Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3988/14.0T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MENOR
GUARDA
CONFIANÇA A TERCEIRA PESSOA
Data do Acordão: 11/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 1878, 1905, 1906, 1907, 40 RGPTC
Sumário: I - Não obstante a atual lei – artº 1906º do CC -, a doutrina e a jurisprudência, considerarem como preferível, em tese e por via de regra, o regime da guarda compartilhada: exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, outras modalidades de guarda - guarda exclusiva: exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva; guarda conjunta: exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro; guarda alternada: residência alternada com exercício das responsabilidades parentais em exclusivo nos respectivos períodos de residência de cada um dos pais –, podem ser adotadas se as circunstâncias do caso – vg. conflito acentuado, residências afastadas ou exercício da profissão longe do menor – o justificarem.

II - Salvo circunstâncias excepcionais impeditivas devidamente provadas, devem ser concedidos ao progenitor não guardião amplos contactos com o menor de sorte a que também ele possa continuar a exercer, cabal e proficuamente, os seus direitos/poderes/deveres relativamente ao filho.

Decisão Texto Integral:










ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A (…) e B (...)   intentaram ação tutelar cível, para alteração da regulação do exercício das responsabilidades   parentais relativamente  ao menor C (...) contra os seus pais D (...) e E (...)

Pediram:

Que a residência do menor seja fixada com os requerentes, avós maternos, e fixado direito de vistas dos progenitores.

 Alegaram:

A criança vem residindo com os avós maternos, desde o início do ano de 2015, residindo a mãe da criança com um companheiro em x (...) .

Desde que nasceu a criança ficou logo a residir com os avós, tendo sido estes quem sempre dela cuidaram, dando refeições, levando ao médico e à  escola.

Num período de tempo e por decisão da CPCJ de x (...) o menor foi entregue à mãe que dele não cuidou e tendo ele nesse período vivido num quadro de violência doméstica.

Presentemente são os avós quem suportam todas as despesas com a criança e praticamente desde o seu nascimento; são os avós que se deslocam às reuniões da escola, festas, asseguram as consultas médicas, o vestuário e calçado e pagam o jardim escola frequentado pelo menor.

A mãe alterou várias vezes de residência e de companheiros e o progenitor nunca aceitou o filho, negando a sua paternidade e nunca o visitou.

Frustrou-se o acordo na legal conferência.

No âmbito de autos de promoção e proteção apensos foi aplicada medida de promoção e proteção, a favor da criança, de apoio juntos dos avós maternos, medida essa que se mantém em vigor na presente data.

Prosseguiram os autos os seus termos, com audição da criança, em diligência especialmente designada para o efeito.

2.

A final foi proferida  sentença que regulou as responsabilidades parentais nos seguintes termos:

«Em face de tudo quanto fica exposto, decide-se regular o exercício do poder paternal da seguinte forma:

- Fixa-se a residência da criança C (...) com os avós maternos A (...) e B (...) e, no impedimento destes, junto da tia, F (…), cabendo aos avós  maternos o exercício das responsabilidades parentais quanto aos atos da vida corrente da criança, bem como quanto às questões de particular importância para a vida da criança,  ouvindo a mãe apenas quanto às questões relacionadas com tratamentos médicos invasivos  e intervenções cirúrgicas não urgentes, bem como quanto à alteração do concelho de residência.

- A mãe da criança poderá visitar e contactar livremente com a criança sem prejuízo das atividades escolares e períodos de descanso e horários das refeições desta, mediante prévio aviso com quarenta e oito horas de antecedência.

- O pai da criança poderá visitar e contactar livremente com a criança sem prejuízo das atividades escolares e períodos de descanso e horários das refeições desta, sempre sob a supervisão dos avós maternos, da tia materna ou de pessoa por estes indicada, sendo as visitas mediante prévio aviso com quarenta e oito horas de antecedência.

- Os pais da criança poderão ainda contactar com esta telefonicamente ou com recurso a videochamada, diariamente, no período entre as 19.00 e as 20.00 horas, hora de Portugal.

- A mãe da criança poderá tê-la consigo, aos fins de semana, de quinze em quinze dias, sem direito a pernoita, com início no primeiro fim de semana de maio, desde as 10.00 horas as 20.30 horas, indo a progenitora buscar e entregar a criança a casa dos avós maternos e as entregas efetuadas pela tia materna ou pessoa indiciada pelos avós maternos ou esta.

- A criança passará o dia da mãe e o dia de aniversário da mãe com a mãe,  indo a mãe buscar e entregar a criança a casa dos avós maternos, respetivamente às 10.00 horas e às 20.30 horas, sem prejuízo das obrigações escolares da criança.

- No dia de aniversário da criança, esta tomará uma refeição com a mãe, a acordar com os avós maternos.

- A mãe poderá ainda estar com a criança no dia de Natal, entre as 15.00 horas e as 20.30 horas, indo buscar e entregar a criança a casa dos avós da criança, nos  moldes já definidos para as visitas.

- A mãe da criança contribuirá, mensalmente, a título de pensão de alimentos para a criança com a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros) mensais a pagar entre o dia 1 e o dia 8 do mês a que diga respeito, por transferência bancária ou depósito em conta para a conta dos avós maternos da criança, com início no presente mês de abril (sem  prejuízo dos alimentos anteriormente fixados no processo de promoção e proteção).

- O pai da criança contribuirá, mensalmente, a título de pensão de alimentos para a criança com a quantia de € 75,00 (setenta e cinco euros) mensais a pagar entre o dia  1 e o dia 8 do mês a que diga respeito, por transferência bancária ou depósito em conta para  a conta dos avós maternos da criança, com início no presente mês de abril (sem prejuízo dos alimentos anteriormente fixados no processo de promoção e proteção).

- As despesas médicas, medicamentosas e de educação (livros, material escolar, ATL, viagens de estudo, despesas com frequência de ensino superior ou equiparado, incluindo propinas, alojamento e deslocações), serão suportadas por ambos os progenitores,  na proporção de 2/3 da responsabilidade da mãe e de 1/3 da responsabilidade do pai, a  pagar no prazo de dez dias a contar da apresentação do respetivo comprovativo, com a   descrição dos bens e serviços prestados, contendo o nome e NIF da criança, por transferência bancária para a conta do progenitor que suportou a despesa e a apresentar mensalmente por carta, email ou através de outro meio eletrónico.

- As despesas extracurriculares ficarão a cargo dos avós maternos da criança.

- Os avós maternos e os pais da criança deverão comunicar de imediato aos outros qualquer alteração da morada, contactos telefónicos, email ou número de IBAN da conta bancária.

- Os avós maternos, ou a tia materna, em substituição destes, ficam ainda obrigados a comunicar de imediato à mãe e ao pai da criança qualquer situação de doença ou situação relevante ao nível escolar da criança ou outras questões relevantes.

3.

Inconformada recorreu a mãe.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1- Não obstante a penhorada deferência de que o Tribunal a quo é seguramente credor, discorda a recorrente da Sentença que regulou as responsabilidades parentais do seu filho, C (…), designadamente no que às questões de particular importância e regime de visitas diz respeito.

2- Afigura-se imotivada e sem apoio fáctico-jurídico, logo não representativa do superior interesse do C (…), a atribuição aos avós maternos do poder decisório absoluto sobre as questões de particular importância para a vida do C (…)

 3- Mutatis mutandis, quando restringe, sem fundamento, o regime de visitas da mãe ao filho, ao impedir a pernoita do filho junto desta, ao não fixar um regime de férias e em resumir as épocas festivas ao dia de natal, das 15h às 20h30m.

4- Imotivadamente, cremos seguro, porque não consta da motivação e da fundamentação jurídica constante da decisão quais foram os critérios decisórios, em abono do superior interesse do C (…), que presidiram à exclusão da mãe das decisões mais importantes para a vida futura do seu filho e, bem assim, qual o superior interesse do C (...) que desaconselha dormir em casa da mãe, com ela gozar férias ou, por exemplo, passar o ano novo, o carnaval ou a Páscoa.

5- Sem fundamento, porque a única razão que poderia secundar tais restrições, não só não é invocada como fundamento decisório, e por isso se não compreende, como se reporta a factos ocorridos no ano de 2015 – a infeliz exposição da criança a situações de violência doméstica.

6- Assim, sendo a dinâmica conflitual dos elementos adultos da família o único motivo actual que pode bulir com o superior interesse do C (...) (vide correlação entre a factualidade provada em 24 e 31), não pode aquela ser mitigada à custa da restrição do poder-dever da mãe em ser parte activa nas decisões relativas ao seu filho e de com ele manter uma relação de grande proximidade, amplos contactos, partilha de vivências e responsabilidades.

 7- De facto assim é, como nas palavras do Digníssimo Magistrado do Ministério Público, porque “… o clima de conflitualidade existente, que é grave, e que se reflecte no exercício do direito de visitas e de convívio, a vivência dos mesmos pela criança é fonte de sofrimento e de instabilidade emocional, bem como de conflito de lealdades, cerceando o direito da criança a esse convívio.”, sublinhado nosso, vide promoção datada de 1/02/2019, constante do Apenso C.

 8- Igualmente sendo este o entendimento da EMAT, a propósito da proibição unilateral de contactos imposta pela avó materna e que perdurou desde Julho de 2018, vide fls. 273 a 282 e 300 a 304 do Apenso C, ao anotar o impacto negativo para o C (...) que esta proibição de contactos acarreta e sufragando que se deve promover a aproximação do C (...) ao agregado da mãe.

9- Importa, também por isso, trazer à liça as próprias palavras do C (…), reproduzidas no relatório de perícia médico-legal, constante do Apenso A e das quais, reproduzidas em sede de fundamentos supra, ora destacamos “a minha mãe não dorme lá em casa… antes dormia e eu gostava muito”; sublinhado nosso

10- Ora, considerando que a mãe da criança é pessoa “trabalhadora”, “responsável” e que “a sua condição de vida apresenta-se estruturada, nomeadamente com condições económicas e habitacionais favoráveis, com a presença de uma rede de suporte afectiva e, portanto, favorável a um bom ajustamento e desenvolvimento do menor”; sublinhado nosso, vide pontos 21 e 29 da factualidade provada;

11- Constitui um manifesto erro de julgamento, designadamente por violação do disposto nos nºs 1, 2 e 7 do art.º 1906 e 2 e 3 do art.º 1907, ambos do CC, o afastamento da mãe das decisões relativas às questão de particular importância na vida do C (...) e, bem assim, o estabelecimento de um regime de visitas que fica muito aquém do que se impunha e excede manifestamente o necessário ao desempenho das funções dos avós maternos; no que se nos afigura contrário ao superior interesse do C (...)

12- De facto, nenhuma razão objectiva actual, e muito menos o será o desacerto comportamental dos elementos adultos da família, justifica as visitas sem pernoita, a ausência de períodos de férias e a redução das épocas festivas a 5h30m no dia de Natal, uma vez que elas ocorrem na ausência dos avós, logo, longe da relação conflituosa.

 13- Assim, não só a pernoita, como é comummente reconhecido, constitui um elemento muito importante na sedimentação dos afectos, na criação de rotinas e partilha de responsabilidades, como, no caso dos autos, também representa uma experiência vivencial positiva e gratificante para C (...) – nas suas palavras “a minha mãe não dorme lá em casa… antes dormia e eu gostava muito”.

14- Além disso, embora sem tradução na matéria de facto dada como provada, mas por resultar de um juízo de cariz científico, por natureza arredado de querelas argumentativas, o C (...) continua a identificar a mãe como uma das suas figuras de referência e a justificar o seu distanciamento físico com a explicação, a todos patente – ele é a consequência do conflito que existe entre os elementos adultos da família.

15- Como tal, deveria a decisão recorrida ter estabelecido um regime de partilha das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para o C (…), entre a mãe e os avós maternos, acompanhado de um regime amplo de visitas que assegurasse a pernoita, o gozo de férias e das demais épocas festivas junto da mãe.

16- Consequentemente, propõe-se a redacção à estampa deixada em sede de fundamentos, poupando repetições a Vs. Exas., perdoem-nos o atrevimento.

O Digno Magistrado do MºPº e a requerente pugnaram pela manutenção do decidido.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª - Decisão e exercício  conjuntos, entre avós maternos e mãe, quanto às questões de particular importância da vida do menor.

2ª - Alargamento dos contactos do menor com a mãe, máxime quanto a pernoitas, festividades e férias.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos:

1. A criança C (...) nasceu no dia 2 de fevereiro de 2011 e é  filho de E (...) e D (...) .

2. A criança reside com os avós maternos J (…) e A (...) praticamente desde o nascimento, mantendo-se, desde essa data, quase ininterruptamente, no agregado familiar dos avós maternos, onde também reside uma tia e um tio maternos.

3. Durante aquele período temporal e até à data, foram os avós maternos da criança quem, de um modo desvelado, responsável e empenhado assumiram os atos da vida corrente da criança, encontrando-se a criança bem cuidada e integrada.

4. Aquando da gravidez da criança e após o seu nascimento, a progenitora regressou a casa dos seus pais, onde residiu até inícios de 2015.

5. O progenitor da criança nunca procurou nem visitou a criança.

6. Em 29.07.2014 foi assinado na CPCJ de x (...) acordo de Promoção e Proteção a favor da criança C (…), aplicando-lhe a medida de promoção e proteção de apoio junto da mãe, pelo prazo de seis meses, tendo a criança ficado a residir com esta desde 13 de agosto de 2014 a janeiro de 2015.

7. Por acordo de 12.12.2014, no âmbito dos autos de Processo Tutelar Comum apensos, a que corresponde o processo principal, foi, entre a mãe e os avós maternos da criança obtido o seguinte acordo: os avós poderão estar com o menor aos fins de semana, de quinze em quinze dias, em horário a acordar, caso a caso, com a progenitora, entregando os avós o menor à progenitora até às 18:00 horas de domingo; o menor passará dois períodos de quinze dias das férias escolares do verão, interpolados, com os avós, a acordar com a progenitora até ao dia 31 de maio de cada ano; nas férias escolares da Páscoa e do Natal, o menor passará metade do período com os avós.

8. A criança, quando residia com a mãe, foi exposta a situações de violência doméstica.

9. Após 2015, a mãe da criança alterou de residência e mudou de companheiro.

10. A mãe da criança não a visita regularmente e tem uma relação conflituosa com os avós maternos da criança.

11. As visitas da criança à mãe decorriam na casa dos avós maternos da criança.

12. No âmbito do processo de promoção e proteção apenso foi aplicada, em 20.02.2017, medida de promoção e proteção à criança de apoio junto de outro familiar, no  caso junto dos avós maternos, a vigorar pelo prazo de um ano, com revisões semestrais, nos termos dos artigos 35º, n.º 1, al. b) e 40º do D.L. n.º 147/99, de 01/09.

13. Nesse acordo ficou estipulado que, nas faltas ou impedimentos dos avós maternos, a criança ficará à guarda e cuidados da tia materna, P (…) e que a mãe da criança poderia visitar a criança sob a supervisão da avó materna.

14. O pai poderia visitar a criança, sob a supervisão da EMAT, em termos a acordar com a gestora do Processo de Promoção e Proteção.

15. O agregado familiar onde a criança reside é composto por esta, pelos avós maternos, por uma tia e um tio da criança, residindo em habitação própria que beneficia das infraestruturas básicas essenciais e oferece condições de habitabilidade e conforto.

16. A criança encontra-se bem integrada e adaptada ao agregado familiar dos avós maternos.

17. O progenitor não contribui para o sustento da criança e a mãe paga os alimentos pontualmente.

18. A progenitora da criança é camionista de transportes internacionais, encontrando-se ausente durante os dias úteis da semana, auferindo o rendimento mensal de cerca de € 1.000,00 (mil euros).

19. A mãe da criança reside em casa arrendada com um companheiro, pagando € 220,00 (duzentos e vinte euros) de renda de casa, a que acrescem despesas de água, eletricidade, gás, telefone, combustível e alimentação.

20. A mãe da criança suporta um crédito bancário no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais.

21. É pessoa trabalhadora e responsável.

22. Os pais da criança não mantêm contactos um com o outro.

23. O pai da criança aufere uma pensão de reforma por invalidez no valor de € 457,00 (quatrocentos e cinquenta e sete euros) mensais e exerce ainda atividade como operário fabril auferindo o salário mínimo nacional.

24. Desde Julho de 2018 que a criança não tem contactos com a mãe, em face da rutura dos contactos da mãe com a avó materna da criança.

25. A mãe da criança e o seu então companheiro (…) beneficiaram do instituto da suspensão provisória do Processo no âmbito do Processo n.º 42/15.1GCTND, pela prática do crime de violência doméstica.

26. A criança C (...) encontra-se bem integrada no agregado familiar dos avós maternos, beneficiando de um relacionamento muito estreito e afetivo com todos os elementos do agregado familiar.

27. A criança demonstra uma forte vinculação afetiva com a mãe, nutrindo por esta sentimentos recompensantes, satisfatórios e positivos.

28. A criança apresenta uma forte vinculação afetiva com os avós maternos, apresentando-os como figuras de referência, nutrindo por esta sentimentos recompensantes, satisfatórios e positivos.

29. A condição de vida da progenitora apresenta-se estruturada, nomeadamente com condições económicas e habitacionais favoráveis, com a presença de uma rede de suporte afetiva e, portanto, favorável a um bom ajustamento e desenvolvimento do menor.

30. Pode-se afirmar da existência de uma relação afetiva e emocional positiva entre a progenitora e o menor.

31. Existe uma dinâmica conflituosa entre a mãe da criança e os avós maternos da criança, que implica uma falta de capacidade relacional, de forma a conseguirem manter um nível de comunicação interpessoal suficiente e aceitável e discernimento nas suas atitudes e comportamento.

32. A avó da criança demonstra uma forte vinculação afetiva com esta.

6.

Apreciando.

6.1.

A julgadora decidiu com base no seguinte, sinótico e essencial, discurso argumentativo:

«Basilar …é o princípio da igualdade dos progenitores, ínsito no artigo 36.º n.º 3 e 5 da C. R. P., nos termos do qual incumbe a ambos os pais prover pela manutenção e educação dos filhos.

No mesmo sentido, o ponto 6 da exposição de motivos da Recomendação R (84) 4 sobre as responsabilidades parentais dispõe que “os pais, em pé de igualdade entre si e em concertação com os filhos são investidos de uma missão de educação, de representação legal, de manutenção, etc. Para tanto exercem poderes para desempenharem deveres no interesse do filho e não em virtude de uma autoridade que lhes seria conferida  no seu próprio interesse”, e o ponto 7 do mesmo texto dispõe que “as responsabilidades parentais incumbem em todos os casos a ambos os pais. Mesmo no caso de dissolução do casamento, de separação entre os esposos ou de filhos nascidos fora do casamento, as responsabilidades parentais pertencem a ambos os pais. O que importa é afirmar a unidade da responsabilidade dos pais em relação ao filho, mesmo quando não vivem juntos, e encorajar a colaboração entre eles, quando se trata de assegurar o bem estar moral e material deste”.

Também a Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu artigo 18º n.º 1 prevê a responsabilidade comum dos pais na educação e desenvolvimento da criança.

Do art. 1878.º do Código Civil resulta que o poder paternal é um complexo de poderes-deveres funcionais que abrange os poderes-deveres de guarda, de educação, de auxílio e assistência, de representação e de administração, cujo exercício está vinculado à salvaguarda, promoção, e realização do interesse do menor, pois são atribuídos para a prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais de que aquele titular.

De acordo com o disposto no artigo 40º, n.ºs 1 e 2 do RGPTC, na sentença, o exercício das responsabilidades parentais é regulado de harmonia com os interesses da criança, devendo determinar-se que seja confiada a ambos ou a um dos progenitores, a outro familiar, a terceira pessoa ou a instituição de acolhimento, aí se fixando a residência daquela, sendo estabelecido regime de visitas que regule a partilha de tempo com a criança, podendo o tribunal, no interesse desta e sempre que se justifique, determinar que tais contactos sejam supervisionados pela equipa multidisciplinar de assessoria técnica, nos termos que forem ordenados pelo tribunal.

As decisões proferidas nos processos tutelares cíveis caracterizam-se pela equidade…

O tribunal deve adotar, em cada caso, a solução que julgue mais conveniente e oportuna…

Cumpre pois decidir, nos termos da lei e atendendo ao interesse da criança que é o critério fundamental regulador da atividade jurisdicional nesta matéria, (cfr. artigo 1905.º n.º 2 do C. C.).

A lei não define o que deve entender-se por interesse do menor, pelo que caberá ao juiz, em cada caso concreto identificá-lo e defini-lo, tendo em conta a pessoa e a situação do menor em causa. Nesta tarefa, o julgador deverá ter como referência “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.

…Assim, para determinar o interesse superior da criança é necessário atender às necessidades físicas, intelectuais e materiais desta, à sua idade, sexo, grau de desenvolvimento, adaptação do menor ao ambiente familiar e os efeitos de uma eventual mudança de residência causada por uma rutura desse ambiente; a identificação das capacidades dos progenitores em satisfazerem essas necessidades, entre outros fatores, sendo que, no caso, deverá atender-se à capacidade dos avós maternos.

De referir ainda, e de acordo com o disposto no artigo 1906°, n.º 4, do Código Civil, ao progenitor a quem a criança não é confiada assistirão sempre as responsabilidades parentais de convívio e de relacionamento pessoal, de sustento e de vigilância da sua educação e das suas condições de vida.

Estabelece o artigo 1906º do CC que, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.

Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades parentais sejam exercidas por um dos progenitores, ou por terceiro.

O tribunal determinará a residência da criança e os direitos de visita de acordo com o interesse desta, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes.

De acordo com o disposto no artigo 1907º do Código Civil, o Tribunal pode confiar o filho à guarda de terceira pessoa, cabendo a esta os poderes e deveres dos pais que forem exigidos pelo adequado desempenho das suas funções.

A) Residência da criança

Relativamente à residência da criança, esta deve ser entendida como reportando-se à escolha da pessoa com quem ficará a residir habitualmente, devendo a mesma ser atribuída ao progenitor ou terceira pessoa que mais garantias dê de valorizar o desenvolvimento da sua personalidade e de lhe poder prestar mais assistência e carinho e que fomente as relações com o outro progenitor.

No caso dos autos, estando a criança a residir com os avós maternos desde praticamente o nascimento, tendo a progenitora se ausentado daquele agregado familiar, estando a criança perfeitamente integrada no agregado familiar dos avós maternos, tal será de manter e será indiscutivelmente a situação que melhor assegurará o desenvolvimento equilibrado e harmonioso da criança, assim se mantendo a sua estabilidade, desenvolvimento integral e equilíbrio emocional.

De referir ainda que o afastamento da criança daquele agregado familiar, representaria para esta uma grave rutura emocional, não tendo esta contacto com o pai nem reunindo a progenitora as necessárias condições profissionais e vinculativas para poder cuidar da criança…

B) O Regime de visitas

Em relação ao direito de visita, deve ser este entendido como o direito de os progenitores com quem a criança não resida habitualmente em se relacionarem e conviver com o filhos ou filhos. Este convívio é fundamental para a manutenção dos laços afectivos entre os filhos e o(s) progenitor(es) com quem este não reside, substituindo-se, deste modo, o relacionamento diário, sendo ainda de primordial importância para o completo e harmonioso desenvolvimento e formação da sua personalidade.

As visitas assumem para o(s) progenitor(es) com quem o menor não resida habitualmente um poder-dever de se relacionar e conviver com ele. São um meio de o(s) progenitor(es) manifestar(erm) a sua afetividade com o menor, se inter-relacionarem e partilharem sentimentos.

…estes contactos não se tenham revelado frequentes, nem os progenitores tenham investido de modo continuado na relação com o filho.

…A mãe da criança pretende manter contactos com esta, o que será de fomentar, pese embora a forte conflituosidade existente entre a mãe e os avós maternos da criança, em face da vinculação positiva da criança com a mãe, sendo que os contactos ocorriam na casa dos avós maternos da criança e foram interrompidos em face dos conflitos existentes entre os avós e a mãe da criança.»

Este discurso apresenta-se, em tese, curial.

Em seu abono dir-se-á ainda o seguinte.

6.2.

É incontornável/indiscutível, constituindo até já um lugar comum, que, na abordagem desta problemática, a pedra de toque, o objetivo primeiro e último da decisão  no processo, é definir um quadro vivencial  que para o menor se tenha como o mais adequado e, assim, concecuta a defesa, o mais abrangente possível, dos seus direitos e interesses.

E sendo o «interesse do menor» uma asserção ou conceito vago e indeterminado, urge concretizá-lo/densificá-lo.

Tendo-se como pertinente e adequada a definição vertida na sentença no sentido de que os interesses do menor estarão defendidos quando se lhe proporcionarem as condições necessárias ao seu integral, harmonioso e proveitoso, desenvolvimento físico, intelectual e moral.

E sendo que um outro fito e desiderato, ele próprio necessário para o atingir  daquele objectivo fulcral final, é o de respeitar e fomentar  as ligações psicológicas profundas e a continuidade das relações afectivas do menor com os entes com quem, proficuamente, já as mantém.

Nesta conformidade:

«A escolha do progenitor a quem o menor deve ser confiado deve recair no que esteja em melhores condições de lhe assegurar um desenvolvimento sadio, a nível físico, psíquico, afectivo, moral e social, bem uma correcta estruturação da personalidade» - Ac. da RC de 02.06.2009, p. 810/08.0TBCTB.C1 in dgsi.pt.

Ou, noutra nuance, mas no mesmo sentido:

«No que respeita à guarda, as crianças devem ser confiadas ao progenitor que demonstre ter mais condições para garantir o seu desenvolvimento harmonioso, numa atmosfera de afecto e segurança moral e material» – Ac. da  RL 09.06.2009, p. 321/05.6TMFUN-C.L1-7

Nesta senda urge atentar que, presentemente, a diretriz instituída no Princípio VI da Declaração Universal dos Direitos da Criança na parte em que rege: «salvo circunstâncias excepcionais, não se deverá separar a criança de tenra idade de sua mãe», bem como as teses jurisprudenciais e doutrinais afins, estão, na nossa ordem jurídica e noutras ordens jurídicas europeias, derrogadas pela nova lei, a qual é emanação das hodiernas circunstâncias ético sociais.

Tal dimana do disposto no artº 1906º, rectius dos seus nºs 1 e 2, na redação que lhe foi dada pela  Lei n.º 61/2008 de 31.10,  do qual se extrai que  «A abstracta igualdade parental afastou definitivamente a regra da primazia da mãe quando se trata de definir a residência do filho» - Ac. da RL 24-10-2013, p. 5358/11.3TBSXL-8.

Ou, por outras palavras: « O critério da preferência maternal não pode ser hoje, por si só, o critério determinante para fixar a residência do menor, nos casos de tenra idade. Este elemento tem que ser conjugado com todos os outros elementos disponíveis a fim de se apurar da capacidade de cada um dos progenitores para ter o filho a viver consigo.» -  Ac. da RP 13.05.2014, p. 5253/12.9TBVFR-A.P1.

Na verdade, este critério da preferência maternal encontra-se hoje, tendencialmente, subsituido por um critério neutro em relação ao sexo do progenitor, qual seja o da presunção a favor do progenitor que desempenhou o papel de referencia afetiva para o menor, do designado,  em inglês, «Primary Caretaker».

Efetivamente: «hoje, tanto nos EUA, como na Europa, faz-se apelo ao instinto parental, não em função do sexo, mas do mundo afetivo de cada um, tendo…em conta a evolução dos costumes no sentido de uma partilha de tarefas entre o homem e a mulher, causada pela entrada das mulheres no mundo do trabalho e por uma maior participação dos homens na vida familiar…O fundamento desta presunção consiste na ideia de que a continuidade da primeira relação da criança é um elemento essencial para o seu bem estar.

Contudo, a aplicação deste critério não facilitará a actividade dos juízes nos casos em que ambos os pais participaram na educação da criança» - Maria Clara Sottomayor, in Exercício do Poder Paternal Relativamente à Pessoa do Filho Após o Divórcio ou a Separação…, Ed. da Universidade Católica, Porto, 1995, p.91.

Este entendimento tem vindo a ser sufragado na jurisprudência.

Assim: «modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia.» - Ac. do STJ de  04.02.2010, p. 1110/05.3TBSCD.C2.S1

Ou, noutra perspetiva: « O objectivo das normas sobre a regulação do poder paternal não é promover a igualdade entre os pais ou a alteração das funções de género, mas sim garantir à criança a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência» - Ac. da RC de 01.11.2011, p. 90/08.8TBCNT-D.C1.

(sublinhado nosso)

6.3.

Por outro lado e no que  tange à guarda e residência do menor  alcançam-se como possíveis quatro modelos, a saber:

i) guarda exclusiva – exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva; ii) guarda conjunta – exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro; iii) guarda alternada – residência alternada com exercício das responsabilidades parentais em exclusivo nos respectivos períodos de residência de cada um dos pais; iiii) guarda compartilhada - exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada - cfr. Joaquim Manuel da Silva in A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada, Petrony Editora, 2016, p. 45 e  Maria Clara Sottomayor, Entre Idealismo e Realidade: a dupla residência das crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, Almedina 2014, p.69-76.

Sendo que, hodiernamente, tendencialmente na jurisprudência e maioritariamente na doutrina,  a posição  sufragada tende no sentido da defesa da guarda compartilhada como sendo o melhor regime para a salvaguarda dos interesses do menor.

O argumento base dos opositores da guarda compartilhada prende-se com a defesa da estabilidade da criança.

Porém, tal argumento, só por si, não parece ser decisivo para obviar a este regime.

Efetivamente:

«…tal ideia sobrevaloriza a estabilidade que possa advir de um só espaço físico a que possa chamar casa, face ao conforto emocional de ter ambos os progenitores junto de si: deste modo “tem dois espaços físicos a que chama casa e tem pai e mãe, em doses reduzidas de tempo, é certo, mas emocionalmente por inteiro, pois partilha as pequenas e as grandes coisas com ambos, no período que passa com esse progenitor.

a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores.

Já a guarda ou residência alternada ou compartilhada favorece o atenuar do conflito entre os progenitores: colocando-os em condições de igualdade, levará precisamente a que, qualquer um deles, como tem por contraponto um período de tempo em que o menor estará longe de si e entregue ao outro, terá todo o interesse em facilitar ao outro os contactos com o menor no período em que é ele a deter a guarda, precisamente porque é isso que espera e deseja que lhe seja proporcionado quando o menor está com o outro.» - cfr. Cidalina Freitas, Ana Teresa Leal e Helena Bolieiro, Notas soltas sobre a residência alternada,  in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, T. I, Julho 2014, E-book CEJ,disponívelhttp://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf]; Helena Bolieiro e Paulo Guerra, A Criança e a Família – uma questão de direitos, 2ª ed., Coimbra Editora 2014, p.209 e Jorge Duarte Pinheiro in Estudos de Direito das Famílias e das Crianças, AAFDL Editora 2015, p. 338-339, apud Ac. da RL de 07.08.2017, p. 835/17.5T8SXL-A-2, in dgsi.pt.

(sublinhado nosso).

Vemos assim que a regra, o princípio e o ponto de partida na abordagem da regulação do exercício das responsabilidades parentais deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o  menor.

Na verdade:

« O exercício comum das responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida do filho é agora a regra geral consagrada no art. 1906°, n° 1 do C. Civil - na redação que lhe foi dada pela Lei n° 61/2008, de 31 de outubro - para os casos em que os progenitores não tenham já vida em comum, regra que apenas é excecionada na hipótese desse exercício em comum se revelar contrário aos interesses do menor - n° 2 do mesmo preceito.

 Subjaz-lhe o reconhecimento da igualdade de direitos e deveres dos pais em relação aos filhos e evidencia o propósito do legislador de envolver, comprometendo e responsabilizando, ambos os progenitores no cumprimento dos poderes/deveres…

…o objetivo final do legislador é o de cimentar o contacto, tão próximo quanto possível, do filho com ambos os progenitores, de modo a que possa usufruir em pleno, e em termos paritários, do afeto, apoio e segurança que cada um deles lhe proporcionará.

 Havendo disponibilidade e condições de ordem prática e psicológica de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, a guarda/residência conjunta é o instituto com melhor aptidão para preservar as relações de afeto, proximidade e confiança que ligam o filho a ambos os pais, sem dar preferência à sua relação com um deles, em detrimento do outro, o que necessariamente concorrerá para o desenvolvimento são e equilibrado do menor e melhor viabilizará o cumprimento, por estes últimos. das responsabilidades parentais.  – Ac. RL de 24.01.2017, p. n° 954-15.2T8AMD-A. L 1.

Não obstante esta tendência jurisprudencial e doutrinal, alicerçada em estudos científicos recentes, que tem a guarda compartilhada como a que melhor defende os interesses da tríade, máxime e primordialmente, os do menor, certo é que ela não deve ser decretada em todas as situações, antes o regime de guarda devendo ser escolhido em função dos basilares princípios e preceitos legais atinentes e dos contornos fáctico circunstanciais de cada caso concreto envolventes.

Assim, e desde logo, para que tal regime possa ser decretado, impõe-se que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre  estes possam ser de algum modo amenizados, contidos e controlados, de sorte a que não interfiram negativamente na guarda e na  gestão da vida do filho.

Pelo que, em princípio, em famílias  nas quais grasse  o conflito acentuado ou a violência doméstica,  tal regime não pode ser admitido. -  cfr., entre outros, Ac. da RC de 05/05/2009 e Acs. da RL de 17/12/2015 e de 16-03-2017   Proc. 1585/16.5T8SXL-B.L1.

Tendo-se decidido neste último aresto que:

«…não obstante a boa relação que a menor possa ter com os dois progenitores e a dedicação de ambos, a residência alternada só poderá ser uma opção se for do interesse da menor.

 Numa idade em que a criança ainda não tem autonomia nas suas decisões mais correntes da vida - como é o caso de uma criança de 4 anos - é do seu interesse um regime que privilegie a estabilidade e uma orientação uniforme nas decisões correntes da sua vida, o que não se mostra viável quando os progenitores mantêm uma relação conflituosa.».

(sublinhado nosso).

E importando atentar ainda em outros factos/factores condicionantes como seja, vg. a vida pessoal/profissional do progenitor, a maior ou menor distância das residências dos pais, etc.

6.4.

O caso vertente.

6.4.1.

No atinente à guarda/confiança.

Para este aspeto provou-se, determinantemente que:

- o menor tem oito anos, uma idade, pois, em que ainda não tem  um total discernimento acerca da natureza e consequências das suas decisões.

- Desde o nascimento que vive, quase ininterruptamente com os avós maternos.

- foram os avós maternos da criança quem, de um modo desvelado, responsável e empenhado assumiram os atos da vida corrente da criança, encontrando-se a criança bem cuidada e integrada.

- A mãe da criança não a visita regularmente .

- Existe uma dinâmica conflituosa entre a mãe da criança e os avós maternos da criança, que implica uma falta de capacidade relacional, de forma a conseguirem manter um nível de comunicação interpessoal suficiente e aceitável e discernimento nas suas atitudes e comportamento.

-  A progenitora é camionista de transportes internacionais, encontrando-se ausente durante os dias úteis da semana.

Perante estes factos, sagaz e sensatamente interpretados, a decisão quanto à guarda não merece censura.

Primus, porque existindo uma relação de conflito entre a mãe os seus pais – avós maternos do menor –  a atribuição igualitária de poderes deveres poderia levar a um impasse quanto às decisões atinentes às questões de particular importância para a vida do C (…), designadamente intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos.

Efetivamente, tendo a mãe e avós poderes iguais nesta matéria, a sua discordância, tendencialmente frequente ex vi da sua conflitualidade, acarretaria, no mínimo, morosidade na resolução de problemas urgentes, o que, obviamente, se mostraria prejudicial para os interesses do C (…)

Secundus, porque a mãe tem uma profissão – camionista  de transportes internacionais de longo curso -  que a afasta por dias e, quiçá, até por  semanas, da área territorial residencial do filho.

Ora este factor é, ou poderá ser, potenciador e agravante – desde logo por razões objectivas de afastamento físico -  da impossibilidade ou dificuldade de obtenção de consenso com os avós quanto às magnas questões da vida do menor, ou, ao menos, possível causa de agravamento da morosidade  para a sua resolução.

Nesta conformidade, e nestas circunstâncias, o consignado na sentença no sentido de a mãe  deve ser ouvida quanto às questões relacionadas com tratamentos médicos invasivos  e intervenções cirúrgicas não urgentes, bem como quanto à alteração do concelho de residência, alcança-se como bastante, adequado, razoável e ajustado.

Na verdade, com este direito, a progenitora toma conhecimento das opções dos avós nestas magnas matérias e, assim, sempre poderá opinar, ou,  mesmo, fiscalizar  tais opções, podendo, inclusive, impetrar medidas a entidades competentes com vista à correcção ou impedimento de concretização do que entender desajustado ou prejudicial para o filho.

É que na regulação do exercício das responsabilidades parentais o progenitor não guardião não fica despojado dos seus direitos/poderes/deveres  para com o filho.

Até por imposição legal.

Pois que nos termos do artº 906º nº6 do CC:

«Ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais assiste o direito de ser informado sobre o modo do seu exercício, designadamente sobre a educação e as condições de vida do filho.»

Ademais, o decidido nesta jurisdição vale para o envolvimento fáctico circunstancial do caso hodiernamente verificado no momento da sentença, podendo ser alterado no futuro, por acordo ou em tribunal, se circunstâncias supervenientes o justificarem.

6.4.2.

Relativamente às pernoitas aos fins de semana, estadias nas festividades e aniversários e férias.

Já se viu que, por princípio e tendencialmente, e salvo circunstâncias impeditivas devidamente provadas, desde logo e primacialmente, ambos os progenitores, e, inclusive, a família alargada, têm o direito – máxime porque tal se presume benéfico para o menor – de com ele conviverem e contactarem amplamente.

Tal desiderato está legalmente consagrado, vg. no artº 906º nº7 do CC:

«O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.»

A este direito dos progenitor não residente subjaz uma forte componente humana e de direito natural, pretendendo-se com ele que pais e filhos, unidos entre si por laços familiares, jurídico-formalmente reconhecidos, se possam, outrossim, relacionar pessoal e afectivamente, partilhando os seus sentimentos de amizade, as suas emoções, ideias e valores mais íntimos – Cfr, Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal em Caso de Divórcio, 2ª ed., Almedina, p.44 e segs.

Assim, salvo circunstâncias excepcionais que o impeçam, a regulação do exercício do poder paternal deve assegurar, com a maior certeza e estabilidade possíveis, amplos contactos do menor com o progenitor não guardião, de sorte a que também ele possa continuar a exercer cabal e profícuamente, os seus poderes/deveres relativamente ao filho –cfr. Ac. da RL de 13.03.2007, p.9678/2006-1  in dgsi.pt, de que o presente também foi relator.

No caso vertente relevam os seguintes factos:

21. A mãe é pessoa trabalhadora e responsável.

27. A criança demonstra uma forte vinculação afetiva com a mãe, nutrindo por esta sentimentos recompensantes, satisfatórios e positivos.

29. A condição de vida da progenitora apresenta-se estruturada, nomeadamente com condições económicas e habitacionais favoráveis, com a presença de uma rede de suporte afetiva e, portanto, favorável a um bom ajustamento e desenvolvimento do menor.

30. Pode-se afirmar da existência de uma relação afetiva e emocional positiva entre a progenitora e o menor.

Perante estes factos não  vislumbramos como não permitir maiores contactos do menor com a mãe.

Desde logo a permissão de pernoita.

Na sentença expendeu-se que: «A mãe da criança pretende manter contactos com esta, o que será de fomentar, pese embora a forte conflituosidade existente entre a mãe e os avós maternos da criança, em face da vinculação positiva da criança com a mãe…»

Porém, este desiderato não se compagina, antes se alcançando algo incongruente, com o cerceamento de uma simples pernoita num singelo fim de semana.

O conflito doméstico que a mãe manteve parece ser pretérito, e, essencial e desejavelmente, ultrapassado, quer porque reportado até ao ano de 2015, quer porque relativo a um antigo companheiro com quem a progenitora já não convive.

E não se provaram factos contemporâneos que imponham ou até admitam  tal impedimento; antes pelo contrário, provaram-se factos, como se alcança pelos supra plasmados, que aconselham, como se  menciona na sentença, se fomente o convívio  entre a díade mãe-filho.

De igual sorte e pelos motivos referidos, se afigura razoável e justa a pretensão da requerente quanto à passagem com o filho  das festividades do Natal, Carnaval e Páscoa, nos períodos por ela indicados.

Já no atinente às férias, razões de certeza e segurança impõem uma alteração à redação proposta pela progenitora.

O período anual de 15 dias – seguidos, e não úteis, como pretende a recorrente - é admissível.

Porém, a mãe não poderá escolher/segmentar, a seu bel talante, o período, maior ou menor, que quer passar com o filho nas férias escolares do Natal, Páscoa e Verão.

Tal, não obstante o aviso prévio de 30 dias, constituiria sempre uma surpresa para os avós que nunca saberiam qual o efectivo e concreto período de férias – maior ou menor: dois, três, dez ou quinze - que ela quereria passar com o filho, em cada um daqueles três períodos.

Assim,  cumpre definir com maior rigor, certeza e segurança, e para proteger o direito dos avós a com o neto também passarem férias, a distribuição de tal período de 15 dias por estes  três tempos de férias escolares.

Por conseguinte, e concretizando, fixa-se o tempo de férias da mãe com o filho para as férias escolares de Verão em uma semana; para as férias escolares do Natal em quatro dias; e para as férias escolares da Páscoa, em três dias.

A mãe informará os avós do local onde passará férias com o filho.

Nesta conformidade e na parcial procedência do recurso  altera-se e adita-se o/ao regime fixado nos seguintes termos:

-A mãe da criança poderá tê-la consigo, aos fins de semana, de quinze em quinze dias, desde as 10.00 horas as 20.30 horas, indo a progenitora buscar e entregar a criança a casa dos avós maternos e as entregas efetuadas pela tia materna ou pessoa indiciada pelos avós maternos ou esta.

- A mãe poderá estar com o filho no Natal, no Carnaval e na Páscoa, iniciando a próxima época das festas a mãe no dia de natal, das 10h às 21,00 do dia 25/12, e no ano subsequente das 19h do dia 24/12 às 10h do dia 25/12, alternando-se anual e sucessivamente nos mesmos moldes; no próximo carnaval, a mãe estará com o filho no domingo gordo, das 10h às 19h, e no ano subsequente na terça-feira de carnaval, das 10h às 19h, alternando-se anual e sucessivamente nos mesmos moldes; no domingo de páscoa a mãe tomará uma refeição com o filho (almoço, das 10h às 15h, jantar, das 17h às 21h) a acordar com os avós maternos, competindo-lhe, na falta de acordo, a escolha nos anos pares.

- A mãe poderá gozar férias com o filho, por um período de quinze dias  sendo uma semana nas férias escolares de verão, quatro dias nas de Natal e três dias nas da Páscoa, devendo avisar os avós do período que pretende com, pelo menos, 30 dias de antecedência relativamente ao gozo efectivo das mesmas. A mãe deverá garantir, durante o gozo das férias, o cumprimento, quando conflituante, dos dias festivos. E deverá informar os avós do local onde passará as férias.

No mais se mantendo a sentença.

7.

Sumariando- artº 663º nº7 do CPC.

I - Não obstante a atual lei – artº 1906º do CC -,  a doutrina e a jurisprudência,   considerarem como preferível,  em tese  e por via de regra,  o regime da guarda compartilhada: exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada, outras modalidades de guarda - guarda exclusiva: exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva; guarda conjunta: exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro; guarda alternada: residência alternada com exercício das responsabilidades parentais em exclusivo nos respectivos períodos de residência de cada um dos pais –, podem ser adotadas se as circunstâncias do caso – vg. conflito  acentuado, residências afastadas ou exercício da profissão longe do menor – o justificarem.

II - Salvo circunstâncias excepcionais impeditivas devidamente provadas, devem ser concedidos ao progenitor não guardião amplos contactos  com o menor de sorte a que também ele possa continuar a exercer, cabal e proficuamente, os seus direitos/poderes/deveres relativamente ao filho.

8.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, agora, alterar e complementar o regime fixado nos termos sobreditos.

Custas pelos pais em partes iguais.

Coimbra, 2019.11.05.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Fonte Ramos