Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3007/03.2TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ROQUE
Descritores: HABILITAÇÃO
TRANSMISSÃO DE DIREITOS
DIREITO LITIGIOSO
LEGITIMIDADE
REIVINDICAÇÃO
Data do Acordão: 01/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 271.º, N.º 2; 660.º, N.º 2; 664.º; 684, 2 E 3 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A habilitação tem por objectivo colocar o sucessor no lugar que o falecido ou transmitente ocupava no processo pendente, e certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica em que esta se encontrava.
2. No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, até ao final do pleito, ainda que já não tenha interesse na acção, passando, então, à categoria de substituto processual do adquirente ou do cessionário, enquanto estes não forem, por meio de habilitação, com carácter facultativo, admitidos a substitui-lo, a qual não susta o andamento da causa principal e da instância, ao invés do que acontece nas situações de transmissão «mortis causa».
3. A partir da data da venda do prédio a outrem e até ao momento da habilitação, deixa de haver coincidência entre o sujeito activo da relação substancial e o sujeito activo da relação processual, porquanto o requerente já não é titular do direito em litígio, mas continua a ter legitimidade como autor, passando a defender, não o seu próprio interesse, mas o interesse dos adquirentes, agindo em sua substituição processual.
4. Funcionando o direito de reivindicação como acessório do direito de propriedade e sendo subordinado e inseparável deste, que não da pessoa que, em cada momento, possa ser seu titular, as faculdades que este comporta, em relação à titularidade do prédio, transmitem-se com a transferência do direito real correspondente e extinguem-se, igualmente, com ele.
5. A substituição resultante da habilitação só dever ser recusada, quando a parte contrária alegue como fundamento que a transmissão foi efectuada para obter o resultado de tornar mais difícil, no processo, a sua posição, que obedeceu a um propósito malicioso de lhe criar embaraços e fazê-la sucumbir.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A.... e marido, B..., nos autos de habilitação de adquirente do direito da autora C..., por esta instaurados contra D.... e esposa, E..., todos, suficientemente, identificados, interpuseram recurso de agravo da decisão que julgou procedente o incidente de habilitação e, em consequência, admitiu a intervenção dos requeridos D.... e esposa, E..., em substituição da requerente C..., terminando as alegações com o pedido da sua revogação e consequente rejeição do incidente de habilitação, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Face aos pedidos enunciados nas alíneas b), c) e d), deduzidos pela autora na douta p.i. apresentada a juízo em 23/10/2003, outra coisa não pode concluir-se que se tratam de pedidos intrinsecamente conexos com a pretensão da autora em acção proposta no Tribunal de Águeda sob o n°3007/03.2TBAGD, à qual o incidente de habilitação corre por apenso - e não de qualquer outra pessoa.
2ª - De facto, o artigo 376° do CPC tem como objecto, a habilitação do adquirente ou cessionário, prevendo esta habilitação da coisa ou direito em litígio, para com ele seguir a causa, porém não foram transmitidos a totalidade dos direitos que constituem objecto da presente lide.
3ª - Efectivamente, nem a transmitente nem os adquirentes diligenciaram no sentido desses direitos constarem da escritura pública celebrada, e serem através dela transmitidos aos adquirentes, ora habilitados.
4ª - Acontece que, não obstante o incidente de habilitação de adquirente apresentado – o qual permite eventualmente a substituição na acção do transmitente pelo adquirente da coisa ou do direito litigioso -, não pode deduzir-se que o adquirente tem interesse em tal pretensão, uma vez que, a mesma foi requerida a pedido da autora originária e não pelos posteriores adquirentes.
5ª - Pelo que, não obstante a autora ter suficientemente demonstrado que por escritura lavrada pelo Cartório Notarial de Oliveira do Bairro, em 11 de Janeiro de 2005, vendeu aos adquirentes o prédio rústico, melhor descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o artigo 2379, conforme certidão de escritura junta aos autos, tal facto, comprova tão só o negócio jurídico em causa, não a transmissão a favor dos adquirentes dos alegados direitos, que foram olvidados naquela escritura.
6ª - Sendo certo que, são os mesmos direitos que constituem objecto do processo relativamente ao qual foi requerida a referida habilitação.
7ª - Dúvidas parecem não existir que na douta sentença foi claramente ignorado que para existir legitimidade do habilitado, é necessário que o mesmo adquira o direito litigioso.
8ª - Efectivamente, não foi devidamente equacionado na sentença recorrida, a averiguação da aquisição dos direitos litigiosos, a qual constitui "conditio sine qua non" e pressuposto essencial e prévio à verificação da habilitação de adquirente.
9ª - Pelo que, só após se considerar haver efectiva transmissão, do (s) direito (s), se pode proceder à indagação da existência de cumprimento dos remanescentes pressupostos impostos por lei.
10ª - Ademais, como na douta sentença se refere a transmissão operada para os requeridos restringe-se única e exclusivamente ao referido prédio rústico e dela não consta, nem poderia constar, a transmissão dos direitos que se encontram em litígio na acção em que os ora recorrentes figuram como réus, até porque, os mesmos não foram transmitidos naquela escritura.
11ª - Donde se conclui deste modo que, andou mal a decisão recorrida ao não questionar previamente a aquisição pelos habilitados dos direitos que constituem objecto daquela lide.
12ª - E por essa razão, não podem os mesmos considerar-se extensivos aos ora recorrentes os pedidos formulados nas alíneas b), c) e d) da douta p.i, uma vez que não houve transmissão do alegado direito de extrair água do poço, nem do alegado direito de reabrirem o mencionado poço e a colocá-lo nas mesmas condições de largura e profundidade e caudal de água, nem a obrigação dos ora recorrentes, a reconstruírem a casa do motor, instalação eléctrica e reparação da canalização, ou, a obrigação de abrirem outro poço num dos terrenos pertencentes aos autores, com as mesmas características do poço ali existente, ou ainda, na obrigação de pagarem aos autores uma indemnização, caso não procedam os anteriores pedidos.
13ª - Sendo evidente, claramente errónea a pretensão da autora de concluir que do facto de haver transmissão do direito de propriedade sobre o prédio opera automaticamente a transmissão dos outros direitos alegadamente existentes e peticionados na acção sumária supra melhor identificada.
14ª - Na realidade, deveria o Merítíssimo Juiz a quo: Em 1o lugar verificar a transmissão dos direitos em litígio, a qual, como supra se expôs e defende, não ocorreu no caso em concreto; Só após considerar haver efectiva e real transmissão dos mesmos, indagar quanto às questões de tal transmissão, tornar mais difícil a posição dos requeridos no processo.
15ª - Razões pelas quais, através da sentença recorrida não procedeu o Merítíssimo Juiz "a quo" a uma correcta aplicação do direito vigente aos factos.
16ª - Sem prescindir ainda se dirá que, entendeu a douta sentença apelando ao disposto no artigo 271°, n°2, que a "substituição é admitida quando a parte contrária esteja de acordo. "Pelo que na falta de acordo "só deve recusar-se a substituição quando se entenda que a transmissão foi efectuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária. ". Ora,
17ª - Não obstante não terem os ora recorrentes, invocado e transcrito o teor de tal normativo, tal não significa que não se sentissem lesados nos seus interesses com tal "forçada" substituição, como de facto acontece, já que na realidade, na contestação ao requerimento de habilitação, pelos mesmos apresentada, pode ler-se quanto à referida substituição que"inexiste fundamento de facto e jurídico para tal". E que: "do facto de haver transmissão do direito de propriedade sobre o prédio", tal não "opera automaticamente a transmissão dos outros direitos alegadamente existentes e peticionados na acção sumária."
18ª - Sendo certo que também a tal conclusão facilmente se chegaria na análise do caso decidendo.
19ª - Assim, ao contrário do entendimento da douta sentença, os ora recorrentes alegaram que tal transmissão ou cessão tenha sido feita para tornar mais difícil a posição dos requeridos no processo – tal não significa que os mesmos não tivessem tido tal entendimento na douta contestação.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exº Juiz sustentou a decisão questionada, entendendo não ter causado qualquer agravo aos recorrentes.
Este Tribunal da Relação considera que se encontram provados, com interesse relevante para a decisão do mérito do agravo, os seguintes factos:
1 – Na acção principal, os autores pedem a condenação dos réus:
A - A reconhecerem que são donos e possuidores dos prédios identificados nos artigos 1 e 2, desta petição;
B – A reabrirem o mencionado poço e a colocá-lo nas mesmas condições de largura, profundidade e caudal de água, a reconstruírem a casa do motor e instalação eléctrica e a repararem a canalização que destruíram, de modo a que os autores possam extrair a água do poço para rega dos seus prédios. Ou, em alternativa,
C – A abrirem outro poço, num dos terrenos dos autores, com as mesmas características, ou seja, com a largura de quatro metros por doze de profundidade, a construírem nova casa do motor, instalarem a parte eléctrica e repararem a canalização, por si destruída, tudo de modo a que os autores possam continuar a poder regar os seus terrenos como, anteriormente, faziam. Ou
D – Caso os réus não procedam à realização de qualquer das obras anteriores, serem condenados a indemnizar os autores, na quantia de €7911,36, para que estes possam abrir, por sua conta e risco, outro poço, num dos seus prédios, de iguais dimensões, com casa do motor, adquirir a necessária instalação eléctrica e repor a canalização para regar os seus terrenos, como vinham fazendo, sempre acrescida de juros de mora, desde a sua citação até efectivo e integral pagamento – Documento de folhas 76 a 80.
2 – No dia 11 de Janeiro de 2005, C... declarou vender a D...., casado com E..., pelo preço de quinze mil euros, já recebido, o prédio rústico, sito no “Serrado”, freguesia de Fermentelos, concelho de Águeda, a confrontar pelo Norte com Manuel D...., Sul com Maria Júlia Baptista, Nascente com José Pires Gomes e Poente com caminho, inscrito na matriz, sob o artigo 1111, descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda, sob o nº 2379, a favor da vendedora, pela inscrição G-um – Documento de folhas 4 a 7.
3 – A favor de D...., casado com E..., encontra-se inscrita a aquisição do prédio referido em 2 – Documento de folhas 8 a 11.
4 – Em 2003, foi movida a acção principal, por C... e outros contra Vítor Fernando Duarte da Silva e mulher, Maria Adelaide Duarte de Almeida, tendo os requeridos A.... e marido, António Joaquim Pereira da Silva, sido admitidos a intervir, nessa qualidade, por via do incidente de intervenção principal provocada passiva, deduzido na contestação ao pedido de habilitação de adquirente do direito da requerente C... contra D.... e esposa, E... – Documento de folhas 76 a 80.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável, consiste em saber se é admissível a habilitação dos adquirentes de prédio litigioso, em acção de reivindicação movida pelos transmitentes contra os demandados.

DA HABILITAÇÃO DOS ADQUIRENTES DA COISA EM LITÍGIO

Em processo civil, a habilitação tem por objectivo colocar o sucessor no lugar que o falecido ou transmitente ocupava no processo pendente, e certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica em que esta se encontrava.
Tal como vem proposta pela requerente, a habilitação configura-se como incidente de uma causa que corre em juízo, ou seja, segundo a modalidade da habilitação incidental, a que se alude no artigo 371º e seguintes, do CPC, baseada na transmissão da coisa ou direito em litígio.
Dispõe o artigo 371º, nº 1, do CPC, que “a habilitação dos sucessores da parte falecida na pendência da causa, para com eles prosseguirem os termos da demanda, pode ser promovida tanto por qualquer das partes que sobreviverem como por qualquer dos sucessores e deve ser promovida contra as partes sobrevivas e contra os sucessores do falecido que não forem requerentes”, com isto querendo significar que, em processo civil, a habilitação propõe-se como objectivo certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica que esta ocupava.
No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substitui-lo, podendo a habilitação ser promovida, também, pela parte contrária, para além do transmitente ou do adquirente, nos termos das disposições combinadas dos artigos 271º, nº 1 e 376º, nº 2, do CPC.
Trata-se de uma habilitação «inter vivos» que, ao invés do que acontece nas situações de transmissão «mortis causa», se apresenta com carácter facultativo, não sendo, assim, condição «sine qua non» do prosseguimento da causa, pois que, enquanto tal não ocorrer, o transmitente continua a ter legitimidade para a demanda, até ao final do pleito, sendo certo que, por outro lado, a dedução do incidente não susta o andamento da causa principal e da instância Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, 1980, 604..
O adquirente pode ser habilitado como sucessor do alienante, ou deixar de o ser, continuando, neste caso, o transmitente a figurar como parte, ainda que já não tenha interesse na acção, passando, então, à categoria de substituto processual do adquirente ou do cessionário Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, 1946, 74 e ss..
Efectuada que foi a venda do prédio rústico a outrem, pela requerente, na acção de reivindicação, aquela já não tem o mesmo interesse na afirmação do seu direito e na concretização da sua pretensão, porquanto quem agora é portador do interesse principal são os adquirentes do prédio, sofrendo, assim, a relação jurídica substancial, objecto do litígio, uma modificação subjectiva, muito embora a transmitente, enquanto se não operar a habilitação dos seus sucessores, continue a ser parte legítima como autora.
Efectivamente, a partir da data da venda e até ao momento da habilitação, deixa de haver coincidência entre o sujeito activo da relação substancial e o sujeito activo da relação processual, porquanto a requerente já não é titular do direito em litígio, mas continua a ter legitimidade como autora, passando a defender, não o seu próprio interesse, mas o interesse dos adquirentes, agindo em sua substituição processual Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, I, 1980, 370..
Efectivamente, o incidente da habilitação consiste no processo estabelecido por lei para obter a modificação subjectiva da instância, traduzindo-se na substituição de uma das partes, na relação processual, pelo seu ou seus sucessores.
Porém, através da habilitação incidental, a que se reporta o artigo 371º, nº1, do CPC, determina-se quem assume a qualidade jurídica ou a legitimidade substantiva, e não, em rigor, a sua legitimidade «ad causam» para ingressar na lide na posição de parte falecida ou extinta Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 3ª edição, actualizada e ampliada, 2002, 224..
Efectivamente, não é função deste incidente discutir ou definir a legitimidade do habilitando para a causa principal, considerada na acepção genérica consagrada pelo artigo 26º, do CPC, não se apreciando a sua legitimidade, senão como sucessor da parte primitiva, só sendo admitido a ocupar na causa posição idêntica à da pessoa que vai substituir Lopes Cardoso, Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, 1946, 276. .
Ora, uma vez que a sentença de habilitação só pode decidir sobre a qualidade de herdeiro, representante do falecido, adquirente ou cessionário, para que a causa prossiga com eles os seus termos, é, em momento posterior da acção, que o Tribunal se deverá pronunciar sobre a legitimidade para a causa, com base no preceituado pelo artigo 26º, do CPC, sem excluir a chamada à demanda de novos autores ou réus, em conformidade com o estipulado pelos artigos 508º, nº 1, a) e 265º, nº 2, ambos do CPC.
Porém, os agravantes sustentam que os pedidos enunciados nas alíneas b), c) e d), por se encontrarem, umbilicalmente, ligados à pessoa da autora, não foram por esta transmitidos aos habilitados.
Na petição inicial da acção, os autores pedem a condenação dos réus:
A - A reconhecerem que são donos e possuidores dos prédios, identificados nos artigos 1 e 2, desta petição;
B – A reabrirem o poço e a colocá-lo, nas mesmas condições de largura, profundidade e caudal de água, a reconstruírem a casa do motor e a instalação eléctrica e a repararem a canalização que destruíram, de modo a que os autores possam extrair a água do poço para rega dos seus prédios. Ou, em alternativa,
C – A abrirem outro poço, num dos terrenos dos autores, com as mesmas características, ou seja, com a largura de quatro metros por doze de profundidade, a construírem nova casa do motor, instalarem a parte eléctrica e a repararem a canalização, por si destruída, tudo de modo a que os autores possam continuar a poder regar os seus terrenos, como, anteriormente, faziam. Ou,
D – Caso os réus não procedam à realização de qualquer das obras anteriores, serem condenados a indemnizar os autores, na quantia de €7911,36, para que estes possam abrir, por sua conta e risco, outro poço, num dos seus prédios, de iguais dimensões, com casa do motor, adquirir a necessária instalação eléctrica e repor a canalização para rega dos seus terrenos, como vinham fazendo, sempre acrescida de juros de mora, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Efectivamente, são dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação, isto é, o reconhecimento do direito de propriedade e a restituição da coisa.
Trata-se, pois, de uma acção condenatória e não de uma acção de simples apreciação, ou, meramente declarativa, aquela a que se reporta a presente apelação, uma vez que o Tribunal não pode condenar o eventual infractor, sem que antes se certifique da existência e violação do direito do demandante.
O direito de reivindicação é um direito subjectivo, de natureza real e patrimonial, transmissível, quer «inter vivos», quer «mortis causa», insusceptível de perda ou extinção, mesmo quando alienada a titularidade do respectivo bem, dada a sua natureza imprescritível Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/71, 92..
Como assim, sendo de carácter real o direito de reivindicação em exercício na acção principal, tendo o respectivo autor alienado aos adquirentes, na sua pendência, o prédio cuja titularidade o qualificava como sujeito activo da relação substancial, é manifesto que a aludida alienação nunca poderia implicar a privação das faculdades que o direito de propriedade comporta, face à subordinação e inseparabilidade destas em relação à titularidade do prédio.
Com efeito, traduzindo-se o direito de reivindicação numa relação jurídica real, em que a relação intersubjectiva, embora não sendo essencial ao conceito, surge, quase sempre, na sua existência, integram-se, igualmente, no direito real, ou melhor, no seu conteúdo, as posições activa e passiva dessa relação.
Assim sendo, o direito de reivindicação transmite-se com a transferência do direito real correspondente e extingue-se, igualmente, com ele Oliveira Ascensão, Direitos Reais, I, 2ª edição, 1969, AAFDL, 193..
Trata-se, afinal, da consagração do princípio «ius transit cum onere suo», que torna as posições activas ou passivas inerentes ao direito de propriedade inseparáveis dos prédios a que pertencem e se transmitem quando estes se transferem, como acontece, na falta de convenção em contrário, com a cessão de créditos, nos termos do estipulado pelo artigo 582º, nº 1, do Código Civil (CC).
Ora, o direito de reivindicação, conferido pelo artigo 1311º, do CC, funcionando como acessório do direito de propriedade e sendo inseparável deste, que não da pessoa que, em cada momento, possa ser seu titular, com ele, se transmitido for, se transferirá, igualmente.
Não obstante os agravantes não estarem de acordo com a habilitação deduzida, a substituição só deveria ser recusada, em conformidade com o que resulta do artigo 271º, nº 2, do CPC, quando se entenda que a transmissão foi efectuada para tornar mais difícil, no processo, a posição da parte contrária, sendo, pois, indispensável que se apure ter a transmissão sido feita para se obter esse resultado, que obedeceu a um propósito malicioso, ou seja, de criar embaraços ao adversário e fazê-lo sucumbir.
Porém, o Juiz só pode negar a substituição, com base no agravamento da posição da parte contrária, quando esta o alegue e com fundamento nele se oponha à habilitação Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3º, 1946, 79 e 80..
Porém, não só os agravantes não alegaram, na contestação, que a apresentação do incidente da habilitação teve como propósito dificultar a posição processual daqueles, o que constitui agora uma questão nova vertida nas conclusões das alegações, e porque, também, não constitui matéria indisponível, encontra-se vedada ao conhecimento do Tribunal da Relação, por força do preceituado pelos artigos 660º, nº 2, 664º e 684º, nºs 2 e 3, do CPC STJ, de 2-2-88, BMJ, nº 374, 449; de 14-10-86, BMJ nº 360, 526; de 16-7-81, BMJ, nº 309, 283. , como, também, não ficou demonstrado que tenha existido esse objectivo fraudulento, através da dedução da habilitação.
Não colhem, assim, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações dos agravantes.

CONCLUSÕES:

I – A habilitação tem por objectivo colocar o sucessor no lugar que o falecido ou transmitente ocupava no processo pendente, e certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica em que esta se encontrava.
II - No caso de transmissão, por acto entre vivos, da coisa ou direito litigioso, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa, até ao final do pleito, ainda que já não tenha interesse na acção, passando, então, à categoria de substituto processual do adquirente ou do cessionário, enquanto estes não forem, por meio de habilitação, com carácter facultativo, admitidos a substitui-lo, a qual não susta o andamento da causa principal e da instância, ao invés do que acontece nas situações de transmissão «mortis causa».
III – A partir da data da venda do prédio a outrem e até ao momento da habilitação, deixa de haver coincidência entre o sujeito activo da relação substancial e o sujeito activo da relação processual, porquanto o requerente já não é titular do direito em litígio, mas continua a ter legitimidade como autor, passando a defender, não o seu próprio interesse, mas o interesse dos adquirentes, agindo em sua substituição processual.
IV – Funcionando o direito de reivindicação como acessório do direito de propriedade e sendo subordinado e inseparável deste, que não da pessoa que, em cada momento, possa ser seu titular, as faculdades que este comporta, em relação à titularidade do prédio, transmitem-se com a transferência do direito real correspondente e extinguem-se, igualmente, com ele.
V – A substituição resultante da habilitação só dever ser recusada, quando a parte contrária alegue como fundamento que a transmissão foi efectuada para obter o resultado de tornar mais difícil, no processo, a sua posição, que obedeceu a um propósito malicioso de lhe criar embaraços e fazê-la sucumbir.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar não provido o agravo e, em consequência, em confirmar a douta decisão recorrida.

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Custas, a cargo dos agravantes.