Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
704/20.1T8SRE-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CAUÇÃO ESPONTÂNEA
SEUS REQUISITOS
REFORÇO DA CAUÇÃO
PLURALIDADE DE EXECUTADOS
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 733º, Nº 1, AL. A), 909º E 913º DO NCPC.
Sumário: I - A caução espontânea, pretendida prestar pelo executado para suspender a execução, tem de ser qualitativamente adequada e idónea, e, quantitativamente, suficiente, pois só assim pode, se necessário, satisfazer a quantia exequenda e legais acréscimos – artºs 733º, nº1, a) e 909º do CPC.

II – Não é suficiente a caução pretendida prestar pela constituição de hipoteca sobre bens imóveis cujo valor realizável ascende a €.72.541,99 e aquela quantia e acréscimos se alcandoram a mais de 105 mil euros.

III - O reforço da caução apenas é admissível após a prestação inicial de caução suficiente, a qual, por força de circunstancias supervenientes – vg. aumento do crédito exequendo – se tornou insuficiente.

IV - Havendo pluralidade de executados, a prestação espontânea de caução por um deles - artº 913º do CPC – para suspender a execução, apenas a si vincula, devendo ele, que não obrigatoriamente os demais, satisfazer, por reporte à totalidade da quantia exequenda, os respetivos requisitos de idoneidade e suficiência.

Decisão Texto Integral:






ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1.
A Executada S... deduziu incidente de prestação espontânea de caução com vista à suspensão da Ação Executiva que lhe foi instaurada por C...
O modo de prestação da caução será através de constituição de hipoteca voluntária sobre imóveis de sua propriedade.
A exequente impugnou o valor dos bens a hipotecar.
Foi proferida decisão na qual se concluiu que apenas poderão ser considerados para efeito de apuramento da idoneidade da caução os imóveis que possam ser localizados e avaliados e que se encontrem descritos na Conservatória do Registo Predial.
Face ao dissenso entre as partes, foi ordenada uma avaliação pericial que atribuiu aos imóveis dados à hipoteca o valor total de 99.471,00 euros.
A executada veio comprovar que em relação à fração autónoma, na data de 14-04-2021, o capital em dívida no mútuo bancário garantido por hipoteca voluntária por tal fração ascendia a €26.929,01.
A Sr.ª Agente de Execução informou que a 27-03-2021 a dívida exequenda e custas da ação executiva ascendem a €104.352,19.
A Secretaria informou que os encargos do presente incidente declarativo, até ao momento, ascendem a €1.274,74.
2.
Seguidamente foi proferida a seguinte decisão, em súmula transcrita:
«A particular função da caução prevista no nº 1 do art. 818º do CPC é a de garantir o cumprimento da obrigação exequenda, acautelando ou prevenindo os riscos eventualmente resultantes da suspensão do processo»
«São, deste modo, seus requisitos essenciais tanto a sua idoneidade, isto é, que seja prestada por meio adequado, como a sua suficiência, isto é, que seja suficiente para assegurar a satisfação daquela obrigação».
«É, desde logo, indubitável que o seu valor há-de corresponder ao do pedido a que os embargos respeitam, ou melhor, à importância pela qual a penhora há-de ser feita - v., a este respeito, arts. 933º a 935º.»
«A caução prestada ao abrigo do art. 818º do CPC tem como finalidade garantir os riscos de dissipação ou extravio do património do executado enquanto perdurar a suspensão da execução motivada pela pendência dos embargos»
Por isso, «a [referida] caução deve garantir não apenas o capital mas ainda os juros vencidos e vincendos, podendo ser requerido o seu reforço se a inicialmente prestada se tornar insuficiente para cobrir os juros entretanto vencidos»
No caso concreto:
Por aplicação dos princípios “supra” expostos, a nosso ver, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, a caução cumprirá o requisito da suficiência, quanto à garantia de cumprimento das obrigações exequendas, se cobrir o valor da dívida exequenda e custas da Ação Executiva (€.104.352,19) e os encargos do presente incidente declarativo (€.1.274,74), num total de €105.626,93.
O valor disponível dos imóveis ascende a €72.541,99 [€.99.471,00 - €.26.929,01].
Assim, para além da hipoteca voluntária dos imóveis, a caução apenas cumprirá o critério da suficiência se for prestada outra forma de caução para a diferença, isto é, €33.084,94.»
Pelo exposto, nos termos e para os efeitos previstos nos art.os 913.º/3 e 909.º/3 CPC, o Tribunal decide:
1) Fixar o valor da caução a prestar pela Executada para que seja decretada a suspensão do prosseguimento da Ação Executiva até à decisão final dos Embargos de Executado no valor de €105.626,93.
2) A caução será prestada, no prazo de 30(trinta) dias, mediante hipoteca voluntária sobre os imóveis “supra” identificados até ao valor da caução.
3) A caução será prestada, cumulativamente, no prazo de 30(trinta) dias, mediante garantia bancária, autónoma, automática (“à primeira solicitação”), de boa execução, no montante de €.33.084,94; ou mediante a entrega para penhora dessa quantia à Sr.ª Agente de Execução.»
3.
Inconformada recorreu a executada.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
...
4.
Sendo que, por via de regra: artºs 635º, nº 4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª - Idoneidade e suficiência da caução.
2ª - Reforço da caução.
3ª - Desproporcionalidade da exigência decisória por existência de outros executados.
Os factos a considerar são os dimanantes do relatório supra.
5.
Apreciando.
5.1.
Primeira questão.
Os embargos de executado apenas podem acarretar a suspensão da execução se, vg., o executado prestar caução – artº 733º, nº1, al. a) do CPC.
Naturalmente que, como se diz na decisão, a caução tem de satisfazer os seus legais requisitos.
Pois que só assim pode cumprir o legal desiderato e sua finalidade precípua, quais sejam, acautelar a efetiva satisfação do pagamento da quantia exequenda, se, no lapso de tempo em que se mantiver a suspensão da execução, existir perecimento, dissipação ou diminuição do valor do património dos executados.
Temos assim que a caução tem de ser, qualitativamente, adequada ou idónea, ou seja, o modo da sua prestação tem de integrar a virtualidade de consecutir a realização ou salvaguarda da finalidade prática a que se destina.
E quantitativamente tem de ser suficiente, ie., tem de ser numericamente a bastante para, em caso de necessidade, satisfazer a quantia exequenda e legais acréscimos.
No atinente à questão da idoneidade - lato sensu, atento o modo como está formulado o preceito, ie. abrangendo outrossim a vertente da suficiência - urge ainda ter presente o estatuído no artº 909º, nº 2 do CPC, a saber:
«2 - Na apreciação da idoneidade da garantia tem-se em conta a depreciação que os bens podem sofrer em consequência da venda forçada, bem como as despesas que esta pode acarretar.»
No caso sub judice.
A caução é, em princípio, idónea pois que os bens dados em garantia pertencem à executada e têm um determinado valor pecuniário e venal de mercado.
Resta saber se é suficiente.
E, obviamente, não é.
Considerando os factos apurados, que a recorrente não coloca em crise, as contas feitas na decisão estão certas, ou seja, atendendo a que o bem de maior valor, o urbano, está também hipotecado para garantir uma dívida de, pelo menos, €26.929,01, é evidente, pois as contas são fáceis de fazer e a matemática não engana, que o valor total de todos os bens dados em caução ascende a €72.541,99 [€.99.471,00 - €.26.929,01].
Ora sendo a dívida exequenda atual, de mais de 105 mil euros, e devendo crescer com o decurso do tempo, quanto mais não seja em função dos juros vincendos, é evidente a insuficiência dos bens.
Esta insuficiência alcança-se ainda mais gritante, pois que, como dimana do segmento normativo supra mencionado, urge ainda ter em conta a possível depreciação dos bens pelo decurso do tempo e a possibilidade, muito comum aliás, de, em caso de necessidade da sua venda judicial, nesta eles nem sequer atingirem os valores pelos quais foram avaliados.
Diz a recorrente que:
6. No caso concreto, a finalidade da caução está assegurada, pois a Executada/Recorrente entrega, como caução, todo o seu património suscetível de penhora e que podia ser objeto de alienação/oneração. »
Mas, meridianamente, este argumento alcança-se como perfeitamente peregrino e insubsistente.
Até pode ser assim.
Mas ainda que o seja, tal não condiciona ou invalida o facto de, mesmo dando em caução todos os seus bens, o valor dos mesmos não ser suficiente, nos termos supra explanados, para pagar a quantia exequenda e legais acréscimos.
E, assim, havendo necessidade de complementar tal valor para se atingir a suficiência da caução.
5.2.
Segunda questão.
Depois clama a recorrente que mesmo que a caução fosse considerada insuficiente deveria ela ser notificada para a «reforçar».
Em primeiro lugar a recorrente confunde conceitos.
O reforço da caução emerge apenas no casos em que, liminarmente e em principio, uma caução prestada se assume suficiente no momento em que é prestada, mas, posteriormente, por circunstância várias – vg. diminuição do valor da mesma ou acréscimo da quantia exequenda ou valorização do direito que se pretende acautelar - , o seu valor inicial se alcança como escasso para assegurar a satisfação de tal quantia ou deste direito.
Efetivamente:
«Só justifica o pedido de reforço de caução a insuficiência por causa não imputável ao credor e a insuficiência superveniente, isto é, a insuficiência que ocorrer posteriormente à constituição da garantia.» - Ac. RG de 29.01.2003, p. 1579/02-1 in dgsi.pt.
Ora não é isto que aqui está em causa e a ser dilucidado.
Pois que, ab initio, se concluiu que o valor da caução é insuficiente para a consecução do desiderato pretendido, no caso de, eventualmente, haver necessidade de efetivar o cumprimento/realização da mesma.
Destarte, não é caso de reforço, mas, desde logo, caso de mera e inicial (in)suficiência.
Em segundo lugar a insurgente não explica como e de que modo ela efetivaria tal reforço.
Uma coisa é certa.
Sendo ela própria a admitir que deu para a caução todos os seus bens, não se vislumbra com que outro património imobiliário pudesse concretizar o «reforço».
E, bem vistas as coisas, este «reforço», lato sensu, na sua terminologia, ou summo rigore, na economia do decidido, este atingir da «suficiência» da caução, foi determinado na decisão, a concretizar – inclusive, reitera-se, ex vi da própria posição da recorrente ao afirmar que com a indicação para a caução do seu património imobiliário, o exauriu - pelos modos mais possíveis e plausíveis, quais sejam, a garantia bancária ou a entrega em numerário.
5.3.
Terceira questão.
Finalmente argui a recorrente que havendo outros executados os valores da caução são suficientes sendo desproporcionado estar-se-lhe a exigir o seu reforço.
Mas também não é assim.
A prestação de caução não foi exigida mas antes é espontânea por banda sua – artº 913º do CPC.
Por conseguinte, e ao menos diretamente, sem se atender às possíveis e eventuais consequências reflexas ou indiretas para os estantes executados, apenas a si respeita e apenas a si vincula.
Logo, e sendo inexigível aos demais executados a prestação de caução, pois que eles estão no seu direito de se conformarem com a continuação da tramitação da execução, apenas à recorrente é exigível o cumprimento os seus legais requisitos.
Certo é que se a execução for suspensa, tal também, eventualmente, e de qualquer modo ou maneira, poderá aproveitar aos co-executados.
Mas tal é uma mera e inelutável consequência da prestação da caução, a qual, porém, não pode servir para os vincular a uma atuação e ónus que não quiseram despoletar e a que não aderiram, antes aceitando a continuação da execução.
Em princípio a responsabilidade dos executados será solidária, podendo o exequente obter de cada um deles a totalidade do crédito.
Assim, para que a suspensão possa ser decretada, a caução tem de assegurar esta totalidade.
A lei não prevê a suspensão parcial, objetiva – abrangendo apenas parte do crédito -, ou subjetiva – abarcando apenas alguns dos executados.
Decorrentemente, há sempre que perspetivar a defesa dos direitos e interesses do exequente, o qual, aliás, não tem qualquer meio para obrigar os restantes executados a prestarem caução ou para contribuírem para a suficiência da caução pretendida pela recorrente.
Destarte, esta suficiência tem de ser assegurada por quem despoletou o incidente.
Improcede o recurso.

6.
Sumariando – artº 663º, nº7 do CPC.
I - A caução espontânea, pretendida prestar pelo executado para suspender a execução, tem de ser qualitativamente adequada e idónea, e, quantitativamente, suficiente, pois só assim pode, se necessário, satisfazer a quantia exequenda e legais acréscimos – artºs 733º nº1 a) e 909º do CPC.
II – Não é suficiente a caução pretendida prestar pela constituição de hipoteca sobre bens imóveis cujo valor realizável ascende a €.72.541,99 e aquela quantia e acréscimos se alcandoram a mais de 105 mil euros.
III - O reforço da caução apenas é admissível após a prestação inicial de caução suficiente, a qual, por força de circunstancias supervenientes – vg. aumento do crédito exequendo – se tornou insuficiente.
IV - Havendo pluralidade de executados, a prestação espontânea de caução por um deles - artº 913º do CPC – para suspender a execução, apenas a si vincula, devendo ele, que não obrigatoriamente os demais, satisfazer, por reporte à totalidade da quantia exequenda, os respetivos requisitos de idoneidade e suficiência.

7.
Deliberação.
Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pela recorrente.

Coimbra, em 09/11/2021

Carlos Moreira

João Moreira do Carmo

Fonte Ramos