Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2657/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS
CASA DA MORADA DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 11/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1724.º, B); 1793.º, N.º 2; 2003.º, N.º 1; 2009.º, N.º 1, A) E 2016.º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Pretende a lei que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro, protegendo aquele que mais seja atingido pelo divórcio ou pela separação, quanto à estabilidade da habitação familiar, que faz parte da prestação de alimentos, enquanto manifestação de um dever de manutenção e a permanência de um vínculo de solidariedade post-conjugal, que o divórcio não extingue, totalmente, ou seja, aquele dos cônjuges que mais carecido dela se mostrar, e só, secundariamente, se atendo a circunstâncias relativas à ocupação pretérita da casa ou à culpa imputada no divórcio ou na separação judicial.
2. Sendo a habitação, que constituiu a casa de morada da família do casal, um bem comum da requerente e do requerido, na iminência de se vir a tornar um bem próprio daquele, em consequência de partilha judicial para separação das respectivas meações, onde aquela continua a residir, agora, sozinha, por não dispor de outra casa, nem condições económicas que lhe permitam aceder ao mercado imobiliário, e nem sequer aos preços do arrendamento urbano corrente, tendo o requerido a sua habitação, na moradia da mulher com quem vive, juntamente com uma filha desta, impõe-se que, na casa de morada de família, continue a viver a requerente, por ser o cônjuge que dela mais precisa, pois que só, assim, verá satisfeita a sua necessidade habitacional, sendo certo que nada justificaria que tivesse de abandonar a casa onde vive quando, relativamente ao requerido, se não coloca, presentemente, o problema da habitação.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


Por apenso à acção de divórcio, A... deduziu o presente incidente, com vista à atribuição da casa de morada de família, em que é requerido B..., ambos, suficientemente, identificados nos autos, pedindo que, na sua procedência, a mesma lhe seja concedida, eventualmente, sujeita a um contrato de arrendamento urbano, nas condições que o Tribunal vier a fixar, invocando, para tanto, e, em síntese, que foram casados um com o outro, segundo o regime da comunhão de adquiridos, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio, e que o imóvel questionado, que faz parte dos bens comuns de ambos, tem sido, desde sempre, a única morada e residência da requerente, sendo certo que dele necessita para continuar a utilizar a casa de morada de família como sua habitação, pois dela carece, enquanto que o requerido tem outra habitação.
O requerido deduziu oposição, alegando que, apenas, a casa de habitação e os currais pertencem ao casal dissolvido, por não fazer parte do prédio o terreno anexo, sendo certo que a requerente foi viver, maritalmente, com um indivíduo, após o divórcio e até Outubro de 2001, data em que o requerido licitou a casa de habitação, no inventário facultativo para separação de meações, voltando, então, a ocupá-la, para além de que a requerente é dona de parte indivisa de uma casa de habitação, que se encontra desocupada, pertencente a seus pais, já falecidos, mas que aquela não quer habitar.
Por outro lado, continua o requerido, a requerente trabalha, a tempo inteiro, por conta de outrem, enquanto que o requerido aufere 415 € mensais, pretendendo ir viver para a casa em apreço, após a partilha, porquanto não tem outra casa para habitar.
Finalmente, alega que a casa de habitação foi por si licitada, em 29678,47 €, pelo que terá de dar tornas à requerente, no valor de cerca de 14000 €, o que implica o recurso ao crédito bancário, ficando a pagar uma prestação mensal de 87,76 €, para garantir o cumprimento das tornas da meação daquela, que continuaria a habitar a casa, a título definitivo, numa evidente situação de abuso de direito.
A sentença julgou o presente incidente, improcedente por não provado, e, em consequência, absolveu o requerido do pedido de atribuição da casa de morada de família contra si deduzido.
Desta sentença, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Apelante e apelado contraíram, um com o outro, casamento, em 14 de Agosto de 1976, tendo o matrimónio sido dissolvido por divórcio, convertido em mútuo consentimento, no âmbito do processo n° 102/99, do 3o Juízo, do Tribunal Judicial de Pombal.
2a - A casa de morada de família do ex-casal, construída pelos próprios e, conforme o prédio identificado no artº 3o da p.i., é bem próprio e comum do ex-casal, e onde a apelante habita, por acordo entre ambos, até à partilha.
3a - Atenta a situação actual de cada um dos cônjuges, e as necessidades de cada qual, no que concerne à habitação, é a apelante quem dela mais necessita.
4a - A apelante encontra-se só, com 46 anos de idade, doente, sem emprego nem rendimento certo, e não tem outra casa própria ou arrendada.
5a - O apelado vive maritalmente com outra pessoa, em casa própria desta, é cantoneiro da Câmara Municipal de Pombal, aufere vencimento mensal, subsídio de alimentação e presta outros trabalhos agrícolas - para si e para vizinhos - tendo ainda capacidade para contrair empréstimo bancário.
6a - No processo de partilhas subsequente ao divórcio, o apelado licitou no prédio que constitui a casa morada de família, onde vive a apelante.
7a - A ser adjudicado o prédio ao apelado, o acordo firmado no âmbito do processo de divórcio, não constitui título bastante para a requerente aí continuar a poder viver.
8a - Esta pediu, em incidente próprio, ao Tribunal, que lhe seja dada de arrendamento a casa morada de família, considerando - de entre o mais - as suas necessidades.
9a - O requerido-apelado não necessita da mesma para a sua habitação, nem para os filhos.
10a - O interesse económico do mesmo não poderá prevalecer ao
interesse da apelante de habitação.
11a - Em qualquer dos casos, o interesse económico ou outro, está salvaguardado pela contrapartida - renda a estabelecer pelo Tribunal - ou sempre que circunstâncias supervenientes o justifiquem.
12a - Por erro de interpretação e/ou aplicação, não foram correctamente observados ou aplicados e, por isso, foram violados, os comandos legais atinentes, designadamente, o preceituado nos artºs 67° da CRP, 70° e 1793° do CC.
O requerido não apresentou contra-alegações.
Na sentença apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1 - Requerente e requerido contraíram casamento católico, sem convenção antenupcial, no dia 14 de Agosto de 1976.
2 – Nessa data, os cônjuges instalaram a única casa de morada de família, na casa de habitação, sita em São Vicente, freguesia de Santiago de Litém, concelho de Pombal, composta de rés-do-chão e primeiro andar, construída a tijolo, coberta a telha, tendo o rés-do-chão quatro divisões, sendo uma assoalhada, cozinha, casa de banho e garagem, e o 1o andar com seis divisões, sendo quatro assoalhadas, cozinha e casa de banho, com a superfície coberta de 98 m2, a confrontar de Norte, Sul e Poente com B... e do Nascente com caminho, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo n° 1998.
3 - Tendo sido construída, por ambos os cônjuges.
4 - Que aí instalaram o seu lar, os móveis, demais pertences e utensílios.
5 – Passaram, desde então, a dormir, a confeccionar e a tomar as refeições, a receber familiares e visitas, a passar os momentos de descanso e lazer.
6 – Tudo, sempre, dia após dia.
7 – Com o conhecimento das demais pessoas, em geral, e, particularmente, com o dos vizinhos.
8 - Sem qualquer interrupção temporal.
9 - Sem qualquer espécie de violência, em relação às pessoas ou coisa.
10 - Certos de que, com essa prática, não lesavam direitos ou interesses de ninguém.
11 - Na convicção de exercerem o direito próprio, pleno e singular, de propriedade.
12 - A dada altura, a relação matrimonial entrou em crise, culminando com o pedido de divórcio, convertido em mútuo consentimento, que correu termos no processo n° 102/99, de que os presentes autos são apenso.
13 - Onde, por acordo, a casa de morada de família ficou destinada à requerente.
14 - A decisão que decretou o divórcio transitou em julgado, seguindo-se o inventário para separação de meações.
15 - A requerente manteve a sua morada, no mencionado imóvel.
16 - Após o divórcio, e, durante um período de tempo, concretamente, não apurado, a requerente foi viver, maritalmente, com um outro indivíduo, tendo permanecido na habitação do mesmo.
17 - No presente momento, a requerente habita, sozinha, o imóvel supra descrito.
18 – Despende, em gastos com a saúde, alimentação, água, luz e telemóvel, a quantia global de e 155,00 €.
19 - A requerente nasceu, em 17 de Maio de 1958.
20 - Apenas completou a 3a classe.
21 – Trabalha, por conta de Diamantino Pereira, onde presta serviços domésticos, a tempo parcial, trabalhando duas horas, durante o período da manhã, e duas horas, durante o período da tarde.
22 - Por tais serviços, a requerente aufere, mensalmente, a quantia de € 200,00.
23 - Pelo menos, desde 1999, o requerido não habita a casa dos autos.
24 - O requerido trabalha para a câmara Municipal de Pombal, com a categoria profissional de cantoneiro, auferindo € 415,84, mensais, a que acresce a quantia de € 3,58 diários, a título de subsídio de refeição.
25 – Vive, maritalmente, com Maria Gaspar Henriques das Neves, em casa de propriedade desta última.
26 - Com estes habita Cristina Maria Henriques das Neves, filha da referida Maria Gaspar Neves.
27 - Maria Gaspar das Neves encontra-se desempregada e aufere de pensão de sobrevivência a quantia de € 126,90.
28 - O requerido efectua alguns trabalhos de agricultura, para si e, ocasionalmente, para alguns vizinhos.
29 - A requerente é herdeira, juntamente com o seu meio irmão, Manuel da Conceição Silva, de uma herança, que engloba um prédio urbano, sito em Santiago de Litém.
30 - Tal prédio encontra-se degradado, com o telhado a ameaçar cair.
31 - Não tem instalações de luz e água.
32 – A casa de habitação foi licitada pelo requerido, pela quantia de 5950000$00 (€ 29678,47), tendo as demais licitações ocorrido, da forma que releva de folhas 90, 91 e 92, do inventário apenso, que a sentença deu por reproduzidas.
33 – Para um empréstimo bancário, no valor de € 14000,00, a uma taxa de 4%, por 19 anos, até aos 65 anos do requerido, este terá de pagar uma prestação mensal de € 87,76.

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Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
E a única questão a decidir, na presente apelação, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, contende com a medida da satisfação da necessidade de habitação que requerente e requerido podem retirar da antiga casa de morada de família.

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DA NECESSIDADE DE HABITACÃO DOS EX-CÔNJUGES

Efectuando uma síntese da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, após o casamento, que contraíram, no dia 14 de Agosto de 1976, sem precedência de convenção antenupcial, requerente e requerido instalaram a casa de morada de família, na habitação por si construída, a qual ficou destinada à requerente, na sentença homologatória do respectivo acordo, que decretou, igualmente, o divórcio por mútuo consentimento entre ambos.
Na sequência do divórcio, durante um período de tempo, concretamente, não apurado, a requerente foi viver, maritalmente, com um outro indivíduo, permanecendo fora da casa de morada de família, à qual regressou, e onde hoje habita, sozinha.
A requerente aufere, mensalmente, a quantia de € 200,00, pela prestação de serviços domésticos, a tempo parcial, despende em saúde, alimentação, água, luz e telemóvel, a quantia global de 155,00 €, tem 47 anos de idade e a 3a classe da instrução primária como habilitações literárias.
O requerido é cantoneiro de profissão, auferindo, com o acréscimo resultante do subsídio de refeição, cerca de 494,60 € mensais, vivendo, maritalmente, com Maria Gaspar Henriques das Neves, desempregada, que aufere de pensão de sobrevivência a quantia de 126,90 € mensais, em casa de quem habita.
A casa de morada de família foi licitada pelo requerido, pela quantia de 29678,47 €, correspondendo as tornas a que a requerente tem direito ao quantitativo de 14839,23 €, relativamente ao qual o requerido, se recorrer a empréstimo bancário para o pagar, à taxa de 4% ao ano, durante 19 anos, até aos 65 anos, terá de satisfazer a prestação mensal de € 87,76.
A requerente é contitular, juntamente com um irmão, de uma herança que engloba um prédio urbano, sito na mesma freguesia onde se localiza a casa de morada de família, mas que se encontra degradado, com o telhado a ameaçar cair, não dispondo de instalações de luz e água.
Dispõe o artigo 1793º, do Código Civil (CC), no seu nº 1, que “pode o Tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.
Pretende a lei que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e outro Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, I, 3ª edição, 720 e 721; Pereira Coelho, RLJ, Ano 122º, 137. , protegendo aquele que mais seria atingido pelo divórcio ou pela separação, quanto à estabilidade da habitação familiar Pereira Coelho, RLJ, Ano 122º, 207 e nota 5., ou seja, aquele dos cônjuges que mais carecido dela se mostrar Pereira Coelho, RLJ, Ano 122º, 207; STJ, de 18-2-82, BMJ nº 314, 320; RL, de 6-5-99, BMJ nº 487, 353; RE, de 24-2-94, CJ, Ano XIX, T1, 286., e só, secundariamente, se atendendo a circunstâncias relativas à ocupação pretérita da casa ou à culpa imputada no divórcio ou na separação judicial.
A necessidade de tutela do ex-cônjuge mais débil contende, igualmente, com a prestação de alimentos, que compreendem, também, a habitação, que se reconduz, na sua essência, a uma prestação alimentar em espécie STJ, de 23-3-95, BMJ nº 445, 544., enquanto manifestação de um dever de manutenção e da permanência de um vínculo de solidariedade post-conjugal, que o divórcio não extingue, totalmente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2003º, nº 1, 2009º, nº 1, a) e 2016º, nº 1, c), todos do CC.
Trata-se de decidir do destino da habitação, que tinha na solidariedade familiar o seu fundamento e na satisfação das necessidades de cada um dos cônjuges e do interesse dos filhos do casal o seu fim essencial, e que entrou em crise com a ruptura do casamento.
Este normativo permite que o Tribunal dê de arrendamento, a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer esta seja comum, quer própria do outro, e, igualmente, como acontecerá, por certo, no caso em apreço, na hipótese de a mesma passar a ser de um dos cônjuges, em consequência de partilha Pereira Coelho, Reforma do Código Civil e o Novo Modelo do Direito da Família, 1981, 50..
Com efeito, a casa de morada de família, mesmo depois de ficar pela partilha a pertencer apenas a um dos ex-cônjuges, poderá ser dada de arrendamento ao outro, pelo Tribunal, o que constitui um arrendamento judicial, traduzindo-se num ónus ligado à casa que desempenha a função de morada da família, em que a vontade do titular é substituída pela vontade do Juiz Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, IV, 2ª edição, revista e actualizada, 570; Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição, revista e actualizada, 2001, 30, 31, 875, 876 e 1004..
Muito embora a lei sujeite este arrendamento às normas da locação para habitação, permite ao Tribunal definir as condições do contrato, ouvidos os cônjuges, e fazer caducar o arrendamento, a requerimento do senhorio, quando circunstâncias supervenientes o justifiquem, nos termos do nº 2, do citado artigo 1793º, do CC.
Ora, tratando-se de um arrendamento, tal significa que o legislador nacional não optou pela solução do direito italiano da atribuição gratuita da casa de morada de família ao cônjuge favorecido, mas, também, não aderiu, inteiramente, à solução do direito francês, ao permitir que o Tribunal defina as condições do contrato de arrendamento, razão pela qual a fixação do montante da renda não tem que se orientar, obrigatoriamente, pelas regras do mercado Pereira Coelho, Reforma do Código Civil e o Novo Modelo do Direito da Família, 1981, 197 a 200..
A habitação a que os autos se reportam, bem comum da requerente e do requerido, nos termos do disposto pelo artigo 1724º, b), do CC, foi a casa de morada da família do casal, nela continuando, hoje, aquela a residir, agora, sozinha, enquanto que o requerido tem a sua habitação, na moradia da mulher com quem vive, juntamente com uma filha desta, sendo certo que a requerente não dispõe de outra casa, não sendo para tal significativo a contitularidade de uma herança, em que se engloba um prédio urbano, sito na mesma freguesia onde se localiza a casa de morada da família, mas que se encontra degradado, com o telhado a ameaçar cair, sem dispor de instalações de luz e água.
Por seu turno, a requerente aufere, mensalmente, do exercício da sua actividade profissional, a tempo parcial, a quantia de € 200,00, despendendo em saúde, alimentação, água, luz e telemóvel, a quantia global mensal de 155,00 €, sendo contitular do aludido prédio urbano inabitável, que faz parte da herança impartilhada de seu pai, enquanto que o requerido tem o vencimento mensal de funcionário público, de cerca de 494,60 €, encontrando-se a sua companheira marital desempregada, a receber de pensão de sobrevivência o montante de 126,90 € mensais.
Assim sendo, enquanto que o requerido vive em casa da companheira, sem dispor de outra, para além daquela que constitui a casa de morada de família, a requerente habita nesta, mas na iminência de se vir a tornar um bem próprio daquele, em consequência de licitações realizadas, em partilha judicial, para separação das respectivas meações, sem condições económicas que lhe permitam aceder ao mercado imobiliário, e nem sequer aos preços do arrendamento corrente, não sendo, outrossim, razoável considerar a situação do prédio urbano que faz parte da herança, sem determinação de parte ou direito, aberta por óbito de seu pai, quer por depender das vicissitudes da partilha, quer pelo volume de obras que a sua recuperação reclama.
Pelo exposto, face à disparidade relativa das condições económicas de ambos, impõe-se que, na casa ainda comum do ex-casal, continue a viver a requerente, por ser o cônjuge que dela mais necessita, pois que só, assim, verá satisfeita a sua necessidade habitacional, sendo certo que nada justificaria que tivesse de abandonar a casa onde vive quando, relativamente ao requerido, se não coloca, presentemente, o problema da habitação STJ, de 15-12-98, CJ (STJ), Ano VI, T3, 164..
A isto acresce que, na eventualidade de uma ruptura sentimental que se venha a verificar entre o requerido e a sua companheira, como este enfatiza na contestação, ou mesmo na hipótese de este vir a pretender viver, na ainda casa de morada de família com a mesma, a não querer optar pela solução da caducidade do arrendamento, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1793º, nº 2, do CC, considerando que esta moradia é composta de rés-do-chão e primeiro andar, tendo o rés-do-chão quatro divisões, cozinha, casa de banho e garagem, e o 1o andar seis divisões, cozinha e casa de banho, com a superfície coberta de 98 m2, fácil é concluir que, tratando-se de dois andares, estruturalmente independentes, ainda que, funcionalmente, o não sejam, por ora, bem poderão a requerente e o requerido, feitas as obras necessárias de autonomização, criar as condições para, observando as normas de respeito mútuo pela anterior qualidade de esposos, mas sempre actuais enquanto pais dos mesmos filhos, dividirem a moradia, por forma a constituírem duas unidades prediais independentes.
Mas, impondo a lei a existência de um contrato de arrendamento, como sustentáculo para a atribuição a um dos cônjuges da casa de morada de família, é necessária a fixação de uma renda, pois que só com ela se mostra observado o regime prescrito pelo artigo 1793º, do CC, como um verdadeiro contrapeso da “expropriação” sem indemnização do uso da casa, ao cônjuge a quem é imposto o arrendamento Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, I, 3ª edição, 720; Leite de Campos, Lições de Direita da Família e das Sucessões, 1990, 305. .
Não constando da factualidade obtida que se tenha apurado o valor da moradia, para fins de arrendamento, e não sendo de criar uma situação de injustificada desigualdade patrimonial entre os ex-cônjuges, ficando a requerente arrendatária a viver numa moradia dotada de dois andares, tendo a sua meação sido preenchida com dinheiro que recebeu do requerido senhorio, que acabaria por ficar sem a disponibilidade da casa, agora bem próprio seu, após a partilha judicial, mas sem que tal importe um esforço financeiro incompatível com a sua situação económica, deverá a requerente pagar uma contraprestação ao requerido, que lhe permita, pelo menos, satisfazer a prestação bancária mensal resultante do empréstimo contraído para pagar as tornas que entregou aquela.
Como assim, considerando que o requerido terá de contrair um empréstimo bancário, na importância de 14839,23 €, em quanto monta o quantitativo das tornas a que a requerente tem direito, à taxa de juro anual de 4%, durante 19 anos, pagará pelo mesmo a prestação mensal de 87,76 €, razão pela qual se fixa neste montante, ou seja, em 87,76 €, a contraprestação mensal, a título de renda, devida pela requerente ao requerido, como contrapartida pela atribuição da casa de morada de família.

CONCLUSÕES:

I - Pretende a lei que a casa de morada da família, decretado o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, possa ser utilizada pelo cônjuge ou ex-cônjuge a quem for mais justo atribuí-la, tendo em conta, designadamente, as necessidades de um e de outro, protegendo aquele que mais seja atingido pelo divórcio ou pela separação, quanto à estabilidade da habitação familiar, que faz parte da prestação de alimentos, enquanto manifestação de um dever de manutenção e a permanência de um vínculo de solidariedade post-conjugal, que o divórcio não extingue, totalmente, ou seja, aquele dos cônjuges que mais carecido dela se mostrar, e só, secundariamente, se atendo a circunstâncias relativas à ocupação pretérita da casa ou à culpa imputada no divórcio ou na separação judicial.
II – Sendo a habitação, que constituiu a casa de morada da família do casal, um bem comum da requerente e do requerido, na iminência de se vir a tornar um bem próprio daquele, em consequência de partilha judicial para separação das respectivas meações, onde aquela continua a residir, agora, sozinha, por não dispor de outra casa, nem condições económicas que lhe permitam aceder ao mercado imobiliário, e nem sequer aos preços do arrendamento urbano corrente, tendo o requerido a sua habitação, na moradia da mulher com quem vive, juntamente com uma filha desta, impõe-se que, na casa de morada de família, continue a viver a requerente, por ser o cônjuge que dela mais precisa, pois que só, assim, verá satisfeita a sua necessidade habitacional, sendo certo que nada justificaria que tivesse de abandonar a casa onde vive quando, relativamente ao requerido, se não coloca, presentemente, o problema da habitação.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, na procedência da apelação, em revogar a sentença recorrida, e, em consequência, julgam a acção procedente, atribuindo à requerente a utilização da casa de morada da família, sujeita a arrendamento, mediante a prestação mensal de 87,76 €, a pagar pela requerente ao requerido senhorio.