Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
534/08.9TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
REPRESENTAÇÃO
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
Data do Acordão: 09/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 163, 165, 258, 800 CC
Sumário: 1.- A representação traduz-se na prática de um acto jurídico, em nome de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respectivos efeitos, sendo necessário, para que a representação seja eficaz, que o representante actue nos limites dos poderes que lhe competem (art. 258 CC ).
2.- Só existe abuso da representação quando o representante utiliza conscientemente os poderes conferidos em sentido contrário ao fim da representação ou às indicações do representado.
3. Não cabe no art. 800 nº1 CC (actos dos representantes legais ou auxiliares), a representação orgânica: os actos dos órgãos legais ou estatutários de uma pessoa colectiva são, no nosso direito, actos próprios dessa pessoa, não de um representante, pelo que a constituem em responsabilidade por facto próprio.
4. A responsabilidade de uma pessoa colectiva, nos termos do art.800 nº 1 CC, verifica-se quando o incumprimento for executado por um mandatário, seja designado nos estatutos, seja por deliberação de um órgão.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

“F (…) & O (…) . Comércio, Equipamentos e Serviços de Decoração, Lda.”intentou a presente acção declarativa, com processo sumario, contra “A (…) Investimentos Imobiliários, Lda.”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de . 14.507,50, acrescida de juros de mora vincendos, a taxa legal, ate integral pagamento.

Como fundamento da sua pretensão, alega a autora, em síntese, que: no exercício da sua actividade comercial, foi contratada pelo gestor da obra da re, trabalhador e representante desta, para efectuar a aplicação de tectos numa obra da ré, pelo preço de. 13.500,00; a autora realizou os trabalhos, enviou a factura a ré, a qual, todavia, recusou o pagamento.

A re, regularmente citada, deduziu contestação, impugnando a factualidade alegada pela autora, e dizendo que a pessoa com a qual esta alega ter negociado não e legal representante da ré, pelo que não poderia ter negociado qualquer contrato em nome da mesma. Mais alega a ré que os trabalhos cujo pagamento vem reclamado pela autora foram a esta adjudicados pela sociedade “(…), Lda.”, sociedade esta contratada pela ré para realizar a obra “chave na mão”, pelo que só desta sociedade pode a autora reclamar o pagamento em questão.

Respondeu a autora, tendo, contudo, essa resposta sido desatendida conforme despacho de fls. 69, por se entender que não haver lugar a articulado de resposta a contestação.

Oportunamente, foi proferida a seguinte decisão:

Face ao exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condena-se a ré a pagar a autora a quantia de. 14.394,63, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, sobre a quantia de. 13.400,00, a taxa legal prevista para as dívidas comerciais, contados de 5/3/2008, ate efectivo e integral pagamento.

A (…), LDA., ré nos autos à margem referenciados, em que é autora (…), LDA., ambas aí devidamente identificadas, não se conformando com a sentença proferida, dela veio interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:

(…)

Não foram proferidas contra-alegações.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa que:

A) A autora dedica-se ao comércio e execução de serviços de decoração, designadamente a aplicação de tectos, bandas esquineiras, acrílicos, massas de acabamento, polimento e pinturas.

B) No desenvolvimento da sua actividade comercial, a autora foi contactada pelo Sr. (…), em nome da re, em Abril de 2007, para aplicar tectos em gesso cartonado, hidrofugado e standards, relativos aos pisos superiores das casas 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 de uma obra sita em Barro, que era propriedade da ré, tudo no valor de . 13.500,00.

C) O contrato para execução dos tectos foi negociado e acertado com o Sr. (…), director da obra, e trabalhador da ré, agindo em nome desta.

D) Em 9/5/2007, a autora elaborou um orçamento onde consta o preço respectivo, as características e tipo de trabalhos e as condições de pagamento.

E) Os trabalhos previstos no orçamento consistiam na aplicação de dois tipos de tectos, um, em hidrofugado, ou seja, placas de gesso cartonado BA 13 Hidrofugo com estrutura oculta em aço galvanizado espaçado 50 cm, suspensão por varão, pivot e bucha de latão, acabamentos de juntas com bandas e 3 demãos de massas, polimento e pintura com primário e acrílicos opalinos e testas para guarda-fatos.

F) E o outro em standard com aplicação idêntica, em hidrofugado, ou seja, placas de gesso cartonado BA 13 Hidrofugo com estrutura oculta em aço, acabamentos de juntas com bandas e 3 demãos de massas, polimento e pintura com primário e acrílicos opalinos e testas para guarda-fatos.

G) O orçamento foi entregue ao Sr. (…).

H) As condições de pagamento previstas no orçamento previam a liquidação de 40% do valor da obra no acto de adjudicação, 30% com o material em obra e os restantes 30% no final da obra.

I) Em 3/7/2007, a autora enviou a ré a factura no 669, no valor de . 16.335,00, com IVA incluído.

J) Nela especifica os trabalhos executados durante os meses de Maio a Junho.

K) A re devolveu a factura, negando-se a pagá-la.

L) Em 16/7/2007 e em 27/7/2007, a ré remeteu duas cartas a autora, negando

ter firmado qualquer contrato, mas sim, com a “Espaço Habitar” . cfr. documentos juntos a fls. 9 e 10, que aqui se dão por reproduzidos.

M) As negociações para a aplicação dos tectos falsos, o preço e a adjudicação da obra foram celebradas e concluídas pelo director da obra, o Sr. (…), em nome da ré.

N) O Sr. (…) sempre acompanhou e fiscalizou o andamento e execução

das obras, presenciando diariamente as mesmas do principio ao fim.

O) Foi o Sr. (…) que, em nome da ré, recebeu e leu o orçamento e que ordenou a autora que executasse os trabalhos após 9/5/2007.

P) Era ele que tinha as chaves das referidas casas, em obras, as abria de manha e fechava a noite.

Q) Foi sempre aquele que pressionou, controlou e fiscalizou o andamento as

obras.

R) São legais representantes da ré, (…).

S) O Sr. (…) era um trabalhador da ré.

T) A re celebrou com a sociedade “(…) Construções Imobiliárias,

Lda.”, o contrato de empreitada datado de 9/5/2006, cuja copia esta junta a fls. 36 e 37, que aqui se da por reproduzida.

U) Nos termos do ponto 6º do referido contrato, “todos os materiais são fornecidos pela 1a Outorgante, a excepção da agua, electricidade e material cerâmico (revestimento de paredes e pisos)”.

V) A autora elaborou a carta cuja copia esta junta a fls. 41, que aqui se da por reproduzida.

W) A “Espaço Habitar” contratou a autora para realizar trabalhos de pintura Civil.

Nos termos do art. 684°, n°3 e 690º, n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2 do art. 669°, do mesmo Código.

Das conclusões -

(das quais haverá de dizer-se - em nome do rigor que sempre há que colocar na hipótese de trabalho judiciário sub judice -, que desenvolvem

- de forma profusa e tautológica pontos de apreciação, em desrespeito pelo disposto no art. 685º-A, CPC, sem levar em devida conta que, justamente, por conclusões se entendem “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, CPC Anot., 5.°-359). E, sobretudo, que «as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. Com mais frequência do que seria para desejar vê-se, na prática, os recorrentes indicarem como conclusões, o efeito jurídico que pretendem obter com o provimento do recurso, e, às vezes, até com a procedência da acção. Mas o erro é tão manifesto que não merece a pena insistir neste assunto. Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 30, 299), -

ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz:

LX. A decisão parece confundir as funções de um responsável de obra com as de um gerente e parece que tal confusão tem que consubstanciar forçosamente na responsabilidade da ré, quando na verdade, tal não resulta nem dos factos, nem do depoimento de nenhuma testemunha que não explica em que termos podia a ré, através da alegada aparência do seu trabalhador contratar com a autora.

LXIII. A sentença recorrida faz uma interpretação errada das normas e da sua consequente aplicação ao caso concreto.

Apreciando, de tal enunciado se diga - pressuponentemente - que a recorrente confunde a oposição aos factos dados como provados, ou não provados, - naturalmente em função da convicção formada pelo julgador na sequência da produção e ponderação das provas produzidas -, com a interpretação que é operada, e as conclusões, - que ainda podem ser factuais, mas que fundamentam nos e dimanam dos factos dados como apurados -, que destes são retiradas.

Na verdade ela - como claramente dimana do teor das suas alegações e conclusões - não actua naquele campo.

Antes se situando nesta última vertente, o que emerge de várias asserções conclusivas, com todo o recurso a incidir e “girar” em torno da interpretação e das conclusões, factuais e jurídicas, que o tribunal retirou dos factos dados como assentes, e nos quais, aliás, sustenta a sua posição e pedido.

Assim, em essência, não são os factos, mas antes a interpretação que deles é feita e, em última análise, as normas jurídicas que podem ser convocadas e aplicadas que, no recurso, é posto sub sursis (Cf. Ac. RC. De 22.11.2011, Proc.nº 1203.07.2TBTMR.A.C1, Relator Carlos Moreira).

Não obstante, a este pretexto, diga-se, como em circunstâncias paralelas, que nos termos do artigo 712°, n.° 1, do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685°-B, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Prescreve, por seu turno, o n.° 1 do artigo 685°.°-B que, quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida — alíneas a) e b) —, acrescentando o n.° 2 que, no caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 522.°-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

Dispõe, por fim, o n.° 2 do artigo 522.°-.C, que, havendo lugar a registo áudio ou video, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos.

Segundo a apelante, o tribunal teria interpretado de forma errada a prova testemunhal e parte da prova documental junta, pelo que a situação se enquadra na alínea a) do n.° 1 do referido artigo 712.°.

Saber se os elementos probatórios invocados dão cobertura à sua posição, já é coisa diversa, que supra se analisou, mas não sem antes chamar a atenção para o facto de não bastar, para a alteração das respostas, a mera divergência de convicção, sendo exigível, antes, que se verifique erro na apreciação da prova.

Como parece ser substancialmente pacífico na doutrina e na jurisprudência, no domínio dos factos a regra é a estabilidade e não a modificabilidade. O recurso não se destina a julgar de novo a matéria de facto — o que, aliás, seria, na prática, impossível, uma vez que a 2 instância não tem ao seu alcance dados essenciais, como a atitude das testemunhas perante algumas perguntas ou objecções que lhes sejam colocadas, de que se destacam as reacções gestuais, as hesitações, os embaraços e a maior ou menor firmeza com que sustentam os olhares dos inquiridores —, mas, tão só, a reapreciá-la, na perspectiva de ter sido cometido erro de julgamento.

Como escrevem Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, “a Relação não procede à reconstrução ex-novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas, pelo decisor do tribunal a quo, regras de avaliação prudencial (Dos Recursos, pág. 258) - sobre o tema, e no mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos do STJ, de 30.04.2002, 25.06.2002 e 14.03.2006 (o primeiro em www.dgsipt — Processo n.°02A4324 — e os restantes na CJ de Acórdãos do Supremo, Ano X, Tomo II, pág. 128, e Ano XIV, Tomo 1, pág. 130, respectivamente) e Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, pág. 271 e seguintes).

Neste particular, existindo muito embora uma indicação insistente e persistente, genérica, como elemento de discordância, no que respeita a matéria de facto que - em perspectiva, não obstante, compreensível, de parte -, se tem por controvertida, em termos daquilo que, objectivamente, dimana da prova produzida, determinante dos factos assentes, continua a firmar-se como vinculador decidente o referencial segundo o qual:

“No caso sub judice, provou-se que o Sr. (…) era trabalhador da ré.

Mas não é verdade que fosse um mero trabalhador da ré.

Com efeito, o Sr. (…) era director da obra da ré, nas casas onde foram realizados os trabalhos pela autora.

E foi nessa qualidade que o Sr. (..) sempre acompanhou, controlou e fiscalizou o andamento e a execução das obras, diariamente, a tempo inteiro.

E foi também nessa qualidade que o Sr. (…), agindo em nome da ré, negociou um orçamento para a realização das obras em questão com a autora, e acabou por dar ordens a esta para avançar com os trabalhos, em conformidade com o orçamento apresentado.

Criou, assim, a ré, ao pôr à frente da obra um trabalhador seu, com as funções de direcção da obra, uma aparência perante terceiros que, salvo melhor entendimento, é digna de tutela jurídica.

Aquele trabalhador, colocado na obra pela ré, na qualidade de director da obra, era a face visível da ré perante terceiros que aí se encontravam.

Conforme resulta do alegado pela ré, esta contratou uma empresa - a “Espaço Habitar” - para realizar determinados trabalhos, melhor descritos no documento de fls. 36 e 37.

Contrariamente ao sustentado pela ré, de entre esses trabalhos contratados com a “Espaço Habitar”, não se conta a aplicação de tectos falsos nas moradias.

Conforme ficou provado, a “Espaço Habitar” subcontratou a autora para realizar alguns trabalhos que lhe foram adjudicados pela ré - entre os quais se não contava a aplicação de tectos falsos, como supra referido.

Só que, a dada altura, pretendendo a aplicação dos tectos falsos, o director de obra da ré, em nome desta, encomendou a realização de tais trabalhos à autora.

Trabalhos esses que a ré também queria, embora entendendo que os mesmos deveriam ser facturados à “Espaço Habitar”, como resulta das cartas juntas a fls. 9 e 10”.

(…)

Deste modo, alinhados e aferidos os elementos de prova com interesse para o esclarecimento do caso, na relação intra-diegética dos Autos e na relação da verdade material, verdade real intra-processual, impõe-se, a tal pretexto, validar a decisão relativamente às respostas dadas aos quesitos relativos a tais matérias.

Tal a pretexto de se verificar, abrangentemente, assim, que o tribunal apreciou livremente as provas e respondeu segundo a convicção que formou acerca de cada facto, tudo em harmonia com o disposto no art. 655° do Cód. Proc. Civil. Isto porque o regime de prova é dominado pelo princípio da prova livre - o tribunal aferir livremente as provas; em qualquer circunstância, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador. Deste modo, pois que o julgador não é arbitrário na apreciação das provas pericial e testemunhal, mas é, legalmente até, livre, na apreciação desses meios probatórios.

A decisão mostra-se, do mesmo modo, conforme ao dictat do que se consigna no art. 659°, do CPC, maxime, no seu n°3, pois na fundamentação da sentença, imperativamente, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer. O que, igualmente, observações feitas, se mostra observado.

Demais, o ónus da prova (art. 342° Código Civil) traduz-se, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta, pois que todos os elementos considerados deficitários, alegadamente inconsiderados, pelo recorrente, foram levados em conta, na decisão proferida.

Assim também na vinculação do art. 258º Código Civil (efeitos da representação), pois que a representação consiste justamente em ser realizado um negócio em nome de outrem, para na esfera jurídica desse outrem se produzirem os seus efeitos (M. Brito, C. C. Anot.,l.°-315). A representação traduz-se, pois, na prática de um acto jurídico, em nome de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respectivos efeitos. Para que a representação seja eficaz torna-se necessário que o representante actue nos limites dos poderes que lhe competem (art. 258.° do Cód. Civil. O que, tudo visto se não revela extravasado. Só se a referida pessoa não tivesse poderes - nesta dimensão fáctica de actuação no terreno, incontestada e aceite pelos trabalhadores, parceiros, neste actuar, de empreendimento -, para obrigar a outra, se cairia na previsão do art. 268.º do Cód. Civil, com o negócio  a revelar-se ineficaz em relação àquela, salvo se a mesma o ratificasse. Sendo pressuposto da existência de representação que a realização do negócio seja em nome do representado, na dúvida sobre quem negociava, poderia presumir-se que tal teria acontecido em nome próprio. O que seria de todo incongruente e se revelaria sem sentido atentas as funções, alcance e aceitação funcional, por que era tido, em termos conceituais e de exercício o Sr. (…). Pode, assim, falar-se em representação uma vez que, como tal, ele se efectivava em termos de facticidade e alcance (Cf. Ac. STJ, 28-3-2000: BMJ, 495 .°- 283) não contrariado.

Só existindo abuso da representação quando o representante utiliza conscientemente os poderes conferidos em sentido contrário ao fim da representação ou às indicações do representado (Ac. RC, 10-3-1987: BMJ, 365.°-706). O que não sai, circunstancialmente, evidenciado. Pois que a parte contrária, Autora, não poderia tirar da conduta do representado conclusão diversa da que sai explicitada, merecendo ser devidamente protegida nessa confiança. Nem a representada conseguiu deixar de valer contra si tal aparência (Vaz Serra, RLJ, 112.°-374).

O que significa, para lá do que se deixa dito - e ao contrário do que vem alegado -, que a sentença recorrida não faz uma interpretação errada das normas e da sua consequente aplicação ao caso concreto.

Nem mesmo quanto ao alcance do que se consagra no art. 163º (representação) e art. 165º (responsabilidade civil das pessoas colectivas) Código Civil, pois que, para que os actos se considerem praticados no exercício das funções é preciso um nexo do facto ilícito com as funções do órgão ou agente da pessoa colectiva, isto, é, que o órgão ou o agente tenha procedido na vista ou qualidade de órgão ou agente (Cavaleiro Ferreira, Scientia Jurídica, 1970, 283), como no caso. Sendo impossível, por isso, contrariar que as pessoas colectivas estão sujeitas, quanto à responsabilidade civil, à disciplina do art. 165°, sendo havidas como comitentes, e os seus representantes ou agentes como comissários (Ac. RP, 23-10-1984: CJ, 1984, 4.°-227). Configurando-se como inarredável ser pressuposto da responsabilidade civil de uma pessoa colectiva pelos actos dos seus representantes, mandatários ou agentes, nos termos dos arts. 165.° e 500°, nº2, do Cód. Civil (responsabilidade do comitente), que os actos tinham sido praticados no exercício das funções daqueles, no sentido de com essas apresentarem uma adequada conexão (Ac. STJ, 3-5-1995: BMJ, 447.°-431).

Por sua vez, não cabe no art. 800°, n.° 1 Código Civil (actos dos representantes legais ou auxiliares), a representação orgânica: os actos dos órgãos legais ou estatutários de uma pessoa colectiva são, no nosso direito, actos próprios dessa pessoa, não de um representante, pelo que a constituem em responsabilidade por facto próprio. Naturalmente, se o incumprimento for executado por um mandatário, seja designado nos estatutos, seja por deliberação de um órgão, já a responsabilidade da pessoa colectiva se funda no art. 800°, n.° 1, 2.ª parte (Ana Prata, Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual, 1985, págs. 689 e ss.). Nem a tal obsta invocar, no sentido das conclusões, o disposto no art. 252º do Código das Sociedades por Quotas (composição da gerência). Isto porque os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, sem prejuízo do disposto no nº 2 do art. 261º (nº 5 deste art. 252º), ou seja, sem prejuízo da faculdade de delegarem «nalgum ou nalguns deles competência para determinados negócios ou espécie de negócio». Está, assim, vedada a delegação de poderes de gerência por acto de iniciativa individual de um gerente, a qual poderá trazer gravame para os demais sócios ou não se revelar conveniente e oportuna para a própria gestão da sociedade. O que não impede, obviamente, que seja o próprio pacto social a autorizar a delegação de poderes de gerência (CF. Ac. STJ, 30.1.1985:BMJ,343º-351º). Não mais do que isso, por tal motivo sem alcance virtual para alterar o decidido!

Deste modo, verificando-se que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668°, n.° 1, alíneas 6), e) e e) do Cód. Proc. Civil, da versão então vigente) (Ac. RE, de 22.5.1997: Col. Jur., 1997, 3.°-265).

O que responde negativamente às questões configuradas.

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando, que:

1.

Segundo a apelante, o tribunal teria interpretado de forma errada a prova testemunhal e parte da prova documental junta, pelo que a situação se enquadra na alínea a) do n.° 1 do referido artigo 712.°. Todavia, saber se os elementos probatórios invocados dão cobertura à sua posição, já é coisa diversa, que supra se analisou, mas não sem antes chamar a atenção para o facto de não bastar, para a alteração das respostas, a mera divergência de convicção, sendo exigível, antes, que se verifique erro na apreciação da prova. O que não sai demonstrado.

2.

Nem a Relação procede à reconstrução ex-novo dos factos em torno dos quais gravita o litígio, antes verifica se, na reconstituição da espécie de facto, não foram violadas, pelo decisor do tribunal a quo, regras de avaliação prudencial.

3.

Para que a representação seja eficaz torna-se necessário que o representante actue nos limites dos poderes que lhe competem (art. 258.° do Cód. Civil. O que, tudo visto se não revela extravasado. Só se a referida pessoa não tivesse poderes - nesta dimensão fáctica de actuação no terreno, incontestada e aceite pelos trabalhadores, parceiros, neste actuar, de empreendimento -, para obrigar a outra, se cairia na previsão do art. 268.º do Cód. Civil, com o negócio  a revelar-se ineficaz em relação àquela, salvo se a mesma o ratificasse.

4.

Só existindo abuso da representação quando o representante utiliza conscientemente os poderes conferidos em sentido contrário ao fim da representação ou às indicações do representado. O que não sai, circunstancialmente, evidenciado. Pois que a parte contrária, Autora, não poderia tirar da conduta do representado conclusão diversa da que sai explicitada, merecendo ser devidamente protegida nessa confiança. Nem a representada conseguiu deixar de valer contra si tal aparência.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, nega-se ao recurso interposto, confirmando-se a decisão proferida.

Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC..

Coimbra,   25 , Setembro ,de 2012.

António Carvalho Martins ( relator )

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo