Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR DIREITOS DE AUTOR | ||
Data do Acordão: | 11/17/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | MARINHA GRANDE 3º J | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 210º-G DO CÓDIGO DOS DIREITOS DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS, NA REDACÇÃO CONFERIDA PELA LEI Nº 16/2008, DE 1 DE ABRIL | ||
Sumário: | O mecanismo processual previsto no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, na redacção conferida pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril, confere ao titular de direitos de autor ou de direitos conexos a possibilidade de decretamento da providência cautelar nele regulada, quer com fundamento na violação desses direitos, quer com fundamento em fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável de tais direitos. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
I.RELATÓRIO “A....” instaurou contra B....., residente na ....., procedimento cautelar, pedindo que seja decretado o encerramento do estabelecimento explorado pelo Requerido, ou, subsidiariamente, seja decretada a proibição da continuação da execução pública não autorizada de fonogramas musicais e a apreensão dos bens de que se suspeite violarem os direitos conexos, bem como, dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente, amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil, quaisquer suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais, bem como a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pelo Requerido, com o objectivo de escutar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os fonogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso. Alega para o efeito, e em síntese, ser a requerente uma pessoa colectiva privada, associação de utilidade pública, constituída por escritura pública e registada na IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais), tendo por atribuições a gestão colectiva dos direitos conexos, de artistas, intérpretes e executantes, e, como tal, legitimidade para exercer, pelas vias administrativas e judiciais, os direitos confiados à sua gestão e exigir o seu cumprimento, e que o requerido, apesar de para tal informado, não obteve licença para a execução pública de fonogramas no seu estabelecimento comercial da titularidade de associados da requerente, e cujos direitos a esta compete acautelar, actividade que vem exercendo de forma contínua e que é geradora de prejuízos para os titulares dos respectivos direitos autorais. O procedimento cautelar foi liminarmente indeferido, com fundamento na falta de alegação de factos que, indiciariamente provados, permitissem concluir pela urgência da providência em causa, nomeadamente por deles decorrer o fundado receio de lesão do seu direito, questionando ainda a idoneidade do meio empregue. Inconformada com tal decisão, dela apelou a requerente que apresentou as seguintes conclusões[1]: “(…)
O apelado apresentou contra – alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. 1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[2], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[3]. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar fundamentalmente: - exigência ou não do pressuposto periculum in mora, isto é, fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito que, através do meio cautelar em causa, se pretende acautelar, com a inerente alegação dos factos susceptíveis de integrarem tal pressuposto; - adequação do meio empregue; - regime de custas.
2. De acordo com o nº1 do artigo 381º do Código de Processo Civil, norma prevista para o procedimento cautelar comum, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”, sendo que, nos termos do nº1 do artigo 387º do mesmo diploma legal, “a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”. Entendendo que as normas em causa se aplicavam ao procedimento cautelar instaurado pela requerente, e que esta não havia alegado factos susceptíveis de traduzirem o requisito do “receio de lesão grave e de difícil reparação do direito”, decidiu a Mª Juiz a quo indeferi-lo liminarmente. Trata-se, como desde já se adianta, de entendimento que não pode proceder. Com efeito, a decisão recorrida não teve em conta o regime específico vertido no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), na redacção introduzida pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril, com entrada em vigor em 6 de Abril de 2008, e que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva nº 2004/48/CE, de 29.4.2004, instrumento destinado a assegurar uma maior eficiência na garantia de defesa dos direitos de propriedade intelectual no espaço comunitário, a qual determina que cada um dos Estados-membros, através de transposição, deva “garantir que as autoridades judiciais possam, a pedido do requerente (…) decretar contra o infractor uma medida inibitória de qualquer violação iminente de direitos de propriedade intelectual ou de proibição (…) a título provisório (…) da continuação da alegada violação dos referidos direitos …”. Prevê o nº1 de tal normativo, aditado pela referida Lei nº 16/2008, de 1 de Abril: “ Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a: a) Inibir qualquer violação iminente; ou b) Proibir a continuação da violação”. Da análise literal, teleológica e histórica (designadamente construída esta a partir dos textos preparatórios que antecederam a transposição da citada Directiva para o ordenamento jurídico português) das normas jurídicas em confronto, é possível concluir não existir inteira coincidência entre ambas: enquanto o artigo 381º, nº1 do Código de Processo Civil, visando tutelar os direitos em geral, se limita a proteger preventivamente situações de “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do seu direito”, o artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), destinado especificamente à protecção de direitos de propriedade intelectual, como aqueles cuja defesa à recorrente é cometida, basta-se com a “violação de direitos” daquela natureza, o que, naturalmente, pressupõe que possam ser accionados e decretados os mecanismos nele previstos, independentemente, da violação já se achar consumada, ou de apenas existir “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos”. Como refere Adelaide Menezes Leitão[4], a ideia subjacente à solução plasmada no o artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, é a da “facilitação da instauração e decretamento de medidas cautelares (…) em prol da necessidade de assegurar a utilidade da decisão e a efectividade da tutela jurisdicional”, afirmando que “no CPC estabelecem-se pressupostos mais exigentes para a decretação da medida cautelar. Com efeito, no art. 381º exige-se o fundado receio de lesão grave e o carácter de difícil reparação do direito”. Deste modo, “presumindo-se que o legislador se expressou em termos gramaticalmente correctos, não existe modo de fazer depender o acesso às medidas cautelares comuns, em situações de violação já verificada, da especial qualificação dos danos causados, o desdobramento do referido preceito acaba por revelar que as providências cautelares podem ser decretadas: a) Sempre que haja “violação … do direito de autor ou de direitos conexos”; b) Sempre que haja “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável… do direito de autor ou de direitos conexos”. Este o resultado que se obtém a partir do elemento literal de interpretação que acaba por ser confirmado com o auxílio de outros instrumentos exegéticos”[5]. É, assim, bastante para o decretamento da providência em causa, que o requerente “forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular de direito de autor ou de direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-los, e que se verifica ou está iminente uma violação”[6]. Mas ainda que não existisse a específica norma do artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), a factualidade invocada pela recorrente no seu requerimento inicial não justificaria o indeferimento liminar de que foi alvo. Não se pode descurar que “quando ligado ao mérito do procedimento, o indeferimento liminar corresponde a um julgamento antecipado que se justifica apenas nos casos de evidente inutilidade de qualquer instrução ou discussão posterior, isto é, quando seja inequívoco que a pretensão nunca poderá proceder qualquer que seja a interpretação jurídica que se faça dos preceitos legais”[7]. Como já defendia Alberto dos Reis[8], “o indeferimento liminar pressupõe que, ou por motivos de forma, ou por motivos de fundo, a pretensão do autor está irremediavelmente comprometida, está votada ao insucesso”, apenas se justificando em caso de verificação de vícios formais ou substanciais de tal modo graves que permitam desde logo, na fase liminar, antever que o processo não poderá culminar com uma decisão de mérito, ou que, sem recurso a demais diligências, se mostre ab initio a inviabilidade da pretensão petiocionada[9]. Se na perspectiva da Senhora Juíza da primeira instância havia insuficiência de alegação da materialidade passível de traduzir o requisito periculum in mora, e entendendo a mesma que esse requisito era indispensável ao decretamento da providência em causa, deveria ter formulado convite de aperfeiçoamento, que, segundo orientação de importante corrente jurisprudencial,[10] e ajustando-se à estrutura actual da lei processual civil e dos princípios que a norteiam, consiste em despacho vinculado, isto é, constitui um poder -dever do tribunal, a conhecer e a exercer oficiosamente. Sendo a lei processual civil omissa, no capítulo dos procedimentos cautelares, quanto ao exercício de tal poder – dever, essa intervenção judicial encontra-se, quanto a eles, genericamente, assegurada pelos artigos 265º, nº2 e 508º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Civil. Acrescente-se que mesmo seguindo a tese de que o meio adequado à aplicação das medidas cautelares requeridas é o regulado pelo artigo 381º e seguintes do Código de Processo Civil, e não a providência especificamente regulamentada no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), que, como já se adiantou, não é o caso, e o que reconduz à equação da segunda questão debatida no presente recurso, nunca a solução seria a defendida no despacho recorrido. É que “nada obsta a que relativamente a lesões continuadas ou repetidas seja proferida decisão que previna a continuação ou a repetição de actos lesivos. Importante é que a situação de perigo, contra a qual se pretende defender o lesado, continue actual, servindo as lesões já ocorridas para fortalecer a convicção acerca da gravidade da situação e para reforçar a necessidade de ser concedida tutela cautelar que evite a repetição ou a persistência de situações lesivas. Sem que isto cause quaisquer dúvidas na doutrina ou na jurisprudência, admite-se o deferimento de uma providência cautelar se e enquanto subsistir uma situação de perigo de ocorrência de novos danos ou de agravamento dos danos entretanto ocorridos. Ponto é que as lesões futuras ou reiteradas sejam graves e irreparáveis ou de difícil reparação nos termos dos artigos 381º e 387º, do CPC”[11]. E a continuação, a repetição dos actos lesivos, a actualidade da lesão dos direitos autorais encontram-se abundantemente alegadas no requerimento inicial subscrito pela ora recorrente. Entre o mais, alega, com efeito a requerente: - “O mencionado estabelecimento de diversão nocturna encontra-se aberto ao público e a funcionar diariamente, sendo certo que procede à execução pública de fonogramas do repertório entregue à gestão da Requerente, em qualquer desses dias”- artigo 42º; - “Sendo que a actividade ilícita vinda de identificar (execução pública não licenciada de fonogramas musicais) prossegue ainda e na exacta medida em que o Requerido tem prosseguido normalmente a sua actividade”- artigo 47º; - “Apesar de devidamente interpelado com o envio da mencionada missiva, e bem como, através de toda a campanha informativa e de sensibilização levada a cabo junto dos utilizadores sobre esta temática, através dos vários meios de comunicação social, a verdade é que a ora Requerente, até hoje, não recebeu do Requerido qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização” – artigo 49º; - “…o Requerido prossegue com a sua actividade comercial, persistindo e continuando a violação dos direitos conexos que tem perpetuado, razão pela qual a continuação da actividade ilícita é, por só, causadora de graves prejuízos à Requerente, não lhe restando qualquer outra alternativa interposição do presente procedimento cautelar, sob pena de ficar a assistir, impávida e serena, à violação contínua e reiterada dos seus direitos, situação essa que, atentas as suas atribuições estatutárias supra mencionadas, não pode aceitar”- artigo 51º.
3. Questiona o despacho recorrido a idoneidade do meio processual empregue pelo requerente, sem especificar, contudo, a razão de ser das dúvidas suscitadas, apenas argumentando que o procedimento contra - ordenacional ou criminal se afigura o mais ajustado à pretensão formulada. Como já se referiu, e sem prejuízo de recurso a outros meios processuais facultados à requerente na tarefa da prossecução dos objectivos da defesa dos direitos de autor e direitos conexos que lhe estão cometidos[12], o meio processual escolhido pela requerente é o adequado ao caso concreto, reservando-se ao tribunal a possibilidade, em função do quadro factual indiciariamente demonstrado, de ajustar as medidas, das legalmente permitidas, que melhor prosseguiam os fins da protecção dos direitos ameaçados ou já violados. Por todas as razões já expostas, não pode manter-se o despacho recorrido, havendo que revogá-lo, e determinar o prosseguimento da providência cautelar instaurada pela requerente.
4. Finalmente, a questão das custas: ainda que a sua apreciação resulte prejudicada pela decisão das demais questões anteriormente apreciadas, dado que, revogando-se o despacho recorrido, tal revogação se repercutirá na condenação em custas determinada no mesmo despacho, sempre haverá, também quanto a este ponto, que reconhecer razão à recorrente, que, efectivamente, o Regulamento das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto – Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, e com início de vigência em 20 de Abril de 2009, no seu artigo 4º, nº1, f), isenta do pagamento de custas. * Conclusão: O mecanismo processual previsto no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, na redacção conferida pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril, confere ao titular de direitos de autor ou de direitos conexos a possibilidade de decretamento da providência cautelar nele regulada, quer com fundamento na violação desses direitos, quer com fundamento em fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável de tais direitos. * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que, em vez do indeferimento liminar nela determinado, ordene o prosseguimento da providência cautelar, designadamente com cumprimento do disposto no artigo 234º- A, nº4 do Código de Processo Civil. Sem custas (primeira e segunda instâncias). Notifique.
[6] Nº 2 do artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC) |