Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4300/07.0TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTINUADOS
REVOGAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA LIVRE REVOGABILIDADE DO CONTRATO
DEVER DE INDEMNIZAR A PARTE CONTRÁRIA
Data do Acordão: 02/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE COIMBRA – 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 1154º, 1157º E 1170º, Nº 1, E 1172º, ALS. C) E D) DO C. CIV.
Sumário: I – Nos termos do artº 1170º, nº 1, do C. Civ., “o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário...” - princípio da livre revogabilidade do mandato -, apenas assim não sucedendo se “o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa” – artº 1170º, nº 2, C. Civ.

II - Donde resulta que também o contrato de prestação de serviços é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante acordo em contrário, salvo se tal contrato tiver sido celebrado no interesse de ambas as partes ou de terceiro.

III - A doutrina e a jurisprudência, no entanto, vêm entendendo que o simples facto de o contrato ser oneroso e de haver interesse económico no contrato não integra o “interesse” previsto na citada norma.

IV - Porém, a parte que revogar um contrato de prestação de serviços bilateral, oneroso e de execução continuada, sem o acordo da outra e sem a antecedência acordada (dita conveniente), deve indemnizar esta do prejuízo causado, nos termos do artº 1172º, als. c) e d), do C. Civ..

V - Esta indemnização visa apenas reparar o dano resultante da dita revogação extemporânea, nos termos dos artºs 562º, 563º e 564º, do C. Civ., o que não passa por obrigar a parte que revogou o contrato, em tais circunstâncias, a ter de pagar todas as prestações que seriam devidas até ao prazo contratual ficar esgotado.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – 4ª Juízo Cível, a sociedade A... instaurou contra a sociedade B... a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 6.550,00, acrescida de juros de mora desde 1/03/2006 até efectivo pagamento, às taxas ditas comerciais.
Para tanto e muito resumidamente, alegou que em 8/10/2003 a A. e R. celebraram um acordo de prestação de serviços para a gestão global de resíduos industriais, em regime de avença, através do qual a A. se comprometia a encaminhar os resíduos produzidos pela R. para unidades de tratamento licenciadas, acordo esse celebrado por um ano, renovando-se automaticamente em caso de não denúncia por qualquer das partes, obrigando-se a Ré a pagar uma prestação mensal de € 275,00, acrescida de IVA.
Que a Ré efectuou o pagamento das prestações até Janeiro de 2006, inclusive, tendo deixado de o fazer desde então, pelo que deve a Ré à A. o montante de € 6.550,00, por prestações vencidas e não pagas até Outubro de 2007, data de cessação do dito contrato.
II
Contestou a Ré onde alega, muito em resumo, que efectivamente a A. prestou os serviços acordados entre ambas nos dias 8/3, 5/4, 3/5, 7/6, 5/7, 3/8 e 1/9 de 2006, não tendo voltado a prestar outros serviços à Ré, serviços esses que de facto não foram pagos.
Que não foi acordada qualquer contribuição pecuniária entre as partes relativamente a tal prestação de serviços, pelo que a Ré considera € 100,00/mês como montante adequado para o efeito, à semelhança do que é praticado por outras empresas do ramo.
Que em 29/09/2006 a Ré revogou o acordo que até então vigorava entre as partes, por comunicação escrita que enviou à A., pelo se deve considerar como revogado tal acordo desde 30/09/2006.
Que a partir de 1/09/2006 a A. nunca mais efectuou qualquer serviço para a Ré.
Terminou pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.
III
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi considerada como processualmente regular a tramitação da presente acção, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto alegada pelas partes para efeitos de instrução e de discussão da causa.

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova testemunhal nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção procedente, por provada, com a condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 7.203,89, acrescida de juros de mora sobre a quantia de € 6.550,00, desde a data de propositura da acção e até integral pagamento, à taxa supletiva para empresas comerciais.

IV
Dessa sentença interpôs recurso a Ré, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

Nas alegações que apresentou a Apelante concluiu, de forma útil, do seguinte modo:
1ª – Não flui dos autos, quer da matéria assente quer da prova produzida, que o interesse da A. seja suficientemente relevante para justificar a grave medida da irrevogabilidade contratual.
2ª – A partir de início do mês de Setembro de 2006 a A. nunca mais procedeu a qualquer acto de recolha e de gestão dos resíduos produzidos pela Ré.
3ª – Carece de aplicação ao caso sub judicio o nº 2 do artº 1170º do C. Civ.
4ª – Com data de 29/09/2006 a Ré enviou à A. uma missiva, que esta recebeu, onde manifestava que pretendia desvincular-se do contrato outorgado entre ambas as partes a 8/09/2003, com efeitos a partir de 1/10/2006.
5ª Tal comunicação encerra uma autêntica revogação unilateral do contrato, permitida pelo artº 1170º, nº 1, C. Civ., o que é um meio lícito de pôr fim ao vínculo contratual.
6ª – A existência ou a inexistência de qualquer causa justificativa para a cessão unilateral do vínculo contratual por parte da Ré apenas daria eventualmente lugar à indemnização da A. pelo lucro cessante.
7ª – No caso vertente não interessa aferir da existência ou não de justa causa porquanto a autora baseia a sua pretensão no próprio contrato e não em eventuais prejuízos que tenha sofrido em virtude da revogação.
8ª – Constitui abuso de direito a pretensão da A. de se querer ressarcir, a título de pagamento do preço, de 12 meses de trabalho que não executou, com fundamento apenas na duração do contrato e na obrigação de pagamento das respectivas prestações mensais (avenças), independentemente da prestação de serviços e da inexistência de custos/despesas que deixou de ter.
9ª – Tal pagamento consubstanciaria um enriquecimento sem causa da A., pelo que seria até ilegítimo.
10ª – Pelo que é válida a revogação contratual da Ré.
11ª – Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida, devendo ser proferida nova sentença a julgar a acção improcedente.

V
Contra-alegou a Apelada, onde defende que deve ser mantida a sentença recorrida, julgando-se improcedente o presente recurso.

VI
Nesta Relação foi aceite o recurso interposto e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, pelo que nada obsta a que se conheça do seu objecto.
Tal objecto passa pela reapreciação da decisão proferida em 1ª instância, designadamente quando aí se defende que “tendo o contrato de prestação de serviços sido celebrado no interesse de ambas as partes, não poderia ser revogado unilateralmente, salvo havendo justa causa, o que também se não verifica, posto que o desacordo superveniente da ré em relação à retribuição convencionada não constitui circunstância que, segundo as regras da boa fé, justifique a sua desvinculação do contrato.
Como tal, a revogação do contrato efectuada pela ré através da comunicação datada de 29/09/2006 é ineficaz, não produzindo efeitos enquanto tal”.

Considerando que pela Recorrente não foi impugnada a matéria de facto dada como assente em 1ª instância, e como também não vemos razões para uma eventual alteração oficiosa da mesma, nos termos do artº 713º, nº 6, do CPC, dá-se aqui como reproduzida essa dita matéria e tal como está enunciada na sentença recorrida.

Passando à abordagem da questão que é colocada pela Recorrente, defende esta que “a comunicação dirigida pela ré/recorrente à autora a 29 de Setembro de 2006, no sentido de se desvincular definitivamente dos compromissos assumidos tendo em vista a recolha dos resíduos por si produzidos, encerra em si uma autêntica revogação unilateral do contrato.
A revogação consiste na destruição dos efeitos de um acto jurídico por vontade do seu autor, o que aconteceu.
...
O princípio da livre revogabilidade é o regime regra previsto na lei substantiva – artº 1170º, nº 1, C. Civ.
...
No caso, não flui dos autos que o interesse da autora Biovida seja suficientemente relevante para justificar a grave medida da irrevogabilidade.
Acresce que, inclusive, a autora aceitou, pelo menos tacitamente, a revogação unilateral do contrato por parte da ré e ora recorrente…
Tanto assim é que a partir do momento que recebeu a missiva rescisória da ré a autora nunca mais compareceu nas instalações daquela para proceder a qualquer recolha de resíduos bem como nunca mais praticou quaisquer actos de gestão co-relacionados com essa actividade ou quaisquer outros também previstos no contrato.
...
Pelo que a comunicação feita pela ré/recorrente a autora, datada de 29 de Setembro de 2009, deve ser considerada como meio lícito de esta pôr fim ao vínculo contratual que a ligava àquela”.

Na sentença recorrida defende-se o contrário, como já antes se deixou exposto, para nela se concluir que “... logo, tem esta comunicação que ser entendida como traduzindo o exercício do direito de denúncia convencionado pelas partes, denúncia que, pela inobservância do prazo contratualmente estabelecido, e que a ambas as partes vincula, nos termos do artº 406º do C. Civil, apenas produz efeitos a partir de Outubro de 2007”.

É, pois, esta divergência de opiniões que cumpre que apreciemos.
Dos factos dados como assentes resulta, em resumo, que “em 8/10/2003 foi acordado entre as partes um contrato de prestação de serviços para a gestão global de resíduos, em regime de avença, através do qual a autora se comprometia a encaminhar os resíduos produzidos pela ré para unidades de tratamento devidamente licenciadas para o efeito, contrato esse celebrado por um ano, contado da data da sua assinatura, renovando-se automaticamente por igual período se não fosse denunciado por qualquer uma das partes com uma antecedência mínima de 30 dias.
Como contrapartida, a Ré comprometeu-se a pagar uma prestação mensal de € 275,00 à autora, acrescida de IVA, devendo ser paga no prazo de 30 dias após a emissão da respectiva factura.
No cumprimento de tal contrato a Ré pagou as prestações acordadas até ao mês de Janeiro de 2006, tendo deixado de o fazer a partir de Fevereiro de 2006, por discordar do seu quantitativo.
Nessa sequência, em 29/09/2006 a ré enviou à autora uma comunicação escrita, na qual dizia que rescindia o contrato a partir de 1 de Outubro de 2006.
A Autora respondeu à Ré dizendo que esta não podia rescindir o contrato celebrado em 8 de Outubro de 2003, por já se encontrar ultrapassado o prazo para proceder à sua denúncia, pelo que a autora continuaria a facturar à Ré as quantias resultantes da celebração do contrato de prestação de serviços para a gestão global de resíduos e que vigora até ao mês de Outubro de 2007, tendo a autora emitido e enviado à ré as facturas entre Março de 2006 e Outubro de 2007”.
Também ficou provado que “a Autora procedeu à recolha dos resíduos produzidos pela ré na sua actividade até ao dia 1 de Setembro de 2006, e que nunca mais procedeu a qualquer acto de recolha de resíduos produzidos pela Ré desde essa data”.
São, pois, estes os factos relevantes que temos de considerar na nossa apreciação.

Apreciando, verifica-se que as partes estão de acordo que contrataram entre si uma prestação de serviços, traduzida na gestão global de resíduos produzidos pela Ré, a levar a cabo pela Autora, em regime de avença, através do qual a autora se comprometia a encaminhar os resíduos produzidos pela ré para unidades de tratamento devidamente licenciadas para o efeito, contrato esse celebrado por um ano, contado da data da sua assinatura, renovando-se automaticamente por igual período se não fosse denunciado por qualquer uma das partes com uma antecedência mínima de 30 dias.
Também assim o entendeu a sentença recorrida, configurando tal contrato como uma prestação de serviços, regulado pelos artºs 1154º e segs. do C. Civ., designadamente os preceitos relativos ao contrato de mandato – artºs 1157º e segs.
Por não vermos motivo para discordar de tal entendimento, assentamos nessa qualificação jurídica e na aplicação das disposições do mandato ao presente contrato, com as devidas adaptações, por força do disposto no artº 1156º C. Civ..
E está assente que tal contrato bilateral é oneroso, porquanto a Ré comprometeu-se a pagar uma prestação mensal de € 275,00 à Autora (tipo avença, como foi escrito no próprio contrato – fls. 40 /41), acrescida de IVA, devendo ser paga no prazo de 30 dias após a emissão da respectiva factura.
Assim sendo, a A. ficou obrigada a praticar os actos inerentes à dita gestão de resíduos produzidos pela Ré, conforme contratado (o que não está em discussão), e a Ré ficou obrigada a pagar a referida prestação mensal, tudo em conformidade com o disposto nos artºs 1161º e 1167º do C. Civ..
Como ficou acordado entre as partes que esse contrato era celebrado por um ano, contado da data da sua assinatura, renovando-se automaticamente por igual período se não fosse denunciado por qualquer uma das partes com uma antecedência mínima de 30 dias, e como essa dita assinatura ocorreu em 8/10/2003, temos de considerar que em 8/10/2006 tal contrato seria mais uma vez renovado, caso nenhuma das partes não o denunciasse até 8/09/2006, isto apesar de desde Fevereiro desse ano a Ré não pagar as facturas inerentes a tal prestação de serviços.
Acontece que em 29/09/2006 a ré enviou à autora uma comunicação escrita, na qual dizia que rescindia o contrato a partir de 1 de Outubro de 2006 – fls. 42.
Quid juris?
Resulta de tal factualidade que a Ré não denunciou o dito contrato no prazo contratualmente convencionado para o efeito, tendo antes “rescindido” o dito, conforme supra exposto.
Com esta comunicação “rescisória” o que a Ré pretendeu foi apenas e tão somente dar por findo o contrato celebrado, com efeito a partir de 1/10/2006, isto é, quis “revogar” esse contrato, no sentido de destruição voluntária do mesmo, sem causa aparente, a partir da data comunicada para o efeito à parte contrária, isto é, sem invocação de causa para assim proceder.
Logo, não se trata de uma verdadeira denúncia do contrato, na medida em que para assim suceder teria de ser comunicada com a antecedência acordada contratualmente ou, no caso, teria de se entender tal “rescisão-denúncia” como reportada à data de 1/10/2007 – ver, neste sentido, o Prof. A. Varela, in R. L. J. ano 114º, pg. 111; e in “Das Obrigações em geral”, vol. II, 6ª ed., pg. 278.
E também não se trata de uma “resolução” contratual, tal como resulta dos artºs 432º e segs. do C. Civ., na medida em que esta figura jurídica assenta na lei ou em convenção, visando a destruição da relação contratual validamente constituída e tem como efeitos a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (e eventualmente com efeitos retroactivos – ex tunc) – artºs 433º e 434º C. Civ.
Vejam-se o Prof. Vaz Serra, in “Resolução do contrato”, 1957, pg. 47; o Prof. A. Varela, in “Das Obrigações em geral”, vol. II, 6ª ed., pg. 272 e segs.; e Baptista Machado in “Pressupostos da resolução por incumprimento”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Iuridica II, Coimbra, 1979”, pg. 356 e segs..
Trata-se, pois, de uma “revogação unilateral do contrato”, conforme Ac. STJ de 8/06/1978, in BMJ 278, pg. 169; Ac. STJ de 8/11/1983, in RLJ, ano 118º, pg. 271 e segs., com comentário de J. Baptista Machado; e Prof. A. Varela, in “Das Obrigações em geral”, vol. II, 6ª ed., pg. 277; terminologia que é a adoptada pelo artº 1170º do C. Civ..
Portanto, o que a Ré pretendeu obter com a sua comunicação de 29/09/2006 foi “revogar”, “fazer cessar” unilateralmente o dito contrato, sem causa ou fundamento para o efeito, a partir da data que indicou para o efeito (ex nunc) e em violação do prazo de denúncia contratual que fora acordado entre as partes – vejam-se os Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil anotado”, vol. II, 2ª ed., pg. 647.
A A. não aceitou essa “revogação-rescisão”, tendo respondido à Ré dizendo que esta não podia rescindir o contrato celebrado em 8 de Outubro de 2003, por já se encontrar ultrapassado o prazo para proceder à sua denúncia, pelo que a autora continuaria a facturar à Ré as quantias resultantes da celebração do contrato.
Logo, temos uma verdadeira “revogação” do contrato de execução continuada acordado entre as partes, levada a cabo de forma unilateral e com oposição da parte contrária.
Ora, nos termos do artº 1170º, nº 1, do C. Civ., “o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário...” - princípio da livre revogabilidade do mandato -, apenas assim não sucedendo se “o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, caso em que não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa” – artº 1170º, nº 2, C. Civ.
Donde resulta que também o contrato de prestação de serviços é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante acordo em contrário, salvo se tal contrato tiver sido celebrado no interesse de ambas as partes ou de terceiro.
A doutrina e a jurisprudência, no entanto, vêm entendendo que o simples facto de o contrato ser oneroso e de haver interesse económico no contrato não integra o “interesse” previsto na citada norma, pelo que, no presente caso se nos afigura que não tem aplicação o nº 2 do artº 1170º C. Civ. - donde a admissão da livre revogabilidade contratual leva a cabo pela Ré.
Neste sentido, entre outros, podem ver-se: Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “C. Civ. anotado”, vol. II, 2ª ed., pg. 647; Prof. Vaz Serra, in “RLJ, ano 109º, pg. 124 e segs.; Ac. STJ de 3/06/1997, in BMJ 468, pg. 361, onde se escreve: “a irrevogabilidade tem de resultar da relação jurídica basilar, pelo que para haver mandato de interesse comum não basta que o mandatário ou o terceiro tenham um interesse qualquer, é necessário que esse interesse se integre numa relação jurídica vinculativa, isto é, que o mandante (tendo o mandatário o poder de praticar actos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica daquele) queira vincular-se a uma prestação a que o mandatário ou terceiro tenham direito”; Ac. STJ de 11/12/2003, cujo relator é o sr. Juiz Conselheiro Lucas Coelho, disponível em www.dgsi.pt; Ac. Rel. Lisboa de 9/07/2003, in C. J. ano XXVIII, tomo IV, pg. 82; Ac. Rel. Lisboa de 20/09/2007, in C.J. ano XXXII, tomo IV, pg. 99; Ac. Rel. Coimbra de 11/12/2007, in C. J. ano XXXII, tomo V, pg. 35; Ac. Rel. Lisboa de 16/06/2005, in C. J. ano XXX, tomo III, pg. 108.
Assim sendo, não podemos deixar de considerar que com a dita comunicação a Ré “revogou” o contrato com efeitos a partir de 1/10/2006, data a considerar como da cessação contratual celebrada entre as partes.
Porém, a parte que revogar um contrato de prestação de serviços bilateral, oneroso e de execução continuada, sem o acordo da outra e sem a antecedência acordada (dita conveniente), deve indemnizar esta do prejuízo causado, nos termos do artº 1172º, als. c) e d), do C. Civ..
Foi o que aconteceu no presente caso, já que a dita revogação foi comunicada pela Ré à A. apenas cerca de 10 dias antes de se dar a renovação anual automática do mesmo, portanto fora do prazo para denúncia convencionado.
Esta indemnização visa apenas reparar o dano resultante da dita revogação extemporânea, nos termos dos artºs 562º, 563º e 564º, do C. Civ., o que não passa por obrigar a parte que revogou o contrato, em tais circunstâncias, a ter de pagar todas as prestações que seriam devidas até ao prazo contratual ficar esgotado, como pretende a A..
Com efeito, o pedido da A. assenta apenas no pagamento dessas ditas prestações, em concordância, aliás, com a resposta que deu à Ré – fls. 43 – onde disse que esta não podia rescindir o contrato celebrado em 8 de Outubro de 2003, por já se encontrar ultrapassado o prazo para proceder à sua denúncia, pelo que a autora continuaria a facturar à Ré as quantias resultantes da celebração do contrato de prestação de serviços para a gestão global de resíduos e que vigora até ao mês de Outubro de 2007.
A A. não alega quaisquer prejuízos decorrentes para si da dita “revogação-rescisão” contratual, e dos factos alegados e apurados apenas resulta que a autora emitiu e enviou à ré as facturas entre Março de 2006 e Outubro de 2007, tendo apenas procedido à recolha dos resíduos produzidos pela ré na sua actividade até ao dia 1 de Setembro de 2006, e que nunca mais procedeu a qualquer acto de recolha de resíduos produzidos pela Ré desde essa data.
É certo que no contrato celebrado foi acordado que “deve o 2º outorgante (a aqui Ré) ou produtor informar por escrito com a antecedência mínima de cinco dias úteis o 1º outorgante da necessidade de proceder à recolha dos resíduos”- fls. 40/41e 188/189 -, mas a própria autora também nem sequer alegou que tenha efectuado alguma diligência com vista ao cumprimento do que considera serem os seus deveres contratuais para com a Ré, apenas resultando das suas alegações (constantes da petição) que não mais se preocupou com essa recolha e apenas cuidou de “facturar” à Ré as prestações mensais acordadas, como se o contrato não tivesse sido “revogado”, o que de facto tinha sucedido a partir de 1/10/2006.
No entanto, não terá sido exactamente o que se passou, dado o conjunto de documentos apresentadas pela A. em audiência de julgamento – fls. 188 a 207 -, dos quais resulta que em 2007 a autora enviou “faxes” à Ré a solicitar que esta lhe comunicasse sobre a necessidade de levantamento dos resíduos, documentos esses cujo teor e envio não foi impugnado pela Ré, conforme fls. 221.
Logo, nenhuns prejuízos foram alegados pela A. como decorrentes da revogação contratual levada a cabo pela Ré, nem na presente acção se cuida dos mesmos, ao abrigo do citado artº 1172º, al. d), C. Civ., pelo que não cumpre arbitrar, a tal título, qualquer indemnização à A.
E como, face ao exposto, não são devidas quaisquer prestações desde a data de “revogação-rescisão” do contrato levada a cabo pela Ré, apenas importa condenar a Ré a pagar as prestações comprovadamente em débito entre Fevereiro de 2006 e 1 de Outubro de 2006, no montante mensal de € 332,75, num total de € 2.662,00 (facturas de fls. 44 a 51).
Tem, pois, a Ré/Recorrente razão na interposição deste recurso, já que não faz sentido a sua condenação nos termos peticionados e decididos.
Neste sentido, entre outros, podem ver-se: Prof. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil anotado”, vol. II, 2ª ed., pg. 651, onde escreve: “a obrigação de indemnizar prevista neste artigo (1172º) resulta da revogação unilateral do contrato, ou seja, do exercício do direito facultado no nº 1 do art5º 1170º. Não existe, portanto, essa obrigação nos casos de revogação por mútuo consentimento dos contraentes, nem naqueles em que a lei confere a um deles, por causas especiais, mas em termos genéricos, o direito de resolver ou revogar o negócio”; o Ac. STJ de 29/09/1998, in C.J. STJ, ano VII, tomo III, pg. 34, onde se discute um caso muito semelhante ao presente, e no qual se escreve que “o artº 1156º manda aplicar, com as necessárias adaptações, as disposições sobre o mandato às modalidades do contrato de prestação de serviço não reguladas especialmente. Assim, vale, em princípio, para o caso o artº 1170º, nº 1, de acordo com o qual o contrato é livremente revogável por qualquer das partes, ainda que haja convenção em contrário ou se renuncie ao direito de o revogar.
Trata-se de disposição imperativa, que dispensa, inclusivamente, qualquer motivação para o efeito; ... a revogação que não observe o prazo para o qual o mandato foi convencionado produz, pois, ex nunc os seus efeitos de destruição do contrato, embora faça daí decorrer uma obrigação de finalidade ressarcitória. Não se vê motivo para excluir este regime quando se faz a transposição do mesmo para um contrato de prestação de serviço... É evidente que, a não poder a revogação operar nos casos em que houver prazo, dar-se-ia a tal cláusula a eficácia própria de uma convenção, válida, a derrogar o princípio da livre revogabilidade, o que é expressamente vedado pela lei... Tratando-se de mandato (ou de prestação de serviço), a revogação feita contra o prazo estipulado sempre produzirá o seu efeito normal de pôr termo ao contrato, embora com a criação de obrigação de indemnizar. Não tem, pois, o mandante (ou o recebedor do serviço) de cumprir as suas obrigações contratuais, designadamente a de retribuição, pelo tempo correspondente ao prazo não decorrido; ao invés, tem de indemnizar os prejuízos causados, para os quais a lei não dá qualquer medida que não seja a resultante do funcionamento da teoria da diferença - artº 566º, nº 2... Daí que não possa a outra parte pedir, sem mais, as retribuições ajustadas para esse período, cabendo-lhe antes alegar e provar qual o prejuízo por si sofrido efectivamente, dependente não só das receitas que não auferiu, mas também da existência ou inexistência de despesas não efectuadas”.
Ver, ainda, Ac. Rel. Lisboa de 20/09/2007, in C. J. ano XXXII, tomo IV, pg. 99.
Face ao que se impõe a revogação parcial da sentença recorrida, apenas havendo a condenar a Ré no pagamento à A. do montante de € 2.662,00, por mensalidades vencidas, devidas e não pagas, com o acréscimo de juros de mora, nos termos peticionados (desde a data de vencimento de cada uma dessas facturas e até efectivo pagamento, e às taxas supletivas previstas para os créditos comerciais, nos termos previstos no artº 102º, §§ 3º e 4º, do Código Comercial - na redacção dada pelo D. L. nº 32/2003, de 17/02 -, conjugado com o disposto na Portaria nº 597/2005, de 19/07).
VII
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, revogando-se parcialmente a sentença recorrida, em consequência do que se decide apenas condenar a Ré no pagamento à A. do montante de € 2.662,00 (dois mil, seiscentos e sessenta e dois euros), por mensalidades vencidas, devidas e não pagas, com o acréscimo de juros de mora, nos termos peticionados (desde a data de vencimento de cada uma das facturas respectivas e até efectivo pagamento, e às taxas supletivas previstas para os créditos comerciais, nos termos previstos no artº 102º, §§ 3º e 4º, do Código Comercial - na redacção dada pelo D. L. nº 32/2003, de 17/02 -, conjugado com o disposto na Portaria nº 597/2005, de 19/07).

Custas da acção e do presente recurso por ambas as partes e na proporção dos respectivos decaimentos.
***

Tribunal da Relação de Coimbra, em