Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FALCÃO DE MAGALHÃES | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR DESPESAS LIQUIDAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 06/23/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | OLIVEIRA DO BAIRRO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 46º, Nº 1, AL. C), DO CPC | ||
Sumário: | I – Um contrato de abertura de conta corrente com hipoteca e fiança, celebrado com uma instituição bancária, insere-se no âmbito de previsão do artº 46º, nº 1, al. c), do CPC. II – De acordo com o preceituado no artigo único do Dec. Lei nº 32765, de 29 de Abril de 1943, os contratos de mútuo ou usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem fazer-se por escrito particular, ainda mesmo que o outro contratante não seja comerciante. III – Quando o Exequente, no requerimento executivo e relativamente às “despesas extrajudiciais”, se limite a peticionar o montante que, para efeitos de registo se havia estimado e exarado no documento em que foi formalizado o contrato, deve entender-se que o documento (título executivo) em causa carece de exequibilidade relativamente a este tipo de despesas, por falta de preenchimento dos pressupostos exigidos pelo artº 46º, nº 1, al. c), do CPC. IV – É que a liquidação desse tipo de despesas não depende de simples cálculo aritmético, impondo-se ao exequente proceder pela forma estabelecida no artº 806º, nº 1, CPC, especificando no requerimento inicial da execução os valores que considera compreendidos na prestação, para concluir por um pedido líquido. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório: A) O “Banco A...”, intentou, no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, contra a sociedade comercial por quotas “B... ”, C... e D... , execução comum para pagamento de quantia certa, com base em contrato de abertura de crédito, através do qual emprestou à sociedade executada a quantia de € 748 196,85, empréstimo este garantido por hipoteca e afiançado pelos aludidos C... e D..., que outorgaram por si e na qualidade de na qualidade de únicos sócios e gerentes daquela sociedade. O referido C... veio deduzir oposição à execução, alegando, em síntese, não poder ser exigida a quantia de € 29.927,87 pedida a título de despesas extrajudiciais, já que o exequente não concretiza nem justifica esse seu crédito documentalmente, não tendo o documento dado à execução força executiva, por a obrigação não ser certa, líquida e exigível. Concluiu pugnando pela procedência da oposição, com declaração da ilegalidade da exigência das despesas extrajudiciais. A exequente contestou, defendendo a improcedência da oposição. Elaborado o despacho saneador, o Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, ao abrigo do disposto nos art.ºs 787º, n.ºs 1 e 2, 2.ª parte, “ex vi” do art.º 817, n.º 2, ambos do CPC, absteve-se de fixar a base instrutória. Prosseguindo os autos os seus ulteriores termos, veio a ter lugar a audiência de discussão e julgamento, após o foi proferida sentença (em 09/06/2008 - fls. 109 e ss.) julgando improcedente a oposição e determinando o prosseguimento da execução. Desta sentença recorreu o opoente, tendo o recurso sido admitido como Agravo, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
B) - É esse agravo que ora cumpre decidir e cujas respectivas e doutas alegações, o Recorrente finda com as seguintes conclusões:
(………………………………………………………………….)
Termina requerendo, que, dando-se provimento ao recurso, se revogue a sentença recorrida, ordenando-se a sua substituição por uma outra que julgue a oposição procedente.
Corridos os “vistos” e nada a isso obstando, cumpre decidir do objecto do recurso.
II - Fundamentação: 1) - Os factos. 2) - O direito. O Tribunal “a quo”, referindo cumprir analisar se, efectivamente, a quantia exequenda de € 29.927,87 a título de despesas extrajudiciais corresponderia a uma obrigação certa, líquida e exigível, assinalou o seguinte: «... o documento apresentado como título executivo, ou seja, o contrato de abertura de conta corrente com hipoteca e fiança, obedece aos pressupostos exigidos no artº 46º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, pois importa a constituição ou reconhecimento de obrigação pecuniárias, assinada pelo devedor, sendo os executados C... e D... os garantes na satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigados perante o credor (cfr. artº 627º, nº 1, 628º, 634º, 638º e 639º, todos os Código Civil). Cumpre dizer que a situação configurada no referido documento, mesmo no que respeita a despesas extrajudiciais, não se reconduz a uma mera vinculação futura à satisfação de obrigações, situação essa contemplada no artº 50º do Código de Processo Civil, não sendo necessário provar, nos termos deste dispositivo, que existiram obrigações que foram constituídas na sequência da previsão das partes. Antes, as despesas extrajudiciais foram constituídas pelas partes aquando a celebração do contrato, que para efeitos de registo foram calculadas em 6.000.000$00, pelo que não se exige a apresentação de outro documento que comprove a verificação da condição e correspectivamente o incumprimento da outra parte. Assim sendo, o documento dado à execução constitui título executivo bastante, sendo a dívida exequenda no montante de € 29.927,87, referente a despesas extrajudiciais, uma obrigação certa, exigível e líquida.». Antes do mais, julga-se pertinente salientar, pois que a obrigação do opoente decorre da fiança que o mesmo prestou, que o objecto desta, no que concerne, especificamente, ao montante relativo às despesas extrajudiciais, sendo claramente definido contratualmente, não poderia, ainda que como escopo tivesse, a permitida garantia de obrigações futuras (art. 628.º, n.º 2, do CC), de se reputar como indeterminável[3], pelo que, ainda nessa hipótese, a validade de tal garantia se nos afiguraria inquestionável. Mas, na verdade, o caso não respeita, como bem se concluiu na sentença recorrida, a garantia de obrigações futuras. O art.º 50º, contemplando a convenção de prestações futuras, sendo imprescindível, então, a prova de que alguma prestação foi realizada para a conclusão do negócio, rege, por outro lado, a previsão da constituição de obrigações futuras, situação esta em que exige a prova de que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes. Em qualquer um desses casos, no entanto, a exequibilidade do documento fica dependente da apresentação de um outro documento, como prova adminicular. (Cfr. Ac. do STJ de 04/05/1999, Revista n.º 310/99, “in” BMJ n.º 487, pág. 237). Na 2.ª parte do citado art.º 50.º atinente às obrigações futuras, visam-se os casos em que as partes prevejam a constituição das mesmas, sem logo se vincularem, pois, a constituí-las (Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, CPC anotado, 2.ª edição, pág. 108; Tb. Lebre de Freitas, “A Acção Executiva - Depois da Reforma da Reforma”, págs. 56 e 57). Ora, não nos merecendo dúvida que o estipulado pelas partes quanto às despesas extracontratuais evidencia a respectiva vinculação ao que nessa matéria logo acordaram, tem-se por correcta a afirmação do Tribunal “a quo”, de que tal situação “…não se reconduz a uma mera vinculação futura à satisfação de obrigações, situação essa contemplada no artº 50º do Código de Processo Civil, não sendo necessário provar, nos termos deste dispositivo, que existiram obrigações que foram constituídas na sequência da previsão das partes.”. Embora se concorde com inserção do documento que serve de base à execução - contrato de abertura de conta corrente com hipoteca e fiança - no âmbito de previsão do art.º 46º, nº 1, al. c), do CPC, já não nos merece acolhimento o entendimento do Tribunal “a quo”, no que concerne à legalidade da exigência, na execução em causa, do montante imputado pelo exequente a despesas extrajudiciais. Quanto à classificação do documento em causa, não obstante estarmos de acordo, como ainda agora se disse, com o concluído pelo Tribunal “a quo”, há que explicitar melhor a mesma. Como se sabe, de acordo com o preceituado no artigo único do Decreto-Lei 32765, de 29 de Abril de 1943, os contratos de mútuo ou usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem fazer-se por escrito particular, ainda mesmo que o outro contratante não seja comerciante. Consta do contrato em causa ser o mesmo firmado ao abrigo, designadamente, da Lei de 16 de Abril de 1874 e do Decreto de 7 de Janeiro de 1876. De harmonia com o preceituado nestes diplomas legais e reafirmado, no que respeita à E... (E...) pelo DL 272/90, de 7/9, já tem sido entendido serem equiparados a escritura pública, possuindo força executiva, nos termos do art.º 46, d), do CPC (equivalente, após a reforma de 95/96 desse Código, ao preceituado no art.º 46, n.º 1, d)) os documentos emitidos por estabelecimentos de crédito predial autorizados, para titular contratos de que sejam partes. Defendeu-se tal entendimento, designadamente, no Acórdão do STJ de 24/01/1995 (BMJ n.º 443, págs. 303 e ss.), arresto este especificamente citado na doutrina defendida por Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, que, em anotação ao citado art.º 46º referem[4]: “Não se trata de equiparar esses documentos particulares a escritura pública, como entendeu o ac. do STJ de 24.1.94 (FERNANDO FABIÃO), BMJ, 443, p. 303, mas sim de dispensar a forma exigida, em geral, pelos arts. 874 CC (compra e venda) e 1143 CC (mútuo), resultando a exequibilidade, quanto ao mútuo, da alínea c) do artigo sob anotação.”. Já no Acórdão da Relação de Lisboa, de 10/10/89[5], se expendera entendimento no sentido de que o art. 8.° da Lei Preambular do Código Civil de 1966 teria revogado a Carta de Lei de 16 de Abril de 1874 e o Decreto de 7 de Janeiro de 1876, sendo de considerar que, embora os contratos celebrados nos termos dessa legislação especial mantivessem validade, os documentos que os titulavam já não poderiam ser equiparados a escrituras públicas, tendo de respeitar os requisitos gerais constantes do CPC para, enquanto documentos particulares, poderem ter a força de títulos executivos. Do exposto resulta a nossa consideração do documento dado à execução enquanto documento particular a enquadrar-se na previsão do artº 46º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil. Nesse documento - cláusula 17ª - para além das despesas judiciais e de outras que se individualizaram (as relacionadas com o registo da hipoteca e o seu eventual reforço, as relativas à emissão dos títulos de distrate e respectivos cancelamentos) colocaram-se também a cargo da devedora as despesas extrajudiciais, atribuindo-se a estas um valor estimado de 6.000.000$00 (€ 29 927,87). Ora, sustenta o executado/opoente, na sua douta alegação, que sendo apenas o valor das despesas efectivas aquele que será devido pelos executados, o exequente, “sem indicar e comprovar quais as efectivas despesas que se viu obrigado a realizar”, alegou no seguinte ponto do requerimento executivo: 16º - “está, assim, em divida desde 20.04.2006, o montante de € 48 510,59 (…) bem como das despesas extrajudiciais que o banco se viu obrigado a efectuar para haver o seu crédito e que se fixam em € 29 927,87” …». Mais salienta o Agravante que, pedindo a exequente “despesas extrajudiciais que o banco se veja obrigado a efectuar para haver o seu crédito, as quais, nos termos da artigo 17º do doc. 1 se contam em € 29 927,87”, facilmente se verifica que a obrigação ainda nem se venceu, além de se desconhecer o montante. Afigura-se, de facto, que o esquente, no requerimento executivo, quanto às “despesas extrajudiciais”, limitou-se a peticionar o montante (convertido em euros) que, para efeitos de registo se havia estimado e exarado no documento em que foi formalizado o contrato. Ora, das concretas despesas extrajudiciais, que podem ser de vária ordem, que esse valor global estimado engloba, desconhece-se o respectivo montante, sendo certo que este não é determinado, nem determinável por simples cálculo aritmético. Significa isto que, ressalvado o respeito que merece entendimento diverso, o documento em causa carece de exequibilidade, quanto ao montante exigido a título de “despesas extrajudiciais”, por falta de preenchimento dos pressupostos exigidos pelo art.º 46º, nº 1, al. c), do CPC. Mas, ainda que assim não fosse, ao exequente sempre caberia, para proceder a uma cabal liquidação, discriminar no requerimento executivo, o montante de cada das despesas efectivamente realizadas e que essa designação genérica de “despesas extrajudiciais”, englobaria. Só desse modo, até, se possibilitaria aos executados a impugnação precisa daquilo que a esse título lhes era exigido. “Mutatis mutandis”, afigura-se aplicável ao caso, o seguinte entendimento expendido no Acórdão desta Relação de 22/3/1988[6]: «… a obrigação exequenda também garantida pela hipoteca, por despesas judiciais e extrajudiciais a fazer pelos credores para assegurarem o reembolso das importâncias mutuadas, e que apenas para efeito de registo foi computada num total de 1 600 000SO0, não é liquida. E, porque a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, impunha-se ao exequente proceder pela forma estabelecida do art. 806°, n.° 1, especificando no requerimento inicial da execução os valores que considerava compreendidos na prestação, para concluir por um pedido liquido. Mas não o fez, pois que, muito embora tenha indicado no requerimento inicial um pedido liquido de 1 054 000$00, nada alega no sentido de especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida a título de despesas judiciais e extrajudiciais que assegurarem o reembolso dos financiamentos efectuados (cfr n.° 11 daquela peça processual). Mantém-se por isso ilíquida essa obrigação.». Saliente-se, por último, que nem quando impugnada, na oposição, a dívida da quantia global indicada como referente a “despesas extrajudiciais”, veio o exequente, como, pelo menos, então, lhe cumpriria fazer, alegar discriminadamente, provando-os subsequentemente, os débitos que efectivamente havia tido e que se enquadravam nesse “item”. Do exporto resulta, pois, não lograr cabimento na cobrança coerciva efectivada através da presente execução, o montante exigido a título de “despesas extrajudiciais”, motivo pelo qual a oposição procede, com a consequente extinção da execução quanto aos referidos € 29 927,87 e juros respectivos.
III - Decisão: Em face de tudo o exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação em, dando provimento ao Agravo, revogar a douta sentença da 1.ª Instância e, julgando procedente a oposição, julgar extinta a execução nos termos acima assinalados.
Sem custas (art.º 2.º, n.º 1, g), do CCJ).
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