Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
386/07.6GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO
QUEIXA
Data do Acordão: 11/11/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 113º, 6, 115º, 2 ,178º CP
Sumário: 1. O Ministério Público para dar início ao procedimento por crime de violação no regime vigente até 2007 e fora dos casos específicos em que estivesse em causa o suicídio ou morte da vitima, teria de ponderar e justificar a sua intervenção numa esfera que o legislador entendia como estando na disponibilidade dos próprios titulares dos interesses em causa.
2. Estando em causa situação fáctica ocorrida em 2005, um crime dependente de queixa, o exercício desta deveria, face ao regime legal vigente, ser concretizado no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tivesse tido conhecimento dos factos – artigo 113º n.º 1 e 115º n.º 1 do C. Penal, na redacção deste Código até à Lei nº 59/2007
3. Situação diversa acontece actualmente, quando estão em causa crimes cometidos contra menores de 18 anos e o direito de queixa não for exercido nos termos do artigo 113º n.º 6, possibilitando-se o exercício da queixa nos seis meses subsequentes à data em que o ofendido fizer 18 anos, nos termos do artigo 115º n.º 2, matéria que foi introduzida apenas com a nova versão da Lei.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
No processo Comum n.º 386/07.6GCVIS.C1 foi julgado o arguido J... tendo sido decidido: a) absolver o arguido da prática do crime de coação sexual de que vinha acusado; b) julgar o arguido autor de um crime de violação agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.º 2, b), 23.º, nºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, a) e b), 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal e de um crime de coacção sexual agravado previsto e punido pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal e, consequentemente, condená-lo na pena unitária de três (3) anos e dois (2) meses prisão. Tal pena de prisão foi suspensa na sua execução pelo período de três anos e dois meses, subordinada à condição de o arguido proceder ao pagamento da indemnização arbitrada à menor A..., no prazo de um ano, a contar do trânsito em julgado, através de depósito em conta bancária titulada pela menor com administração do director da instituição onde a menor se encontra acolhida, devendo fazer prova disso nos autos, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, a determinar pelos competentes serviços de reinserção social.
O arguido foi ainda condenado em taxa de justiça que se fixou em seis UCs e nas custas do processo, fixando-se a procuradoria em metade da taxa de justiça devida, e ainda na importância equi­va­lente a 1% da taxa de justiça devida. O arguido foi também condenado na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido por B..., em representação da sua filha menor A…, no pagamento da quantia de 12.500 € (doze mil e quinhentos euros) e nas custas do pedido de indemnização civil na proporção do respectivo decaimento.

Não se conformando com a decisão o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos:
«1. O Ministério Público carece de legitimidade processual para instaurar e acompanhar a acção penal quanto ao crime de violação na forma tentada, uma vez que não foi apresentada qualquer queixa, nomeadamente nos seis meses subsequentes à prática dos factos;
2. E se na altura vigorava a redacção anterior ao artigo 178º n.º 4 do Código Penal que permitia ao Ministério Público exercer a acção penal no caso de julgar de relevante interesse para a menor, essa apreciação é da exclusiva competência do Ministério Público, não podendo o Tribunal substituir-se-lhe em tal apreciação.
3. Mas ainda que o julgador pudesse assumir tal competência, não justificou em que medida considerava o prosseguimento da acção penal de relevante interesse para a menor – limitando-se a valorizar que de outro modo se verificaria uma situação de chocante impunidade – Deste modo,
4. A decisão sempre seria nula por falta de fundamentos factuais e legais.
5. Mas acresce que o n.º 4 do artigo 178º foi eliminado na actual redacção da disposição, beneficiando por isso e de imediato o recorrente. Posto o que,
6) Deverá ser, sem mais, arquivado o procedimento nesta parte.
7) De qualquer modo, quer quanto a este crime quer quanto ao de coacção sexual agravada deverá dar-se como não provada toda a factualidade fixada integradora do referido crime, uma vez que houve uma errada apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal que, além do mais, não analisou como lhe competia o significado e os efeitos do documento de fls 2 a 5.
8) Verificando-se ainda uma contradição insanável na fundamentação na medida em que se invoca como fundamento das respostas os depoimentos das testemunhas M..., P... e D..., que contrariam a matéria fixada pelo Tribunal.
9) E mesmo que assim não se entendesse, teria sempre de se considerar haver erro notório na apreciação da prova daquela factualidade.
10) Do mesmo modo, a matéria relativa ao pedido de indemnização cível fica prejudicada, mas de qualquer modo sempre teria de se considerar, aliás em consonância com o que fica alegado que, além de não subsistirem quaisquer factos dos imputados ao recorrente, nada há no comportamento nem na personalidade da A... que demonstre ter sido minimamente afectada.
11) Decidindo de modo diferente, designadamente na apreciação do depoimento da testemunha C..., o Tribunal cometeu também aqui um erro notório na apreciação da prova.
12) Violou o Tribunal o disposto no artigo 178º, quer na redacção anterior que na redacção actual do Código penal e artigo 410º nº 2 do CPPenal.»

Em resposta ao recurso, o Ministério Público acompanha o recorrente quanto à questão da falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal pelo crime de violação sob a forma tentada, mas propugna pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação apôs apenas um visto.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Face às alegações de recurso apresentadas, maxime às suas conclusões, são essencialmente duas questões que estão em apreciação: a) a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal quanto ao crime que o arguido veio a ser condenado; b) a matéria de facto provada, envolvendo um eventual contradição insanável na fundamentação e erro na apreciação da prova.
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Importa, antes de tudo atentar nos factos provados e na fundamentação da sentença recorrida:
«A menor A…e nasceu em 9 de Junho de 1992.
Em data indeterminada do ano de 2005, situada entre os meses de Março e Junho, a menor A... dirigiu-se à oficina do arguido, sita em C…, a fim de ir buscar um motor de rega que o arguido tinha para arranjar, a pedido de sua mãe.
Aqui, uma vez sozinho com a menor, o arguido ofereceu-lhe um telemóvel, propondo-lhe que entrasse no escritório.
Como a menor não entrasse, o arguido agarrou-a e amarrou-lhe as mãos, após o que a conduziu à força para o interior do escritório, tendo, de seguida, fechado a porta de tal compartimento com a chave.
Então, após ter desamarrado a menor, mesmo com a resistência desta, o arguido baixou-lhe as calças e as cuecas que ficaram no chão.
De seguida, o arguido foi-se despindo, baixando também as suas calças, após o que exibiu à menor o pénis erecto e pegou nela ao colo, tentando abrir-lhe as pernas de forma a puder introduzir-lhe o pénis na vagina, enquanto a menor se debatia.
Entretanto, surgiu à entrada da oficina, vinda da rua, a mãe da menor A..., a qual chamou por esta e dirigiu-se ao escritório onde se encontravam a filha e o arguido, tendo ainda deparado com as peças de roupa da menor no chão, após a porta ter sido aberta pelo arguido.
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Durante o período compreendido entre 2005 e meados de 2007, quando encontrava a menor sozinha, o arguido propunha-lhe a deslocação para um barracão abandonado, o que a menor recusava.
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Em data indeterminada situada por volta do mês de Maio de 2007, à noite, em Teivas, o arguido surpreendeu a menor, agarrando-a com os braços e apalpou-a nos seios, dizendo-lhe para ir ter com ele a um barracão abandonado situado próximo da escola, tendo nessa ocasião a menor conseguido libertar-se e colocar-se em fuga em direcção a casa.
A menor relatou à mãe estes factos pois tinha sido surpreendida por M… que passava no local e viu a menor e o arguido na escuridão junto à taberna, em Teivas.
O arguido tinha pleno conhecimento da idade da menor, sendo certo que se relacionava com a mãe da menor e vivia no povoado próximo, circunstância de que se aproveitou.
Agiu sempre com o propósito de, dessa forma, satisfazer os seus instintos libidinosos bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, podia prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da menor na sua esfera sexual como a limitava na sua liberdade de autodeterminação sexual.
Em ambas as ocasiões agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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A menor A..., com medo de encontrar o arguido, recusava-se a ir à escola, dizendo mesmo à mãe que tinha medo que “ele” aparecesse, fechava-se em casa e pedia à mãe para não lhe pedir para ir “à venda” buscar o que quer que fosse.
O arguido, por diversas vezes, estacionou a sua carrinha junto da porta de casa da menor pelo que esta comentava com a mãe “vês tem ali a carrinha, anda a seguir-me não saio de casa”.
A menor acordava durante a noite a chorar com pesadelos.
A menor encontra-se presentemente no Lar de Crianças e Jovens da Santa Casa da Misericórdia em Resende onde, ao que tudo indica, permanecerá até aos 18 anos.
O arguido vive com a esposa e com uma filha já maior que trabalha.
Vivem em casa própria não acabada.
A esposa explora um bar e um posto de abastecimento de combustível.
Em finais de 2005 o arguido fechou a sua oficina.
Trabalhou durante cerca de três anos numa firma de alumínios.
Auferia o vencimento mensal de 450 euros.
Saiu dessa firma em Janeiro de 2009.
Actualmente dedica-se à agricultura.
Em nome do arguido encontram-se registados os veículos automóveis identificados a fls. 30 e 31 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
O arguido encontra-se bem inserido social e profissionalmente.
Não tem ninguém a seu cargo.
Possui como habilitações escolares a 4ª classe.
Não tem antecedentes criminais.

O Tribunal entendeu que não se provaram outros factos nomeadamente que
«- o arguido tivesse proposto à menor que entrasse na oficina a pretexto de dar-lhe um telemóvel;
- a menor não entrasse na oficina e o arguido a agarrasse e conduzisse à força para o seu interior;
- uma vez no escritório, o arguido amarrasse as mãos da menor com uma corda para a manter imobilizada e sem resistir;
- a mãe da menor A... ouvisse a filha chorar;
- no decurso do ano de 2006, o arguido agarrasse e apalpasse as mamas e o rabo da menor A...;
- face à recusa da menor e para que os factos não fossem conhecidos do público e dos familiares da menor, o arguido lhe dissesse que se contasse a alguém lhe batia;
- tal impedisse a menor, por mais de dois anos, de revelar a quem quer que fosse o sucedido, receosa de que o arguido concretizasse o mal anunciado;
- o arguido se encontrasse dentro da sua carrinha quando surpreendeu a menor em data indeterminada situada por meados de Maio de 2007;
- o arguido, nessa ocasião, apalpasse a menor no rabo;
- o arguido dissesse à menor para ir ter com ele a um barracão abandonado situado próximo da taberna;
- a menor contasse à mãe: “ele quer vir-me buscar aos sábados e feriados para fazer amor comigo”;
- a menor nunca contasse nada a ninguém sob ameaça de que o arguido lhe bateria;
- a menor dissesse que só se queria matar;
- o comportamento do arguido afectasse a menor no seu desenvolvimento psíquico e físico;
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Para motivar a sua decisão o Tribunal refere o seguinte:
A) «Factos provados:
A convicção do colectivo de Juízes que constituem este Tribunal quanto à matéria de facto provada assenta na apreciação, articulação e análise crítica dos vários elementos de prova, à luz dos critérios da experiência comum, quer os constantes dos autos discutidos em audiência quer as declarações prestadas pela assistente B... quer o depoimento prestado pela menor A… e os depoimentos prestados pelas testemunhas, com destaque para:
- o depoimento prestado pela menor A…, a qual descreveu, de forma lógica e coerente e com uma pormenorização razoável, atenta alguma limitação intelectual que lhe foi reconhecida na audiência de julgamento, os actos de que foi vítima e as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que tiveram lugar desde o episódio ocorrido na oficina do arguido, onde se deslocou, a pedido da mãe, para ir buscar um motor de rega, até à situação verificada junto da taberna em que o arguido, agarrando-a com os braços e apalpando-lhe os seios, a convidou para ir ter com ele a um barracão abandonado situado próximo da escola, acrescentando que, nessa ocasião, passou no local a prima M... que a viu ao pé do arguido, sendo certo que, como ofendida que é, demonstrou um conhecimento directo dos factos;
- as declarações prestadas pela assistente B..., mãe da menor A..., a qual referiu as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foi encontrar a menor com o arguido, no escritório da oficina deste, após se ter cruzado com a testemunha P... que lhe disse que a garota estava para lá, assim como esclareceu que a porta da entrada da oficina estava encostada, entrou, deu alguns passos e como não viu ninguém berrou pelo arguido e perguntou-lhe pela filha, acrescentando que o arguido demorou algum tempo, talvez dois ou três minutos, a abrir a porta do escritório, precisou que ouviu qualquer coisa a rodar na porta, assim como referiu que a filha estava sentada em cima da secretária, despida da cintura para baixo, com a roupa no chão, tendo visto o arguido a puxar as calças acima e a empurrar a roupa para o lado onde estava a menor;
- o depoimento prestado pela testemunha M…, prima da menor por afinidade, a qual referiu que, numa determinada altura que situou em finais de Abril de 2007, no decurso de uma caminhada pela aldeia, já depois das 9 horas da noite, avistou dois vultos ao pé da taberna a falar, que identificou como sendo o arguido e a menor A..., acrescentando que, ao aproximar-se, o arguido entrou para a taberna enquanto a menor caminhou em direcção à casa dela, passando por si, assim como referiu que a menor não lhe disse nada mas pareceu assustada e que contou o sucedido à sua cunhada que é tia dela;
- o depoimento prestado pela testemunha C…, Psicóloga, a exercer funções no Lar de Crianças e Jovens da Santa Casa de Misericórdia de …, a qual referiu que a menor A..., que entrou para a instituição em 2007, apresenta um ligeiro défice cognitivo de acordo com a avaliação efectuada, tendo uma idade mental equivalente a um criança de 7 anos de idade, acrescentando que a menor não denota que tenha ficado afectada pela situação sobre a qual falou abertamente cerca de dois meses após ter entrado para a instituição;
- o depoimento prestado pela testemunha G…s, tia da A..., a qual referiu que a sua cunhada (testemunha M...) alertou-a dizendo-lhe que tinha visto a menor no escuro com o arguido na sequência do que avisou a sua mãe que avisou a sua irmã (mãe da menor);
- o depoimento prestado pela testemunha D…, dono de um estabelecimento de mini-mercado e taberna denominado “o Silva”, conhecido por “venda”, situado a cerca de 100 metros da casa da menor, a qual referiu que o arguido era seu cliente, embora não fosse diário, assim como referiu que a menor A... ia lá de vez em quando buscar sumos e vinho, acrescentando que tanto ia de noite como de dia;
- o depoimento prestado pela testemunha P..., a qual referiu que numa determinada altura, que situou entre Março/Abril de 2005, dirigiu-se à oficina do arguido onde encontrou a menor A... e o arguido, assim como referiu que o arguido estava a compor um motor e que a menor ficou na oficina quando se veio embora, acrescentando que, a cerca de 70/80 metros, encontrou a mãe da menor que lhe perguntou por ela, ao que respondeu que ela estava na oficina do arguido;
- o exame dos documentos constantes dos autos, designadamente o resultado da pesquisa de veículos efectuada junto da Conservatória do Registo Automóvel que consta de fls. 30 a 31 e a certidão do assento de nascimento da menor A… que consta de fls. 351 a 352
Relativamente à matéria atinente ao pedido de indemnização cível a convicção do Tribunal baseou-se, para além das declarações prestadas pela menor A..., nas declarações prestadas pela mãe, a assistente B..., assim como no depoimento prestado pela testemunha C…, as quais demonstraram conhecimento dos factos, dadas as mencionadas relações de parentesco e profissionais, não infirmado por qualquer forma.
No que respeita às condições pessoais e económicas do arguido tiveram-se em consideração as suas declarações acerca desta matéria prestadas em audiência de julgamento conjugadas com os depoimentos prestados pelas testemunhas JC… e AP…, amigos do arguido, MP…, primo do arguido por afinidade, LM…, filha do arguido, MI…, filha do arguido, IR…, esposa do arguido, as quais demonstraram conhecimento dos factos, dadas as suas relações de amizade e familiares com o arguido, assim como o resultado da pesquisa de fls. 30 a 31.
Quanto aos antecedentes criminais do arguido considerou-se o que resulta da pesquisa do respectivo certificado de registo criminal (fls. 75).
B) Factos não provados:
A convicção do colectivo de Juízes que constituem este Tribunal quanto aos factos considerados como não provados resulta de uma falta de prova em face da conjugação e análise da prova produzida nos termos supra expostos salientando-se que a menor não referiu com a segurança necessária qualquer acto praticado pelo arguido no decurso do ano de 2006, assim como também não aludiu a qualquer ameaça por parte deste, tendo, por outro lado, referido que, ao chegar a casa, contou à mãe o episódio passado junto à taberna, o que foi confirmado por esta.
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Vejamos as questões a decidir.
a) Questão da legitimidade do Ministério Público para dar início ao procedimento
O arguido foi acusado, julgado e condenado, entre outros pelo crime de violação agravada, sob a forma tentada, p.p. pelos artigos 22º, 73º, 164º n. 1 e 177º n.º 4 do CP, na redacção anterior à Lei n.º 59/2007, ocorrido «em data indeterminada do ano de 2005, situada entre os meses de Março e Junho», na pessoa da menor A..., nascida em 9 de Junho de 1992, ou seja quando a menor tinha, à data dos factos, 13 anos.
O procedimento criminal pelo crime imputado, como decorria do regime legal então vigente, dependia na altura de queixa, com excepção dos casos em que resultasse suicídio ou morte da vítima ou quando o crime fosse praticado contra menor de 14 anos e o agente «tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo» - cf. artigo 178º nº 1, na versão decorrente da Lei n.º 29/2001 de 25 de Agosto.
O regime então fixado, sustentado no princípio de que os bens jurídicos em causa – liberdade e autodeterminação sexual - seriam tutelados apenas pelas razões que cada um no âmbito da sua vida pessoal assim entendesse, abria uma «válvula de segurança» à tutela dos interesses das vítimas a cargo do Estado, representado pelo Ministério Público, quando estivessem e causa os crimes referidos no nº 1 do artigo 178º praticados contra menor de 16 anos.
Nesses casos e só nesses atribuía-se ao Ministério Público a possibilidade de «dar inicio ao procedimento se o interesse da vítima o impuser». Tratava-se de um poder-dever atribuído ao MP de ponderar no caso concreto os interesses da vítima e assim iniciar o processo, ou não. O sublinhado interesse da vítima é propositado. O Ministério Público teria, então, que ponderar e justificar o interesse da vítima (menor de 16 anos) e só este para iniciar o procedimento. O que se compreende face à opção legislativa então vigente, tendo em conta a eventual vontade dos interesses da vítima serem melhor protegidos se fosse outra a solução decorrente da vontade de quem a representa legalmente, face à situação concreta que no caso se afigurasse mais conforme com esse interesse.
Sublinhe-se que então não estava em causa qualquer interesse público, mas apenas o interesse da vítima (o que era evidente após a reforma de 1998, decorrente da Lei n.º 65/98 de 2 de Setembro que veio substituir o «interesse público» pelo interesse da vítima (sobre isto cf. José Mouraz Lopes, Os Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no Código penal, 3ª edição, Coimbra, 2001, p. 121).
O que se quer referir é que o MP, no regime vigente até 2007 e fora dos casos específicos em que estivesse em causa o suicídio ou morte da vitima ou o agente do crime fosse uma das pessoas referidas no n.º 1 alínea b), teria de ponderar e justificar a sua intervenção numa esfera que o legislador entendia como estando na disponibilidade dos próprios titulares dos interesses em causa.
Justificação que obviamente consistia na alegação das razões que no caso concreto entendesse serem de consubstanciar a derrogação ao regime legal vigente.
Ora no caso em apreço temos que o inquérito foi iniciado com base na denuncia da mãe da menor efectuada em 16 de Maio de 2007 (fls 3) e, instaurado inquérito subsequente, referia-se tanto aos factos ocorridos em Maio de 2007, como aos factos agora em causa, ocorridos dois anos antes. Tais factos, ocorridos em 2005, não foram objecto de denúncia pela representante da menor nessa altura porque, segundo a própria denunciante, «nessa altura não denunciou porque o acusado disse estar embriagado e que não voltava a acontecer». Na mesma denuncia, a mãe da menor refere explicitamente «desejar procedimento criminal» ( fls. 4 e 5), desejo que reafirmou em declarações prestadas algum tempo depois (fls. 25).
Estando em causa, na situação fáctica ocorrida em 2005, um crime dependente de queixa, o exercício desta deveria, face ao regime legal vigente, ser concretizado no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tivesse tido conhecimento dos factos – artigo 113º n.º 1 e 115º n.º 1 do C. Penal, na redacção deste Código até à Lei nº 59/2007 (Situação diversa acontece actualmente, quando estão em causa crimes cometidos contra menores de 18 anos e o direito de queixa não for exercido nos termos do artigo 113º n.º 6, possibilitando-se o exercício da queixa nos seis meses subsequentes à data em que o ofendido fizer 18 anos, nos termos do artigo 115º n.º 2, matéria que foi introduzida apenas com a nova versão da Lei).
Ora não tendo sido exercido tal direito de queixa no período de seis meses após a ocorrência dos factos e o seu conhecimento por parte da mãe da menor (que refere expressamente que deles teve conhecimento na data em que ocorreram), nem se encontrando justificada a intervenção do Ministério Público no sentido de dar inicio ao procedimento por aqueles factos sustentada no interesse da vitima, devidamente apoiada em razões concretas, não pode ser outra a conclusão de que faltando no caso legitimidade ao Ministério Público para suprir o pressuposto positivo da punição que é configurado pela queixa, não efectuada tempestivamente por quem tinha legitimidade para tal, soçobra totalmente a acusação relativa a estes factos, por falta de um pressuposto processual.
Sublinhe-se que o papel do Ministério Público, nesta matéria, para além de exigir sempre uma opção justificada, não pode ser suprido pelo Tribunal, sob pena de ser a própria estrutura acusatória do processo a ser posta em causa.
Aqui, na estrutura acusatória, o juiz julga e garante os direitos fundamentais. Uma diferente magistratura, dotada de autonomia, exerce a acção penal.
Não pode o juiz assumir funções de julgamento e simultaneamente ser aquele que exerce a acção penal, nessa medida defendendo os interesses que o próprio Estado, no seu sentido amplo, quer salvaguardar.
Assim quanto aos factos em causa, faltando um requisito essencial para o seu procedimento, os mesmos têm que ser, necessariamente, arquivados.
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b) Contradição insanável na fundamentação e erro na apreciação da prova (em relação aos factos constantes na matéria de facto da sentença referentes a Maio de 2007).
Decorre do disposto no art. 428.º, n.º 1, que as relações conhecem de facto e de direito, sendo que, segundo o art. 431.º “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por sua vez e de acordo com o art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” Ou seja o recorrente deve indicar a) os factos impugnados; b) a prova de que se pretende fazer valer; c) identificar ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
Vale a pena sublinhar que é jurisprudência uniforme que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – vejam-se os Ac. do STJ de 16.6.2005, Recurso n.º 1577/05), e de 22. 6. 2006 do mesmo Tribunal.
Enquadrado normativamente a possibilidade legal de conhecer do recurso sobre a matéria de facto, vejamos se, no caso de verifica a alegada Contradição insanável na fundamentação.
É jurisprudência pacífica a praticamente uniforme que a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no artigo 410º n.º 2 alínea b), consubstancia a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. Trata-se como se sabe, de vícios que têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência.
Ora a análise da decisão proferida no Tribunal ad quo não permite visualizar a existência de qualquer vício sustentado na contradição insanável da fundamentação (e de todo, entre a fundamentação e a decisão), nomeadamente «quando se invoca como fundamento das respostas os depoimentos das testemunhas M..., P… e D…, que contrariam a matéria fixada pelo Tribunal».
Desde já se diga que estão em causa apenas os factos ocorridos em 2007 e por isso não faz sentido alegar o depoimento da testemunha P... que apenas respondeu a factos referentes à situação ocorrida em 2005.
Quanto aos outros depoimentos em que se fundou o Tribunal - M... e D... - o tribunal refere que foram depoimentos em que se sustentou para numa apreciação global da prova sustentar a sua decisão, nomeadamente no caso da testemunha testemunha M…, ter referido «que, numa determinada altura que situou em finais de Abril de 2007, no decurso de uma caminhada pela aldeia, já depois das 9 horas da noite, avistou dois vultos ao pé da taberna a falar, que identificou como sendo o arguido e a menor A..., acrescentando que, ao aproximar-se, o arguido entrou para a taberna enquanto a menor caminhou em direcção à casa dela, passando por si, assim como referiu que a menor não lhe disse nada mas pareceu assustada e que contou o sucedido à sua cunhada que é tia dela». Quanto ao depoimento da testemunha D…, «dono de um estabelecimento de mini-mercado e taberna denominado “o S…”, conhecido por “venda”, situado a cerca de 100 metros da casa da menor, a qual referiu que o arguido era seu cliente, embora não fosse diário, assim como referiu que a menor A... ia lá de vez em quando buscar sumos e vinho, acrescentando que tanto ia de noite como de dia».
Estes depoimentos foram, conjuntamente com os depoimentos da vítima, da sua mãe e da testemunha G... aqueles sobre os quais o Tribunal sustentou a sua decisão.
Trata-se de depoimentos que não configuram prova directa, no sentido de prova que evidencia imediatamente a ocorrência do facto. Nem por isso, no entanto, são depoimentos menos importantes para o Tribunal valorar a sua decisão em determinados tipos de casos, nomeadamente nas situações onde não há prova directa – que não era o caso – ou onde a prova directa deve ser conjugada com outras provas que permitam infirmar ou confirmar a referida prova, face a situações se questiona a falibilidade da prova directa, nomeadamente testemunhal.
O Tribunal tomou uma decisão fundada nas provas que entendeu valorar, ao abrigo do artigo 127º do CPP.
O Tribunal valorou, no caso, a prova produzida na sua globalidade e fê-lo de uma forma cuidadosa, no que respeita às declarações da vítima, levando em consideração de uma forma inequívoca as particularidades da personalidade da própria menor. Na fundamentação o Tribunal reconhece que leva em consideração o seu depoimento, atenta alguma limitação intelectual que lhe foi reconhecida na audiência de julgamento. Nesse sentido a utilização dos depoimentos das testemunhas José da Costa e M... (sobretudo esta última), mesmo configurando-se como prova indirecta, afiguraram-se úteis para uma melhor compreensibilidade da situação e sobretudo para valorar e sedimentar os depoimentos da menor, vitima do crime (cf. neste sentido o AC. desta Relação de 9-3-2005, in CJ, 2005 T.I p. 36, referindo que «nos crimes sexuais o depoimento da vítima quando credível e corroborado em aspectos periféricos por outros meios de prova, pode fundamentar uma condenação»).
Apenas uma ultima referência quanto à não valoração pelo Tribunal de um documento que consta a fls 2 a 5.
Importa sublinhar, para que não fique dúvidas que tal documento é uma informação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de Viseu, assinado por uma técnica, em que entre outras referências de diz que «No dia 9/5/2007 recebeu-se informação da Escola Básica do 2º e 3º Ciclos de … no sentido da A... estar a ser objecto de grande preocupação devido a comportamentos desviantes e práticas sexuais com vários parceiros da sua comunidade e da sua idade. Existem ainda relatos confirmados pela própria de que será alvo de assédio sexual por parte de um elemento adulto da sua comunidade (o Sr. …. que é mecânico em T…».
Ora este documento constituiu uma denúncia efectuada pela Comissão de Crianças e Jovens ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Viseu que deu origem a um inquérito que foi incorporado nos autos e que deu origem à acusação. Nada mais. Nesse sentido não se percebe aliás qual o sentido da «importação» do que é referido no mesmo documento para o recurso e sobretudo que o facto de o mesmo não ter sido analisado consubstancia uma errada apreciação da matéria de facto.
Ou seja não há qualquer contradição insanável na fundamentação que possibilite efectuar o juízo formulado pelo recorrente.
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Erro na apreciação da prova.
Importa antes de mais efectuar a distinção entre o erro notório na apreciação da prova, a que se alude no artigo 410º n.º 2 do CPP, e que decorre de um vício que tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras de experiência (cf. Ac. STJ 17 de Março de 2004), com o erro de julgamento que está em causa quando o tribunal considera provado determinado facto, sem que tivesse sido feita prova do mesmo e como tal deveria ter sido considerado como não provado; ou quando se dá como não provado um facto, que em face da prova produzida, deveria ter antes ter sido considerado provado – cf. sobre a distinção os AC. STJ de 20 de Abril de 2006
A questão suscitada pelo recorrente, enquadra-se no âmbito do erro de julgamento, sendo por isso nesta perspectiva que se irá abordar o recurso quanto aos factos ocorridos em Maio de 2007, em que estão em causa os depoimentos das testemunhas D... e MA… que, segundo o recorrente contrariam o depoimento da menor.
Ouvidos os depoimentos – que, igualmente se encontram transcritos – desde já se refere que só a não compreensibilidade do modo de testemunhar em audiência em relação a factos envolvendo crimes sexuais e, especificamente, menores com notórios atrasos de desenvolvimento permitem concluir pelo erro de julgamento suscitado.
O que se quer dizer, resultante da prática e sustentado na dogmática, é que é preciso estar atento ao modo de produção de prova por declarações no âmbito dos crimes sexuais e sobretudo no âmbito de crimes sexuais envolvendo menores, mas nem por isso fazer «tábua rasa» destes depoimentos perante a existência de «micro contradições» que se constatam, em regra nesses depoimentos, quando por vezes são confrontados com factos muito precisos.
Vejamos. Do depoimento da menor resulta claro, pese embora os constrangimentos decorrentes quer do crime me causa, quer da sua idade quer sobretudo do seu atraso de desenvolvimento (que o tribunal sublinhou!), que o arguido em determinado dia, agarrou-a por um barco e «apalpou-lhe as mamas».
Conforme sublinha o Exmo. Procurador nas suas contra-alegações o depoimento da arguida «numa coisa foi segura: é que em data indeterminada, à noite em T…, o arguido a surpreendeu, agarrando-a com os braços e apalpando-lhe os seios, dizendo-lhe para ir ter com ele a um barracão abandonado, tendo nessa ocasião a menor conseguido libertar-se e colocar-se em fuga em direcção a casa; e que nessa ocasião passou nas imediações da sua prima».
Nesse mesmo dia e no local a menor foi vista pela testemunha (sua prima) junto de um vulto, tendo esta estranhado o comportamento da menor e referiu esse facto a uma tia. Tais factos não estão em causa e não podem ser postos em causa porque resultam dos depoimentos da menor (onde são evidentes e notórias algumas dificuldades de expressão mas que não retiram credibilidade ao que disse) e da testemunha M…. Se os mesmos ocorreram ou não perto de uns caixotes do lixo (e aqui estará a eventual «micro-contradição») com mais ou menos luminosidade, tal não se afigura assumir a relevância que o recorrente lhe quer dar.
Os factos essenciais que configuram a prática do crime estão suficientemente demonstrados e foram claramente justificados na sentença.
Não há assim qualquer erro de julgamento quanto a estes factos.
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Quanto ao pedido cível o recorrente alega a existência de erro notório na apreciação da prova referente ao depoimento da testemunha C... que segundo o recorrente não permite concluir que os factos tenham tido as consequências na personalidade da menor.
Sobre esta matéria importa referir que o Tribunal deu como provado o seguinte: A menor A..., com medo de encontrar o arguido, recusava-se a ir à escola, dizendo mesmo à mãe que tinha medo que “ele” aparecesse, fechava-se em casa e pedia à mãe para não lhe pedir para ir “à venda” buscar o que quer que fosse(…).A menor acordava durante a noite a chorar com pesadelos».
Para sustentar esta factualidade o «Tribunal fundou a sua convicção relativamente à matéria atinente ao pedido de indemnização cível a convicção do Tribunal baseou-se, para além das declarações prestadas pela menor A..., nas declarações prestadas pela mãe, a assistente B..., assim como no depoimento prestado pela testemunha C…, as quais demonstraram conhecimento dos factos, dadas as mencionadas relações de parentesco e profissionais, não infirmado por qualquer forma.
Mais uma vez da audição da prova – e do seu registo escrito constante dos autos – não pode, de todo, extrair-se uma conclusão que permita evidenciar a existência de qualquer erro. O Tribunal é muito claro – e está de acordo com todo o depoimento da mãe da vítima e dela própria – quando sustenta a sua decisão, em primeira linha, nos depoimentos da menor e da sua mãe que são evidentes no sentido de demonstrarem no período imediatamente posterior aos factos, qual a situação da menor. O depoimento da testemunha C…, resultante do seu acompanhamento profissional, como técnica psicóloga na instituição onde se encontra actualmente a menor, em nada contraria aqueles depoimentos. Dir-se-ia mais. Antes os reforça. Como é absolutamente evidente ao longo de todo o depoimento quer da menor quer da sua mãe, é notório que pese embora as suas dificuldades cognitivas – reflectidas na forma como se exprimem – aqueles depoimentos são muito expressivos quanto às consequências do acto na personalidade da menor, em termos de receio e temor perante o arguido. O depoimento da testemunha C... assente em factos resultantes da sua actividade profissional de acompanhamento da menor, não pode ser cindido nas suas frases. É muito claro quando a testemunha diz que «ela andava muito ansiosa» e «mas é assim por ter um atraso mental ela também não consegue atribuir um cariz negativo a toda esta situação que lhe aconteceu».
Ou seja e para concluir não se verifica qualquer erro de julgamento no caso da factualidade referente ao pedido cível.
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Em face do que se decidiu importa por isso eliminar da matéria de facto toda a factualidade ocorrida em 2005 e fixar a matéria de facto provada nos seguintes termos:
«A menor A… nasceu em 9 de Junho de 1992.
Durante o período compreendido entre 2005 e meados de 2007, quando encontrava a menor sozinha, o arguido propunha-lhe a deslocação para um barracão abandonado, o que a menor recusava.
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Em data indeterminada situada por volta do mês de Maio de 2007, à noite, em T…, o arguido surpreendeu a menor, agarrando-a com os braços e apalpou-a nos seios, dizendo-lhe para ir ter com ele a um barracão abandonado situado próximo da escola, tendo nessa ocasião a menor conseguido libertar-se e colocar-se em fuga em direcção a casa.
A menor relatou à mãe estes factos pois tinha sido surpreendida por M… que passava no local e viu a menor e o arguido na escuridão junto à taberna, em T… .
O arguido tinha pleno conhecimento da idade da menor, sendo certo que se relacionava com a mãe da menor e vivia no povoado próximo, circunstância de que se aproveitou.
Agiu sempre com o propósito de, dessa forma, satisfazer os seus instintos libidinosos bem sabendo que, ao actuar da forma descrita, podia prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da menor na sua esfera sexual como a limitava na sua liberdade de autodeterminação sexual.
Agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
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A menor A..., com medo de encontrar o arguido, recusava-se a ir à escola, dizendo mesmo à mãe que tinha medo que “ele” aparecesse, fechava-se em casa e pedia à mãe para não lhe pedir para ir “à venda” buscar o que quer que fosse.
O arguido, por diversas vezes, estacionou a sua carrinha junto da porta de casa da menor pelo que esta comentava com a mãe “vês tem ali a carrinha, anda a seguir-me não saio de casa”.
A menor acordava durante a noite a chorar com pesadelos.
A menor encontra-se presentemente no Lar de Crianças e Jovens da Santa Casa da Misericórdia em Resende onde, ao que tudo indica, permanecerá até aos 18 anos.
O arguido vive com a esposa e com uma filha já maior que trabalha.
Vivem em casa própria não acabada.
A esposa explora um bar e um posto de abastecimento de combustível.
Em finais de 2005 o arguido fechou a sua oficina.
Trabalhou durante cerca de três anos numa firma de alumínios.
Auferia o vencimento mensal de 450 euros.
Saiu dessa firma em Janeiro de 2009.
Actualmente dedica-se à agricultura.
Em nome do arguido encontram-se registados os veículos automóveis identificados a fls. 30 e 31 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.
O arguido encontra-se bem inserido social e profissionalmente.
Não tem ninguém a seu cargo.
Possui como habilitações escolares a 4ª classe.
Não tem antecedentes criminais.
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Com base nesta factualidade o arguido constrangeu a menor A... a sofrer actos que devem ser qualificados como actos sexuais de relevo, - apalpou-a nos seios, dizendo-lhe para ir ter com ele a um barracão abandonado situado próximo da escola - tendo, para o efeito, agarrado a menor no que é um manifesto acto de violência, sendo esta imediatamente dirigida à prática, activa ou passiva, de tais actos sexuais de relevo.
Actuou o arguido com consciência e conhecimento da idade da ofendida e com o intuito, conseguido, de satisfazer as suas paixões lascivas. O arguido constituiu-se autor de um crime de coacção sexual agravado previsto e punido pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal com pena de prisão de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses.
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Sobre a medida concreta da pena e analisando a sentença subjudice quanto a esta situação, importa sublinhar que a avaliação global efectuada pelo Tribunal em relação à situação envolveu dois crimes, sendo nestes que sustentou a sua decisão.
Nessa medida embora compreendendo o raciocínio efectuado, a alteração agora decidida impõe uma outra fundamentação da pena concreta, apenas referida a um crime.
Sempre se dirá, como na sentença sub judice, que não se vê motivo para desvalorizar o grau de ilicitude o arguido, tanto mais que não obstante o único acto sexual de relevo em causa pelo qual é agora condenado, isso não omite o facto provado de que o arguido «durante o período compreendido entre 2005 e meados de 2007, quando encontrava a menor sozinha, o arguido propunha-lhe a deslocação para um barracão abandonado, o que a menor recusava». A pressão a que a menor se encontrava ao longo dos anos é claramente um factor agravativo da ilicitude do comportamento do arguido. O comportamento deste não surge do nada nem é um acto intempestivo ou ocasional.
Por outro lado, o modo como o acto ocorreu demonstra inequivocamente uma dose de aproveitamento do arguido perante alguém que não só em termos etários estava em posição desfavorecida como também em termos de desenvolvimento apresentava défices que a tornavam mais vulnerável. Daí que seja elevada a intensidade do dolo na forma de dolo directo.
Conforme também se refere na decisão, a favor do arguido milita a ausência de antecedentes criminais bem como a respectiva situação pessoal e económica – alíneas d) e e) do n.º 2 do citado artigo 71.º.
Não pode igualmente nesta sede omitir-se a grave repercussão social que os factos assumem, sobretudo em meios pequenos como é a comunidade onde se insere o arguido e a vítima, e a necessidade de se criarem também barreiras à vulgarização deste tipo de condutas.
Face a este circunstancialismo afigura-se ajustada, por razoável e equitativa, tendo em conta a moldura penal, aplicar ao arguido a pena de dois (2) anos e seis meses de prisão relativamente ao crime de coação sexual agravado.
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Pelas razões referentes na decisão - O arguido não tem antecedentes criminais sendo este o primeiro contacto com uma instituição de controle social reforçado; Tem 49 anos de idade e encontra-se inserido social e profissionalmente; Tais circunstâncias conjugadas com a existência de condições objectivas de estabilidade que permitem ao arguido opções de vida positiva permitem a conclusão de que aquela ameaça e censura serão suficientes para o afastar da criminalidade; A perspectiva de integração e de socialização de uma pessoa nas condições do arguido aconselham a que a realização de tais finalidades seja procurada em liberdade com acompanhamento por parte dos serviços de reinserção social; Aconselhada, à luz das exigências de socialização, a pena substitutiva de suspensão de pena de prisão, afigura-se-nos que esta não coloca irremediavelmente em causa o conteúdo mínimo de prevenção geral que se impõe como limite das considerações de prevenção especial, sendo capaz de assegurar a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime - é possível formular um juízo de prognose favorável à socialização do arguido.
Pode afirmar-se que a censura do facto e a ameaça da prisão acompanhada de um plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, subordinada esta suspensão à obrigação de pagamento da indemnização devida à menor A…, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, satisfazendo a pena substitutiva de suspensão da execução da prisão, acompanhada de regime de prova e do cumprimento daquela obrigação, a finalidade primordial de restabelecer a confiança comunitária na validade da norma violada e na eficácia do sistema jurídico-penal.
Por esses motivos, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, nºs 1, 2, 3, 4 e 5, 51.º, nºs 1, a) e 2 e 53.º, n.º 3 do Código Penal e 494.º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, suspende-se a execução da pena de prisão, exactamente nos mesmo termos em que foi estabelecida pelo Tribunal, agora restringida no tempo a dois anos e seis meses, apenas se acrescentando que o facto de a menor se encontrar, neste momento, fora da comunidade onde ocorreram os factos é mais um elemento que se pondera para justificar uma suspensão da pena de prisão.
A suspensão será, exactamente como foi decidido em primeira instância, sujeita à obrigação de proceder ao pagamento da indemnização a arbitrar à menor A..., sendo acompanhada de regime de prova, a determinar pelos competentes serviços de reinserção social.

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Quanto ao pedido de indemnização civil.
Face à alteração dos factos e da condenação, dela retirados toda a factualidade ocorrida em 2005, importa que a factualidade que resta provada seja agora enquadrada em termos de indemnização civil por danos não patrimoniais.
O que é dito na sentença e com o qual se concorda inteiramente continua a ser válido, com excepção da dimensão dos factos ocorridos em 2005 em que aquela sentença se sustentava.
Assim, sublinhando-se o que vem dito - «conforme resulta da matéria de facto provada, em consequência da conduta do arguido, a menor A..., com medo de encontrar o arguido, recusava-se a ir à escola, dizendo mesmo à mãe que tinha medo que “ele” aparecesse, fechava-se em casa e pedia à mãe para não lhe pedir para ir “à venda” buscar o que quer que fosse. O arguido, por diversas vezes, estacionou a sua carrinha junto da porta de casa da menor pelo que esta comentava com a mãe “vês tem ali a carrinha, anda a seguir-me não saio de casa”. A menor acordava durante a noite a chorar com pesadelos» é sobre este factos que deve sustenta-se a condenação por danos não patrimoniais.
A in­demnização não visa então propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas ofere­cer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, sendo que só são indemnizáveis os danos que têm a gravidade bas­tan­te para merecer a tutela do direito – artigo 496º, n.º 1 do Código Civil.
O critério da equidade que subjaz à fixação da indemnização correspondente aos danos não patrimoni­ais deve ser calculado atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação eco­nómica e à do lesado e do titular da indemnização - artigo 494.º “ex vi” artigo 496.º n.º 3 ambos do Código Civil.
Assim face a todo o circunstancialismo demonstrado, que no caso não pode deixar de levar em consideração que está apenas em causa um crime de coacção sexual agravado entende-se ser de fixar equitativamente a indemnização por danos não patrimoniais da menor A... em € 2.000 (dois mil euros) euros por cujo pagamento é responsável o arguido.
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III. DECISÂO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, e nesse sentido modificar a decisão recorrida nos seguintes termos:
a) absolver o arguido J... da prática do crime de violação agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.º 2, b), 23.º, nºs 1 e 2, 73.º, n.º 1, a) e b), 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal;
b) condenar o arguido J... como autor material de um crime de coacção sexual agravado previsto e punido pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4 do Código Penal na pena de dois anos e seis meses prisão, suspendendo-se a execução da pena de prisão aplicada pelo período de dois anos e seis meses, subordinada à condição de o arguido proceder ao pagamento da indemnização arbitrada à menor A..., no montante de dois mil euros, no prazo de um ano, a contar do trânsito em julgado, através de depósito em conta bancária titulada pela menor com administração do director da instituição onde a menor se encontra acolhida, devendo fazer prova disso nos autos, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, a determinar pelos competentes serviços de reinserção social.
c) Condenar o arguido J... a pagar à demandante a quantia de 7.500 € (sete mil e quinhentos euros).
d) Condenar nas custas do pedido de indemnização civil a demandante e pelo arguido/demandado na proporção do respectivo decaimento.

Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 4 Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ).
Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 11 de Novembro de 2009


Mouraz Lopes


Félix de Almeida