Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1201/09.1TBMRGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
DIREITOS DE AUTOR
Data do Acordão: 11/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: MARINHA GRANDE 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 210º-G DO CÓDIGO DOS DIREITOS DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS, NA REDACÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 16/2008, DE 1 DE ABRIL
Sumário: O mecanismo processual previsto no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, na redacção conferida pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril, confere ao titular de direitos de autor ou de direitos conexos a possibilidade de decretamento da providência cautelar nele regulada, quer com fundamento na violação desses direitos, quer com fundamento em fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável de tais direitos.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da  Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

A....” instaurou contra B....., residente na ....., procedimento cautelar, pedindo que seja decretado o encerramento do estabelecimento explorado pelo Requerido, ou, subsidiariamente, seja decretada a proibição da continuação da execução pública não autorizada de fonogramas musicais e a apreensão dos bens de que se suspeite violarem os direitos conexos, bem como, dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente, amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil, quaisquer suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais, bem como a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pelo Requerido, com o objectivo de escutar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os fonogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso.

Alega para o efeito, e em síntese, ser a requerente uma pessoa colectiva privada, associação de utilidade pública, constituída por escritura pública e registada na IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais), tendo por atribuições a gestão colectiva dos direitos conexos, de artistas, intérpretes e executantes, e, como tal, legitimidade para exercer, pelas vias administrativas e judiciais, os direitos confiados à sua gestão e exigir o seu cumprimento, e que o requerido, apesar de para tal informado, não obteve licença para a execução pública de fonogramas no seu estabelecimento comercial da titularidade de associados da requerente, e cujos direitos a esta compete acautelar, actividade que vem exercendo de forma contínua e que é geradora de prejuízos para os titulares dos respectivos direitos autorais.

O procedimento cautelar foi liminarmente indeferido, com fundamento na falta de alegação de factos que, indiciariamente provados, permitissem concluir pela urgência da providência em causa, nomeadamente por deles decorrer o fundado receio de lesão do seu direito, questionando ainda a idoneidade do meio empregue.

Inconformada com tal decisão, dela apelou a requerente que apresentou as seguintes conclusões[1]:

“(…)
1. O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo a quo, de indeferir liminarmente a providência cautelar em causa e consequentemente condenar a Apelante nas custas, não foi, na perspectiva desta, e com o devido respeito, a mais acertada.
2. Desde logo, porque a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na óptica da Apelante) por base uma errada análise da factualidade alegada, bem como, uma errada interpretação dos preceitos legais aplicáveis em face daquela.
3. Pois, contrariamente ao que é sustentado na douta decisão recorrida, resultaram alegados os factos que indiciariamente permitiam concluir pela urgência da providência in casu, bem como, resultaram verificados os requisitos específicos que permitiam a aplicação da providência cautelar prevista no artigo 210º-G do CDADC que legitimavam e implicavam a aceitação da providência cautelar e não o seu indeferimento liminar, bem como, a isenção subjectiva da Apelante no que concerne a custas judiciais.
4. Não podendo sobrar dúvidas, face aos normativos legais aplicáveis ao procedimento em causa, sobre a idoneidade do meio processual empregue como o mais adequado à pretensão formulada pela Requerente. 
5. Na verdade, basta uma leitura atenta de toda a matéria (de facto e de direito) articulada pela Requerente, ora Apelante, no requerimento inicial, para se concluir que o decretamento da providência cautelar prevista no artigo 210º-G do CDADC se basta com a demonstração da violação do direito e da adequação da medida a impedir a violação eminente ou a continuação da violação dos direitos previstos e tutelados no Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos.
6. Sendo certo que, todos os factos alegados com interesse para a aceitação e decisão da providência comprovam, in casu, a violação actual dos direitos conexos que com a providência em causa a Requerente pretendeu salvaguardar.
7. Pois ficou alegado e demonstrado, através de prova documental, que a ora Apelante representa e licencia a utilização por parte dos eventuais interessados da quase totalidade (equivalente a uma percentagem superior a 98%) do repertório da música gravada, nacional ou estrangeira, comercializada e utilizada em Portugal, e ainda que o estabelecimento nocturno que o Requerido explora encontra-se aberto ao público e a funcionar diariamente, sendo certo que, procede à execução pública de fonogramas do reportório entregue à gestão da Requerente em qualquer desses dias, assim como que, os fonogramas identificados pela ora Apelante, são apenas exemplos dos muitos fonogramas utilizados para a execução pública de obras musicais gravadas e editadas, que, habitual e reiteradamente, são efectuadas naquele espaço, o que faz, continuadamente, sem qualquer licença e autorização da Requerente, ora Apelante, para o efeito (sendo este facto, de resto, do conhecimento público), impondo-se, por isso, com o devido respeito, que a providência cautelar não fosse liminarmente indeferida.
8. Resultando assim, dos factos alegados, a urgência do procedimento cautelar intentado que aconselha, de acordo com as regras de experiência, a uma decisão cautelar rápida e imediata no sentido da proibição da continuação da violação dos direitos aqui em causa.
9. Daí resultando a adequação da providência à situação de lesão verificada e continuada.
10. (…)
11. .
12. Acresce que, a providência cautelar prevista no artigo 210º-G do CDADC, resultou da transposição para a ordem jurídica nacional do disposto no artigo 9º.1 a) da Directiva Comunitária nº 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril (denominada Directiva Enforcement), relativa ao respeito pelos direitos de propriedade intelectual.
13. Num movimento de uniformização dos direitos substantivos nos diversos estados membros no âmbito da tutela e defesa dos direitos de propriedade intelectual o legislador nacional sentiu necessidade de introduzir, na nossa prática judicial, um mecanismo próprio para a defesa preventiva e cautelar dos direitos de propriedade intelectual (direitos de autor e direitos conexos).
14. Assim sendo, o objectivo da providência cautelar prevista no artigo 210º-G do CDADC é inibir qualquer violação eminente daqueles direitos ou proibir a sua continuação.
15. Sendo que, estando como se está no âmbito de providências cautelares específicas desse instituto jurídico – direito de autor e direitos conexos – deve entender-se que a lei se satisfaz com a prova dos respectivos requisitos específicos.
16. Pelo que, deverá e bastará para a aplicação da providência cautelar prevista no artigo 210º-G do CDADC, ser demonstrada, através de prova sumária, a violação ou o risco de violação, actual ou eminente, do direito invocado, a existência e titularidade do mesmo, assim como, a sua legitimidade no caso de não ser o próprio titular a exercê-lo.
17. O que, face aos factos alegados, entende a ora Apelante, já resultar demonstrado.
18. Aliás, é a letra da própria lei, no corpo do número 1 do artigo 210º-G do CDADC, que ao utilizar uma conjunção alternativa (ou) e não cumulativa (e) se basta, para a sua aplicação com a demonstração da violação do direito, dispensando assim a demonstração da gravidade da lesão e da sua difícil reparação (requisito do periculum in mora).
19.  De facto, utilizando o legislador nacional neste âmbito uma redacção diferente da utilizada para a formulação da regra geral do Código Processo Civil quanto aos requisitos para o decretamento de uma providência cautelar terá, pretendido alertar para as especificidades da lesão que esta providência cautelar visa evitar.
20. Pois, a verificação do acto ilícito e o risco de tal acto vir a causar danos graves e dificilmente reparáveis são questões bem distintas, bastando-se o legislador, neste âmbito, face aos direitos a tutelar com a verificação da sua violação.
21. (…)
22. A idêntica conclusão, na modesta opinião da ora apelante, se é forçado a atingir perante a natureza específica dos direitos de propriedade intelectual, pois trata-se de direitos absolutos, exclusivos, dotados de eficácia erga omnes, nos quais, a faculdade de autorizar (ou proibir) a continuação do ilícito esvazia, por completo, esse mesmo direito.
23. Sendo que, face à natureza exclusiva do direito, o prejuízo está in re ipsa, tendo-se por integralmente verificado.
24. Sendo exactamente por esse motivo que a violação do tal exclusivo, importa, por si só, um grave prejuízo para o titular do direito, já que, o impede de exercer, em toda a sua plenitude, e sem restrição de que espécie for, os seus direitos, nomeadamente, e nos que aqui importa, o de impedir a utilização por terceiros.
25. Acresce que, a própria Directiva, à luz da qual se deverá ler, nomeadamente, o artigo 210º-G do CDADC, se basta, igualmente, com a demonstração da violação actual ou eminente, não instituindo como requisito de aplicação destas “medidas provisórias ou cautelares” a gravidade da lesão ou a dificuldade da sua reparação. 
26. (…)
27. (…)
28. (…)
29. (…)
30. A providência cautelar prevista no artigo 210º-G do CDADC, destina-se a assegurar, a tutela provisória do direito violado ou ameaçado e não os elementos que se relacionem, directa ou indirectamente, com a prova dessa violação ou com a sua extensão, o que não obsta a que na mesma possa ser requerida a apresentação de uma qualquer prova ou mesmo a apreensão de bens objecto do ilícito ou instrumentos que sirvam para o exercício daquele, ficando a aplicação de tais medidas na ponderação do julgador.
31. Devem, assim, ser decretadas as medidas que se revelem, no caso, adequadas e necessárias para assegurar quer o não inicio quer a continuação da violação ilícita de direitos de autor e conexos, o que, no mínimo, se tem de consubstanciar no decretamento da inibição ou proibição da continuação da execução pública não autorizada de fonogramas musicais, acompanhada da respectiva tutela penal, a que, necessariamente, acrescerá a apreensão de bens utilizados em tal violação até ao encerramento do estabelecimento.
32. (…)
33. Á cautela e sem prescindir, sempre se refira que, mesmo que não se venha a entender que, na hipótese de violações actuais, o decretamento da providência plasmada no artigo 210.º-G do CDADC, dispensa a invocação e demonstração do ‘periculum in mora’ – consubstanciado no risco (receio) de lesão grave e dificilmente reparável do direito invocado, ainda assim a providência não deveria ter sido liminarmente indeferida.
34. Pois, a lesão não deve ser buscada no valor concreto da contrapartida pecuniária devida pela autorização ou licença a emitir pela Apelante (valor esse que nunca esteve em causa no presente procedimento) mas antes na impossibilidade prática - ditada pela força das circunstâncias e por uma conduta contra legem e criminalmente punida – da requerente poder exercer, “sem qualquer restrição” os seus direitos.
35. Ora, é evidente que, com o indeferimento liminar e, consequentemente, sem o decretamento da providência cautelar intentada, a requerente, ora Apelante, encontrar-se-á impedida de exercer o direito de proibir a utilização em causa (vertente negativa do direito plasmado no n.º 2 do artigo 184.º do CDADC), que constitui, precisamente, o núcleo essencial do direito invocado.
36. Por isso que, mesmo que não seja adoptado o entendimento da ora apelante, e se considere que o periculum in mora é um requisito essencial do decretamento da providência, sempre se deverá entender que este se encontra, in caso, preenchido, sob pena de violação do n.º 7 do artigo 210.º - G do CDADC.
37. Tendo em consideração a situação plasmada no presente procedimento cautelar, resulta que, estamos perante uma providência sobre interesses imateriais.
38. E, são acções sobre direitos imateriais as que não têm valor pecuniário e visam realizar um interesse não patrimonial.
39. Pelo que, a quantificação dos danos, na presente providência não se mostra, no entendimento da Apelante necessária, bem como, a sê-lo, resulta da simples impossibilidade de exercício da faculdade de proibir – núcleo essencial do direito – ou impedir a execução pública, não autorizada, de fonogramas.
40. Pois, pretende-se neste âmbito, salvaguardar tais direitos imateriais, assim como, reprovar ou castigar a actuação ilícita, reiterada, contínua e actual do Requerido.
41. (…)
42. (…)
43. (…)
44. Encontrando-nos neste âmbito, bem como, na futura acção declarativa de condenação a interpor pela Requerente no domínio da responsabilidade civil extra-contratual dos direitos conexos em causa.
45. (…)
46. Por outro lado, mesmo que se considerasse, por mero exercício académico, que o periculum in mora fosse um requisito essencial do decretamento da providência (o que não se concede) e in casu, concomitantemente, não se verificasse, sempre se deveria entender que processualmente não deveria ter sido indeferido liminarmente a providencia cautelar em causa mas sim, pelo contrário, ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 265º.2 e 508º.2 e 3 do CPC.
47. (…).
48. Por fim, no intróito da sua peça processual, mormente nos primeiros dois artigos do seu requerimento inicial, sob a epígrafe “Questão Prévia”, a ora Apelante refere tratar-se “…de uma pessoa colectiva privada, associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, que actua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto”.
49. Juntando com o requerimento inicial da providência cautelar aqui em questão, como documento 1, cópia do Diário da República, III Série, nº 35, de 11 de Fevereiro de 2003, do qual consta a constituição da ora Apelante enquanto entidade de gestão colectiva, sem fins lucrativos, constituída com o propósito de representar os produtores fonográficos no exercício dos respectivos direitos, competindo-lhe, nomeadamente, promover o licenciamento e “a cobrança de direitos”, assim como, a gestão, incluindo a negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos conexos daqueles produtores fonográficos, sejam eles nacionais ou estrangeiros, sedeados ou não no território português.
50. Tratando-se, igualmente, de pessoa colectiva privada com estatuto de utilidade pública, conforme certidão de registo junta com o documento 2 do requerimento inicial do procedimento cautelar sub judice, a ora Apelante, encontra-se registada na IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais), sendo a associação, de utilidade pública, quem, nos termos da Lei, tem legitimidade para exercer, pelas vias administrativas e judiciais, os direitos confiados à sua gestão e, por outro lado, exigir o respectivo cumprimento (cfr. artigo 6º números 1, 8 e 9, da Lei 83/01, de 03 de Agosto, e artigo 73º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, doravante apenas designado pela sigla “C.D.A.D.C.”).
51. Acresce que, o Decreto-Lei 34/2008 de 26 de Fevereiro, aprovou o Regulamento das Custas Judiciais, tendo o mesmo entrado em vigor no passado dia 20 de Abril de 2009, aplica-se, salvo as excepções previstas no mesmo, aos processos iniciados após tal data.
52. Prescrevendo o artigo 4º.1 f) do referido diploma legal, sob a epígrafe “Isenções” que estão isentos de custas “as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.
53. Ora, o requerimento inicial que originou a presente providência cautelar, deu entrada, via CITIUS, junto dos autos no passado dia 13 de Julho de 2009, data posterior à entrada em vigor do Regulamento das Custas Judiciais.
54. Tendo a ora Apelante, alegado e comprovado documentalmente, tratar-se de uma pessoa colectiva privada, entidade de gestão colectiva, sem fins lucrativos, constituída com o propósito de representar os produtores fonográficos no exercício dos respectivos direitos, competindo-lhe, nomeadamente, promover o licenciamento e “a cobrança de direitos”, assim como, a gestão, incluindo a negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos conexos daqueles produtores fonográficos, sejam eles nacionais ou estrangeiros, sedeados ou não no território português, dúvidas não poderão subsistir quanto ao facto de se encontrar abrangida pelo disposto no artigo 4º.1 f) do Regulamento das Custas Judiciais.
55. Pelo que, por fim, à cautela e sem prescindir, sempre se refira que mesmo que todos os argumentos explanados pela ora Apelante, não tenham acolhimento e se entenda (o que, reitere-se, não se concede) que a decisão do Mmo. a quo em indeferir liminarmente a requerida providência era a mais acertada, contudo, sempre se será forçado a concluir que, neste ponto, a sentença proferida não foi, com o devido respeito, a mais acertada, nem a mais correcta, no que concerne à apreciação e à decisão proferida relativamente às questões de direito que se encontravam suscitadas nos autos, mormente, no que diz respeito à análise dos requisitos exigidos no artigo 4º.1 f) do Regulamento das Custas Judiciais e à consequente isenção da ora Apelante quanto a custas.  
56. Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 265º.2, 508º.2 e 3, 659º n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil, os artigos 210º-G, 184º, 195º, 197º, 199º, 200º e 203º do Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos, o artigo 4º.1 f) do Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro, e ainda os artigos 5º, 6º, 8º e 9º da Lei 83/2001 de 03 de Agosto, artigos 71º e 72º.1 do Código de Processo Penal, bem como, os artigos 9º, 10º da Directiva 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004.

O apelado apresentou contra – alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[2], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[3].

Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente:

- exigência ou não do pressuposto periculum in mora, isto é, fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito que, através do meio cautelar em causa, se pretende acautelar, com a inerente alegação dos factos susceptíveis de integrarem tal pressuposto;

- adequação do meio empregue;

- regime de custas.

2. De acordo com o nº1 do artigo 381º do Código de Processo Civil, norma prevista para o procedimento cautelar comum, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”, sendo que, nos termos do nº1 do artigo 387º do mesmo diploma legal, “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.

            Entendendo que as normas em causa se aplicavam ao procedimento cautelar instaurado pela requerente, e que esta não havia alegado factos susceptíveis de traduzirem o requisito do “receio de lesão grave e de difícil reparação do direito”, decidiu a Mª Juiz a quo indeferi-lo liminarmente.

            Trata-se, como desde já se adianta, de entendimento que não pode proceder.

            Com efeito, a decisão recorrida não teve em conta o regime específico vertido no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), na redacção introduzida pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril, com entrada em vigor em 6 de Abril de 2008, e que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva nº 2004/48/CE, de 29.4.2004, instrumento destinado a assegurar uma maior eficiência na garantia de defesa dos direitos de propriedade intelectual no espaço comunitário, a qual determina que cada um dos Estados-membros, através de transposição, deva “garantir que as autoridades judiciais possam, a pedido do requerente (…) decretar contra o infractor uma medida inibitória de qualquer violação iminente de direitos de propriedade intelectual ou de proibição (…) a título provisório (…) da continuação da alegada violação dos referidos direitos …”.

            Prevê o nº1 de tal normativo, aditado pela referida Lei nº 16/2008, de 1 de Abril: “ Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a:

a) Inibir qualquer violação iminente; ou

b) Proibir a continuação da violação”.

            Da análise literal, teleológica e histórica (designadamente construída esta a partir dos textos preparatórios que antecederam a transposição da citada Directiva para o ordenamento jurídico português) das normas jurídicas em confronto, é possível concluir não existir inteira coincidência entre ambas: enquanto o artigo 381º, nº1 do Código de Processo Civil, visando tutelar os direitos em geral, se limita a proteger preventivamente situações de “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito”, o artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), destinado especificamente à protecção de direitos de propriedade intelectual, como aqueles cuja defesa à recorrente é cometida, basta-se com a “violação de direitos” daquela natureza, o que, naturalmente, pressupõe que possam ser accionados e decretados os mecanismos nele previstos, independentemente, da violação já se achar consumada, ou de apenas existir “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos”.

            Como refere Adelaide Menezes Leitão[4], a ideia subjacente à solução plasmada no o artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, é a da “facilitação da instauração e decretamento de medidas cautelares (…) em prol da necessidade de assegurar a utilidade da decisão e a efectividade da tutela jurisdicional”, afirmando que “no CPC estabelecem-se pressupostos mais exigentes para a decretação da medida cautelar. Com efeito, no art. 381º exige-se o fundado receio de lesão grave e o carácter de difícil reparação do direito”.

            Deste modo, “presumindo-se que o legislador se expressou em termos gramaticalmente correctos, não existe modo de fazer depender o acesso às medidas cautelares comuns, em situações de violação já verificada, da especial qualificação dos danos causados, o desdobramento do referido preceito acaba por revelar que as providências cautelares podem ser decretadas:

a) Sempre que haja “violação … do direito de autor ou de direitos conexos”;

b) Sempre que haja “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparáveldo direito de autor ou de direitos conexos”.

            Este o resultado que se obtém a partir do elemento literal de interpretação que acaba por ser confirmado com o auxílio de outros instrumentos exegéticos”[5].

            É, assim, bastante para o decretamento da providência em causa, que o requerente “forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular de direito de autor ou de direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-los, e que se verifica ou está iminente uma violação”[6].

Mas ainda que não existisse a específica norma do artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), a factualidade invocada pela recorrente no seu requerimento inicial não justificaria o indeferimento liminar de que foi alvo. Não se pode descurar que “quando ligado ao mérito do procedimento, o indeferimento liminar corresponde a um julgamento antecipado que se justifica apenas nos casos de evidente inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior, isto é, quando seja inequívoco que a pretensão nunca poderá proceder qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais”[7].

Como já defendia Alberto dos Reis[8], “o indeferimento liminar pressupõe que, ou por motivos de forma, ou por motivos de fundo, a pretensão do autor está irremediavelmente comprometida, está votada ao insucesso”, apenas se justificando em caso de verificação de vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitam desde logo, na fase liminar, antever que o processo não poderá culminar com uma decisão de mérito, ou que, sem recurso a demais diligências, se mostre ab initio a inviabilidade da pretensão petiocionada[9].

Se na perspectiva da Senhora Juíza da primeira instância havia insuficiência de alegação da materialidade passível de traduzir o requisito periculum in mora, e entendendo a mesma que esse requisito era indispensável ao decretamento da providência em causa, deveria ter formulado convite de aperfeiçoamento, que, segundo orientação de importante corrente jurisprudencial,[10] e ajustando-se à estrutura actual da lei processual civil e dos princípios que a norteiam, consiste em despacho vinculado, isto é, constitui um poder -dever do tribunal, a conhecer e a exercer oficiosamente. Sendo a lei processual civil omissa, no capítulo dos procedimentos cautelares, quanto ao exercício de tal poder – dever, essa intervenção judicial encontra-se, quanto a eles, genericamente, assegurada pelos artigos 265º, nº2 e 508º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil.

            Acrescente-se que mesmo seguindo a tese de que o meio adequado à aplicação das medidas cautelares requeridas é o regulado pelo artigo 381º e seguintes do Código de Processo Civil, e não a providência especificamente regulamentada no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), que, como já se adiantou, não é o caso, e o que reconduz à equação da segunda questão debatida no presente recurso, nunca a solução seria a defendida no despacho recorrido.

É que “nada obsta a que relativamente a lesões continuadas ou repetidas seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos. Importante é que a situação de perigo, contra a qual se pretende defender o lesado, continue actual, servindo as lesões já ocorridas para fortalecer a convicção acerca da gravidade da situação e para reforçar a necessidade de ser concedida tutela cautelar que evite a repetição ou a persistência de situações lesivas. Sem que isto cause quaisquer dúvidas na doutrina ou na jurisprudência, admite-se o deferimento de uma providência cautelar se e enquanto subsistir uma situação de perigo de ocorrência de novos danos ou de agravamento dos danos entretanto ocorridos. Ponto é que as lesões futuras ou reiteradas sejam graves e irreparáveis ou de difícil reparação nos termos dos artigos 381º e 387º, do CPC”[11].

E a continuação, a repetição dos actos lesivos, a actualidade da lesão dos direitos autorais encontram-se abundantemente alegadas no requerimento inicial subscrito pela ora recorrente.  

Entre o mais, alega, com efeito a requerente:

- “O mencionado estabelecimento de diversão nocturna encontra-se aberto ao público e a funcionar diariamente, sendo certo que procede à execução pública de fonogramas do repertório entregue à gestão da Requerente, em qualquer desses dias”- artigo 42º;

- “Sendo que a actividade ilícita vinda de identificar (execução pública não licenciada de fonogramas musicais) prossegue ainda e na exacta medida em que o Requerido tem prosseguido normalmente a sua actividade”- artigo 47º;

- “Apesar de devidamente interpelado com o envio da mencionada missiva, e bem como, através de toda a campanha informativa e de sensibilização levada a cabo junto dos utilizadores sobre esta temática, através dos vários meios de comunicação social, a verdade é que a ora Requerente, até hoje, não recebeu do Requerido qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização” – artigo 49º;

- “…o Requerido prossegue com a sua actividade comercial, persistindo e continuando a violação dos direitos conexos que tem perpetuado, razão pela qual a continuação da actividade ilícita é, por só, causadora de graves prejuízos à Requerente, não lhe restando qualquer outra alternativa interposição do presente procedimento cautelar, sob pena de ficar a assistir, impávida e serena, à violação contínua e reiterada dos seus direitos, situação essa que, atentas as suas atribuições estatutárias supra mencionadas, não pode aceitar”- artigo 51º.

3. Questiona o despacho recorrido a idoneidade do meio processual empregue pelo requerente, sem especificar, contudo, a razão de ser das dúvidas suscitadas, apenas argumentando que o procedimento contra - ordenacional ou criminal se afigura o mais ajustado à pretensão formulada.

Como já se referiu, e sem prejuízo de recurso a outros meios processuais facultados à requerente na tarefa da prossecução dos objectivos da defesa dos direitos de autor e direitos conexos que lhe estão cometidos[12], o meio processual escolhido pela requerente é o adequado ao caso concreto, reservando-se ao tribunal a possibilidade, em função do quadro factual indiciariamente demonstrado, de ajustar as medidas, das legalmente permitidas, que melhor prosseguiam os fins da protecção dos direitos ameaçados ou já violados.

Por todas as razões já expostas, não pode manter-se o despacho recorrido, havendo que revogá-lo, e determinar o prosseguimento da providência cautelar instaurada pela requerente.

4. Finalmente, a questão das custas: ainda que a sua apreciação resulte prejudicada pela decisão das demais questões anteriormente apreciadas, dado que, revogando-se o despacho recorrido, tal revogação se repercutirá na condenação em custas determinada no mesmo despacho, sempre haverá, também quanto a este ponto, que reconhecer razão à recorrente, que, efectivamente, o Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto – Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, e com início de vigência em 20 de Abril de 2009, no seu artigo 4º, nº1, f), isenta do pagamento de custas.

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Conclusão:

O mecanismo processual previsto no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, na redacção conferida pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril, confere ao titular de direitos de autor ou de direitos conexos a possibilidade de decretamento da providência cautelar nele regulada, quer com fundamento na violação desses direitos, quer com fundamento em fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável de tais direitos.

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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, em vez do indeferimento liminar nela determinado, ordene o prosseguimento da providência cautelar, designadamente com cumprimento do disposto no artigo 234º- A, nº4 do Código de Processo Civil.

Sem custas (primeira e segunda instâncias).

Notifique.


[1] A recorrente omitiu o dever de síntese imposto, em matéria de conclusões, pelo artigo 685º-A, nº1 do Código de Processo Civil, as quais, nomeadamente, incluem referências jurisprudenciais, cuja menção se deve conter apenas no âmbito das alegações.
Apesar dessa prolixidade, dada a natureza urgente do processo em causa, e a possibilidade de aproveitamento das conclusões formuladas, ainda que restringindo a sua transcrição, opta-se por não formular convite ao seu aperfeiçoamento
[2] artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto
[3] art.º 664º do mesmo diploma
[4]A tutela dos direitos de propriedade intelectual na Directiva nº 2004/48/CE”, in “Direito da Sociedade de Informação, vol. VII
[5] Acórdão da Relação de Lisboa, 10.02.2009, 2974/2008.4TVLSB.L1-7

[6] Nº 2 do artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC)
[7] Acórdão da Relação de Lisboa, 19.05.2008, www.dgsi.pt.
[8] “Código de Processo Civil anotado”, II, pág. 373
[9] Artigo 234º- A, nº1 do Código de Processo Civil
[10] Cf., entre outros, Acórdão da Relação de Coimbra, 28.11.2006, www.dgsi.pt.
[11] Acórdão da Relação de Lisboa, de 07.12.2007, www.dgsi.pt
[12] Sendo que, a ser perspectivado como procedimento cautelar comum, sempre a coexistência com outra acção, declarativa ou executiva, se imporia, por força do disposto no artigo 383º do Código de Processo Civil