite por todos os interessados.
Todas as diligências processuais que se fizeram depois da elaboração desse documento, foram absolutamente inócuas para colmatar ou remediar a realidade mencionada.
O acórdão desta Relação de 16-3-2001, apontou até o caminho para se ultrapassar a omissão cometida pelos peritos ao dizer que “a actividade dos peritos, nesta primeira fase do processo, visa obter a linha divisória, apenas nos títulos e na inspecção ao local” e “que qualquer acordo tendente a pôr termos ao processo, ou a fixar a linha divisória entre os prédios, terão que intervir todos os interessados, incluindo os agravantes que, na qualidade de intervenientes principais e proprietários de um dos prédios, fazem valer um direito próprio, paralelo ao dos réus”. Isto é, aí se disse, com clareza, que seria necessário que os peritos, num primeiro momento, procedessem à demarcação dos prédios através dos títulos e da inspecção ao local, sublinhando depois que, no eventual acordo ( na falta de elementos tendentes à fixação da linha divisória ), teriam que intervir todos os interessados ( e não só alguns ).
Aqui chegados verifica-se pois que ainda não se procedeu à peritagem a que alude o art. 1053º nº 2, ou seja, não se realizou a diligência tendente a fixar a linha divisória dos prédios, através do que constar dos títulos apresentados. Repete-se na denominada «acta de demarcação» de fls. 62, como já se evidenciou, assim não se procedeu, tendo antes a linha divisória do prédio, como do documento consta, sido feita por acordo das partes ( e não de todas ). Caso não haja elementos em relação à delimitação dos prédios, é que se deverá convocar a conferência a que alude o nº 2 do art. 1058º, com a finalidade de obter o acordo de todos os interessados quanto à linha divisória dos prédios. Ou seja, só nesta fase tem cabimento o acordo das partes.
Significa isto que, se bem que por estas razões, o recurso será provido.
Deve por conseguinte ser ordenada nova diligência aos peritos a fim de, com os elementos que se encontrem nos autos e que os que observem no local, procederem à fixação da linha divisória dos prédios ( arts. 1053º nº 2 e 1058º nº 1 ).
Se necessário, é que posteriormente, se deverá convocar a conferência a que alude o art. 1058º nº 2 para as finalidades já ditas.
Revoga-se pois a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra, a ordenar a dita diligência aos peritos.
III- Decisão:
Se bem que por razões diversas, dá-se provimento ao recurso, devendo-se ordenar nova diligência aos peritos a fim de, com os elementos que se encontrem nos autos e que os que observem no local, procederem à fixação da linha divisória dos prédios.
Custas pela parte vencida a final.