Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165/10.3GDCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
RELATÓRIO SOCIAL
DEPOIMENTOS
AGENTES DE AUTORIDADE
VELOCIDADE EXCESSIVA
Data do Acordão: 10/17/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1º F), 249º, 283ºNº3 B) E C), 285º Nº 3, 358º E 359º CPP, 24º Nº 1 E 17º DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: 1.- Os antecedentes criminais do arguido e a informação recolhida no Relatório Social ou por outro meio de prova sobre a inserção social e socioprofissional do arguido, não respeitando à descrição dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, mas à sua personalidade para efeitos de determinação da sanção, não têm de ser comunicados nos termos do art.358.º do C.P.P.;
2.- Os depoimentos em audiência de julgamento, de agentes de autoridade, sobre o relato de diligências de investigação no âmbito do art.249.º do C.P.P:, portanto ainda antes da existência de inquérito e de constituição de arguido, são valorados livremente;
3.- A lei não exige no art.24.º, n.º1 do Código da Estrada que se tenha apurado uma concreta velocidade para que se atribua velocidade excessiva ao condutor;
4.- Existirá velocidade excessiva sempre que o condutor circule a velocidade que não lhe permite executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente ou quando exceda os limites de velocidade fixados no art.27.º do Código da Estrada.
5.- Estando dado como provado que o arguido, conduzindo um veículo com alguns anos e com os pneus da frente já desgastados e sem manutenção adequada, ao fazer a curva que descreve um traçado à sua esquerda, devido à velocidade muito superior ao aconselhável ao local que imprimia ao veículo, perdeu completamente o controlo deste e entrou em despiste, derrapando atravessado, e desta maneira saiu da estrada para o lado direito, seguindo na zona de terra existente naquele local da via, acabando por chocar com a parte lateral direita da viatura num muro ali existente, fora da via, tendo o outro ocupante que seguia ao lado do condutor sido projetado para fora do veículo através do para-brisas e ficando imobilizado à distância de cerca de 23,40m do veículo, dúvidas não há que o condutor seguia em excesso de velocidade.
Decisão Texto Integral:       Relatório

  Pela Vara de Competência Mista – 2.ª Secção, de Coimbra, sob acusação do Ministério Público, a que os assistentes A... e mulher B... aderiram, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo, o arguido

C..., residente na Rua …

imputando-se-lhe a prática, em autoria material e em concurso real:

- das contra-ordenações p. e p. pelos arts. 118.º, n.º 3 e 150.º, nº 1 , do Código da Estrada, 30.º n.º 1 do DL nº 554/99, de 16/12, 6º nº 1 do DR nº 7/98, de 06/05, contra-ordenações estas que já foram objecto de autos de contra-ordenação autónomos, e das contra-ordenações p. e p. pelos arts. 13.º n.ºs 1 e 3 e 24.º n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada e, por via destas, de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art.137.º, n.º2 do Código Penal, incorrendo ainda na sanção acessória prevista nos arts. 138.º, 145.º nº 1 als. a) e  e) e 147.º do Código da Estrada;

- de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, incorrendo por via deste na pena acessória prevista no art. 69.º n.º 1 al. a) do Código Penal; e

- de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, n.º 1, al. a), do D.L. nº 15/93, de 22/01 e respectivas Tabelas Anexas.

Promoveu ainda a Exma. Magistrada do M.P. que, nos termos do art. 101.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, als. b) e c), do Código Penal, o Tribunal decrete a cassação do título de condução do arguido, com as legais consequências.

Os assistentes A... e mulher B..., na qualidade de únicos e universais herdeiros do seu filho D..., falecido no acidente objecto da acusação, deduziram contra o arguido C... e o Fundo de Garantia Automóvel, pedido de indemnização civil fundado nos mesmos factos da acusação, peticionando a condenação solidária dos demandados no montante total de € 143.210,00.                                                                          

            Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 24 de Fevereiro de 2012, decidiu julgar a acusação parcialmente procedente, porque parcialmente provada, e consequentemente,

- condenar o arguido C..., como autor material de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art.137.º, n.º 2 do Código Penal,  na pena de 3 (três) anos de prisão;

- absolver o mesmo arguido da condenação autónoma de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p pelo art. 291.º, n.º1, als. a) e b), do Código Penal, conjugado com os artigos do C.E. supra referidos;

- condenar o arguido C..., como autor material de um crime de detenção de produto estupefaciente para consumo próprio, p. e .p  pelo art. 40.º, n.º2, do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

- condenar o arguido em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- absolver o arguido como autor da contra-ordenação p. e p. pelo art. 13.º, n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada;

-  não punir o arguido com autonomia pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo art. 24.º nºs 1 e 3  do C. Estrada;

- determinar ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 101º do Código Penal a cassação do título de condução do arguido, pelo período de 2 anos, cujo período de contagem global se contará a partir do trânsito em julgado desta decisão, sem prejuízo de se suspender durante o tempo em que o arguido estiver privado de liberdade, sendo disso caso;
Mais decidiu julgar parcialmente procedentes, porque apenas parcialmente provados, os pedidos de indemnização civil deduzidos por A... e mulher B... e, em consequência, condenar o arguido C... a pagar àquele a quantia de € 40.000,00 (quarenta e cinco mil euros) e a esta a quantia de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), indo o arguido expressamente absolvido do demais peticionado.

           Inconformados com o douto acórdão dela interpuseram recurso os assistentes A... e mulher B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

A - Por Douta Sentença proferida em 24 de Fevereiro, o Tribunal “a quo” decidiu condenar o arguido C..., como autor material de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art.137.º n.º 2 do C.Penal, na pena de três anos de prisão

B - condenar o arguido, C..., como autor material de um crime de detenção de produto estupefaciente para consumo próprio p. e .p pelo art. 40.º, n.º2 do DL no 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) meses de prisão;

C) condenar o arguido em cúmulo jurídico de penas, na pena única de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;

D - Julgar parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provado, os pedidos de indemnização civil deduzidos por A... e mulher, B..., em consequência do que se condena o arguido C..., a pagar àquele a quantia de € 40.000,00 (quarenta e cinco mil euros) e a esta a quantia de € 42.500,00 (quarenta e dois mil e quinhentos euros), do demais peticionado indo o arguido expressamente absolvido.

E - O Tribunal “a quo” entendeu ainda, que o arguido C... seria o único responsável pelo pagamento das indemnizações que estipulou, apresentando como fundamento de tal decisão, o facto de “dado os danos indemnizáveis serem danos corporais, decorrentes da morte, donde, havendo um responsável civil conhecido, (o dito arguido) está legalmente excluída pelo âmbito material do que está em causa, a responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel (cf. Art. 49.º “a contrario” do D.L. n.º 291/2007 de 21 de Agosto.” (sic)

F - Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação do disposto no supra citado artigo 49.º do Decreto Lei 291/2007 de 21 de Agosto.

G - Não obstante a douta fundamentação apresentada, entendem os recorrentes que o Tribunal a quo, não tem razão, quanto à forma como interpretou o âmbito material do Fundo de Garantia Automóvel, "excluindo" a sua responsabilidade “no caso sub Júdice”. Com efeito,

    Da audiência de julgamento, em súmula e com interesse para o presente recurso resultaram provados os seguintes factos:

H - No dia  … de 2010, pelas  … horas, na Rua … , área desta Comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula … , no sentido  … E.N. 111, o que fazia na faixa correspondente ao seu sentido de marcha.

I - Na ocasião e no mencionado veículo, seguia como ocupante, sentado no banco da frente ao lado do condutor, a vítima D....

J - O arguido tinha estado numa festa de casamento - e para onde regressava naquele momento tendo ingerido repetidas bebidas alcoólicas, bem como tinha tomado canabis.

L - O arguido, ao iniciar e manter a condução do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar acima mencionadas era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l e de 1 - nor - 9 - carboxi - 79 tetrahidrocanabiol de 12 ng/ml no sangue (metabolito da marijuana), conforme foi determinado pelo exame efectuado pelo IML, junto aos autos a fls. 232 e cujo teor é aqui dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

M - O arguido bem sabia ter ingerido bebidas alcoólicas e canabis em quantidade compatível , com as taxas e exames apresentados, querendo e conseguindo iniciar e manter a condução do veículo automóvel na via pública nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço, o que fez livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei.

N - O arguido seguia completamente indiferente ao que o rodeava, alheio aos veículos que seguiam à sua frente e em sentido contrário, imprimindo ao veículo por si conduzido um movimento muito superior ao aconselhável ao local, um trajecto que implicava descrever uma curva aberta à esquerda, bem como às condições do veículo que levava, com alguns anos e com os pneus da frente já desgastados e sem manutenção adequada - o pneu da frente do lado direito tinha o rasto liso.

O - O arguido também não tinha procedido à transferência do registo de propriedade atempadamente, não tinha seguro de responsabilidade civil obrigatório e não tinha sujeitado o veículo à inspecção obrigatória.

P - O arguido, inebriado pelo álcool e canabis, seguia como se fosse o único utente da via e como se esta fosse uma pista com traçado recto, indiferente ao facto de levar consigo uma outra pessoa, por cuja segurança era responsável como condutor do veículo, o qual, com alguns anos, não tinha a manutenção adequada realizada.

Q - Assim, devido à forma absolutamente descuidada e temerária com que o arguido seguia, ao chegar à supra referida curva, que descreve um traçado à esquerda, atento o sentido seguido, o arguido perdeu por completo o controlo do veículo que conduzia, o qual entrou em despiste, derrapando atravessado.

R - Como consequência deste embate, a infeliz vítima foi projectada para fora do veículo através do pára-brisas, que se partiu, vindo a imobilizar-se a cerca de 23,40m do veículo.

S - Este embate ocorreu exclusivamente devido à forma absolutamente temerária com que o arguido seguia, sendo portador da TAS e substância psicotrópica acima mencionadas.

T - Deste embate e, para além do mais, sofreu a infeliz vítima as lesões examinadas e descritas no auto e relatório de autópsia constante de fls. 212 a 216, cujo teor é aqui dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, lesões estas, que foram causa adequada da morte de D....

U - O arguido agiu na sua apurada conduta de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que essa sua conduta lhe estava vedada por Lei.

V Do seu registo individual de condutor consta infracção por desrespeito da obrigação de parar imposta por luz vermelha e condução com taxa de álcool no sangue entre 0,8 e 1,2 g /l.

X - A... e mulher, B... são os únicos e universais herdeiros do seu filho D..., falecido a … , no estado de solteiro.

Z - Era intenção do dito D... obter formação na área de técnico de vendas, para posteriormente começar a trabalhar na empresa de seus pais.

AA - Gozou sempre o dito D... de elevada estima e consideração por parte dos seus amigos, que eram muitos, bem assim como das pessoas residentes no lugar onde habitava.

BB - Era elevada, também, a estima e consideração de que gozava entre aqueles que foram seus professores, desde o ensino básico até à data do seu falecimento.

CC - Era ele um jovem determinado e empenhado em conseguir uma plena realização pessoal e profissional.

DD - Era um jovem saudável, sem vícios, sem hábitos de consumo de tabaco ou de álcool, dócil, fraterno, educado, solidário, alegre, com hábitos de trabalho perfeitamente enraizados.

EE - Estavam todos ligados por profundos laços e sentimentos de verdadeira família, de amor, cooperação e solidariedade.

FF - A... e mulher, B... nutriam pelo filho D... profundo amor.

GG - A morte do D...causou violento choque e emoção aos ditos demandantes seus pais, que ficaram psicologicamente abalados e traumatizados, a padecer de profunda mágoa, de que têm grande dificuldade em recuperar

HH - Sofrem eles e sofrerão para todo o sempre, profunda saudade daquele que foi um filho querido e exemplar.

II- Ambos os ditos demandantes passaram a ser acompanhados por uma psicóloga, Dr.ª E..., e a receber tratamentos adequados à sua recuperação anímica e psicológica.

JJ - Para além disso, os mesmos demandantes recebem apoio da organização “A Nossa Ancora” que apoia pais e irmãos em situação idêntica aos demandantes, através de auxílio psicológico sociológico, médico, psiquiátrico e religioso e a promover iniciativas que possam contribuir para minorar a perda de uma filho, nas circunstâncias em que esta ocorreu.

LL - Sentem eles uma enorme revolta pelo facto do seu filho ter morrido sem o mínimo contributo dele para tão trágico acontecimento.

MM - O Tribunal "a quo" entendeu estarem demonstrados todos os pressupostos e verificados todos os requisitos da obrigação de indemnizar, reclamando os demandantes, ora recorrentes o ressarcimento do dano não patrimonial constituído pela perda do direito à vida do D..., seu filho.

NN - Tal facto foi imputado ao lesante em termos de negligência, porque o agente omitiu o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz, assim ocorrendo o facto ilícito, e dele derivaram danos guê, em termos de nexo da causalidade adequada, são imputados à sua conduta lesiva.

     O Tribunal “a quo” considerou ainda como provado que:

OO - O falecido D... tinha 20 anos de idade, não estando inserido profissionalmente;

     - Ainda assim, foi a sua vida abruptamente ceifada num quadro de harmonia familiar do agregado em que se integrava, sendo particularmente sentida - e como irreparável - a sua perda por parte de ambos os progenitores, particularmente pela sua mãe, com maior incapacidade em recuperar de tal;

     - Apesar da sua juventude, dada a sua motivação e energia, era legítima a expectativa por parte dos progenitores de que o mesmo viria a constituir um válido suporte e activo apoio na empresa familiar;

    - Os remanescentes membros dela, toda a vida terão de viver com um sentimento de solidão e de perda que só o decorrer dos anos vai atenuando.

PP - O Tribunal “a quo” refere expressamente, ao que julgamos, por lapso de escrita, que os então demandantes, ora recorrentes teriam vindo a juízo pedir a quantia de € 50.000,00 a esse título, quando, na realidade solicitaram no pedido cível que formularam a quantia de € 75.000,00 (Vide artigo 64.º do pedido cível formulado), sendo certo que, independentemente de eventual lapso, o montante atribuído pelo Tribunal “a quo” a título de indemnização pelo dano da morte/perda do filho, é manifestamente baixo, para uma perda tão dolorosa e brutal, tendo em atenção a prova produzida e as relações familiares existentes,

QQ - A quantia de € 75.000,00 peticionada pelos ora recorrentes é, à luz da Jurisprudência mais recente do STJ é perfeitamente equitativa e justa, por forma a de algum modo poder “compensar” - como se isso fosse possível - tão grande perda, a atribuir em conjunto aos pais, os ora Recorrentes, precisamente os dois únicos herdeiros da vítima.

RR - Por outro lado basta ler a Sentença para se perceber que foi por mero lapso de escrita que o Tribunal "a quo" não atribuiu a indemnização peticionada de € 75.000,00.

SS - Tenha-se em atenção o texto da própria sentença onde a páginas 27 é dito expressamente “Atendendo a que vieram a juízo pedir essa compensação, - € 50.000,00 - que é atribuída, em conjunto, à globalidade dos herdeiros, precisamente os dois únicos herdeiros da vítima, com tal estabelecemos a correspondente indemnização de cada um deles em € 25,000,00

UU - No tocante ao sofrimento e perda que cada um deles (recorrentes) individualmente padeceu e padece, tratando-se como se tratava de um filho, relativamente ao qual nutriam comprovado carinho, aceita-se o valor atribuído pelo Tribunal de € 15.000 para o Recorrente marido e de € 17.500,00 para a Recorrente mulher.

VV - A alínea a) do artigo 49.º do D.L. 291/2007, de 21 de Agosto, desdobra-se em duas partes:

    Na primeira parte pode ler-se: Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido...

    Esta primeira parte significa que o Fundo de Garantia Automóvel garante, nos termos do n.º 1 do art.48.º e, até ao valor mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação por danos corporais, quando o responsável seja desconhecido.

   Tomemos, como exemplo, a situação de um atropelamento com fuga em que o condutor do veículo não vem a ser descoberto e identificado.

    Por sua vez, na segunda parte pode ler-se:

... Ou não beneficie de Seguro válido e eficaz

XX - A segunda parte significa que, sendo o responsável conhecido, não beneficie de Seguro válido e eficaz, o Fundo de Garantia Automóvel garante igualmente os danos corporais sofridos pelas vítimas

Z - Aliás, outra interpretação não pode ser feita, sob pena de se estar a pôr em causa os fundamentos e a génese do próprio Fundo de Garantia Automóvel que, com as constantes directivas que têm sido transpostas para a ordem jurídica interna têm como escopo fundamental uma cada vez maior protecção dos lesados de acidentes de viação causados por veículos automóveis sem seguro de responsabilidade civil obrigatório.

AAA - Por todas as razões atrás expostas, pelo que são as atribuições do Fundo de Garantia Automóvel, pela conjugação do disposto no n.º 3 do artigo 5.º, artigo 48.º, 49.º, alínea a), art. 52, a contrario, art. 62.º, n.º 1, todos do D.Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, deve no caso “subjudice” ser igualmente responsabilizado o Fundo de Garantia Automóvel, pelo pagamento dos montantes indemnizatórios e não apenas o arguido, sendo certo que,

BBB - Uma vez satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel sempre ficará sub-rogado nos direitos dos lesados, tendo ainda direito aos juros de mora legais e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e do seu reembolso (Vide artigo 54.º do citado D.L.)

CCC - A sentença recorrida viola assim o disposto nestes artigos, tendo, salvo devido respeito e que é muito, interpretado de forma incorrecta, nomeadamente estatuído no artigo 49.º n.º 1 alínea a) do Decreto Lei 291/2007, de 21 de Agosto.

Nestes Termos:

Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência:

1 - Atento o conteúdo da pág. 27.º da Douta Sentença proferida, quer-nos parecer evidente que o Tribunal “a quo” ao referir concretamente que “vieram a juízo pedir essa compensação” teria querido atribuir a indemnização de € 75.000,00, conforme por estes peticionada e não da que veio a atribuir de € 50.000,00, tratando-se pois, de um mero lapso de escrita.

2 - A não ser considerado como mero lapso do Tribunal “a quo” a atribuição do montante de € 50.000,00, tendo em atenção a prova produzida, e toda a factualidade dada como provada na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, deve ser fixada em € 75.000,00 a indemnização a atribuir aos ora Recorrentes, pais de falecido e seus únicos e universais herdeiros, pelo dano da morte/perda do Direito à vida de seu filho, valor este mais consentâneo e em consonância com a jurisprudência actual do S.T.J.

3 - Por todas as razões expostas, pelo que são as atribuições do Fundo de Garantia Automóvel, pela conjugação do disposto no n.º 3 do artigo 5.º, artigo 48.º, 49.º, alínea a), art.52, a contrario, art. 62.º n.º 1, todos do D. Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, deve no caso “subjudice” ser igualmente responsabilizado o Fundo de Garantia Automóvel, pelo pagamento dos montantes indemnizatórios e não apenas o arguido, já que, a segunda parte da alínea a) do artigo 49.º do Decreto Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, significa que, sendo o responsável conhecido mas não beneficie de Seguro válido e eficaz, o Fundo de Garantia Automóvel garante igualmente os danos corporais sofridos pelas vítimas.

            Também o arguido C... não se conformou com o acórdão e dele interpôs recurso, concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. O segmento do ponto XXII do acórdão que tem o seguinte teor: «sem embargo de à altura dos factos registar algum descontrolo pessoal no que à condução automóvel dizia respeito, com temeridade de comportamentos, ao que tudo indica associados a consumos aditivos de “drogas leves” e consumos por vezes excessivos de bebidas alcoólicas não é um facto que constasse da acusação.».

2. Sendo este facto relevante, quer para a determinação da medida da pena, quer para a decisão da suspensa de execução da pena, o tribunal só podia utilizar e valorar esses factos se tivesse cumprido o disposto no art. 358.º do Código de Processo Penal, razão pela qual, não o tendo feito, há nulidade da sentença, nos termos do disposto no art. 379.º n.º 1 al. b) do Código de Processo Penal.

3. O Tribunal recorrido ao proferir a decisão sobre matéria de facto, incorreu em erro notório na apreciação da prova, uma vez que, os Pontos XI e XII dos factos dados por provados do acórdão violam as leis da física.

4. É das regras da experiência que um passageiro só pode ser “cuspido” do veículo se não levar cinto, pelo que o tribunal omitiu por completo a averiguação desse facto essencial que em última instância lhe competia averiguar, violando o art. 340.º do Código de Processo Penal.

5. O acórdão recorrido incorreu em contradição insanável, prevista no art.410.º n.º 2 al. b) e art. 426.º n.º 1 do Código de Processo Penal ao dizer na decisão sobre matéria de facto que não se provou que o cannabis que o arguido tinha tomado antes do acidente era susceptível de adormecer os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e dar como provado que o arguido inebriado pela cannabis seguia como se fosse o único utente da via é uma contradição nos próprios termos do acórdão.

6. Os factos provados estão em contradição com a fundamentação, que afasta nexo causal entre a conduta negligente do arguido e o uso de droga cannabis - cfr. pág. 9 do acórdão.

7. O acórdão a fls. 12 elege “também” como “justificação subjectiva” para aquele comportamento a cannabis “de que era portador”, o que constitui erro notório na apreciação da prova e a contradição insanável, determinantes do reenvio para novo julgamento, nos termos do art.410.º n.º 2 al. c) e art. 426.º n.º1 do Código de Processo Penal.

8. Nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência presenciou o embate.

9. Não há qualquer prova de que o arguido fosse o condutor do veículo.

10. Não se sabe como a vítima “saiu”, nem em que momento da dinâmica do acidente saiu, facto que deve ser alterado na matéria de facto, pois o tribunal também não fundamenta a decisão acrítica a que aderiu.

11. Da distância a que ficou a vítima do veículo não se podem retirar ilações quanto à velocidade do veículo pois não se sabe como é que a vítima foi "parar" ao local onde as testemunham a viram.

12. Ninguém pôde comprovar, ainda que indiciariamente, qual era a velocidade do veículo nem se esta era excessiva ou não.

13. O tribunal não concretiza a velocidade: remete-se a formulações conclusivas que não explica, nem têm suporte na prova produzida.

14. Ora, perante conclusões como as constantes da matéria de facto provada, onde apenas deviam constar factos, o arguido não se pode defender nem exercer o recurso quanto a matéria de facto.

15. Após a produção de prova e não havendo elementos objectivos para apurar a velocidade, não se pode afirmar e dar como provada a velocidade excessiva, violando-se o princípio de decisão da prova que, in dúbio pro reo!!!

16. Há outras causas para a ocorrência do acidente que foram abordadas na audiência e que o tribunal não equacionou na sua apreciação da prova, designadamente o facto de no local do despiste existir areia, de os pneus do veículo não estarem nas condições ideais e de o corpo da

vítima ter sido projectado.

17. Estas hipóteses resultantes da prova produzida não foram discutidas pelo tribunal.

18. A prova não foi apreciada criticamente; verifica-se da leitura do acórdão que há um pré-juízo relativo à velocidade: “o acidente resultou de velocidade excessiva”, e a prova é apreciada com essa orientação desconsiderando-se tudo o que perturbe essa hipótese de explicação.

19. Assim, há falta de exame crítico e de fundamentação, determinante da nulidade do acórdão – art. 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal.

20. No interrogatório da testemunha cabo . ocorreu, violação dos princípios da imparcialidade, do processo justo e equitativo, previstos no art. 20.º n.º 4 da Constituição e do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

21. O acórdão recorrido contém falta de fundamentação e exame crítico da prova, designadamente, na parte em que o tribunal devia discutir as provas e demonstrar a convicção, não o fazendo, limitando-se a proclamar e exercer um acto de fé: “o acidente foi sem dúvida fruto da velocidade excessiva", ancorando-se entre o mais, no “rugido” da velocidade excessiva, que o tribunal aceita acriticamente, em clara violação do art.374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 a. A) do Código de Processo Penal.

22. A prova produzida em audiência permite apenas dizer que ocorreu um acidente e que a vítima foi encontrada nas imediações do veículo acidentado. Nem sequer se provou que o arguido era o condutor.

23. O acórdão recorrido fundamenta-se nos depoimentos das testemunhas ... e ... conjugados com o prestado pelas testemunha ..., ..., ... e . relativamente às concretas circunstâncias da ocorrência do acidente e condições da circulação empreendida pelo arguido, mas nenhuma destas testemunhas viu ou, sequer, presenciou, o acidente.

24. Devem ser alterados os seguintes factos dados como provados pelo acórdão recorrido: Pontos I, II,I, VII, IX, X, XIII,XV, e devem passar a ter a redacção sugerida

25. Devem ser eliminados do elenco da factualidade provada pelo acórdão, passando, consequentemente, a factos não provados os factos constantes dos pontos II, XIII, XV, XVI e XVIII do acórdão, por total ausência de prova.

26. Deve ser alterada a redacção dos factos dados como provados nos pontos I, III, VII, IX e X do acórdão, aos quais deve ser dada a redacção sugerida no ponto III - b) da impugnação da matéria de facto da presente motivação da presente motivação.

27. Devem ser dados como provados, os seguintes factos, que decorreram desses depoimentos produzidos em audiência.1 - a vítima não levava cinto de segurança; 2 - o local do acidente é propício à ocorrência de acidentes de viação, sendo certo que na semana anterior ao acidente, no mesmo local ocorreram cinco acidentes de viação; 3 - na curva existia areia, tanto na faixa de rodagem como na berma.

28. A fundamentação para esta pretendida alteração da matéria de facto dada como provada pelo tribunal colectivo, reside, precisamente, nos depoimentos das testemunhas ... e ... conjugados com o prestado pelas testemunha ..., ..., ... e .

29. Independentemente da alteração da matéria de facto que o recorrente pretende que seja efectuada, como pugnou na parte de impugnação desta matéria, na motivação supra, a verdade é que, mesmo sem essa impugnação, não deveria o arguido ter sido condenado

30. Não há, nos factos provados, a imputação de uma velocidade concreta ao veículo, a qual não vem referida nem na acusação, nem no acórdão, qualquer velocidade concreta permitida para o local.

31. Se não se apurou a velocidade a que circulava o veículo, se não se apurou qual a velocidade concreta permitida no local, há um vício claro de raciocínio e contra reo - o que é vedado pelas elementares regras probatórias.

32. A condução "desatenta" referida a fls 12 e a "falta de atenção" de fls. 13, ambas do acórdão, não tem respaldo no relato conclusivo do ponto X.

33. O arguido não pode apresentar defesa em sede de matéria de facto a meras adjectivações e conclusões.

34. Na discussão do nexo causal o tribunal basta-se com a afirmação de que foi o tipo de condução que originou o despiste quando a questão que importava examinar era qual o comportamento do arguido que originou a morte da vítima.

35. Há um facto notório que não foi considerado na discussão: a vítima não usava cinto de segurança, facto que é suficiente para afastar o nexo causal ou criar um quadro de contribuição da vítima para o evento, e que foi referido pela testemunha cabo . no seu depoimento.

36. O facto de a vítima não levar cinto de segurança é fundamental para a causa do dano de morte, pois independentemente da responsabilidade do acidente recair sobre o condutor do veículo ( fosse o arguido, fosse a vítima) a verdade é que, a causa do dano nunca poderia ser assacado ao arguido ( mesmo que fosse este o condutor do veículo).

37. Há comportamento da vítima concausal do evento (dano).

38. Atentas as concretas circunstâncias do caso, não existe prova de elementos caracterizadores da negligência grosseira.

39. Não se verificam os pressupostos dos quais o acórdão parte para "qualificar" a negligência como grosseira, razão pela qual ocorreu violação do art. 340.º do Código de Processo Penal.

40. A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência.

41. Mas o tribunal não decidiu se o carácter grosseiro da negligência constitui uma mera circunstância modificativa da moldura penal exclusivamente operante ao nível da medida legal da pena, ou uma forma de culpa, ou uma característica da atitude do agente, ou uma graduação do ilícito em função do especial dever de cuidado violado, do perigo aumentado e (ou) da probabilidade de verificação do resultado.

42. Ora no caso nenhum destes pressupostos se verifica pelo que a verificar-se negligência a mesma não é grosseira.

43. A decisão recorrida nega o juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena recorrendo a uma intolerável valoração contra o arguido do exercício legal do seu direito ao silêncio.

44. Depois de dar como provado o que consta no ponto XXII, do acórdão, o tribunal inflecte, desconsiderando essa factualidade e afirma não ser possível o juízo de prognose favorável.

45. O arguido foi condenado e não lhe foi aplicada a suspensão de execução da pena suspensa por ter utilizado um elementar direito que a lei processual penal e fundamental lhe confere: o direito a não prestar declarações, decorrência do princípio do ónus da prova, e foram violados os art.s 343.º e 345.º n.º 1 do Código de Processo Penal, uma vez que as inferências negativas retiradas do seu silêncio são infundadas e ilegais.

46. A circunstância de o arguido não assumir os factos, não o pode prejudicar já que o arguido não está obrigado a prestar declarações sobre o objecto do processo, e tem o direito de prestar ou não declarações, sem que o seu silêncio o possa desfavorecer, art.343.º do Código Processo Penal.

47. Coisa diversa é a consequência do uso pelo arguido do direito ao silêncio: inviabiliza a confissão e o arrependimento.

48. Mas são realidades diversas que não estão suficientemente diferenciadas na decisão recorrida, onde a questão foi mal formulada, pois que, com o seu comportamento processual não pode o arguido ser prejudicado, pode é deixar de ser beneficiado.

49. Não tem relevo negativo, de modo a inviabilizar a prognose de ressocialização, a circunstância de o arguido não ter manifestado pesar pela vítima e situação da respectiva família.

50. Essa declaração não repara as consequências do crime, pelo que se desconhece onde ancora e que matriz tem essa obrigação, razão pela qual não está fundamentada a decisão recorridas nesta parte.

51. Foi violado, assim, o disposto nos art.s 61.º,1,d), 343.º e 345.º n.º 1 do Código de Processo Penal, sendo infundadas e ilegais as inferências negativas retiradas do silêncio do arguido.

52. O acórdão recorrido, valorando negativamente o facto de o arguido se ter remetido ao silêncio, violou um direito constitucionalmente protegido -- artigo 32.º, n.º 1 a contrario da Constituição da República Portuguesa – inconstitucionalidade que expressamente se invoca.

53. O tribunal dá como provado o ponto XXII que está em contradição com a negação do juízo de prognose favorável.

54. A prognose de ressocialização está conexionada com o facto de o Estado garantir a protecção e a promoção dos direitos das pessoas e com a suspensão da execução da pena de prisão visando que o arguido no futuro não pratique novos crimes.

55. A reclusão constitui a ultima ratio da política criminal, sendo a punição da negligência excepcional, pois só ocorre nos casos especialmente previstos, art.13.º do Código Penal.

56. Excepcional é ainda a não suspensão de penas de prisão inferiores a cinco anos - art. 50.º do Código Penal.

57. A apurada conduta do arguido aparece-nos como um episódio ocasional, que depois não mais repetiu, não se vislumbrando razões para duvidar da capacidade do arguido de « não repetir crimes», se for deixado em liberdade.

58. O próprio acórdão considera que agora está mais sereno e responsável.

59. Os fundamentos que determinaram o juízo de prognose desfavorável não são correctos.

60. In casu estamos perante um crime sem dolo, sem negligência grosseira, o que configura um quadro de menor culpabilidade a exigir menor prevenção e a aconselhar que não se recorra à aplicação da prisão.

61. Existe um juízo de prognose favorável à suspensão, já que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, o que equivale por dizer pela procedência do recurso.

62. Não se verificam os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do art.101.º do Código Penal para determinar a cassação da licença de condução, que é uma medida de segurança.

63. A cassação de licença de condução, não é uma medida de aplicação automática.

64. Em caso de acidente os condutores e peões só deverão ser submetidos a colheita de sangue quando o seu estado de saúde não lhes permitir ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado.

65. O resultado de tal exame, ilegalmente realizado, não pode ser valorado, de acordo com o art.156.º do Código da Estrada.

66. Não tendo ficado provado, como anteriormente se demonstrou, que o arguido era o condutor do veículo, nunca este poderia ter sido condenado no pagamento de qualquer indemnização.

67. Mesmo que se admitisse - o que não se concede - que o arguido era o condutor do FJ, sempre o montante indemnizatório teria que ser substancialmente inferior, à luz do art. 570.º do Cód. Civil, que não cumpriu o dever de usar cinto.

68. O Fundo de Garantia Automóvel deve ser condenado solidariamente á luz do art.49.º do D.L. n.º 291/2007, de 21 de Agosto.

69. Não deve subsistir a condenação do arguido no pagamento das quantias arbitradas, no pedido cível ou, de todo o modo, as indemnizações devem ser substancialmente reduzidas, e, a haver condenação do arguido, também deverá haver condenação do FGA.

Termos em que, com o douto suprimento do omitido, deve ser concedido provimento ao recurso e ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo-se o arguido.

O Ministério Público na Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra respondeu ao recurso interposto pelo arguido C..., pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

            O Fundo de Garantia Automóvel respondeu ao recurso interposto pelos demandantes cíveis, pugnando pela inexistência de lapso de escrita na decisão recorrida ao fixar-se o montante de € 50 000,000 e pela manutenção desse valor atribuído a título do dano morte.    

            Os assistentes/demandantes responderam ao recurso interposto pelo arguido C..., concluindo que deve ser negado provimento ao recurso na totalidade da parte criminal e, quanto à parte cível, apenas deve ser concedido na parte também objecto de recurso interposto pelos assistentes/demandantes, devendo-se responsabilizar igualmente o Fundo de Garantia Automóvel pelo pagamento dos montantes indemnizatórios.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido deverá improceder.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., tendo os demandantes respondido ao parecer no sentido de ser corrigido o nome do arguido constante do mesmo parecer e da improcedência do recurso.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

      Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes do acórdão recorrido é  a seguinte:

            Factos provados

I – No dia  … de 2010, pelas  … horas, na Rua … , área desta Comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..., no sentido  … E.N. 111, o que fazia na faixa correspondente ao seu sentido de marcha.

II – Na ocasião e no mencionado veículo, seguia como ocupante, sentado no banco da frente ao lado do condutor, a vítima D....

III – A via, no local e ponderando o sentido seguido pelo arguido, descreve uma curva aberta à esquerda, com ampla visibilidade, o piso, asfaltado encontrava-se em bom estado de conservação e o piso e tempo estavam secos.

IV – O arguido tinha estado numa festa de casamento – e para onde regressava naquele momento – tendo ingerido repetidas bebidas alcoólicas, bem como tinha tomado canabis.

V – O arguido, ao iniciar e manter a condução do veículo nas circunstâncias de tempo e lugar acima mencionadas era portador de uma taxa de álcool no sangue de 1,65 g/l e de 1 – nor – 9 – carboxi – 79 tetrahidrocanabiol de 12 ng/ml no sangue (metabolito da marijuana), conforme foi determinado pelo exame efectuado pelo IML, junto aos autos a fls. 232 e cujo teor é aqui dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

VI – O arguido bem sabia ter ingerido bebidas alcoólicas e canabis em quantidade compatível com as taxas e exames apresentados, querendo e conseguindo iniciar e manter a condução do veículo automóvel na via pública nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço, o que fez livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei.

VII – O arguido seguia completamente indiferente ao que o rodeava, alheio aos veículos que seguiam à sua frente e em sentido contrário, imprimindo ao veículo por si conduzido um movimento muito superior ao aconselhável ao local, um trajecto que implicava descrever uma curva aberta à esquerda, bem como às condições do veículo que levava, com alguns anos e com os pneus da frente já desgastados e sem manutenção adequada – o pneu da frente do lado direito tinha o rasto liso.

VIII – O arguido também não tinha procedido à transferência do registo de propriedade atempadamente, não tinha seguro de responsabilidade civil obrigatório e não tinha sujeitado o veículo à inspecção obrigatória.

IX – O arguido, inebriado pelo álcool e canabis, seguia como se fosse o único utente da via e como se esta fosse uma pista com traçado recto, indiferente ao facto de levar consigo uma outra pessoa, por cuja segurança era responsável como condutor do veículo, o qual, com alguns anos, não tinha a manutenção adequada realizada.

X – Assim, devido à forma absolutamente descuidada e temerária com que o arguido seguia, ao chegar à supra referida curva, que descreve um traçado à esquerda, atento o sentido seguido, o arguido perdeu por completo o controlo do veículo que conduzia, o qual entrou em despiste, derrapando atravessado.

XI – Em despiste, o veículo saiu da estrada para o lado direito seguiu atravessado na zona de terra existente naquele lado da via e fora da faixa de rodagem, acabando por chocar com a parte lateral direita da viatura num muro ali existente fora da via.

XII – Como consequência deste embate, a infeliz vítima foi projectada para fora do veículo através do pára-brisas, que se partiu, vindo a imobilizar-se a cerca de 23,40m do veículo.

XIII – Este embate ocorreu exclusivamente devido à forma absolutamente temerária com que o arguido seguia, sendo portador da TAS e substância psicotrópica acima mencionadas.

XIV – Deste embate e, para além do mais, sofreu a infeliz vítima as lesões examinadas e descritas no auto e relatório de autópsia constante de fls. 212 a 216, cujo teor é aqui dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, lesões estas que foram causa adequada da morte de D....

XV – O arguido, ao agir como o descrito, bem sabia que um condutor médio e prudente não conduzia da forma como o fez, designadamente não iniciaria, nem manteria a condução sendo portador de álcool em taxa e de forma que adormece os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e não imprimiria um movimento tão elevado, ponderando o veículo que conduzia e traçado da via onde seguia, regras de cuidado estradal que se lhe impunham, era capaz de cumprir e não o fez de forma temerária, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei.

XVI – O arguido, na ocasião, levava guardado no veículo por si conduzido uma substância acastanhada que, sujeita a exame laboratorial se apurou ser canabis (resina), com 5,423 gr de peso líquido, conforme resulta do teor do exame constante de fls. 244 e cujo teor é aqui dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.

XVII – O canabis (resina) é uma substância incluída na tabela anexa ao D.L. nº 15/93, (Tabelas I-C).

XVIII – O arguido tinha consigo tal substância, cuja natureza conhecia perfeitamente, querendo tê-la consigo, a qual destinava a consumo próprio.

XIX – O arguido agiu na sua apurada conduta de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que essa sua conduta lhe estava vedada por Lei.

XX – Do seu registo individual de condutor consta infracção por desrespeito da obrigação de parar imposta por luz vermelha e condução com taxa de álcool no sangue entre 0,8 e 1,2 g/l.

XXI – O arguido não tem qualquer registo criminal.

XXII – O arguido nasceu e cresceu dentro de uma família socialmente estruturada, tendo decorrido o processo educativo dentro da normalidade, sendo que terminado o ensino secundário, entrou para o ensino superior ISEC, cuja matrícula no 2º ano acabou por suspender para se dedicar à actividade laboral, primeiro numa serralharia do avô e pai e ulteriormente por conta de outrem, inicialmente como vigilante numa empresa de segurança e posteriormente como serralheiro em mais três empresas, sendo certo que de há 6 anos a esta parte labora para empresa desse ramo, por via do que presentemente aufere cerca de € 778,00 mensais, onde é considerado um excelente profissional; o arguido sempre teve bom relacionamento com terceiros, nada constando em seu desabono a esse nível, sem embargo de à altura dos factos registar algum descontrolo pessoal no que à condução automóvel dizia respeito, com temeridade de comportamentos, ao que tudo indica associados a consumos aditivos de “drogas leves” e consumos por vezes excessivos de bebidas alcoólicas; este padrão de comportamento alterou-se após a ocorrência ajuizada, alegadamente pelas sequelas traumáticas que lhe advieram, passando publicamente o quotidiano do arguido a ser vivido de modo mais sereno e responsável.

XXIII – A... e mulher, B... são os únicos e universais herdeiros do seu filho D..., falecido a 17 de Julho de 2010, no estado de solteiro.

XXIV – Era intenção do dito D... obter formação na área de técnico de vendas, para posteriormente começar a trabalhar na empresa de seus pais.

XXV – Gozou sempre o dito D... de elevada estima e consideração por parte dos seus amigos, que eram muitos, bem assim como das pessoas residentes no lugar onde habitava.

XXVI – Era elevada, também, a estima e consideração de que gozava entre aqueles que foram seus professores, desde o ensino básico até à data do seu falecimento.

XXVII – Era ele um jovem determinado e empenhado em conseguir uma plena realização pessoal e profissional.

XXVIII – Era um jovem saudável, sem vícios, sem hábitos de consumo de tabaco ou de álcool, dócil, fraterno, educado, solidário, alegre, com hábitos de trabalho perfeitamente enraizados.

XXIX – Estavam todos ligados por profundos laços e sentimentos de verdadeira família, de amor, cooperação e solidariedade.

XXX – A... e mulher, B... nutriam pelo filho D... profundo amor.

XXXI – A morte do D...causou violento choque e emoção aos ditos demandantes seus pais, que ficaram psicologicamente abalados e traumatizados, a padecer de profunda mágoa, de que têm grande dificuldade em recuperar.

XXXII – Sofrem eles e sofrerão para todo o sempre, profunda saudade daquele que foi um filho querido e exemplar.

XXXIII – Ambos os ditos demandantes passaram a ser acompanhados por uma psicóloga, Dr.ª E..., e a receber tratamentos adequados à sua recuperação anímica e psicológica.

XXXIV – Para além disso, os mesmos demandantes recebem apoio da organização “A Nossa Ancora” que apoia pais e irmãos em situação idêntica aos demandantes, através de auxílio psicológico sociológico, médico, psiquiátrico e religioso e a promover iniciativas que possam contribuir para minorar a perda de uma filho, nas circunstâncias em que esta ocorreu.

XXXV – Sentem eles uma enorme revolta pelo facto do seu filho ter morrido sem o mínimo contributo dele para tão trágico acontecimento.

            Factos não provados:

- que o canabis que o arguido tinha tomado antes do acidente ajuizado era susceptível de  adormecer os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura;

- que o arguido destinava os 5,423 gr de canabis (resina) que tinha consigo a ser por si partilhada por quem lha solicitasse, a troco de bens e serviços não apurados, para os mesmos as tomarem quando o entendessem;

- que o arguido queria ter essa substância consigo e “trocá-la” por bens e serviços não apurados com quem lha solicitasse, obtendo deste modo o correspondente benefício não justificável.

- que o falecido D... tinha sonhos de constituir família com a sua então namorada.

- que com a escritura de habilitação de herdeiros que outorgaram por causa da morte de seu filho os demandantes despenderam  a quantia de € 210,00 (duzentos e dez euros);

- que o falecido D... sofreu nos momentos que antecederam a sua morte, pois apercebeu-se, necessariamente, da iminência do embate de que foi vítima, apercebeu-se e sentiu o violento embate do veículo automóvel no muro, sentiu dores e, sobretudo, sentiu que tal lhe poderia causar, como causou, a morte.

                                                                       *

            A convicção do tribunal assentou numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, à luz das regras da experiência e de acordo com o princípio da livre apreciação, sendo de destacar:

- que relativamente às concretas circunstâncias da ocorrência do acidente e condições da circulação empreendida pelo arguido, se teve presente que algumas testemunhas lograram  descrevê-las suficientemente (caso das testemunhas ... e ..., que se cruzaram naquela via com a viatura do arguido, circulando em sentido contrário à da viatura deste, e relatando estar esta já em despiste ou descontrolada, sem dúvida fruto da velocidade excessiva com que vinha animada), assim resultando minimizada para a descoberta da verdade material a falta de declarações pelo arguido; na verdade, a conjugação dos ditos depoimentos com o prestado pelas testemunha ... (que se encontrava em “actividades agrícolas” próximo do local onde ocorreu o dito despiste, relatando ter ouvido o “rugido” da velocidade excessiva com que o arguido vinha animado, cujo desfecho negativo logo prognosticou, também fruto da recorrência dos acidentes naquele local), com a sequência de vestígios materiais e objectivos deixados pela viatura do arguido no local e bem assim estado final desta última, tudo impressivamente retratado nas fotografias de fls. 13 a 34, na medida em que pelas testemunhas agentes da G.N.R. que compareceram no local a tomar conta da ocorrência (..., ... e .), foram prestados esclarecimentos pertinentes sobre o que visualizaram, mormente por parte do Cabo . que foi quem teve a responsabilidade de instrução do inquérito, não restaram dificuldades interpretativas que as normais regras de experiência e normalidade das situações não conseguissem ultrapassar quanto à versão positiva dos factos que se veio a dar como apurada e ficou consignada nos factos provados;

- que a prova pericial constante dos autos e relatórios do processo (cf. fls. 4-11, 65, 101 a 102, 120, 129, 172, 175, 211 a 217, 243 a 244) relevou decisivamente para a formação da convicção alcançada, cumprindo destacar que também não se vislumbrou razão para questionar a validade e legalidade da prova/exame sanguíneo ao álcool (que foi sustentada nas alegações do Exmo. Mandatário do arguido), como, aliás, douta jurisprudência constante do recente e muito bem fundamentado Ac. da Rel. de Guimarães de 23.01.2012, no Proc nº 32/10.0GBGMR, consultável in www.dgsi.pt;

- que no particular do haxixe [canabis (resina)] tomado não se considerar como afectando, só por si, a condução do arguido, nos termos constantes da acusação, ponderou-se a seguinte ordem de razões: se foi apurado o uso desta droga canabis através da sua científica detecção no sangue, tal não invalida que é igualmente de conhecimento científico que após a sua metabolização é esta substância expulsa pela urina; ora, está já estudado que a canabis contém mais de 60 outros constituintes canabinóides e alguns deles podem modular as respostas induzidas pelo THC ( Delta 9- tetrahidrocanabinol), de tal modo que hoje se fazem estudos de aplicação farmacológica e terapêutica dos canabinóides. Isto, para significar que a actividade da canabis sativa não pode ser atribuída exclusivamente ao THC, seu principal constituinte activo, uma vez que outros componentes, como o canabidiol (CBD) influenciam a sua actividade farmacológica, nomeadamente, podendo ter estes, uma acção ansiolítica e antipsicótica. ("Efeitos dos canabinóides" www.fesbe.org.); é também sabido também que no consumo de canabis, a overdose não se coloca, sendo reduzida a dependência e só em grandes doses se colocam os efeitos de diminuição intra-ocular, foto fobia, aumento da pressão arterial sistólica... (www.psicologia.com); no caso vertente, a presença do composto de cannabis THC ao ter lugar no sangue, ainda que se nos afigure em quantidade elevada (para detecção em exame de urina bastarão 50ng/mnl, o que ocorre quando já está em fase de eliminação!), não invalida que fosse um composto “inactivo” como ficou consignado no “Relatório Final” de fls. 232, isto é, na circunstância, os dados conhecidos, por si só, não podem levar a concluir pelo nexo causal entre a conduta negligente do arguido e o uso da droga canabis. Muito menos se indica a existência de abuso da droga; neste singelo quadro e face à concreta substância em causa, não basta verificar a existência de um componente da droga no sangue, para seguramente concluir que esse facto é o bastante para produzir qualquer consequência nociva e perturbadora do comportamento do arguido na condução;

- que já quanto ao produto estupefaciente encontrado no veículo ser efectivamente do arguido relevou decisivamente a circunstância de se ter apurado que o mesmo era então consumidor de tais substâncias aditivas (assim também a testemunha Emanuel Pereira e o que vem relatado no relatório social elaborado – fls. 375 a 380) na conjugação com o próprio arguido ter essa mesma substância no organismo nesse dia, donde, na medida em que a vítima não estava de todo associado às substâncias aditivas (o que foi asseverado pelas testemunhas de defesa inquiridas e resultou comprovado no relatório da sua autópsia – cf. fls. 215/216), conduziu a que à luz das regras de experiência e normalidade se concluísse no sentido de que esse produto encontrado era efectivamente do arguido;

- que em sintonia com esta mesma linha de convicção, se veio a concluir ser esse produto para consumo do arguido, pela quantidade que estava efectivamente em causa, quando é certo que, em contraponto, nenhuma prova positiva da sua cedência ou venda a terceiros foi produzida nem se afigurava como legítima conclusão, donde o que se deu como provado e não provado neste particular;

- que o facto que se consignou quanto aos antecedentes criminais do arguido, resultou do teor do certificado de registo criminal de fls. 109 e o constante do registo individual de condutor, pelo teor de fls. 208/209 (98/99);

- que sobre a personalidade do arguido e a sua situação social prestaram depoimento as testemunhas Josefina Macedo e Maria Alice Couceiro, que sendo ambas amigas do arguido e sua família, prestaram depoimentos de forma directa sobre o seu conhecimento da personalidade do arguido, cujos depoimentos foram interpretados e valorados na conjugação com o que constava do já citado Relatório Social de fls. 375 a 380;

- que foram globalmente considerados e valorados os depoimentos das testemunhas dos Demandantes Civis ( …………………….., e bem assim do Exmo. Conselheiro … , no seu depoimento escrito constante dos autos a fls. 390-391), para a matéria a tal atinente e relevante, sendo certo que depuseram no global com isenção e objectividade, tendo nessa medida merecido acolhimento os seus depoimentos em tudo o que positivamente lograram esclarecer e se afigurava consentâneo com a normalidade das situações;  

- que os demais factos não provados, ainda não referidos expressamente, resultaram da absoluta falta de prova, ou, pelo menos, com a necessária consistência e coerência com o apurado positivamente, cumprindo ainda referenciar que não foi feita prova concludente de que a vítima D... tivesse estado ou ficado consciente logo após o embate e projecção que para o próprio resultou, em termos de se poder dar acolhimento ao que vinha sustentado no sentido de que o mesmo sofrera com a perspectiva e percepção da morte.

*
                                                                        *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação dos assistentes A... e mulher B... as questões a decidir são as seguintes:

- se o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto no artigo 49.º do Decreto Lei 291/2007 de 21 de Agosto, ao excluir da responsabilidade civil o Fundo de Garantia Automóvel; e

- caso se entenda que não é um mero lapso de escrita a atribuição pelo Tribunal a quo, aos assistentes, da quantia de € 50 0000,00 a título de indemnização pelo dano morte do filho, deve então considerar-se este valor manifestamente baixo, e fixar-se o mesmo em € 75 0000,00. 

Em face das conclusões da motivação do arguido C... as questões a decidir são, por sua vez, as seguintes:

- se o acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no art. 379.º n.º 1 al. b) do C.P.P., uma vez que não foi comunicado ao arguido, como o exigia o art. 358.º do mesmo Código, um facto relevante para a determinação da medida da pena e para a decisão da suspensão de execução da pena, que consta do ponto XXII do acórdão recorrido;

- se o acórdão recorrido padece dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contribuição insanável a que aludem as alíneas c) e b), n.º2, art.410.º do C.P.P.;

- se o acórdão recorrido é nulo, nos termos dos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 al. a) do C.P.P., por falta de exame crítico e de fundamentação da matéria de facto provada;

- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto devendo, consequentemente, serem eliminados os factos constantes dos pontos II, XIII, XV, XVI e XVIII da factualidade dada como provada no acórdão recorrido, passando a factos não provados; ser alterada a redacção dos factos dados como provados nos pontos I, III, VII, IX, X, XIII e XV, passando a terem a redacção que se indica na motivação do recurso; e ser ainda dado como provado que “1 - a vítima não levava cinto de segurança; 2 - o local do acidente é propício à ocorrência de acidentes de viação, sendo certo que na semana anterior ao acidente, no mesmo local ocorreram cinco acidentes de viação; 3 - na curva existia areia, tanto na faixa de rodagem como na berma.”;

- se em face da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo não se verificam os todos elementos constitutivos do crime de homicídio negligente, e menos ainda para qualificar a negligência como grosseira;

- se o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 50.º do C.P., 61.º, n.º1, al. d), 343.º e 345.º n.º 1, do C.P.P. e 32.º, n.º1, a contrario da C.R.P., ao não haver suspendido a execução da pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente;

- se não se verificam os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do art.101.º do Código Penal para determinar a cassação da licença de condução ao arguido/recorrente; e

- se não deve subsistir a condenação do arguido no pagamento das quantias arbitradas, no pedido cível ou, de todo o modo, as indemnizações devem ser substancialmente reduzidas, e, a haver condenação do arguido, também deverá haver condenação do F.G.A..

            Por uma questão de ordem lógica, uma vez que enquanto os assistentes apenas impugnam a matéria de direito e o arguido impugna não só a matéria de direito mas ainda a de facto, o primeiro recurso a conhecer será o interposto pelo arguido.


*

            Recurso interposto pelo arguido C....

-

            Primeira questão.

O arguido C... sustenta que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no art. 379.º n.º 1 al. b) do C.P.P., uma vez que não constava da acusação um segmento incluído pelo Tribunal a quo no ponto XXII do acórdão recorrido - «…sem embargo de à altura dos factos registar algum descontrolo pessoal no que à condução automóvel dizia respeito, com temeridade de comportamentos, ao que tudo indica associados a consumos aditivos de “drogas leves” e consumos por vezes excessivos de bebidas alcoólicas;» e não lhe foi comunicado, como o exigia o art. 358.º do mesmo Código, por este ser um facto relevante para a determinação da medida da pena e para a decisão da suspensão de execução da pena.

Vejamos se assim é.     

O processo penal tem estrutura acusatória ( art.32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa) e é pela acusação que se define o objecto do processo ( thema decidendum).

Assim, a acusação deve conter, designadamente, a narração dos factos imputados ao arguido e as disposições legais aplicáveis aos mesmos factos ( artigos 283.º, n.º 3, alíneas b) e c) e 285.º, n.º3, do Código de Processo Penal ).

De acordo com o princípio da identidade do objecto do processo, este um corolário do princípio da acusação, o objecto da acusação deve manter-se idêntico, o mesmo, desde aquela até à sentença final.

Pese embora este princípio, por razões de economia processual e no próprio interesse do arguido, a lei permite expressamente ao Juiz que este possa comunicar aos sujeitos processuais, mesmo no decurso da audiência de julgamento, quer uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ( art.358.º do C.P.P.), quer uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia ( art.359.º do C.P.P.).

Nos termos do art.358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, « Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.».  

E acrescenta-se no n.º 2: « Ressalva-se dos disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.».

O art.1.º, alínea f), do C.P.P. considera alteração substancial dos factos aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Logo, alteração não substancial dos factos é aquela que, representando embora uma modificação dos factos que constam da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

Quer na situação de não alteração substancial dos factos, quer na da alteração substancial dos factos, o arguido tem o “direito a ser ouvido”, no sentido de lhe dever ser dada oportunidade efectiva de discutir e tomar posição sobre decisões relativas a essas questões, particularmente as tomadas contra ele.

Encerrada a discussão da matéria de facto, segue-se a deliberação e votação do Tribunal ( art.365.º do C.P.P.), que o Código de Processo Penal integra já no titulo III, “ Da Sentença”..
O art.368.º do Código de Processo Penal dispõe, designadamente, que após a produção da prova, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente do tribunal enumera discriminada e especificadamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa, e bem assim os que resultarem da discussão da causa relevantes para as questões de saber: a) se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) se o arguido actuou com culpa; d) se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; e) se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; f) se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.».
Comprovados estes elementos, relativos à “questão da culpabilidade”, entra-se na tramitação destinada à individualização da pena ou da medida de segurança, epigrafada no art.369.º do C.P.P. como “ questão da determinação da sanção”.

O Código de Processo Penal português consagrou em sistema mitigado de “cesure” na fase decisória do processo: numa primeira fase, relativa à “questão da culpabilidade”, fixam-se os factos alegados pela acusação e pela defesa, e bem assim os que resultarem da discussão da causa relevantes para os termos enunciados no art.368.º, n.º 2 do C.P.P.; numa segunda fase , se resultar das deliberações e votações que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou medida de segurança, sem que se proceda a uma cisão material mas apenas lógica, o Tribunal procede à leitura da documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social ( art.369.º do C.P.P.).   

O relatório social é uma “ informação sobre a inserção social e sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos neste diploma” -  al.g), n.º 1 do art.1.º do C.P.P.).

O relatório social é, pois, um documento que contém informação, essencialmente dados de facto, cuja percepção frequentemente não exige qualquer conhecimento especializado.

Os dados de facto que dele constem têm a natureza de um meio de prova, que podem ser conjugados com outros meios de prova, sendo que o STJ (acórdãos de 91-12-18, proc. n.º 42 130; de 97-06-05, proc. n.º 178/97; e de 98-01-20, proc. n.º 1217/97) vem entendendo que o teor do relatório social é apreciado livremente pelo tribunal nos termos do art.127.º do Código de Processo Penal.

O relatório social do arguido só excepcionalmente pode ser lido em audiência ( art.370.º, n.º 3 do C.P.P.), por poder conter elementos que contendem com a sua vida privada, no caso de se tornar necessária a produção de prova suplementar.

A fundamentação da sentença condenatória deve conter não apenas os factos provados relativos aos factos da responsabilidade do arguido e demais circunstâncias enunciadas no art.368.º do C.P.P., mas ainda as relativas à sua personalidade, para efeitos de determinação da sanção.

Qualquer alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, portanto respeitantes à questão da culpabilidade, deverá ser comunicada ao arguido, pois o art.379.º, n.º1, alínea b), do Código de Processo Penal, comina com a nulidade a sentença que « Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º.».

Já os antecedentes criminais do arguido e a informação recolhida no Relatório Social ou por outro meio de prova sobre a inserção social e sócio-profissional do arguido, não respeitando à descrição dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, mas à sua personalidade para efeitos de determinação da sanção, não têm de ser comunicados nos termos do art.358.º do C.P.P..

Aliás, não podendo o Relatório Social ser lido em audiência, a não ser a requerimento, por maioria de razão não poderiam ser comunicados nessa audiência os factos relativos à sua personalidade, ali mencionados, que o Tribunal poderá vir a incluir na factualidade da sentença dada como provada.   

No caso em apreciação o segmento a que o arguido/recorrente alude, relativo ao ponto XXII do acórdão recorrido insere-se num texto, bem maior sobre a sua personalidade - “O arguido nasceu e cresceu dentro de uma família socialmente estruturada, tendo decorrido o processo educativo dentro da normalidade, sendo que terminado o ensino secundário, entrou para o ensino superior ISEC, cuja matrícula no 2º ano acabou por suspender para se dedicar à actividade laboral, primeiro numa serralharia do avô e pai e ulteriormente por conta de outrem, inicialmente como vigilante numa empresa de segurança e posteriormente como serralheiro em mais três empresas, sendo certo que de há 6 anos a esta parte labora para empresa desse ramo, por via do que presentemente aufere cerca de € 778,00 mensais, onde é considerado um excelente profissional; o arguido sempre teve bom relacionamento com terceiros, nada constando em seu desabono a esse nível, sem embargo de à altura dos factos registar algum descontrolo pessoal no que à condução automóvel dizia respeito, com temeridade de comportamentos, ao que tudo indica associados a consumos aditivos de “drogas leves” e consumos por vezes excessivos de bebidas alcoólicas; este padrão de comportamento alterou-se após a ocorrência ajuizada, alegadamente pelas sequelas traumáticas que lhe advieram, passando publicamente o quotidiano do arguido a ser vivido de modo mais sereno e responsável.”.

O texto desse ponto encontra-se claramente apoiado no Relatório Social relativo à personalidade do arguido, junto de folhas 375 a 380, sendo que na fundamentação da matéria de facto do acórdão foi consignado expressamente pelo Tribunal a quo, “- que sobre a personalidade do arguido e a sua situação social prestaram depoimento as testemunhas ……., que sendo ambas amigas do arguido e sua família, prestaram depoimentos de forma directa sobre o seu conhecimento da personalidade do arguido, cujos depoimentos foram interpretados e valorados na conjugação com o que constava do já citado Relatório Social de fls. 375 a 380”.

Deste modo, não se verificando a nulidade de sentença, por alegada violação do disposto no art.358.º do C.P.P., improcede a primeira questão.

            Segunda questão.

             O art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
     a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
     b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou 
     c) O erro notório na apreciação da prova.
Este preceito é claro no sentido de que os vícios do art.410.º, n.º 2, do C.P.P. têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, pelo que não é possível a consulta de outros elementos constantes do processo na decisão sobre a sua verificação.
Em termos sintéticos diremos que o vício da contradição existirá quando se afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa. Duas proposições contraditórias não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiras e falsas.
“Só existe, pois, contradição insanável da fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico, seja de concluir que essa fundamentação justifica uma decisão precisamente oposta ou quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão entre os fundamentos invocados”.[4]

O vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, elencado na alínea b) do n.º 2 do artigo 410.º do C.P.P., não se verifica quando o resultado a que o juiz chegou na sentença advém, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados. 
O erro notório na apreciação da prova, a que alude o art.410.º, n.º 2 do C.P.P., tem lugar, por sua vez, “... quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável , quando se dá como provado algo que notoriamente está errado , que não podia ter acontecido , ou quando , usando um processo racional e lógico , se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica , arbitrária e contraditória , ou notoriamente violadora das regras da experiência comum , ou ainda quando  determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado facto ( positivo ou negativo )  contido no texto da decisão recorrida”.[5]
Este erro, que para ser notório tem de ser ostensivo, que não escapa à percepção de um homem com uma cultura média, nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.

O recorrente C... defende que o Tribunal recorrido ao proferir a decisão sobre matéria de facto, incorreu em erro notório na apreciação da prova, uma vez que, os pontos XI - “ Em despiste, o veículo saiu da estrada para o lado direito seguiu atravessado na zona de terra existente naquele lado da via e fora da faixa de rodagem, acabando por chocar com a parte lateral direita da viatura num muro ali existente fora da via.”- e XII – “ Como consequência deste embate, a infeliz vítima foi projectada para fora do veículo através do pára-brisas, que se partiu, vindo a imobilizar-se a cerca de 23,40m do veículo.” - dos factos dados por provados do acórdão violam as leis da física, mais concretamente a 1.ª Lei de Newton.

Se o embate tivesse ocorrido com a parte lateral direita do veículo, a vítima, seguindo como passageiro ao lado do condutor, não podia ser projectado pelo pára-brisas. Por outro lado, é das regras da experiência que um passageiro só pode ser “cuspido” do veículo se não levar cinto, pelo que o tribunal omitiu por completo a averiguação desse facto essencial que em última instância lhe competia averiguar, violando o art. 340.º do Código de Processo Penal.

Vejamos.

A primeira Lei de Newton , também chamada Lei da Inércia, estabelece que na ausência de forças, um corpo em repouso continua em repouso, e um corpo em movimento, continua em movimento rectilíneo uniforme, sendo este o movimento no qual a velocidade permanece constante durante todo o percurso de um corpo.

Não resulta minimamente dos pontos XI e XII do acórdão recorrido que o veículo interveniente no acidente, de matrícula ..., seguia um movimento rectilíneo uniforme, mas sim que seguia em despiste, com diferentes níveis de atrito, uma vez que saiu da estrada, atravessou uma zona de terra existente ao lado da via e fora da faixa de rodagem, acabando por chocar com a parte lateral direita da viatura num muro ali existente fora da via.

Do ponto III da factualidade provada resulta que a via, no local, descreve uma curva à esquerda e consta do ponto X , da mesma factualidade, que o arguido ao chegar a essa curva perdeu completamente o controlo do veículo que conduzia, o qual entrou em despiste, derrapando atravessado.    

As regras da experiência comum dizem-nos que os acidentes de viação são fenómenos complexos e dinâmicos, e que em caso de despiste e choque com obstáculos os veículos e as pessoas transportadas tomam trajectórias e surgem em posições aparentemente bem pouco consentâneas com as leis da física. Veja-se a este propósito a fotografia de folhas 18, em que a porta do veículo interveniente no acidente se apresenta a envolver o pilar do muro, como se a mesma tivesse sido implantada propositadamente nele.  

Não se percebe deste modo como se poderia concluir que a primeira Lei de Newton foi violada pelo Tribunal a quo ao dar como provada a matéria dos aludidos pontos XI e XII do acórdão recorrido.

Em face da dinâmica do acidente de viação descrita no texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não sufragamos também a afirmação do recorrente de que é das regras da experiência que um passageiro só pode ser “cuspido” do veículo se não levar cinto. A experiência não pode dizer, nem diz, que quando o assento da viatura onde o cinto de segurança está implantado se desloca e se deforma em consequência de um violento acidente, o passageiro só pode ser “cuspido” do veículo se não levar cinto. Mais ainda quando se mostra provado que o proprietário nem sequer sujeitava o veículo à inspecção obrigatória.

Por outro lado, se aquela regra da experiência fosse aplicada à concreta situação, como facto notório, haveria apenas que levar, de imediato, aos factos provados, que a vítima não levava cinto de segurança, sendo incoerente invocar a violação do disposto no art. 340.º do Código de Processo Penal por o tribunal ter omitido por completo a averiguação desse facto tido como essencial.

A eventual violação do disposto no art. 340.º do Código de Processo Penal pelo Tribunal a quo, ao não averiguar aquela factualidade nada tem que ver com o erro notório na apreciação da prova. Não constando da acusação, nem da defesa, o Tribunal a quo apenas teria de o averiguar e incluir na factualidade se o mesmo fosse tido como relevante e tivesse resultado provado.   

O vício do erro notório na apreciação da prova não respeita à eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento ou que no seu entender deveria ter sido produzida.
Analisando o texto da fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, verificamos que esta factualidade dada como provada, designadamente nos pontos XI e XII, resulta da conjugação das regras da experiência comum, com os depoimentos das testemunhas ..., ... e ... ., que lograram descrever suficientemente a ocorrência do acidente e condições de circulação do arguido, dos depoimentos dos elementos da GNR, ...; ... e ., que compareceram no local logo após o acidente e tomaram conta dele e nas outras provas que se mostram juntas aos autos e que enuncia.
Entre essas outras provas indicadas estão as fotografias juntas pela testemunha ., sendo que numa delas, a folhas 32, se notam partículas brancas e outros vestígios mais escuros, no pára-brisas partido e furado do veículo acidentado, que a testemunha ., legendou como “ vestígios de sangue e fragmento de tecido de cor branca, idêntico ao tecido da camisa que a vítima vestia, admitindo-se que ao ser projectada tenha saído pelo pára-brisas.”.
Dada a gravidade dos ferimentos sofridos pelo D..., descritas no relatório de autópsia, que tem correspondência com o estado de destruição do veículo acidentado, e estando dado como não provado, sem impugnação, que o arguido sentiu dores e sofreu com as lesões resultantes do embate, é perfeitamente lógico, em face do texto da decisão recorrida, que a vítima mortal foi projectada, vindo a ficar imobilizada a 23,40 m do veículo, pois nenhuma prova é apontada no texto da decisão no sentido de que a vítima tenha andado pelo seu pé ou alguém para ali o transportou.        

O Tribunal da Relação não vislumbra assim motivo para concluir que o Tribunal recorrido tenha seguido um raciocínio ilógico, arbitrário ou contraditório, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, ao dar como provada a factualidade dada como assente nos pontos atrás mencionados, pelo que deste modo não se reconhece a existência do vício do erro notório na apreciação da prova a que alude o art.410.º, n.º 2, al. c) do C.P.P..

Refere seguidamente o arguido C... que o acórdão recorrido incorreu em contradição insanável, prevista no art.410.º n.º 2 al. b) e art. 426.º n.º 1 do Código de Processo Penal, ao dizer na decisão sobre matéria de facto, que não se provou que o canabis que o arguido tinha tomado antes do acidente era susceptível de adormecer os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e dar como provado que o arguido inebriado pela cannabis seguia como se fosse o único utente da via é uma contradição nos próprios termos do acórdão.

Os factos provados estão em contradição com a fundamentação, que afasta nexo causal entre a conduta negligente do arguido e o uso de droga cannabis, conforme página 9 do acórdão. O acórdão a fls. 12 elege “também” como “justificação subjectiva” para aquele comportamento a cannabis “de que era portador”, o que constitui erro notório na apreciação da prova e a contradição insanável, determinantes do reenvio para novo julgamento, nos termos do art.410.º n.º 2 al. c) e art. 426.º n.º1 do Código de Processo Penal.

Vejamos.

O Tribunal a quo deu como provado, no ponto IV da factualidade do acórdão, que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas e tomou canabis na festa do casamento onde tinha estado.

No ponto IX, ao escrever-se que o arguido “inebriado pelo álcool e canabis” iniciou uma condução desadequada às regras de prudência estradal, quis dizer-se que o arguido conduzia sob o efeito desses produtos, cujas características ele conhecia. O que é lógico e racional, considerando as taxas apresentadas pelo arguido, descritas no ponto V da factualidade dada como provada.

Sob as consequências desses produtos, na condução do arguido, constava da acusação do Ministério Público que « O arguido, ao agir como o descrito, bem sabia que um condutor médio e prudente não conduzia da forma como o fez, designadamente não iniciaria, nem manteria a condução sendo portador de substâncias - álcool e canabis - em taxa e de forma que adormece os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e não imprimiria um movimento tão elevado, ponderando o veículo que conduzia e traçado da via onde seguia, regras de cuidado estradal que se lhe impunham, era capaz de cumprir e não o fez de forma temerária, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei. ».

Realizado o julgamento o Tribunal a quo apenas deu como provado parte desta factualidade ao consignar no ponto XV queO arguido, ao agir como o descrito, bem sabia que um condutor médio e prudente não conduzia da forma como o fez, designadamente não iniciaria, nem manteria a condução sendo portador de álcool em taxa e de forma que adormece os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e não imprimiria um movimento tão elevado, ponderando o veículo que conduzia e traçado da via onde seguia, regras de cuidado estradal que se lhe impunham, era capaz de cumprir e não o fez de forma temerária, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei.”.

Ao incluir nos factos dados como não provados “ - que o canabis que o arguido tinha tomado antes do acidente ajuizado era susceptível de  adormecer os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura”, quis o Tribunal a quo afastar a afirmação, constante da acusação, de que o canabis tomado pelo arguido era susceptível de  adormecer os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura.

Explica, na motivação da matéria de facto, “que no particular do haxixe [canabis (resina)] tomado não se considerar como afectando, só por si, a condução do arguido, nos termos constantes da acusação” e que a canabis tem muitos constituintes , dando várias respostas, mas não terá aquele efeito de adormecimento, pois de acordo com alegados estudos poderá ter uma acção ansiolítica e antipsicótica.

Ou seja, enquanto para o álcool se indica um concreto efeito na condução imputado na acusação, esse efeito ali indicado para a canabis não se mostrou provado.

Ao mencionar-se ainda na motivação da matéria de facto que os dados conhecidos no Relatório Final “por si só, não podem levar a concluir pelo nexo causal entre a conduta negligente do arguido e o uso da droga canabis” e que não basta a existência de droga no sangue para se concluir que esse facto é o bastante para produzir qualquer consequência nociva e perturbadora  no comportamento do arguido na condução, cremos que está a afirmar-se que o canabis consumido não teve o efeito de lhe afectar a capacidade de reacção na condução, de vigilância necessária a uma condução segura.

Ao mencionar-se na fundamentação de direito do acórdão recorrido que a forma descuidada e desatenta com que o arguido circulava não tem outra justificação subjectiva do que seguir inebriado pela conjugação da ingestão de álcool e de cannabis, de que o seu corpo era portador, está a dizer-se que o arguido conduzia sob a influência daquelas duas substâncias. Mas cremos que não se quis atribuir, nem se atribui à tomada de haxixe pelo arguido - que pode ter vários efeitos sob o consumidor -, o efeito de lhe ter afectado as capacidades reactivas na condução. Este efeito atribuiu-o o Tribunal a quo apenas à TAS.

Não vislumbrando aqui o Tribunal da Relação uma contradição que sempre teria de ser insanável para integrar o vício da al. b), n.º2, do art.410.º do C.P.P.,nem se reconhecendo a existência dum erro notório na apreciação da prova, improcede esta questão.

            Terceira questão

O recorrente C... sustenta que o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação e exame crítico da prova, nos termos dos art.s 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., alegando para o efeito e em síntese, que o acórdão recorrido fundamenta-se nos depoimentos das testemunhas ... e ..., conjugados com o prestado pelas testemunhas ..., ..., ... e . relativamente às concretas circunstâncias da ocorrência do acidente e condições da circulação empreendida pelo arguido, mas nenhuma destas testemunhas viu ou, sequer, presenciou, o acidente.

Não há qualquer prova de que o arguido fosse o condutor do veículo. Não se sabe como a vítima “saiu”, nem em que momento da dinâmica do acidente saiu. Da distância a que ficou a vítima do veículo não se podem retirar ilações quanto à velocidade do veículo pois não se sabe como é que a vítima foi "parar" ao local onde as testemunham a viram.

Ninguém pôde comprovar, ainda que indiciariamente, qual era a velocidade do veículo nem se esta era excessiva ou não. O tribunal não concretiza a velocidade: remete-se a formulações conclusivas que não explica, nem têm suporte na prova produzida. Perante conclusões como as constantes da matéria de facto provada, onde apenas deviam constar factos, o arguido não se pode defender nem exercer o recurso quanto a matéria de facto.

Após a produção de prova e não havendo elementos objectivos para apurar a velocidade, não se pode afirmar e dar como provada a velocidade excessiva, violando-se o princípio de decisão da prova que, in dúbio pro reo!!!

Há outras causas para a ocorrência do acidente que foram abordadas na audiência e que o tribunal não equacionou na sua apreciação da prova, designadamente o facto de no local do despiste existir areia, de os pneus do veículo não estarem nas condições ideais e de o corpo da vítima ter sido projectado. Estas hipóteses resultantes da prova produzida não foram discutidas pelo tribunal. A prova não foi apreciada criticamente; verifica-se da leitura do acórdão que há um pré-juízo relativo à velocidade: “o acidente resultou de velocidade excessiva”, e a prova é apreciada com essa orientação desconsiderando-se tudo o que perturbe essa hipótese de explicação.

No interrogatório da testemunha cabo . ocorreu, violação dos princípios da imparcialidade, do processo justo e equitativo, previstos no art. 20.º n.º 4 da Constituição e do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

A resposta a esta questão objecto de recurso impõe uma prévia menção à fundamentação das decisões judiciais.

A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, e insere-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.

A nível geral, dispõe o art.97.º, n.º 4 do Código de Processo Penal que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.

A fundamentação da sentença e a sua falta tem tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o art.379.º, alínea a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código.

O art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal estabelece que , na elaboração da sentença , ao relatório segue-se a fundamentação, «…que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.». 
A exigência do exame crítico das provas é um aditamento levado a cabo pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade, nomeadamente pelo STJ, que interpretou aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os elementos que , em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos , constituíram o substrato racional  que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação , ou seja , um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido.[6]
Neste sentido, se pronunciava ainda o Tribunal Constitucional, declarando inconstitucional a norma do n.º 2 do art.374.º do C.P.P. na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões da matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados na 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º1 do art.205.º da Constituição da República Portuguesa, bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º2 do art.410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º1 do art.32.º da Constituição da República Portuguesa.[7]

Para o Prof. Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação é imposto pelos sistemas democráticos, permitindo “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando  por isso  como meio de autodisciplina .”.[8]

Com o dever de fundamentação das decisões judiciais, a Constituição não impõe um modelo único de fundamentação, com descrição ou, ainda mais, transcrição, de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles. O que deve constar dela é a parte relevante das declarações e depoimentos tidos como relevantes para a formação da convicção do Tribunal.

Quanto ao princípio in dubio pro reo, invocado pelo recorrente como tendo sido violado, o mesmo decorre do principio da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui, designadamente, que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.[9]

Por fim, e relativamente aos princípios da imparcialidade, do processo justo e equitativo, previstos no art. 20.º n.º 4 da Constituição e do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, diremos, sinteticamente, que todos têm direito a que as causas em que intervêm sejam decididas “mediante um processo equitativo”, o que exige um juiz independente e imparcial e a colocação dos sujeitos processuais em perfeita paridade de condições, por forma a desfrutarem de idênticas possibilidades de obterem justiça.    

Retomando o caso concreto, salta à vista que sob o manto da falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e do exame crítico da prova, o que o arguido/recorrente faz é, essencialmente, impugnar a matéria de facto.

Não é por acaso que na motivação do recurso o arguido coloca esta nulidade num Titulo C) epigrafado “impugnação da matéria de facto”.

Resulta do texto da fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido que as testemunhas ... e ... se cruzaram na via com a viatura do arguido, circulando em sentido contrário àquela em elas seguiam, relatando que a viatura do arguido estava já em despiste ou descontrolada, sem dúvida fruto da velocidade excessiva de que vinha animada.

Por sua vez, resulta do mesmo texto, que a testemunha ...,  encontrando-se em “actividades agrícolas” próximo do local onde ocorreu o dito despiste, terá declarado ter ouvido o “rugido” da velocidade excessiva com que o arguido vinha animado, cujo desfecho negativo logo prognosticou, também fruto da ocorrência de acidentes naquele local.

O Tribunal a quo considerou, na fundamentação da matéria de facto, que estas testemunhas lograram descrever suficientemente as concretas circunstâncias da ocorrência do acidente e condições da circulação empreendida pelo arguido, e o que viram após o acidente.

Se considerarmos que o acidente é constituído por um conjunto complexo de factores e não apenas o embate do veículo num muro, não podemos aceitar a afirmação feita pelo recorrente de que nenhuma das testemunhas viu ou, sequer, presenciou, o acidente.

Quanto à “velocidade excessiva”, este é um conceito de direito, que não pode ser levado à matéria de facto, mas também em lado algum da matéria de facto dada como provada se consigna que o arguido ia em velocidade excessiva ou que seguia a uma concreta velocidade.

Quando as testemunhas ... e ... se apercebem que um veículo não consegue efectuar uma curva, saindo dela em despiste e embate num muro, deixando o veículo seriamente danificado, e dizem empiricamente que o condutor seguia em velocidade excessiva, o que querem dizer é que a velocidade a que este seguia não era a adequada a um condutor prudente para realizar aquela curva. São também as regras da sua experiência que levam a testemunha ...Pascoal a concluir que o veículo acidentado ia em velocidade excessiva aquando do embate no muro existente perto da EN 111.    

Nestas circunstâncias não sufragamos as afirmações do recorrente C... de que, quando à velocidade, o arguido não se pode defender nem exercer o recurso quanto a matéria de facto e de que após a produção de prova, e não havendo elementos objectivos para apurar a velocidade, não se pode afirmar e dar como provada a velocidade nos termos em que consta dos factos provados e que foi violado o princípio in dúbio pro reo.

Confundindo ainda a falta de fundamentação e de exame crítico da prova - que serviu evidentemente para o Tribunal a quo motivar os factos provados e os não provados -, com o erro de julgamento na apreciação da prova e mesmo com a subsunção dos factos dados como provados ao direito, refere o recorrente C... que há outras causas para a ocorrência do acidente que foram abordadas na audiência e que o tribunal não equacionou na sua apreciação da prova, designadamente o facto de no local do despiste existir areia, de os pneus do veículo não estarem nas condições ideais e de o corpo da vítima ter sido projectado.

O Tribunal da Relação não vislumbra ainda, da fundamentação e exame crítico da prova, que haja nesta um pré-juízo relativo à velocidade no sentido de que “o acidente resultou de velocidade excessiva”, quando o Tribunal a quo valora positivamente os depoimentos das testemunhas ..., ... e ..., conjugados com os esclarecimentos prestados pelas testemunhas e autoridades policiais ..., ... e ., na sequência da elaboração por eles efectuada dos autos juntos ao processo, designadamente os relativos ao exame ao local, ao exame ao veículo, à apreensão do veículo e entrega ao arguido, à participação de acidente, em que o ora arguido se identifica como o condutor. As fotografias de folhas 13 a 34 tiradas pela testemunha . são impressivas, como se menciona na fundamentação do acórdão, pois para além de mostrarem, designadamente, o local onde está o veículo do arguido está parado e a distância a que se encontra caído o corpo da vítima mortal, permitem ver o elevado grau de destruição do veículo e do muro onde este embateu e concluir a qualquer cidadão com uma cultura média, que o condutor circulava a uma velocidade que não lhe permitia segurar o veículo dentro da curva, e que o despiste mencionado pelas testemunhas ... e ... é consequência dessa inadequação às condições da curva.

Resulta ainda da fundamentação da matéria de facto que o Tribunal a quo teve em consideração, para dar como provada a factualidade, os exames efectuados ao ora arguido, como condutor do veículo e respectivo relatório pericial junto a folhas 120.

Do exposto resulta que a fundamentação da matéria de facto do douto acórdão recorrido indica os meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, faz uma análise critica dos depoimentos prestados oralmente, com indicação das razões de ciência e de credibilidade que possibilitam ao Tribunal de recurso, bem como aos restantes sujeitos processuais, entender em termos lógicos e racionais, a razão pela qual o Tribunal a quo formou a sua convicção no sentido de dar como provados e não provados os factos que constam da decisão recorrida.

Encontrando-se realizada a fundamentação da matéria de facto, nomeadamente na vertente de exame crítico das provas que serviram para firmar a convicção do Tribunal a quo, concluímos que a sentença não padece, quanto à decisão da matéria de facto, da nulidade a que alude o art. 379.º, n.º 1, alínea a) do C.P.P.

Quanto ao “interrogatório da testemunha cabo .” realizado pelo Tribunal a quo e consequente violação dos princípios da imparcialidade, do processo justo e equitativo, previstos no art. 20.º n.º 4 da Constituição e do art. 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é evidente que se trata de matéria de impugnação da valoração da prova e não nulidade de sentença por falta de fundamentação e de exame crítico da prova.

Embora este argumento inserido na nulidade da sentença seja já do âmbito da questão a abordar seguidamente, não deixaremos de aqui dar resposta àquela alegada violação de princípios constitucionais.

O Ex.mo Juiz ao dizer à testemunha ..., cabo da GNR que realizou a investigação, “ deixe-me felicitá-lo pelo, pelo seu relatório, pelo trabalho feito que realmente tá bem feito”, acrescentando logo “ Só uma pequena, um pequeno reparo: quanto à substância não fotografaram …a canabis encontrada...”, mais não faz que alertar o investigador, de modo elegante, que houve um pormenor que lhe falhou num trabalho de investigação genericamente bem feito, que foi o facto de não terem fotografado a canabis e suscitar uma resposta à testemunha sobre essa falha.    

Este “elogio” efectuado pelo Tribunal a quo ao trabalho feito pela testemunha cabo . na investigação em nada contende, pois, com a imagem de imparcialidade e do processo justo e equitativo do Tribunal de julgamento.

Pelo exposto, improcede esta questão.

Quarta questão
            O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º , n.º1 do C.P.P. ). No entanto, a modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as condições a que alude o art.431.º do mesmo Código, ou seja:
  « a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;
     b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou
     c) Se tiver havido renovação de prova .”.
Em conjugação com este preceito legal importa atender ao disposto no art. 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal, que impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:

  « a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;

     b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ;
     c) As provas que devam ser renovadas

E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, entre os minutos em que produziu prova oralmente, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie.

Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, cremos que actualmente, face à redacção que foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao art.417.º, n.º 3 do C.P.P., é inequívoco que elas devem constar das conclusões, uma vez que « Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.».  

No presente caso, o arguido C... especifica, nas conclusões da motivação, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e a concreta prova testemunhal que no seu entender impõe decisão diversa da recorrida, mas não o faz por referência ao consignado na acta, através da indicação da sessão de julgamento em que os depoimentos constam e localização da passagem na gravação.
Porém, na motivação do recurso, indica, a localização, na acta de julgamento, das passagens dos depoimentos em que funda a impugnação e transcreve os respectivos segmentos, pelo que o Tribunal da Relação considera que o recorrente deu cumprimento mínimo ao estabelecido no art.412.º, n.ºs 3, al. b) e 4 do C.P.P.. e, por uma questão de economia processual, mesmo sem convite ao aperfeiçoamento das conclusões da motivação, julga-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
Antes de passar ao conhecimento directo da questão, importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse.
É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.»[10].

Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. . Dias que esta é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[11].

O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.355.º do Código de Processo Penal. È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.

O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.

Aludindo aos princípios da oralidade e imediação, ensina o Prof. . Dias que « Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos  e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) . Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.”.[12]

Na verdade, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções, segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.[13]

Quanto ao objecto da prova, o mesmo pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).

A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova”.[14]

Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º , tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.

Em suma, o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.

O arguido/recorrente C... alega que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida em julgamento ao dar como provada a matéria de facto constante dos pontos II - “Na ocasião e no mencionado veículo, seguia como ocupante, sentado no banco da frente ao lado do condutor, a vítima D...”-, XIII - “Este embate ocorreu exclusivamente devido à forma absolutamente temerária com que o arguido seguia, sendo portador da TAS e substância psicotrópica acima mencionadas”-, XV -“O arguido, ao agir como o descrito, bem sabia que um condutor médio e prudente não conduzia da forma como o fez, designadamente não iniciaria, nem manteria a condução sendo portador de álcool em taxa e de forma que adormece os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e não imprimiria um movimento tão elevado, ponderando o veículo que conduzia e traçado da via onde seguia, regras de cuidado estradal que se lhe impunham, era capaz de cumprir e não o fez de forma temerária, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei”-, XVI – “O arguido, na ocasião, levava guardado no veículo por si conduzido uma substância acastanhada que, sujeita a exame laboratorial se apurou ser canabis (resina), com 5,423 gr de peso líquido, conforme resulta do teor do exame constante de fls. 244 e cujo teor é aqui dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.” - e XVIII – “O arguido tinha consigo tal substância, cuja natureza conhecia perfeitamente, querendo tê-la consigo, a qual destinava a consumo próprio” - da factualidade dada como provada no acórdão recorrido, pugnando pela sua eliminação , de modo a passarem a constar dos factos não provados.

Alega para este efeito que existe total ausência de prova, nomeadamente dos depoimentos das testemunhas ... e ... conjugados com o prestado pelas testemunha ..., ..., ... e ..

Vejamos se assim é.

No âmbito do seu direito ao silêncio o arguido não quis prestar declarações.

Não tendo as testemunhas ... e ..., ou a testemunha ..., identificado quem seguia no veículo de cujo acidente iminente se aperceberam, resta ao Tribunal socorrer-se da prova indirecta.

Como bem alertava o Prof. Cavaleiro de Ferreira,“a prova indiciária tem uma suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa”. [15]

As testemunhas ... e ... declararam, designadamente, que logo após se terem apercebido de que o veículo com o qual se cruzaram não tinha conseguido fazer a curva, por ir em despiste, pararam logo o veículo em que seguiam e ambas as testemunhas se dirigiram àquele local.

A testemunha ... declarou que ali encontrou um rapaz no chão, inanimado, a uns 10 metros do veículo acidentado, o qual veio a falecer e um outro rapaz ao pé daquele, que se manteve ali até chegar auxílio.

A testemunha ... fez um depoimento idêntico, dizendo que viu um rapaz estendido à na faixa de rodagem, à beira da estrada e um outro senhor, muito perturbado, a ligar para a INEM e para as pessoas. Este senhor esteve sempre nervoso porque seria ele o condutor.

A testemunha ...Santos ., declarou, por sua vez, designadamente, que quando chegou ao local do acidente viu um moço deitado no chão, esticado na berma, a uns 15 metros do carro, para onde foi “cuspido”, e estava junto a ele outro moço a agarrá-lo, a levantá-lo, tendo a testemunha feito com que este pusesse o corpo no chão. Esse indivíduo estava desorientado, ele é que devia ir a conduzir, pois « pôs-se a telefonar pá, devia ser pá mãe e pá família, a dizer que tinha matado um moço, e depois voltou lá outra vez pa se agarrar a ele pa dizer “ não morras ó Fresco.”».

O veículo ficou destruído, “ a porta ficou logo agarrada ao primeiro muro, ao pilar que eles bateram, ficou lá a porta moldada, como quem a tivesse moldado.”.

A testemunha ..., que participou o acidente, declarou, designadamente, que ao chegar ao local, uns 10 ou 15 minutos depois, viu o arguido, um pouco ensanguentado, tendo-se este identificado como o condutor do veículo. Confirma o teor do que consta da participação de acidente de viação.

A testemunha ... ., também da GNR, declarou que uma pessoa que veio “ter connosco”, disse que era o condutor, facultando logo o BI, mas como estava ferido foi na ambulância receber tratamento. Foi a essa pessoa que fizeram os testes ao sangue no Hospital.

A testemunha ., da GNR declarou, designadamente, que se deslocou ao local do acidente, tendo concluído que o corpo da vítima mortal terá sido projectado pelo pára-brisas, porquanto o mesmo apresentava um espaço que lhe permitia a saída dum corpo por ali, sendo que nele havia vestígios de sangue e de uma peça de tecido. Foi em seguida ao Hospital onde falou com o ora arguido, que lhe referiu ser o condutor do veículo acidentado, do qual não tinha seguro.  

È pacífico que os depoimentos em audiência de julgamento, de agentes de autoridade, sobre o relato de diligências de investigação no âmbito do art.249.º do C.P.P:, portanto ainda antes da existência de inquérito e de constituição de arguido, são valorados livremente.[16] 

Para além das declarações das testemunhas mencionadas indicarem claramente que o arguido C... era o condutor do veículo, resulta ainda dos autos que este era o proprietário do

veículo - o ponto VIII não se mostra impugnado -, gozando como tal dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa, pelo que é razoável concluir, em face das regras da experiência comum, que era ele quem conduzia o veículo acidentado – o Tribunal da Relação não tem quaisquer dúvidas neste sentido em face da prova produzida.

Dado o estado de destruição da porta da frente do veículo no lugar situado ao lado do condutor e a quebra do pára-brisas frontal, e não sendo normal que um passageiro que tinha estado com o arguido numa festa circulasse como um cliente, na parte de trás do veículo, nem ao colo do condutor, não é arbitrário concluir, como o fez o Tribunal a quo , que o arguido era o condutor do veículo e que, como consta no ponto II, “Na ocasião e no mencionado veículo, seguia como ocupante, sentado no banco da frente ao lado do condutor, a vítima D...”.

Assim, não merece censura a decisão da sua inclusão nos factos dados como provados.

Relativamente ao ponto XIII dos factos dados como provados, diremos que em face do relatório pericial junto a folhas 120 dos autos, não havendo razões de divergência quando ao seu conteúdo, temos de concluir que andou bem o Tribunal a quo ao considerar, na segunda parte deste ponto, que o arguido aquando do embate era “ portador da TAS e substância psicotrópica acima mencionadas.”

Já quanto à primeira parte do ponto XIII dos factos dados como provados, ou seja, que o embate ocorreu exclusivamente devido à forma absolutamente temerária com que o arguido seguia, o mesmo é um facto conclusivo, mas ainda assim um facto, resultante dos concretos factos descritos nos anteriores pontos da factualidade dada como provada.

O mesmo encontra-se em clara ligação ainda com o ponto XV, que o recorrente também pretende ver eliminado, pois neste se descreve a razão pela qual foi ousadamente imprudente a condução do arguido: é que um condutor médio e prudente não conduzia da forma como o arguido o fez, designadamente, não iniciaria, nem manteria a condução sendo portador de álcool em taxa e de forma que adormece os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e não imprimiria um movimento tão elevado, ponderando o veículo que conduzia e traçado da via onde seguia, regras de cuidado estradal que se lhe impunham, era capaz de cumprir e não o fez de forma temerária, bem sabendo que tal lhe estava vedado por lei”

Efectivamente, o arguido C... para além de conduzir um veículo automóvel com alguns anos, designadamente com os pneus da frente desgastados e sem manutenção adequada, sendo portador de uma elevada taxa de álcool no sangue e de canabis, imprimia claramente ao veículo uma velocidade que não lhe permitiu controlar o mesmo na curva que se apresentava à sua esquerda.

As testemunhas ... e ... apontam expressamente a velocidade como a causa para o arguido se despistar na curva, declarando aquele, designadamente “ dá a sensação que vinham com velocidade a mais. O carro entro em despiste de lado” e esta, que se apercebeu “que numa curva que vinha um carro que entrava em despiste vinha aos “esses”; “ vi um carro descontrolado (…) talvez porque fosse a uma velocidade um bocado excessiva”; “ não seria uma velocidade adequada ao local”.

E o mesmo disse a testemunha ...: depois de ter sido alertado pela sua mulher de que “aqueles não vão dar a curva”, porque ela tinha ouvido “um rugido”, a testemunha olhou para a estrada, mas “a velocidade como era muita eles bateram logo de seguida no muro, no pilar, onde ficou logo a porta”; “ Ele não conseguiu foi dar a curva. Que aquela curva, andando aí a mais de cem, já muitos têm ido lá bater a cem”.

Aqui é de atender ao que a testemunha ... ouviu directamente da mulher – e não o que ela disse que viu ou ouviu, que não releva por ser depoimento indirecto e não ter sido ouvida em julgamento – e o que viu e ouviu logo de seguida a ser alertado, bem como às as regras da experiência que o levam fazer considerações sobre as velocidades a partir das quais ocorrem acidentes naquela curva.

Também a testemunha . menciona que embora o veículo do arguido apresentasse um pneu liso ou com medida inferior aos outros, na sua interpretação dos factos, o acidente poderia não ter acontecido; “se a velocidade fosse menor, possivelmente o condutor não teria perdido o domínio do veículo.”. 

Perante esta prova, é uma solução perfeitamente plausível, de acordo com as regras da experiência comum e a livre apreciação da prova, que o Tribunal a quo, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado como provada a matéria que consta dos pontos XIII e XV. Não havendo razões para eliminar esta factualidade dos factos dados como provados, mantém-se a mesma aí incluída.

Relativamente aos pontos XVI e XVIII, dos factos dados como provados no acórdão recorrido, também nenhuma censura merece a decisão recorrida ao dar como provados que “O arguido, na ocasião, levava guardado no veículo por si conduzido uma substância acastanhada que, sujeita a exame laboratorial se apurou ser canabis (resina), com 5,423 gr de peso líquido, conforme resulta do teor do exame constante de fls. 244 e cujo teor é aqui dado integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.” e que “O arguido tinha consigo tal substância, cuja natureza conhecia perfeitamente, querendo tê-la consigo, a qual destinava a consumo próprio”.

A testemunha ... . declarou que foi ele pessoalmente quem detectou o canabis, dentro duma bolsinha, no veículo do arguido, quando procurava os documentos do veículo. Concretamente não sabe em que parte do veículo estava o produto, sendo que “ aquilo estava tudo revirado”.

Circulando apenas o arguido e a vítima mortal D... na viatura interveniente no acidente, qualquer deles poderia ser o possuidor da porção de canabis encontrada no interior do veículo e apreendida nos autos.

Acontece, porém, que a testemunha … , cunhado da vítima e que conhece também o arguido por viver nas proximidades, declarou, nomeadamente, que o arguido tinha o veículo interveniente na sua posse há mais de um ano e estava conotado com excessos de álcool e de substâncias estupefacientes. “ Tinha alguns problemas de conduzir”, tendo tido vários acidentes. No casamento viu-o no exterior com um copo na mão. O arguido e o D..., que também estava no casamento, não se podiam considerar amigos. Que a testemunha saiba o D... não consumia álcool ou estupefacientes.

Enquanto a prova pericial de folhas 120 estabelece que o arguido, aquando do acidente era portador de álcool no sangue e de uma substância estupefaciente, que é do mesmo tipo da encontrada no veículo do arguido, o relatório de autópsia realizado ao D... consigna que este não era portador no seu organismo, quer de álcool, quer de substâncias estupefacientes.

Mencionando-se ainda na fundamentação do acórdão recorrido, que resulta do relatório social o arguido era consumidor desse tipo de estupefacientes e que as testemunhas de defesa inquiridas asseveraram que a vítima mortal do acidente não estava associado às substâncias aditivas – o que o recorrente não contraria nos segmentos dos depoimentos que apresenta na motivação do recurso - , concluímos que não foge às regras da experiência comum  atribuir ao arguido a posse da canabis encontrada no veículo deste, para seu consumo, bem como o conhecimento da natureza da substância e da ilicitude da sua conduta.

Nem se vislumbra na fundamentação, nem vemos qualquer razão para que o Tribunal a quo tivesse ficado com uma qualquer dúvida razoável, para não dar como provada esta factualidade ou a outra que o recorrente pretende eliminar dos factos provados, pelo que não reconhecemos a violação, pelo mesmo Tribunal, do princípio in dubio pro reo.

Passando agora a conhecer da factualidade dada como provada que o recorrente quer ver alterada, e começando pelo ponto I - “No dia 17 de Julho de 2010, pelas 18:00 horas, na Rua Chão das Almas, Ardazubre, área desta Comarca, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..., no sentido Ardazubre > E.N. 111, o que fazia na faixa correspondente ao seu sentido de marcha” -, o Tribunal da Relação não vê qualquer motivo para aditar ao mesmo, no seu final, que o “ veículo circulava a velocidade que não se apurou”.

Nenhuma das testemunhas que se encontrava na zona do acidente indicou, efectivamente, uma concreta velocidade a que circulava o veículo; o D... morreu; e o arguido não quis prestar declarações.

Mas também não se dizia na acusação do Ministério Público que o arguido circulava a uma concreta velocidade.

O Ministério Público ao não indicar uma concreta velocidade a que o veículo circulava deixa implícito que não se apurou. Se tivesse apurado suficiente a velocidade durante o inquérito, certamente que a teria indicado.

O que resulta da acusação e passou para a factualidade dada como provada, é que o arguido  C..., embora sem se conhecer a concreta velocidade a que circulava, imprimia ao veículo a uma velocidade superior à aconselhável na curva em causa para se não despistar, e por essa causa, e a que não são alheias também as condições deficientes de manutenção do próprio veículo e o seguir inebriado pelo consumo conjunto de álcool e canabis, despistou-se ao fazer a curva, saiu da estrada, e foi embater com o veículo num muro.

Sendo inócuo para a decisão da causa acrescentar-se naquele ponto I da matéria de facto que o  “ veículo circulava a velocidade que não se apurou”, mantém-se a redacção daquele ponto como está.

Relativamente à matéria do ponto III – “A via, no local e ponderando o sentido seguido pelo arguido, descreve uma curva aberta à esquerda, com ampla visibilidade, o piso, asfaltado encontrava-se em bom estado de conservação e o piso e tempo estavam secos” - , basta consultar as fotografias juntas aos autos, de folhas 13 a 16 , tidas em consideração na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, para se concluir que a curva fica situada entre duas rectas de extensão razoável, que a curva é aberta à  esquerda, com ampla visibilidade, o piso, asfaltado encontrava-se em bom estado de conservação e o piso e tempo estavam secos.

O “auto de exame directo ao local” do acidente, elaborado pela testemunha . e junto de folhas 4 a 8, confirma o traçado e estado da via no dia do acidente.

O traçado da via volta a ser descrito parcialmente nos pontos VII – “O arguido seguia completamente indiferente ao que o rodeava, alheio aos veículos que seguiam à sua frente e em sentido contrário, imprimindo ao veículo por si conduzido um movimento muito superior ao aconselhável ao local, um trajecto que implicava descrever uma curva aberta à esquerda, bem como às condições do veículo que levava, com alguns anos e com os pneus da frente já desgastados e sem manutenção adequada – o pneu da frente do lado direito tinha o rasto liso”-, IX - “O arguido, inebriado pelo álcool e canabis, seguia como se fosse o único utente da via e como se esta fosse uma pista com traçado recto, indiferente ao facto de levar consigo uma outra pessoa, por cuja segurança era responsável como condutor do veículo, o qual, com alguns anos, não tinha a manutenção adequada realizada” - e X – “Assim, devido à forma absolutamente descuidada e temerária com que o arguido seguia, ao chegar à supra referida curva, que descreve um traçado à esquerda, atento o sentido seguido, o arguido perdeu por completo o controlo do veículo que conduzia, o qual entrou em despiste, derrapando atravessado”, pelo que mantendo o Tribunal da Relação a matéria do ponto III, é evidente que também esta matéria constante daqueles pontos VII, IX e X se mantém.  

No ponto VII dos factos dados como provados consigna-se que o veículo do arguido tinha  alguns anos, com os pneus da frente já desgastados e sem manutenção adequada, e que  o pneu da frente do lado direito tinha o rasto liso.

Esta factualidade está de acordo com o “auto de exame directo a veículo” elaborado pela testemunha . e junto de folhas 9 a 11 e com o teor das fotografias juntas de folhas 33 e 34.

Quanto ao modo como o arguido conduzia o seu veículo automóvel, enunciado nos pontos VII, IX e X, do acórdão recorrido, reafirmamos aqui que dos depoimentos das testemunhas ..., ... e ..., designadamente dos segmentos atrás mencionados, dos exames ao local e ao veículo, dos depoimentos das testemunhas da GNR, e da prova pericial a que também já se fez menção, tudo conjugado com as regras da experiência comum, não é arbitrário concluir, bem pelo contrário, que o arguido conduzia ousada e imprudentemente quando se despistou e embateu violentamente contra um muro, que destruiu, tal a força de que o veículo seguia animado. Assim se pode qualificar a conduta de quem , sendo portador de uma TAS de 1, 65 g/l e de uma THC de 12 ng/ml , conduzia um veículo com muitos anos, com deficiências de aderência à estrada, em face do desgaste dos pneus, imprimindo-lhe um movimento muito superior ao aconselhável àquela curva aberta à esquerda.

Não se vislumbrando, assim, motivos objectivos para alterar a matéria de facto que consta daqueles pontos VII, IX e X, do acórdão recorrido, adquirida no âmbito da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, mantém-se a redacção dada aos mesmos pontos pelo Tribunal a quo.

Certamente por lapso, refere o recorrente nas conclusões da motivação do recurso que pretende que também a matéria dos pontos XIII e XV passe a ter a redacção sugerida na motivação.

Para além de não sugerir na motivação qualquer outra redacção para aqueles pontos, o recorrente havia pedido anteriormente a sua eliminação da factualidade dada como provada e que passasse aos factos dados como não provados. Pelas razões que já se consignaram entendeu-se manter, nos seus precisos termos a redacção da matéria dos pontos XIII e XV nos factos provados em julgamento.   

Por fim, entende o recorrente que devem ser dados como provados outros factos: “ 1 - a vítima não levava cinto de segurança; 2 - o local do acidente é propício à ocorrência de acidentes de viação, sendo certo que na semana anterior ao acidente, no mesmo local ocorreram cinco acidentes de viação; 3 - na curva existia areia, tanto na faixa de rodagem como na berma.”.

Para sustentar que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que a vítima não levava cinto de segurança, limita-se o recorrente a indicar alguns segmentos do depoimento da testemunha . onde esta declara, designadamente, que a vítima terá sido projectada através do pára-brisas do veículo, pois este permitia a passagem de um corpo, apresentava vestígios de sangue e de uma peça de tecido.

A este respeito diríamos que seria razoável concluir, face às regras da experiência comum, que num vulgar acidente, frontal, se o passageiro que circula ao lado do condutor bate com a cabeça no pára-brisas, provavelmente não levava colocado o cinto de segurança.

Aqui a situação é diversa, pois foi examinado o veículo automóvel do arguido pela testemunha ., consignando no respectivo auto que o veículo se mostrava com a porta direita completamente danificada, com deformação para o interior do habitáculo do veículo e não possuía o painel lateral, e o banco do passageiro da frente estava fora da sua posição normal.

Dado o brutal impacto sofrido pelo veículo, que o deixou fortemente destruído do lado do passageiro, como se nota designadamente nas fotografias de folhas 27 e 28, com o assento, borrachas, e um conjunto de peças amontoadas total ou parcialmente fora do veículo, sendo que o cinto de segurança parece estar fora do veículo, não temos qualquer prova racional que permita concluir que a vítima foi projectada porque não usava o cinto de segurança. 

Não tendo o arguido efectuado a inspecção obrigatória ao veículo, estando o exame ao veículo nos autos e tendo a testemunha que o examinou prestado depoimento em julgamento, não se vislumbra que outra diligência deveria o Tribunal a quo ter efectuado oficiosamente a este propósito, pelo que consideramos que o Tribunal a quo não violou o disposto no art.340.º do C.P.P..

Quanto ao local do acidente ser propício à ocorrência de acidentes de viação, sendo certo que na semana anterior ao acidente, no mesmo local ocorreram cinco acidentes de viação”, diremos que resulta dos segmentos dos depoimentos das testemunhas transcritos na motivação que a testemunha ... declarou, designadamente, que “ nestas duas últimas semanas” houve “cerca” de “4 ou 5 acidentes”; a testemunha ... declarou que nessa semana foram “cinco que lá, bá se estamparam” porque “ eles vindo àquela velocidade, não há lado nenhum que os segue lá”; e a testemunha ... que não se pode entrar ali a “ abrir”, mas ela passa no local todos os dias, duas vezes, e nunca lá teve nenhum acidente.

Entendemos que esta matéria não deve ser levada à factualidade dada como provada porquanto, para além de não constar da acusação e da defesa, é irrelevante para a decisão da causa. Cada acidente tem a sua causa própria e cada pessoa deve ser responsabilizada pela condução que em concreto exerce, nomeadamente pela velocidade imprimida ao veículo, pela na manutenção das condições de segurança do veículo e pelos produtos ingeridos, que podem afectar em maior ou menor grau a condução. 

Finalmente, quanto à existência na curva, de areia, tanto na faixa de rodagem como na berma, também não vislumbramos motivo para a incluir nos factos provados.

A testemunha ... declarou, “ penso que haveria um bocadinho de areia, pó. Pó, pó normal”. Por sua vez, a testemunha ... declarou que a estrada é de alcatrão e não sabe o estado em que ela estava. 

Já o Tribunal da Relação não vislumbra nas fotografias de folhas 14 e 16 qualquer areia nas faixas de rodagem, de alcatrão, que constituem a curva onde o arguido se despistou. Apenas se vê um pouco de uma espécie de pós branco, mas fora da faixa de rodagem por onde circulava o arguido, já num entroncamento à direita.

Do “auto de exame directo ao local” consta, designadamente, que a estrada estava em bom estado de conservação, apresentando-se rugosa a superfície da faixa de rodagem, que se encontra “ seca e limpa” e ainda que a curva é “ sem berma”.  

Efectivamente, para lá da faixa de rodagem direita existe o alcatrão próprio da via que ali entronca à direita. Assim aquela faixa de rodagem por onde seguia o arguido, na curva onde se despistou não possui berma, mas ainda alcatrão que vem da via que ali entronca. Mesmo após o alcatrão da via que ali entronca à direita não existe propriamente berma, delimitada como tal, mas apenas terra. 
Considerando todo o exposto, mostrando-se perfeitamente admissível a versão dada como provada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, adquirida na base da imediação e da oralidade e na livre apreciação da prova, sem que se que se vislumbre a violação, na apreciação e valoração da prova produzida, de qualquer das normas ou princípios indicados pelo recorrente nas conclusões da motivação do seu recurso, designadamente o principio “in dubio pro reo”, consideramos fixada a matéria de facto nos temos que constam da mesma decisão.

Com a quinta questão entramos na apreciação da matéria de direito.

            O recorrente C... defende que independentemente da alteração da matéria de facto que pretende seja efectuada, não há nos factos provados matéria para julgar verificados os elementos constitutivos do crime de homicídio por negligência grosseira, alegando para este efeito e em síntese, que não se apurou a velocidade a que circulava o veículo, nem a velocidade concreta permitida no local, alicerçando-se o acórdão recorrido em conclusões sem respaldo nos factos, como quando conclui que conduzia com velocidade excessiva, desatento e de forma desabrida. O facto notório de a vítima não levar cinto de segurança  determina que há comportamento da vítima concausal do evento, que o acórdão não teve em consideração.

A negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência, que não se verifica, razão pela qual ocorreu violação do art.340.º do Código de Processo Penal. O tribunal não decidiu se o carácter grosseiro da negligência constitui uma mera circunstância modificativa da moldura penal exclusivamente operante ao nível da medida legal da pena, ou uma forma de culpa, ou uma característica da atitude do agente, ou uma graduação do ilícito em função do especial dever de cuidado violado, do perigo aumentado e (ou) da probabilidade de verificação do resultado.

Vejamos.

O artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal estatui que «Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.».

Estando em causa um tipo negligente tem aqui de se atender ao disposto no art.15.° do Código Penal que estabelece o seguinte:

« Age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que segundo as circunstâncias , está obrigado e de que é capaz:

   a) Representar como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem se conformar com a sua realização; ou 

   b) Não chegar sequer a representar a possibilidade de realização do facto.».

A negligência é um tipo especial de punibilidade que oferece uma estrutura própria quer ao nível do ilícito quer ao nível da culpa.

O tipo objectivo de ilícito dos crimes materiais negligentes é constituído por três elementos: a violação de um dever objectivo de cuidado; a possibilidade objectiva de prever o preenchimento do tipo; e a produção do resultado típico quando este surja como consequência da criação ou potenciação pelo agente, de um risco proibido de ocorrência do resultado.

A violação pelo agente do cuidado objectivamente devido é concretizada com apelo às capacidades da sua observância pelo “homem médio”.

A violação de normas jurídicas de comportamento, contidas em leis ou regulamentos, são indícios, por excelência, de contrariedade ao cuidado objectivamente devido.

A não observância do cuidado objectivamente devido não torna perfeito, por si própria, o tipo de ilícito negligente, antes importa que ela conduza a uma representação imperfeita ou a uma não representação da realização do tipo.

Na negligência consciente o tipo subjectivo residirá na deficiente ponderação do risco de produção do facto, na inconsciente ausência de pulsão para a representação do facto.” – Prof. . Dias , Direito Penal, Tomo I, pág.656.

Para que exista culpa negligente, com preenchimento do tipo-de-culpa , necessário é ainda que o agente possa , de acordo com as suas capacidades pessoais , cumprir o dever de cuidado a que se encontra obrigado.

Enquanto na negligência consciente o agente representou como possível o resultado ocorrido, mas confiou, não devendo confiar, que ele não se verificaria , na negligência inconsciente o agente infringe o dever de cuidado imposto pelas circunstâncias , não pensando sequer na possibilidade do preenchimento do tipo pela sua conduta.

A conclusão de que o resultado teve como causa a acção negligente, só poderá ser afirmada quando se verifique, num primeiro passo, a causalidade natural - o resultado tem de ter como causa natural a acção - e, em seguida, uma causalidade jurídica , o nexo de imputação objectiva.

O art. 24.º, n.º 1 do Código da Estrada, estabelece, por sua vez, que «O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, ás condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.».

Existirá velocidade excessiva sempre que o condutor circule a velocidade que não lhe permite executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente ou quando exceda os limites de velocidade fixados no art.27.º do Código da Estrada.

A regulação da velocidade em função das possibilidades de imobilização da viatura pressupõe que não se verifiquem condições anormais ou factos imprevisíveis que alterem de súbito essa visibilidade. Esta é uma posição da jurisprudência que se tem como pacífica.

Como vemos, a lei não exige no art.24.º, n.º1 do Código da Estrada que se tenha apurado uma concreta velocidade para que se atribuir velocidade excessiva ao condutor.

Um condutor que no final duma recta tem pela frente uma curva deve adequar a velocidade de modo a contorná-la em condições de segurança, executando para o efeito as manobras cuja necessidade seja de prever.

No caso em apreciação estando dado como provado que o arguido C..., conduzindo um veículo com alguns anos e com os pneus da frente já desgastados e sem manutenção adequada, ao fazer a curva que descreve um traçado à sua esquerda, devido à velocidade muito superior ao aconselhável ao local que imprimia ao veículo, perdeu completamente o controlo deste e entrou em despiste, derrapando atravessado, e desta maneira saiu da estrada para o lado direito, seguindo na zona de terra existente naquele local da via, acabando por chocar com a parte lateral direita da viatura num muro ali existente, fora da via, ficando a vítima imobilizada à distância referida no ponto XII, dúvidas não tem o Tribunal da Relação que o condutor seguia em excesso de velocidade, violando o disposto no art.24.º, n.º1 do Código da Estrada, como bem ponderou o acórdão recorrido.

Para além de termos como verificada a violação de um dever objectivo de cuidado por parte do arguido, resulta da factualidade provada que tinha ainda a possibilidade objectiva de prever o preenchimento do tipo.

Efectivamente, está dado como provado, designadamente, que seguia desatento ao trânsito, imprudentemente ousado em face da TAS e de canabis que consumira, bem sabendo que um condutor médio e prudente não conduzia da forma como o fez, designadamente não iniciaria, nem manteria a condução sendo portador de álcool em taxa e de forma que adormece os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura e não imprimiria um movimento tão elevado, ponderando o veículo que conduzia e traçado da via onde seguia, regras de cuidado estradal que era capaz de cumprir.

A produção do resultado típico, ou seja, a morte do D..., surge como consequência da criação pelo arguido, de um risco proibido de ocorrência do resultado, para a qual não se provou ter a vítima mortal contribuído seja de que modo for.

Não tendo o arguido C... cumprido o dever de cuidado a que se encontrava obrigado, de acordo com as suas capacidades pessoais, o Tribunal da Relação entende que o Tribunal a quo andou bem ao concluir que aquele preencheu com a sua conduta todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art.137.º, n.º 1 do Código Penal. 

Importa em seguida decidir se, no caso em análise, a negligência atribuída ao arguido C... na morte do D... é de qualificar como grosseira, nos termos do n.º2 do art.137.º do Código da Estrada.

O legislador, apesar de ter definido a negligência na parte geral do Código Penal, não definiu nem naquela parte, nem na parte especial do Código, a negligência grosseira, deixando a definição conceitual para a doutrina e a jurisprudência.

O Prof. . Dias, tem como seguro que a negligência grosseira constitui um grau essencialmente aumentado ou expandido de negligência e, fazendo apelo a Roxin, defende que o conceito implica uma especial intensificação da negligência não só ao nível de culpa, mas também ao nível de tipo de ilícito.[17]

Também para o Prof. José de Faria Costa, para se definir a negligência como grosseira deve atender-se a uma especial intensificação do juízo de ilicitude e da culpa. À luz do seu pensamento a « A negligência grosseira existirá, na verdade, sempre que, por força de um alto e inqualificável teor de imprevisão, ou por força de uma profunda ausência de cuidado elementar, foram derespeitadas as mais evidentes regras de cuidado elementar, foram desrespeitadas as mais evidentes regras de cuidado de perigo para com o “outro”.».  [18]

Retornando ao caso concreto, diremos que a respeito da verificação da negligência grosseira o Tribunal a quo não se limitou a fazer considerações genéricas sobre conceitos subjectivos, nem omitiu os termos a que se deve reconduzir aquela definição, como sustenta o recorrente.

Escreve-se no acórdão recorrido, por remissão para um acórdão deste Tribunal da Relação, e bem, que a negligência grosseira é uma qualificativa do homicídio negligente, que opera não só a nível da culpa, mas também do ilícito, uma vez que o comportamento deve ser analisado não só através da atitude particularmente censurável de leviandade e de descuido do agente, mas também a partir da perigosidade do próprio comportamento e da probabilidade do resultado à luz da conduta adoptada.

No caso em apreciação, e a nível de tipo de ilícito, diremos que a conduta do arguido Carlos Ferreira se fosse apenas a condução a uma velocidade que não lhe permitiu efectuar a curva, saindo da mesma, configuraria uma atitude censurável e uma acção perigosa, mas não seria de considerar como particularmente censurável de leviandade e particularmente perigosa, com verificação de resultado altamente provável.

Mas a situação concreta não é bem mais grave: o arguido C..., conduzia um veículo com alguns anos, com os pneus da frente já desgastados, sem manutenção adequada e sem sujeição à inspecção obrigatória. Mais ainda conduzia desatento ao trânsito, imprudentemente ousado em face da de uma TAS de 1,65 g/l e do consumo de canabis, bem sabendo que um condutor médio e prudente não conduzia da forma como o fez, designadamente não iniciaria, nem manteria a condução sendo portador de álcool em taxa e de forma que adormece os sentidos e capacidade de vigilância necessárias a uma condução segura. Nestas circunstâncias, a perda completa de controlo do veículo, a uma velocidade que não lhe permitiu efectuar a curva, seguindo em despiste, atravessado, para fora da estrada, acabando por chocar com um muro, depois de atravessar uma zona de terra existente do lado da sua faixa de rodagem, revela uma atitude particularmente censurável de leviandade na condução e de perigosidade na acção.

Perante o grau particularmente aumentado de negligência, bem andou a decisão recorrida em qualificar a conduta do arguido C... como de negligência grosseira, sendo evidente que não existe qualquer razão para concluir que a decisão recorrida ao fazer esta qualificação da negligência violou o art.340.º do Código de Processo Penal.

Improcedendo esta questão passemos à seguinte.

Sexta questão.

O recorrente sustenta que existe um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão, já que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, o que equivale por dizer pela procedência do recurso.

Alega para este efeito, no essencial, que a prognose de ressocialização está conexionada com o facto de o Estado garantir a protecção e a promoção dos direitos das pessoas e visando-se com a suspensão da execução da pena de prisão que o arguido no futuro não pratique novos crimes. A reclusão constitui a ultima ratio da política criminal, sendo a punição da negligência excepcional, pois só ocorre nos casos especialmente previstos, art.13.º do Código Penal, como é excepcional é a não suspensão de penas de prisão inferiores a cinco anos, nos termos do art. 50.º do Código Penal.

In casu estamos perante um crime sem dolo, sem negligência grosseira, o que configura um quadro de menor culpabilidade a exigir menor prevenção e a aconselhar que não se recorra à aplicação da prisão. A apurada conduta do arguido aparece-nos como um episódio ocasional, que depois não mais repetiu, não se vislumbrando razões para duvidar da capacidade do arguido de « não repetir crimes», se for deixado em liberdade. O próprio acórdão considera que agora está mais sereno e responsável.

Depois de dar como provado o que consta no ponto XXII, do acórdão, o tribunal inflecte, desconsiderando essa factualidade e afirma não ser possível o juízo de prognose favorável. O arguido foi condenado e não lhe foi aplicada a suspensão de execução da pena suspensa por ter utilizado um elementar direito que a lei processual penal e fundamental lhe confere: o direito a não prestar declarações, decorrência do princípio do ónus da prova, e foram violados os art.s 343.º e 345.º n.º 1 do Código de Processo Penal, uma vez que as inferências negativas retiradas do seu silêncio são infundadas e ilegais.

A circunstância de o arguido não assumir os factos, não o pode prejudicar já que o arguido não está obrigado a prestar declarações sobre o objecto do processo, e tem o direito de prestar ou não declarações, sem que o seu silêncio o possa desfavorecer, art.343.º do Código Processo Penal.

Coisa diversa é a consequência do uso pelo arguido do direito ao silêncio: inviabiliza a confissão e o arrependimento. Mas são realidades diversas que não estão suficientemente diferenciadas na decisão recorrida, onde a questão foi mal formulada, pois que, com o seu comportamento processual não pode o arguido ser prejudicado, pode é deixar de ser beneficiado.

Não tem relevo negativo, de modo a inviabilizar a prognose de ressocialização, a circunstância de o arguido não ter manifestado pesar pela vítima e situação da respectiva família. Essa declaração não repara as consequências do crime, pelo que se desconhece onde ancora e que matriz tem essa obrigação, razão pela qual não está fundamentada a decisão recorridas nesta parte.

O acórdão recorrido, valorando negativamente o facto do arguido se ter remetido ao silêncio, violou o disposto nos artigos 61.º, n.º1, al. d), 343.º e 345.º n.º 1 do Código de Processo Penal e um direito constitucionalmente protegido no art.32.º, n.º 1 a contrario da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invoca.

Vejamos.

O silêncio é um direito processual que assiste ao arguido, inserido na cláusula geral das “garantias de defesa” a que alude o art.32.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa , e que encontra expressa consagração nos artigos 61.º, n.º1, al. d), 343.º, n.º1 e 345.º, n.º1, do Código de Processo Penal.

O direito ao silêncio integra-se no princípio de que ninguém pode ser obrigado a depor contra si mesmo (nemo tenetur se detegere).

Porém, como assinalam os Cons. Simas Santos e Leal Henriques, não se deve confundir “desfavorecer” com o “não favorecer”. A confissão, se espontânea, beneficia a posição do arguido. E se do silêncio do arguido resultar o desconhecimento de circunstâncias que o poderiam favorecer, então poderá o silêncio nitidamente desfavorecê-lo.[19]

Há certas circunstâncias que podem atenuar a responsabilidade criminal do arguido que exigem um comportamento comissivo pela sua parte.

Não existe violação do direito ao silêncio se o arguido não presta declarações e, em consequência do exercício desta faculdade, o Tribunal não dá como provada, designadamente, a sua confissão ou o arrependimento da prática dos factos. O silêncio embora não o desfavoreça, também não permite que o Juiz o favoreça com este tipo de circunstâncias de carácter atenuativo.

No que concerne agora aos pressupostos da suspensão da execução da pena, os mesmos vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal, que estatui que « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».
O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

As finalidades da punição reportam-se à protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade ( art.40.º , n.º1 do Código Penal).

O objectivo último das penas é a protecção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais. Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo quer para dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal ( prevenção geral positiva ou de integração).

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, o julgador possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.

Todavia, « a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização) , se a ela se opuseram » ( obra citada , § 520) « as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico » ( obra citada , § 520) , pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto » ( idem).[20]

No presente caso, tendo em conta que o arguido C... foi condenado neste processo numa pena de única de 3 anos e 2 meses de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.

Importa apurar se também o pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição se verifica.

Sem pretensão de rebater todo e qualquer argumento do recorrente, pois é às questões e não aos argumentos que o tribunal de recurso tem de dar resposta, deixamos aqui claro que de não sufragarmos a ideia do recorrente de que a negligência configura um quadro de menor culpabilidade a exigir menor prevenção e a aconselhar que não se recorra à aplicação da prisão. A punição do agente, por morte de outra pessoa com negligência grosseira, prevista no art.137.º, n.º2 do Código Penal, tendo apenas como pena principal a de prisão, e esta com uma moldura que vai até 5 anos, aí está para o demonstrar.

Como vimos, são apenas razões de prevenção geral e especial que determinam a substituição da prisão por suspensão de execução da pena, pelo que as referências à culpabilidade não relevam para este efeito.

Quanto ás razões de prevenção especial, já atrás se consignou que o tribunal só deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido.

È dentro desta ideia de apuramento do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, que poderia levar à substituição da pena de prisão, que se escreve no acórdão recorrido que são bastante elevadas as exigências de prevenção especial pois “…o arguido apesar de inserido socialmente, não demonstra ter feito uma reflexão sincera sobre a gravidade do ocorrido, donde, neste quadro nada de verdadeiramente relevante se consegue detectar que milite a favor do mesmo, o qual apesar de ter estado na audiência, não verbalizou ou manifestou por qualquer forma arrependimento pelo sucedido, nem pesar pela vítima e situação da respectiva família, sem revelar sentimento de responsabilidade social ou esclarecer a sua culpabilidade e postura actual”. 

O Tribunal a quo não belisca no acórdão recorrido o direito ao silêncio do arguido C...; apenas constata que o arguido não beneficia daquelas circunstâncias, ou até de outras como a reparação dos danos causados, que permitam concluir que rejeita o mal praticado, por forma a convencer que não voltará a delinquir se vier a ser confrontado com situação idêntica.  

Assim, não se reconhece que o acórdão recorrido valou negativamente o silêncio do arguido, nem que violou o disposto nos citados artigos 61.º, n.º1, al. d), 343.º e 345.º n.º 1 do C.P.P. e art.32.º, n.º 1 a contrario da C.R.P..

São, efectivamente, elevadas a razões de prevenção especial, de ressocialização, quando sendo o arguido o único e exclusivo culpado do acidente de viação de que resultou a morte de uma pessoa, praticado com negligência grosseira, não havia procedido à transferência do registo de propriedade do veículo, não tinha seguro de responsabilidade civil obrigatório, não tinha sujeitado o veículo à inspecção obrigatória e do seu registo individual de condutor consta já infracção por desrespeito da obrigação de parar imposta por luz vermelha e condução com taxa de álcool no sangue entre 0,8 e 1,2 g/l.

Acresce que, da matéria de facto dada como provada no ponto XXII embora resulte que o arguido C... está integrado na família e no trabalho e tem bom com relacionamento com terceiros, também aí se menciona que à data dos factos registava algum descontrolo pessoal no que à condução automóvel dizia respeito, com temeridade de comportamentos, ao que tudo indica associados a consumos aditivos de “drogas leves” e consumos por vezes excessivos de bebidas alcoólicas.

A conduta do arguido, no dia 17 de Julho de 2010, não pode ser encarada como um episódio ocasional, mas como um episódio muito grave numa conduta de comportamentos temerários na condução de veículos automóveis.

È verdade que no ponto XXII se acrescenta que este padrão de comportamento alterou-se após a ocorrência ajuizada, alegadamente pelas sequelas traumáticas que lhe advieram, passando publicamente o quotidiano do arguido a ser vivido de modo mais sereno e responsável.

È natural que depois de matar uma pessoa e ter um processo pendente tenha um quotidiano mais sereno e responsável. Mas não se deu como provado que o arguido Carlos Ferreira resolveu já os seus problemas com o álcool e com o consumo de produtos estupefacientes.

As exigências de prevenção geral no crime de homicídio por negligência grosseira, em acidentes de viação, são elevadas dada importância do bem jurídico em causa e a grande frequência com que o bem vida continua a ser violado.

O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido C..., numa situação como esta, ficaria afectado pela substituição da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão.

Afastada está, assim, a possibilidade de se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Não se verificando o pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.

            A questão a abordar agora respeita à cassação da licença de condução.

            No entender do recorrente, do quadro factual apurado não resulta fundado receio de que o recorrente possa praticar outros factos da mesma espécie, e nada aponta para a existência de uma personalidade defeituosa, capaz de conduzir à formulação de um juízo de prognose desfavorável sobre o futuro comportamento do recorrente, pelo que não se verificam os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do art.101.º do Código Penal para determinar a cassação da licença de condução, que é uma medida de segurança de aplicação não automática.

Dentro desta questão, o recorrente traz à colação a validade do exame ao sangue, defendendo que o resultado de tal exame, ilegalmente realizado, não pode ser valorado, de acordo com o  art.156.º do Código da Estrada. Alega para o efeito que em caso de acidente os condutores e peões só deverão ser submetidos a colheita de sangue quando o seu estado de saúde não lhes permitir ser submetidos a exame de pesquisa de álcool no ar expirado. Se não obstante ter sido conduzido ao Hospital, o estado de saúde do arguido era compatível com a realização do exame através do ar expirado, o exame no sangue a que se procedeu para determinação da TAS foi realizado fora do circunstancialismo previsto no art.156.º, n.º2, do Código da Estrada. No caso presente não há factos provados que façam referência ao estado de saúde do arguido capaz de justificar aquele exame de sangue em vez de exame através da expiração do ar. Pelo contrário, dos depoimentos das testemunhas ..., ... e Cabo ., resulta que o arguido sempre esteve apto a que lhe fosse efectuado o exame através do ar expirado.

Começando a resposta à presente questão pela segunda parte, diremos que o Tribunal da Relação entende que não constam dos factos provados, e não têm de constar, os factos referentes ao estado de saúde do arguido capaz de justificar o exame de sangue para detecção de alcoolemia, em vez de realização de exame para o mesmo fim através da expiração do ar, pois o exame é um meio de obtenção de prova. Apenas os factos da acusação, da defesa e os relevantes que resultam do julgamento, para a decisão da questão da culpabilidade e da determinação da sanção são levados à factualidade dada como provada.

Por outro lado, não podemos concluir dos segmentos dos depoimentos das testemunhas ..., ... e Cabo ., para que remete o recorrente, que  arguido sempre esteve apto a que lhe fosse efectuado o exame através do ar expirado -  que como é do conhecimento geral implicaria a ida a um Posto policial, onde se encontram colocados os aparelhos quantitativos sujeitos a diversas regras para um bom funcionamento.

O que resulta do conjunto das declarações daquelas testemunhas é que o arguido foi interveniente num grave acidente, estava ensanguentado, em estado alterado, e tendo comparecido uma equipa do INEM foi levado para o Hospital, local onde ainda se encontrava, quando mais tarde aí foi procurado pela testemunha ..

Concluímos assim que as autoridades policiais decidiram bem ao não submeter o arguido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado uma vez que o estado de saúde não o permitia. Nada obstava pois à valoração da TAS que resultou da perícia junta a folhas 120 dos autos.

Quanto à problemática da cassação do título de condução de veículo com motor, importa atender ao disposto no art.101.º do Código Penal, na parte aqui relevante:

« 1 - Em caso de condenação por crime praticado na condução de veículo com motor ou com ela relacionado, ou com grosseira violação dos deveres que a um condutor incumbem, ou de absolvição só por falta de imputabilidade, o tribunal decreta a cassação do título de condução quando, em face do facto praticado e da personalidade do agente:

a) Houver fundado receio de que possa vir a praticar outros factos da mesma espécie; ou

b) Dever ser considerado inapto para a condução de veículo com motor.

2 - É susceptível de revelar a inaptidão referida na alínea b) do número anterior a prática, de entre outros, de factos que integrem os crimes de:

a) Omissão de auxílio, nos termos do artigo 200º, se for previsível que dele pudessem resultar graves danos para a vida, o corpo ou a saúde de alguma pessoa;

b) Condução perigosa de veículo rodoviário, nos termos do artigo 291º;

c) Condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, nos termos do artigo 292º; ou

d) Facto ilícito típico cometido em estado de embriaguez, nos termos do artigo 295º, se o facto praticado for um dos referidos nas alíneas anteriores. »

Nas actas da Comissão de Revisão do Código Penal, que estão na base das alterações introduzidas no Código Penal pelo DL n.º 48/95, de 15 de Março, o Prof. . Dias é claro no sentido de que a inaptidão do agente para a condução de veículo com motor, é uma inaptidão “normativa”, não automática em face da verificação das situações previstas do n.º2 do art.101.º do Código Penal, mas que é de presumir em face delas, sendo a presunção ilidível.

Esclarece que a ligação do n.º 2 do art.101.º do Código Penal apenas à alínea b) do número anterior, não é extensiva à alínea a), porquanto “ na alínea a) se tem que provar o fundado receio aí previsto , (….)”.  [21] 

O acórdão recorrido entende que se mostra verificada a perigosidade do arguido para conduzir  na vertente da “inaptidão para a condução”, uma vez que o arguido praticou um crime de homicídio por negligência grosseira na condução de veículo com motor; há factos integradores de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, e aquela inaptidão indiciariamente provada não foi ilidida. 

Esclarece o mesmo acórdão que a punição dos crimes dos artigos 292.º e 291.º do Código Penal, aludidos as alíneas c) e b), n.º 2 do art.101.º do Código Penal, não tem de ser  autónoma e que é atípica a descriminação feita neste n.º2.

Efectivamente, a inaptidão normativa para a condução não tem de alcançada apenas pelos dados previstos no n.º 2 do art.101.º do Código Penal, pois a lei estabelece-os «entre outros”. Os factos dados como provados, integrando a pratica pelo arguido de um crime de homicídio por negligência grosseira na condução de veículo com motor e, embora não autonomizados, ainda a prática de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, são reveladores de uma personalidade inapta para a condução, pela perigosidade que deles resulta para a comunidade.

Assim , nada temos a censurar ao Tribunal  a quo por haver considerados verificados os pressupostos da cassação do título de condução de veículo com motor e consequente determinação da sua cassação.

            A última questão a decidir respeita ao pedido de indemnização cível.

            Entende o recorrente/demandado C... que não tendo ficado provado que era ele o condutor do veículo, não pode ser condenado no pagamento das quantias arbitradas a título de indemnização cível.

A admitir-se que o arguido era o condutor do FJ, sempre o montante indemnizatório teria que ser substancialmente inferior, à luz do art. 570.º do Código Civil, uma vez que a vítima não cumpriu o dever de usar cinto.

De todo o modo, as indemnizações devem ser substancialmente reduzidas.

A haver condenação do arguido, também deverá haver a condenação solidária do F.G.A., à luz do art. 49.º do D.L. n.º 291/2007, de 21 de Agosto.

A primeira pretensão do recorrente mostra-se prejudicada. Está dado como provado que o arguido C... era o condutor do veículo interveniente no acidente de que resultou a morte de D....

Prejudicada está igualmente a segunda pretensão, de repartição de culpas e de corresponde indemnização ao abrigo do disposto no art.570.º do Código Civil, uma vez que não resulta da factualidade dada como provada que a vítima concorreu para a sua morte.

Resultando a morte de D... exclusivamente de conduta negligente do arguido/demandado, recai sobre este a obrigação de indemnizar os danos que causou, a ressarcir aos demandantes/assistentes. 

O demandado C... foi condenado a pagar aos demandantes, a título de dano morte, pelo falecimento do filho destes, D..., a quantia de € 50.000,00, atribuindo o Tribunal a quo , a cada um dos demandantes, a quantia de € 25.000,00.

O Tribunal atribuiu ainda, a título de danos morais próprios aos demandantes A… e B..., respectivamente, as quantias de € 15.000,00 e de € 17.500,00.

Realçamos aqui a existência de um manifesto lapso de cálculo na fundamentação de direito do acórdão recorrido, quando a folhas 27 da decisão se refere “ …e um outro parcial global de € 40.250,00 para a Demandante B… ( = 25.000,00 + 17.500,00).”, pois a soma das parcelas dá um resultado de € 42.500,00. Este, é o valor que ali devia constar, e não  € 40.250,00.

No dispositivo do acórdão existe igualmente um lapso manifesto, de escrita, quando após a condenação do demandado a pagar ao demandante A… a quantia de “ € 40.000,00”, se escreve entre parêntesis “ ( quarenta e cinco mil euros)”, pois a soma das parcelas de indemnização atribuída a este demandante é de € 40.000,00.

Caso se mantenha a decisão recorrida terá de se rectificar o texto do acórdão neste aspecto.

Retomando os pedidos subsidiários do recorrente, deparamo-nos agora com a pretensão de redução substancial das quantias de indemnização atribuídas pelo Tribunal a quo aos demandantes.

As razões pelas quais pede essa redução não as indica o recorrente e cremos que não existem fundamentos legais para aquela.

Em termos sucintos, lembramos que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações por danos está fixado pelo Código Civil.
Para a compensação dos danos não patrimoniais rege o disposto no art.496.º do Código Civil, que no seu n.º 3, 1ª parte, estatui que o montante da indemnização deve ser fixado por critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.494.º do mesmo Código, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
A indemnização dos danos não patrimoniais, prevista no art.496.º do Código Civil, reveste uma natureza acentuadamente mista; por um lado, visa a compensação de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente.[22]
Na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras da boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes.[23]
O n.º 3, 2ª parte, do art.496.º do Código Civil preceitua que “ no caso de morte , podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima , como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior .”

A este propósito impõe-se deixar claro que a jurisprudência dos Tribunais Superiores, em matéria de danos não patrimoniais, tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização ou compensação deve constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista.

Tendo presentes os factos dados como provados nos pontos XXIII a XXXV do acórdão recorrido, designadamente, que o D... era um jovem com 20 anos de idade, saudável, sem vícios, sem hábitos de consumo de tabaco ou de álcool, dócil, fraterno, educado, solidário, alegre, com hábitos de trabalho perfeitamente enraizados; ligado por profundos laços e sentimentos de amor, cooperação e solidariedade aos pais; que estes nutriam pelo filho D... profundo amor, tendo a morte do D...causado violento choque e emoção aos demandantes seus pais, que ficaram psicologicamente abalados e traumatizados, a padecer de profunda mágoa, de que têm grande dificuldade em recuperar, tendo passado a ser acompanhados por uma psicóloga, e a receber tratamentos adequados à sua recuperação anímica e psicológica, a que acresce a circunstância da vítima não ter contribuído culposamente para a sua morte, sendo esta resultado exclusivo de conduta negligente do arguido C..., consideramos que os montantes arbitrados pela 1.ª instância aos demandantes, por danos não patrimoniais próprios (€ 15.000,00 e € 17.500,00), não são seguramente excessivos face ao juízo de equidade que preside à sua atribuição.

O mesmo juízo faz o Tribunal da Relação relativamente à atribuição de uma indemnização de € 50.000,00 aos demandantes a título de dano de morte; se a indemnização peca é por defeito.  

Assim, não procede o pedido de redução dos montantes indemnizatórios atribuídos aos demandantes.

Já quanto à pretensão do recorrente de que a haver condenação do arguido, deverá haver  condenação solidária do F.G.A., à luz do art. 49.º do D.L. n.º 291/2007, de 21 de Agosto, entendemos que deve proceder.

O Tribunal a quo absolveu o F.G.A. com a seguinte fundamentação: “ Pelo pagamento dos montantes indemnizatórios é unicamente responsável o arguido, dado os danos indemnizáveis serem “danos corporais”, decorrentes da morte, donde, havendo um responsável civil conhecido (o dito arguido), está legalmente excluída pelo âmbito material do que está em causa, a responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel (cf. art.49.º “ a contrario” do DL n.º 291/2007 de 21 de Agosto).”.

Importa porém, considerar que o art.62.º, n.º1, do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, estabelece que « As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e  não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.».

No caso em análise o demandado C... é responsável civil conhecido do acidente de viação de que emergiram danos e não beneficia de seguro válido e eficaz, pelo que existindo uma situação de litisconsórcio necessário, tem de ser demandado juntamente com o Fundo de Garantia Automóvel, sob pena de ilegitimidade.

Por sua vez o art.49.º do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto, na parte que aqui interessa , estabelece o seguinte:

« 1- O Fundo de Garantia Automóvel garante, nos termos do n.º1 do artigo anterior, e até ao valor do capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a satisfação das indemnizações por:

     a) Danos corporais, quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz, ou for declarada a insolvência da empresa de seguros; ».

Deste preceito resulta que o Fundo de Garantia Automóvel, no caso de danos corporais, garante a satisfação das indemnizações quando o responsável seja desconhecido, mas também quando “não beneficie de seguro válido e eficaz”, ou até for declarada a insolvência da empresa de seguros.

Assim, deve o Fundo de Garantia Automóvel ser condenado solidariamente com o demandado C..., nas quantias de indemnização arbitradas – que poderão não ser integralmente as atribuídas no acórdão recorrido uma vez que os demandantes interpuseram recurso da matéria cível, que vai ser objecto seguidamente de apreciação.

Deste modo, apenas nesta última parte da questão acabada de conhecer, que não tem propriamente valor processual, procede o recurso interposto pelo recorrente.  


*

            Recurso interposto pelos assistentes A... e mulher B...


-

A primeira questão a conhecer é se o Tribunal a quo fez uma errada interpretação do disposto no artigo 49.º do Decreto-lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, ao excluir da responsabilidade civil o Fundo de Garantia Automóvel.

Já se decidiu, que efectivamente, andou mal o Tribunal a quo ao absolver o Fundo de Garantia Automóvel do pedido de indemnização. Este demandado deveria ter sido condenado solidariamente com o arguido/demandado na indemnização que então se fixou.

Passemos, pois à questão seguinte.

Os recorrentes começam por alegar a existência de um mero lapso de escrita no acórdão recorrido quando atribui aos assistentes a quantia de € 50 0000,00 a título de indemnização pelo dano morte do filho, pois o Tribunal a quo teria querido atribuir-lhes a quantia peticionada de € 75.000,00.

Se assim não se entender, sustentam que o valor fixado é manifestamente baixo, e que deve fixar-se em € 75.0000,00. 

Vejamos.

O erro de escrita pressupõe que a vontade declarada na decisão não corresponde à vontade real do juiz, normalmente por distracção. O erro material deve resultar evidente da sentença.

No caso em apreciação, o erro evidente no acórdão recorrido foi escrever-se que os assistentes vieram pedir como compensação a quantia de € 50.000,00 a título de dano da perda do direito à vida , quando a quantia pedida foi de € 75.000,00.

Em diversas partes do acórdão faz-se menção à quantia de € 50.000,00 atribuída em partes iguais ao pai e à mãe da vítima D..., a título de dano da perda do direito à vida.

O que em lado algum do acórdão recorrido se consigna é que não se atribuiu a quantia de € 75.000,00 porque os demandantes apenas pediram a quantia de € 50.000,00. O que aliás não teria sentido, pois a quantia indemnizatória pedida atingia os € 143.210,00 e o Tribunal a quo apenas condenou na quantia global de € 82.500,00.  

Não se reconhecendo a existência de um lapso material ao atribuir-se aos demandantes a quantia de € 50.000,00 a título de dano da perda do direito à vida, entendemos que a quantia indemnizatória deveria ter sido fixada em montante superior.

Considerando os critérios já atrás mencionados a propósito dos danos não patrimoniais, em que ressalta a equidade, consideramos que a perda abrupta da vida do jovem D... deve ser indemnizada com a quantia de € 60.000,00. Considerando a divisão em partes iguais desta quantia e as outras parcelas da indemnização atribuídas a cada um dos demandantes, fixamos em € 45.000,00 e  € 47.500,00 , a indemnização global a atribuir, respectivamente, ao  

demandante A...e à demandante B....

Precede assim parcialmente, nesta parte, a questão e, consequentemente o recurso interposto pelos demandantes.  

            Decisão

           Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido C... apenas na matéria cível, relativa à condenação solidária do Fundo de Garantia Automóvel, e conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos demandantes/ assistentes A... e mulher B... e, consequentemente, condenar solidariamente os demandados C... e Fundo de Garantia Automóvel a pagarem de indemnização ao demandante A...a quantia de € 45.000,00 ( quarenta e cinco mil euros) e à demandante B...a quantia de € 47.500,00  ( quarenta e sete mil e quinhentos euros) , indo os demandados absolvidos do demais peticionado.

          Custas pelo arguido/demandado, fixando em 7 Ucs a taxa de justiça, e pelos demandantes na parte em que decaíram.

          Sendo revogada a absolvição do Fundo de Garantia Automóvel proferida em 1.ª instância, pagará também este demandado custas na proporção do decaimento.


*

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                             

   *

                                                                                        Coimbra,


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques , in “Código de Processo Penal anotado” ,   2ª ed., pág. 739.
[5]  - Cfr. Cons. Simas Santos e Leal-Henriques , in “Código de Processo Penal anotado”, Rei dos Livros , 2ª ed. ,Vol. II , pág. 740. No mesmo sentido decidiram, entre outros, os acórdãos do STJ de 4-10-2001 (CJ, ASTJ, ano IX, 3º , pág.182 ) e Ac. da Rel. Porto de 27-9-95 ( C.J. , ano XX , 4º, pág. 231).

[6] - Cfr. entre outros  acórdão do STJ , de 13 de Fevereiro de 1992 ( CJ, ano XVII , 1º , pág. 36)
[7] - Cfr. entre outros o Acórdão n.º 680/98 , publicado no DR, II Série , de 5 de Março de 1995. 

[8]  - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294. 

[9]  - cfr. entre outros, o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 ( C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177 ) .

[10] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira , in “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300. 
[11]  cfr.“Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
[12] Obra citada, páginas 233 a 234
[13]  in C.J. , ano XXVII , 2º , página 44.

[14] Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289. 
[15] “Curso de Processo Penal II”, Reimpressão da Universidade Católica, 1981, pp. 288 a 295.
[16] Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ, de 15-2-2007, proc. 06P4595 e do Tribunal da Relação  de Coimbra, de 9-7-2008, proc. n.º 601/07.6GBCNT.C1, in www.dgsi.pt.

[17]  Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, pág.113. 
[18]  Direito Penal Especial, Coimbra Editora, pág.94.
[19] Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2000, p. 359.

[20] - Cfr. Prof. . Dias , in “Direito Penal Português , as Consequências do Crime”.
[21] “Código Penal, Actas e Projecto da Comissão Revisora”, Ministério da Justiça, 1993, páginas 138, 139 e 485.
[22] - cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª edição, Almedina , pág. 611 e seguintes e acórdão do STJ, de 26 de Junho de 1991, in BMJ, n.º 408.º, pág. 538.
[23]  – cfr. acórdãos do STJ, de 25 de Junho de 2002 ( C.J., ASTJ, ano X, tomo 2.º, pág. 128) e de 4 de Novembro de 2004 ( C.J., n.º 179, pág. 223).