Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2254/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: PENA DE MULTA E LEI DOS JOVENS DELINQUENTES
TAXA DIÁRIA DA PENA DE MULTA
Data do Acordão: 11/12/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º S 9 DO DI. 401/82 E 47 N° 2 DO C. P.
Sumário:
I - Face ao que dispõe o art. 9 do Dl. 401/82, quando os factos são punidos em alternativa com prisão ou multa e se opta por esta, não se verifica o vício de falta de fundamentação ou de motivação quando, na sentença, se não faz qualquer referência a esta lei dos jovens delinquentes.
II - Quando a taxa diária da multa aplicada absorve toda a quantia auferida pelo arguido, há-de ter-se como manifestamente exagerada, por não observar o disposto no art. 47 n° 2 do Código Penal.
Decisão Texto Integral: Recurso nº 2254/03
Processo nº 24/02.3GDLRA, do 2º Juízo Criminal, da Comarca de Leiria
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado, no qual é arguido:
Micael T..., solteiro, servente de pedreiro, nascido em 18 de Maio de 1985, filho de Adelino S...e de Blandina M..., natural de Souto da Carpalhosa, Leiria e residente na Rua P..., Casal Telheiro, Souto da Carpalhosa, Leiria.
Foi proferida sentença, que julgou a acusação provada e procedente e condenou-o como autor de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3, nº 1, do Dl. 2/98 de 3-01, na pena de 90 dias de multa à taxa de € 5 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 450,00;
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Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso e que delimitam o âmbito do mesmo:
1. O Tribunal recorrido condenou o arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º n.º 1 do Decreto-Lei 2/98, de 3/1, a 90 dias de multa à razão de € 5 por dia, ou seja, numa pena de multa de € 450;
2. Para fixação do número de dias de multa o tribunal não considerou o facto de o arguido ter confessado integralmente e sem reservas a prática do crime de que vinha acusado; do facto de o arguido ter apenas 16 anos à data da prática do crime; do facto de o arguido ser um jovem socialmente útil que desenvolve uma actividade; e ainda do facto do menor ser uma pessoa socialmente integrada;
3. Atendendo ainda o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, e da moldura legal da pena de multa dispor um máximo de 120 dias, a fixação de 90 dias de multa revela-se exagerada;
4. O arguido ajuda o seu pai como servente de pedreiro que lhe entrega € 150, e vive em casa dos seus pais, factos que o Tribunal a quo considerou para fixar a multa à taxa diária de € 5, ou seja, exactamente o mesmo valor que o pai do arguido lhe entrega diariamente, por dia, pela ajuda que lhe presta como servente;
5. Tal quantia é manifestamente exagerada, pois que o arguido ficará privado de qualquer dinheiro que seja para os seus gastos pessoais, nomeadamente comer um bolo, ou fazer uma chamada de urgência que possa necessitar. E isto durante 90 dias;
6. A multa assim fixada é manifestamente exagerada, pelo que violará a sua natureza pessoalíssima, dado que os seus pais ver-se-ão forçados a ter de lhe entregar algo mais pela ajuda que este lhe dá como servente, no sentido de este poder dispor de um mínimo de dinheiro que salvaguarde que o seu filho possa sair com os amigos, ou que lhes possa fazer uma chamada caso necessite;
7. Entende o arguido como manifestamente excessiva a pena de multa que lhe foi fixada, pois que esta deveria ter encontrado o seu ponto de adequação entre 60 e 70 dias de multa, à razão de uma taxa diária de €1,50 ou de € 2, ou seja, entre € 90 ou €l40 de pena de multa.
Foram, então, violados por incorrecta interpretação os artigos 47° n.º 1 e n.º 2 e 71º do Código Penal.
Declara que pretende alegar por escrito.
Termos em que nestes e nos melhores de Direito, deve ao presente Recurso e com o douto suprimento de V. Ex.as. ser concedido provimento, revogando-se a sentença recorrida, com as inerentes consequências,
Assim se fazendo a habitual e costumada JUSTICA.
Não houve resposta.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto suscita como questão prévia, a nulidade da sentença, por não ter sido solicitado relatório social do arguido e o Tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a pertinência da aplicação do regime previsto no Dl. 401/82.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Conhecendo:
Questão prévia suscitada:
Embora as conclusões, formuladas pelo recorrente, delimitem o âmbito do recurso, esta questão suscitada é de conhecimento oficioso, pelo que se analisa.
O arguido nasceu em 18 de Maio de 1985, e os factos foram praticados em 23 de Janeiro de 2002.
À data dos factos o arguido ainda tinha 16 anos de idade.
O art. 9 do CP refere que aos maiores de 16 anos e menires de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial, e essa legislação especial consta do Dl. 401/82 de 23 de Setembro.
Tem entendido a jurisprudência que este regime dos jovens delinquentes não é de aplicação automática, “sendo essencial a demonstração de que um regime de punição mais atenuado irá propiciar ao jovem o afastamento do crime”, Ac. do STJ de 15-07-1992, in Col. Jurisp. tomo IV, pág. 8, sendo neste sentido a vasta jurisprudência posterior.
E, entendeu-se no Ac. do STJ de 02-06-1999, in BMJ 488-175, que, “não sendo de aplicação automática, não está, porem, o Tribunal dispensado de ajuizar da conveniência ou não da sujeição do menor de 21 anos a esse regime, sofrendo do vício da falta de fundamentação ou de motivação a sentença que omitir essa apreciação, nos termos do nº 2 do art. 374, e da al. a) do art. 379, ambos do CPP”.
E, para apreciação dessa conveniência de aplicação ou não do regime do Dl. 401/82, é relevante constar dos autos o relatório social, a que se reporta o art. 370 do CPP, que contudo deixou de ser obrigatória a sua realização, após a alteração introduzida pela Lei 59/98 de 25-08.
Porem, toda essa jurisprudência se reporta a factos integradores de crimes a que é aplicável pena de prisão, tendo de ser entendido como crimes em que é de aplicar em concreto pena de prisão.
Já assim não será em relação a crimes punidos, em alternativa, com prisão ou com multa, e que seguindo o critério de escolha da pena fixado no art. 70 do CP se opta pela pena não privativa da liberdade.
Isto porque, o art. 9 do referido Dl. 401/82 estatui que “na fixação da multa serão aplicáveis os princípios da lei geral, devendo, todavia, tanto quanto possível, procurar afectar unicamente o património do jovem”.
Optando-se na sentença por pena não privativa da liberdade (multa) e sendo esta fixada nos temos da lei geral, entendemos que não se verificar o vício de falta de fundamentação ou de motivação, ao não se fazer qualquer referência a esta lei dos jovens delinquentes.
Motivo pelo qual entendemos não se verificar a invocada nulidade, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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Para o efeito interessa transcrever a matéria dada como assente na sentença recorrida, bem como os critérios de determinação e escolha da medida da pena.
São os seguintes os factos apurados na sentença:
Factos provados:
1- No dia 23 de Janeiro de 2002, pelas 14,25 horas, na Rua da escola, Monte Redondo, nesta comarca de Leiria, o arguido conduzia o veículo ciclomotor de matrícula 3-LRA-66-25 sem qualquer documento que o habilitasse a conduzir.
2- O arguido agiu, livre, voluntária e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
3- Ao arguido no seu C.R.C. de 6-3-02, não se mostra descrito qualquer facto criminal.
4- O arguido ajuda o pai como servente de pedreiro, auferindo cerca de 150€.
5- O arguido vive com os pais.
Medida da pena e sua escolha:
O crime de que o arguido se mostra acusado, consta de uma moldura abstracta que tem por limite máximo a pena até 1 ano de prisão ou pena de multa até 120,dias.
Admitindo o binómio prevenção e culpa, sendo aquela de grau elevado e esta com dolo intenso, a atenuar, a ausência de antecedentes criminais, a situação pessoal do arguido e o Tribunal entender ser suficiente para a necessidade de punição e prevenção, a aplicação de pena não privativa da liberdade, ano 70° do C. Penal, considera-se adequada a pena de 90 dias de multa.
Definida a moldura da pena concreta aplicável ao arguido, haverá que fixar o quantitativo diário da mesma.
Atenta a norma inscrita no artº 47°, n° 2 do Código Penal, deve-se dizer que, se é certo que a pena de multa terá de representar uma censura do facto cometido, e uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, igualmente é exacto que deverá ser sempre assegurado ao condenado o nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas. Pois, na realidade, inexiste na pena de multa um "confisco" do Estado em relação à pessoa do arguido, em que, caso contrário, estaríamos diante de uma utilização da Pessoa Humana em função dos fins do Estado, situação não permitida por um Estado Social de Direito regido pelo limite intransponível da Soberana Dignidade da Pessoa Humana (cfr. artºs 1° e 18°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa).
Ponto de partida da determinação da pena de multa é o rendimento líquido do arguido.
Pelo acima exposto, entende-se por adequada a taxa diária de multa de 5€.
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Conhecendo:
Rebela-se, o recorrente quanto à medida da pena fixada, entendendo ser a mesma manifestamente exagerada e, por tal, desrespeitadora dos critérios enunciados no artº71º do C. Penal.
Quanto à medida da pena deve ter-se em conta o disposto no artº71º do C. Penal. Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Visando-se com a aplicação das penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, artº 40º nº1 do Cód. Penal.
Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, artº 40º nº 2 do C. Penal. Salienta Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado, em anotação ao art. 40,que "o nº 2 contem mais um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito criminal é estruturado com base na culpa do agente, e a explicação de que a medida da culpa condiciona a própria medida da pena, sendo assim um limite inultrapassável desta".
Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena (art. 71 nº 1 do Cód. Penal).
Na determinação concreta da pena (dando-se preferência a pena não privativa da liberdade - art. 70 do Cód. Penal), o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – artº 71º nº 2 do C. Penal.
Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.
Importa ter em conta que as exigências de prevenção neste tipo de situações (muitos sinistros nas estradas portuguesas mesmo levando em conta os acidentes causados por condutores “encartados”) demandam uma severa punição, dada a possibilidade de poderem causar acidente que pode ter grave consequências inclusive para o próprio.
São de levar em conta os considerandos, a respeito tecidos na sentença recorrida, devendo, ainda, levar-se em linha de conta a confissão integral e sem reservas do arguido e a sua idade à data da pratica do facto, (sendo de salientar que apesar da sua idade na altura de 16 anos, interiorizou o seu comportamento anti-social levando-o a confessar o facto delituoso).
A categoria do veículo a motor, que o arguido conduzia, ciclomotor (sendo que o motor que possui não pode ter cilindrada superior a 50 cm3 –art. 107 nº 2 do Cód. da Estrada), já é levada em conta na medida abstracta da pena.
Optando-se, como se optou, pela aplicação de pena não privativa da liberdade, o que se mostra correcto, face à natureza da infracção e suas consequências e, atendendo à moldura penal abstracta ao crime cominada (multa de 10 a 120 dias), ajustada se mostra a pena pelo tribunal “a quo” encontrada, noventa dias de multa.
Uma pena para o ser e enquanto tal, tem de ser sentida por quem a sofre, há-de causar-lhe algum transtorno e sacrifício, ou não produzirá qualquer efeito útil.
E, há que ponderar que ao crime também podia ser aplicada pena de prisão até 1 ano.
Tendo em conta a moldura abstracta, a pena em concreto encontrada mostra-se ajustada.
Por isso, entende este Tribunal ser de manter a pena aplicada na sentença recorrida.
Relativamente à taxa diária da multa, verifica-se que o arguido apenas aufere €150,00 por mês, contrapartida da ajuda que presta ao pai como ajudante de pedreiro, vive com os pais e desconhecem-se encargos específicos próprios.
Tendo em conta o disposto no art. 47 nº 2 do Código Penal, sendo a multa diária fixada em função da situação económica e financeira do condenado (afectação do património do jovem) e dos seus encargos pessoais. Como refere Maia Gonçalves em anotação a esse preceito legal, in ob cit. "o juiz graduará, portanto, o quantitativo diário da multa em atenção ás determinantes legais, atendendo a que a finalidade da lei é eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver".
A taxa aplicada absorvia toda a quantia auferida pelo arguido durante os dias de multa aplicada, o que é manifestamente exagerado.
Assim, temos como exagerada a taxa diária da multa aplicada na sentença, pelo que se reduz a mesma a 2,50 €.
Decisão:
Tendo em conta o exposto acordam em julgar parcialmente procedente o recurso, e em consequência:
1- Altera-se a taxa diária da multa em que o arguido foi condenado para 2,50 €.
2- Tendo em conta a pena de multa que se mantém, 90 dias, vai o arguido condenado na multa de 225,00 €.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.