Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1488/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO
Data do Acordão: 05/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 698º, NºS 2 E 6, DO CPC .
Sumário: I – Nos termos do artº 698º, nº 2, do CPC, o apelante tem o prazo de 30 dias para alegar, prazo esse que, de acordo com o nº 6 do mesmo preceito legal, caso o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, é acrescido de 10 dias, passando, então, a ser de 40 dias .

II – A contagem desse prazo processual de 40 dias tem de ser feita de forma contínua, apenas se suspendendo durante as férias judiciais se a sua duração for inferior a seis meses ou se não se tratar de actos a praticar em processos urgentes, como manda o artº 144º, nº 1, do CPC .

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
Na acção declarativa com processo comum e forma sumária que, com o nº 221/2001, corre termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Torres Novas, em que são AA. A... e esposa e RR. B... e C..., foi por estes, em 30/09/2004, interposto recurso de apelação da sentença proferida.
Tal recurso foi admitido por despacho datado de 08/10/2004, presumidamente notificado aos recorrentes em 15/10/2004, já que a carta registada a esse fim destinada foi remetida em 12/10/2004.
A alegação de recurso foi enviada pelo correio, tendo o respectivo registo postal sido feito em 30/11/2004 e nela se procedendo à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Com data de 02/12/2004, deu entrada na Secretaria Judicial o requerimento certificado a fls. 32 e 33, em que os recorrentes, invocando que tentaram, em 30/11/2004, entregar a alegação de recurso pessoalmente e efectuar o pagamento da multa prevista no artº 145º, nº 5 do Cód. Proc. Civil e que tal lhes foi recusado, pedem que a alegação remetida pelo correio seja considerada tempestiva, dispondo-se a pagar a multa pertinente, para o que requerem a passagem de guias. Subsidiariamente, invocaram justo impedimento, para o que alegaram o seguinte:
“O fundamento que deu origem à presente situação foi a aposição na “Agenda Jurídica 2004” do cálculo do fim do prazo processual de 30 dias como sendo a 15 de Novembro de 2004, (considerando-se a notificação do despacho de admissão do recurso em 15 de Outubro), ao que, acrescentando o dito prazo de 10 dias devido à reapreciação da prova gravada, faria terminar em 25 de Novembro (15 de Novembro + 10 dias = 25 de Novembro), e, logo, o dito 3º dia útil seria o dia 30 de Novembro.
Tratou-se de um facto sedimentado em instrumento de trabalho, à partida, fidedigno, motivo pelo qual agiram os RR. da forma descrita.”
Com o dito requerimento foi junto o documento certificado a fls. 35, constituído por uma fotocópia de uma agenda em que, relativamente ao dia 15 de Outubro de 2004, sexta-feira, se encontra impressa, do lado direito, a anotação seguinte:
“Termo das notificações feitas hoje:
5 dias .............. 20.10
7 dias .............. 22.10
8 dias .............. 25.10
10 dias ............ 25.10
15 dias ............ 2.11
20 dias ............ 4.11
30 dias ............ 15.11
Sobre o mencionado requerimento recaiu o despacho certificado de fls. 36 a 38, que o indeferiu e, considerando a alegação de recurso extemporânea, julgou o dito recurso deserto.
Irresignados, os RR. B... e C... agravaram daquele despacho e, na alegação que apresentaram, formularam as conclusões seguintes:
1) O ilustre Tribunal “a quo” procedeu, com todo o respeito, a uma interpretação desadequada no modo de contagem do prazo previsto no artigo 698º nº 2 do CPC – 30 dias para o recorrente alegar por escrito, e o prazo adicional de 10 dias previsto no mesmo artigo 698º nº 6.
2) De facto, ao considerar o último dia do prazo como sendo o dia 24 de Novembro de 2004, o tribunal recorrido rejeitou, indevidamente, a pretensão dos recorrentes em obter as guias para pagamento da multa a que se refere o artigo 145º nº 5 do CPC, coarctando, assim, com o devido respeito, o direito dos recorrentes à interposição do recurso de apelação.
3) O último dia do prazo de 30 dias deveria ser o dia 15 de Novembro de 2004, o último dos 10 dias deveria ser o dia 25 de Novembro e o terceiro dia após prazo deveria ser entendido como o dia 30 de Novembro de 2004.
4) Não obstante a recusa na emissão das guias em apreço e considerando que as alegações de recurso foram, ainda assim, expedidas via correio registado no dito dia 30 de Novembro de 2004, caso se não entenda haver lugar ao pagamento da multa prevista no nº 5 do artigo 145º do CPC, sempre deveriam ser emitidas ao abrigo do nº 6 do mesmo preceito legal.
5) Sem prescindir, deveria ter sido declarada, a título subsidiário, situação de justo impedimento, como se pediu, porquanto, a situação verificada deveu-se à contagem aposta na dita agenda, que é um instrumento plenamente fidedigno, e elaborada pelos mais credenciados autores.
6) A Mandatária apresentou as alegações no próprio dia da recusa (expedidas por correio), e o requerimento foi feito imediatamente, ou seja, no 1º dia útil seguinte ao da prática do acto (dia 01/12/2004 foi feriado nacional), isto é, no dia 02/12/2004, via fax, e logo o original remetido, apresentando, de imediato, a prova documental.
7) Ao indeferir qualquer uma das pretensões explanadas pelos recorrentes, no dito requerimento de 02/12/2004, o Meritíssimo Juiz “a quo” violou, por tudo o que foi sequencialmente exposto, as normas consignadas nos artigos 680º nº 1, 698º nº 2 e nº 6, 144º nº 2 , 145º nº 4, 5 e 6 e ainda 146º todos do Código de Processo Civil.
Não houve resposta.
Foi proferido despacho de sustentação.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil (diploma ao qual pertencem todas as disposições adiante citadas sem outra menção), é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas essencialmente duas questões: (1) prazo para alegações em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto e respectiva contagem; (2) justo impedimento.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Os elementos de facto relevantes para a decisão do agravo são os que resultam do antecedente relatório, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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3.2. De direito
3.2.1. Prazo e sua contagem
Nos termos do artº 698º, nº 2, o apelante tem o prazo de 30 (trinta) dias para alegar, prazo esse que, de acordo com o nº 6 do mesmo preceito legal, caso o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, é acrescido de 10 (dez) dias, passando, então a ser de 40 (quarenta) dias.
Ou seja, contra o que sustentam os recorrentes, quando com o recurso se vise a reapreciação da prova gravada não existem dois prazos processuais a contar de forma autónoma, primeiro um (de 30 dias) e depois o outro (de 10 dias). Existe apenas um prazo processual (de 40 dias) que, dada a obrigação de satisfazer as exigências constantes do artº 690º-A, tem mais 10 (dez) dias do que o normal.
A contagem desse prazo tem de ser feita, como manda o artº 144º, nº 1, de forma contínua, apenas se suspendendo durante as férias judiciais se a sua duração for inferior a seis meses ou se não se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes e transferindo-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte, quando termine em dia em que os tribunais estejam encerrados (nº 2).
“In casu”, tendo a notificação do despacho que admitiu a apelação sido feita em 15/10/2004, o prazo para os recorrentes alegarem, de 40 (quarenta) dias por o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada, contado continuamente, terminava em 24/11/2004, quarta-feira. Os três primeiros dias úteis seguintes, em que, de acordo com o artº 145º, nºs 5 e 6, o acto ainda poderia, pagando-se a pertinente multa, ser validamente praticado, seriam 25, 26 e 29 de Novembro de 2004 (quinta-feira, sexta-feira e segunda-feira, respectivamente). Ou seja, o dia 30/11/2004, data em que os apelantes apresentaram a sua alegação, estava já fora quer do prazo, quer dos aludidos três dias úteis, razão pela qual nenhuma censura merece, nessa parte, o despacho recorrido.
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3.2.2. Justo impedimento
De acordo com o artº 145º, nº 4, o acto poderá ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, o qual, segundo o artº 146º, nº 1, se traduz na ocorrência de um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
Os recorrentes parecem entender que o evento constitutivo do justo impedimento é a circunstância, que não lhes é imputável, de a “Agenda Jurídica 2004” indicar que o termo duma notificação de 30 dias feita em 15/10/2004 é em 15/11/2004.
Contudo, por um lado, a contagem dos prazos deve ser feita de acordo com os critérios legais e não com as indicações de uma qualquer agenda, por mais “fidedigna” que ela seja e por mais credenciados que sejam os seus autores. E, por outro, efectivamente um prazo de 30 dias que começasse a correr em 15/10/2004, terminaria em 15/11/2004, já que, sendo 14/11/2004 domingo, o termo transferir-se-ia para o primeiro dia útil seguinte.
Sucede, porém, que, como já atrás se explicou, os recorrentes não tinham dois prazos, um de 30 e outro de 10 dias, a contar separada e autonomamente, de forma a, acabando o primeiro em dia em que os tribunais estivessem encerrados, só começar a contar-se o segundo a partir do primeiro dia útil seguinte.
Por isso, não foi a “Agenda Jurídica de 2004” que induziu os recorrentes em erro. Foi a interpretação, a nosso ver incorrecta, feita pela ilustre mandatária dos recorrentes, de que da conjugação do disposto nos nºs 2 e 6 do artº 698º resultavam dois prazos, um de 30 e outro de 10 dias, a contar de forma independente e com uso, entre um e outro, da regra da transferência para o primeiro dia útil seguinte, prevista no nº 2 do artº 144º.
É, portanto, claro que inexistiu justo impedimento e que, também nesta parte, nenhuma censura merece o despacho recorrido.

Aliás, concordando-se inteiramente com o mencionado despacho, seja no tocante à decisão, seja no tocante aos fundamentos, bem poderia esta Relação, nos termos do artº 713º, nº 5, aplicável “ex vi” do artº 749º, ter-se limitado a negar provimento ao agravo, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada. O que, em complemento do que atrás ficou dito, se faz.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo e, consequentemente, em confirmar a douta decisão recorrida.
As custas são a cargo dos recorrentes.
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Coimbra,