Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2784/09.1TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
RESTITUIÇÃO
INCUMPRIMENTO
INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 12/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 334º, 1022º E SEGS. DO C. CIV.; DEC. LEI Nº 354/86, DE 23/10
Sumário: I – O contrato de aluguer automóvel de longa duração (vulgo ALD), para além do que foi expressamente acordado entre as partes e que consta do contrato de aluguer que subscreveram, está sujeito às normas gerais da locação civil, constantes dos artºs 1022º e segs. do Código Civil, designadamente aos artºs 1038º e 1045º, dispositivos dos quais resulta que “são obrigações do locatário pagar a renda ou o aluguer, …, e restituir a coisa locada findo o contrato (als. a) e i) do artº 1038º), e se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou o aluguer que as partes tenham estipulado,…, mas logo que o locatário se constitua em mora, essa indemnização é elevada ao dobro (1045º, nºs 1 e 2)”, além do disposto no Dec. Lei nº 354/86, de 23/10.

II - Tendo findado o contrato (de aluguer de veículo de longa duração) e não tendo a Ré efectuado a imediata entrega da viatura à A., não só aquela ficou obrigada, além do mais, a continuar a pagar à Autora o valor de renda acordado, a título de indemnização (já não como renda), por cada mês seguinte ao da resolução do contrato até que tal restituição ocorresse, mas havendo mora nesse pagamento tal montante passou a ser igual ao dobro do convencionado para o aluguer contratado.

III - Se o A., relativamente ao atraso na restituição do veículo alugado à Ré, vai ser “abonado” com a condenação da Ré no pagamento ao Autor de indemnizações correspondentes ao dobro do valor da renda mensal que fora acordado para o regular cumprimento do contrato de aluguer de longa duração, e isto quando já decorreram mais de 3 anos de vigência desse contrato, mal se entenderia que a Ré ainda fosse penalizada com outra condenação por esse atraso na restituição da viatura, tanto mais que a Ré também foi condenada “a pagar a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e devida por eventuais prejuízos do A., aferidos em função do valor necessário à reparação de qualquer dano no veículo e da responsabilidade do locatário”.

IV - Donde termos de reconhecer que seria demasiado “abusivo” sancionar também a Ré nos termos peticionados e relativamente à fixação de uma sanção pecuniária compulsória, uma vez que a A. logra obter a condenação da Ré nos termos supra referidos.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No Tribunal Judicial da Comarca de Pombal, a sociedade “Banco …, SA”, com sede na …, intentou contra a sociedade “Construções …, Ldª “, com sede na Rua…, e contra J…, residente no mesmo local, a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação solidária dos RR no pagamento à A. da importância de € 4.464,55, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo pagamento, contados à taxa dita comercial, mais os montantes correspondentes ao dobro do valor dos alugueres – à razão de € 1.785,82/mês – que se vencerem desde 10/01/2010, inclusive, até efectiva restituição do veículo automóvel em causa, além de juros que, à taxa legal, sobre os referidos montantes se vencerem e desde o vencimento de cada um deles, bem como na indemnização, por perdas e danos, a liquidar em execução de sentença; a restituir ao A. o veículo automóvel referido no ponto 1 da petição e, ainda, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 50,00/dia durante os primeiros 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado, quantitativo a passar a ser de € 100,00/dia nos 30 dias seguintes e a € 150,00/dia daí em diante, até entrega do veículo.

            Para tanto e muito em resumo, alegou a A. que adquiriu o veículo automóvel da marca Opel, modelo Vivaro Combi, matrícula …, para o dar de aluguer à Ré, a pedido desta, como efectivamente sucedeu por contrato de 10/04/2006, pelo prazo de 36 meses, mediante o pagamento das mensalidades de € 892,91 cada, incluindo já o IVA.

            Que a falta de pagamento de qualquer das mensalidades devidas implicava a possibilidade de resolução do dito contrato pela A., o que se veio a verificar em 10/04/2009, data de vencimento do último aluguer e que a Ré não pagou.

            Que a Ré ficou, por isso, obrigada a restituir o veículo à A., o que não fez, e ficou constituída na obrigação de pagar à A. também os alugueres em débito até à data da dita resolução contratual, mais um valor igual ao dobro do aluguer mensal por cada mês decorrido, nos termos peticionados.

            Que o Réu J… assumiu, perante a A., a responsabilidade de fiador solidário e de principal pagador por todas as obrigações assumidas no contrato referido, pelo que é também solidariamente responsável pelo pagamento dos montantes referidos, razão da sua demanda.


II

            Os RR foram regularmente citados e não apresentaram qualquer contestação.


III

            Seguiu-se a prolação de despacho saneador-sentença, na qual foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se os RR no pagamento à A. da quantia de € 892,91, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde 10/04/2009 até efectivo pagamento, à taxa dita comercial, além de se condenar a sociedade Ré a restituir o veículo à A..

            Mais se condenaram os RR a pagar a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e devida por eventuais prejuízos do A., aferidos em função do valor necessário à reparação de qualquer dano no veículo e da responsabilidade do locatário.


IV

            Dessa sentença interpôs recurso a A., recurso que foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

            Nas alegações que apresentou a Apelante concluiu do seguinte modo:

            …


V

            Nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, nada obstando ao conhecimento do seu objecto.

            Esse objecto passa pela apreciação das três seguintes questões, dadas as sobreditas conclusões constantes das alegações de recurso apresentadas:

            A – Violou a sentença recorrida o disposto no artº 1045º, nº 2, do C. Civil, ao não ter condenado os RR a pagar à A., solidariamente, uma importância mensal igual ao dobro do valor do aluguer constante do contrato e desde a data de resolução do mesmo, ou seja desde 10/11/2009, e até à restituição efectiva do veículo?

            B – A sentença recorrida ao não ter condenado os RR, solidariamente, a restituírem o veículo, violou o disposto nos artºs 634º do C. Civil e 931º do CPC?

            C – A sentença recorrida também violou o disposto no artº 829º-A, nºs 1, 2 e 3, do CC, ao não ter condenado os RR no pagamento à A. da sanção pecuniária compulsória pedida pela Autora?

            Para a referida apreciação importa, antes de mais, que aqui sejam reproduzidos os factos tidos como assentes em sede de julgamento, os quais não foram objecto de qualquer impugnação nem se descortinam razões para a sua alteração oficiosa.

São eles os seguintes:

            …


***

            Começando a nossa abordagem pela questão A supra enunciada, escreveu-se, a propósito, na sentença recorrida: “Todavia, impetra ainda o Autor, ao que se crê ao abrigo do regime estatuído no artigo 1045º do Código Civil, a condenação dos RR no pagamento dos alugueres em falta em dobro.

Mais uma vez – adiantando conclusões – dir-se-á que não assiste razão ao Autor.

Com efeito, como vem sendo decidido pela jurisprudência mais relevante o citado preceito normativo, pertinente ao Código Civil, não tem aplicação à tipologia de contratos em causa nos presentes autos.

Na verdade, atenta a especificidade do mesmo – e como supra já se enfatizou – o regime do sobredito artigo 1045º do CC emerge absolutamente desfasado da respectiva dinâmica.

É que sendo a normal teleologia destes contratos a compra e venda do bem locado, a final, o preço dos alugueres já amortizam o capital de financiamento e englobam a remuneração do mesmo, nomeadamente o risco inerente ao concreto financiamento em análise, por incidir sobre bens móveis facilmente perecíveis, de grande desgaste e desvalorização pelo uso no decurso do tempo. Ou seja, o preço do aluguer não corresponde apenas, nem essencialmente, ao rendimento obtido do bem pela cedência do seu gozo, mas também a uma prestação calculada em função de um plano de amortização de uma dívida de financiamento, respectiva remuneração e outros encargos.

Assim, o mencionado regime, que se justifica por a renda corresponder ao valor de uso da coisa locada, consubstanciando o prejuízo do credor, surge completamente desajustado no caso do aluguer de longa duração, porque neste o valor da coisa vai sendo suportado enquanto o contrato vigora.

Por isso, o prejuízo sofrido pelo locador, em consequência do atraso na restituição, traduz-se na diferença entre o valor residual previsto no contrato e o valor venal do automóvel na data que o locatário o deveria entregar.

Nestes termos improcede, também, a pretensão examinada.

A Recorrente insurge-se quanto a esta parte da sentença, pretendendo e defendendo que tem direito a receber do Réu essa parte do seu pedido, pelo que é este o núcleo desta questão, o que se passa a apreciar.

Consta também da sentença recorrida que “…(a) opção de compra é fundamental para que se possa considerar que o contrato deve ser assimilável ao de locação financeira – a opção de compra final seria o equivalente ao preço residual.

Todavia, nos casos em que não se mostre inicialmente fixada tal possibilidade de aquisição da viatura, o facto é que, para se aferir da questão da propriedade, importa saber se as partes, na dinâmica e execução do contrato, previram a alienação findo o prazo do aluguer.

Se não existir essa opção de compra, estamos mais perto do regime de mero aluguer que de um contrato de financiamento, na modalidade de crédito ao consumo.

No caso dos autos não existe a referida opção de compra, nem qualquer cláusula de reserva de propriedade.

Por outro lado, também não ficou acordado entre as partes – como ocorre em muitos destes contratos – uma promessa de compra e venda.

Assim, na hipótese dos autos nem sequer se pode considerar que o contrato celebrado constituiria, na realidade, um contrato de compra e venda a prestações – querido indirectamente pelas partes…”, do que bem resulta o expresso reconhecimento de que o contrato celebrado entre as partes é verdadeiramente um contrato de locação ou de aluguer de veículo (sem condutor), embora de longa duração (ALD), pelo qual a aqui Autora alugou uma determinada viatura (por si previamente adquirida para o efeito) à sociedade Ré, por um período de 36 meses, mediante o pagamento, por esta, de uma renda mensal global de € 892,91, contrato esse que teve início em 10/04/2006 e cujo fim estava previsto para 10/04/2009, conforme foi convencionado entre as partes.

Porém, esse contrato não findou na referida data, conforme fora acordado, mas só foi rescindido pela Autora em Novembro de 2009, conforme ponto 12) supra (Por carta datada de 04/11/2009 o Autor comunicou à Ré que “Constatamos que V. Ex. se encontra em dívida com esta empresa, no montante (…) total de € 3.290,85. O não pagamento da quantia referida leva-nos a considerar, no prazo de 10 dias a contar da data desta carta, o contrato em referência como rescindido nos termos das cláusulas 10ª e 11ª, o que implica a obrigação de proceder à entrega imediata do veículo objecto do contrato nas nossas instalações), pelo que foi só então que a Ré ficou obrigada a restituir a viatura.

Aliás, é como “contrato de locação operacional” que as partes denominam esse contrato, junto de fls. 9 a 12, de cujas condições gerais resulta, além do mais, que a Ré se obrigou a “restituir imediatamente o veículo em caso de resolução contratual, qualquer que seja a causa, no fim do aluguer…”, conforme cláusulas 9ª, al. c), 10ª, nº 5, e 11ª dessas ditas condições gerais.

Logo, para além do que foi expressamente acordado entre as partes e que consta do contrato de aluguer que subscreveram, o mesmo está sujeito às normas gerais da locação civil, constantes dos artºs 1022º e segs. do Código Civil, designadamente aos artºs 1038º e 1045º, dispositivos dos quais resulta que “são obrigações do locatário pagar a renda ou o aluguer, …, e restituir a coisa locada findo o contrato (als. a) e i) do artº 1038º), e se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou o aluguer que as partes tenham estipulado,…, mas logo que o locatário se constitua em mora, essa indemnização é elevada ao dobro (1045º, nºs 1 e 2)”, além do disposto no Dec. Lei nº 354/86, de 23/10.

Neste sentido, entre outros, pode ver-se o Ac. desta Relação de 23/09/2008, proferido na Apelação nº 1247/08.7TBFIG.C1, cujo relator foi o Des. Teles Pereira, disponível em www.dgsi.pt..

Sendo assim, e uma vez que já findou o contrato (de aluguer) em causa e que a Ré não fez a imediata entrega da viatura à A., não só aquela ficou obrigada, além do mais, a continuar a pagar à Autora o valor de renda acordado, a título de indemnização (já não como renda), por cada mês seguinte ao da resolução do contrato até que tal restituição ocorresse, mas havendo mora nesse pagamento tal montante passou a ser igual ao dobro do convencionado para o aluguer contratado.

Pelo que tem razão a Autora em reclamar da Ré o pagamento desse valor, como faz (embora restrinja o seu pedido apenas aos meses seguintes ao da resolução contratual, ao que apenas temos de atender, além do valor da renda não paga em Abril de 2009 – a última renda convencionada), tanto mais que estamos efectivamente perante um contrato de aluguer de um bem móvel – automóvel -, como foi expressamente reconhecido na sentença recorrida.

Tenha-se ainda presente que o presente contrato não está sujeito ao disposto no Dec. Lei nº 133/2009, de 2/06 – relativo a contratos de crédito aos consumidores -, por força do seu artº 34º, nº 1, nem cai na previsão e regulação do Dec. Lei nº 359/91, de 21/09 – Crédito ao Consumo - , por força do seu artº 3º, al. a).

Donde impor-se a derrogação da parte da sentença recorrida em que se absolve a Ré desse pagamento, havendo, ao invés, que proferir sentença de condenação dos Réus (o Réu J… por ser fiador da Ré sociedade e, nessa qualidade, se ter constituído principal pagador de todas as obrigações assumidas pela locatária do veículo e das que resultem do contrato) no pagamento ao A. de € 4.464,55, correspondente ao pedido de alugueres ditos vencidos e não pagos até 10/12/2009, inclusive, além do valor de € 1.785,82 por cada mês decorrido desde Janeiro de 2010 e até efectiva entrega do veículo ao Autor, além dos juros de mora na forma peticionada.       

 No sentido exposto podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos: do STJ de 5/12/1995, in Col. Jur. STJ, ano III, tomo III, pg. 135; da Relação de Lisboa de 19/11/1996, in Col. Jur., ano XXI, tomo V, pg. 103; da mesma Rel. de 6/02/1997, Col. Jur., ano XXII, tomo I, pg. 119; ainda da dita Rel., o acór. de 28/10/1999, in BMJ 490, pg. 314.    


***

            Prosseguindo a nossa apreciação com a questão B supra enunciada – saber se a sentença recorrida ao não ter condenado os RR, solidariamente, a restituírem o veículo, violou o disposto no artº 634º C. Civil e o disposto no artº 931º CPC –, o que se oferece dizer, muito resumidamente, é que não tem razão a A. nesta sua pretensão, dado o disposto no artº 661º, nº 1, do CPC (limites da condenação), sob pena de, caso assim se tivesse decidido, ter-se violado tal preceito e cometido uma nulidade, nos termos do artº 668º, nº 1, al. e), do CPC.

            Com efeito, afigura-se-nos que nem o A. alguma vez pediu ou deduziu pedido contra o Réu J… nesse sentido, como transparece muito claramente de toda a petição, mormente dos seus pontos 7º (…ficando a Ré não só obrigada a restituir ao A. o veículo…), 14º (a dita sociedade (Ré), para além de se ter constituído na obrigação de restituir ao A. o veículo, o que continua sem fazer…), 18º (o valor do veículo automóvel, que a sociedade Ré está obrigada a restituir ao A., é de …), 19º (…estando ainda a sociedade Ré obrigada a entregar e restituir ao A. o veículo…), 20º (…no caso de a sociedade Ré, apesar de vir a ser condenada no pedido formulado na presente acção, continuar a proceder como ao presente, ou seja, a não restituir e fazer entrega ao A. do veículo…) e 21º (o Réu J…, que assumiu perante o A. a responsabilidade de fiador solidário, ou seja fiador e principal pagador, por todas as obrigações assumidas no contrato pela sociedade Ré ara com o A., é também solidariamente responsável com a sociedade Ré pelo pagamento dos montantes referidos) e também do próprio petitório, onde também se nos afigura que se formula o pedido de condenação solidária dos RR apenas no pagamento ao A. das importâncias de …, e onde se formula o pedido de condenação na restituição do veículo e no pagamento de sanção pecuniária compulsória apenas no “singular”, em consonância com o que foi alegado.

            Além de que a obrigação contratual assumida pelo fiador foi a de “garantir e responder …como principal pagador por todas as obrigações assumidas pelo locatário e que para ele resultem do presente contrato…” – cláusula 16ª -, não se alcançando em que medida o artº 634º CC (obrigações do fiador) pode conduzir a que o fiador, no caso concreto, deva (também) ser condenado a restituir o veículo, obrigação que só a Ré sociedade tem, pode e deve cumprir.

            Donde não haver qualquer censura a fazer à sentença recorrida quando “apenas” condena a sociedade Ré a restituir ao Autor o veículo locado.


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            Por último, importa abordar a questão C, isto é, saber se a sentença recorrida violou o disposto no artº 829º-A, do CC, por não ter condenado os RR no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, conforme fora pedido pelo Recorrente.

            Na sentença recorrida, acerca deste pedido, escreveu-se que “…a sanção pecuniária compulsória assenta na insuficiência da execução específica, prevista no artº 827º CC, para realizar integralmente o resultado prático do cumprimento de obrigações infungíveis.

            A obrigação de restituição da coisa, findo o contrato que permitia o respectivo uso ou fruição, como é o caso da restituição de um bem móvel locado, em causa nos autos, é uma típica prestação de coisa.

            A execução específica da obrigação de restituição, nos termos do artº 827º CC, satisfaz integralmente, na hipótese concreta, o interesse do credor.

            Assim, no caso dos autos, contrariamente ao pretendido pelo autor, não há lugar à aplicação de qualquer sanção pecuniária compulsória”.

            Sem pormos em causa tal posição, entendemos ser de acrescentar que o referido pedido de condenação da Ré numa sanção pecuniária compulsória, no caso concreto, enferma de evidente “abuso de direito”, nos termos do artº 334º CC, por com esse pedido se estar a exceder manifestamente os limites impostos pelo fim social e económico do direito do A., tanto mais que entendemos supra que beneficia da também pedida indemnização pelo atraso na restituição da coisa, nos termos do artº 1045º, nº 2, CC.

            Ora, se o A., relativamente ao atraso na restituição do veículo alugado à Ré, vai ser “abonado” com a condenação da Ré no pagamento ao Autor de indemnizações correspondentes ao dobro do valor da renda mensal que fora acordado para o regular cumprimento do contrato de aluguer de longa duração, e isto quando já decorreram mais de 3 anos de vigência desse contrato, mal se entenderia que a Ré ainda fosse penalizada com outra condenação por esse atraso na restituição da viatura, tanto mais que a Ré também foi condenada “a pagar a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e devida por eventuais prejuízos do A., aferidos em função do valor necessário à reparação de qualquer dano no veículo e da responsabilidade do locatário”.

            Donde termos de reconhecer que seria demasiado “abusivo” sancionar também a Ré nos termos peticionados e relativamente à fixação de uma sanção pecuniária compulsória, uma vez que a A. logra obter a condenação da Ré nos termos supra referidos.

            Improcede, assim, esta pretensão da A., impondo-se, nessa parte, confirmar a sentença recorrida.


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            Concluindo, procede parcialmente o recurso, alterando-se a sentença recorrida nos termos supra referidos, isto é, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os RR no pagamento ao A., solidariamente, de € 4.464,55, correspondente ao pedido de alugueres ditos vencidos e não pagos até 10/12/2009, inclusive, além do valor de € 1.785,82 por cada mês decorrido desde Janeiro de 2010, inclusive, até efectiva entrega do veículo ao Autor, montantes acrescidos de juros de mora, sendo estes vencidos e vincendos desde 10/04/2009 até efectivo pagamento, sobre o montante de € 892,91, à taxa dita comercial, e relativamente aos valores indemnizatórios das demais prestações devidas desde 10/11/2009, no montante mensal de € 1.785,82, desde os respectivos vencimentos e até efectivo pagamento, às referidas taxas.

            Identicamente se condenaram os RR (solidariamente) a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e devida por eventuais prejuízos do A., aferidos em função do valor necessário à reparação de qualquer dano no veículo da responsabilidade do locatário.

            Ainda se condena a sociedade Ré a restituir, imediatamente, o veículo matrícula … ao A..


VI

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o presente recurso, alterando-se a sentença recorrida nos sobreditos termos, isto é, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se os RR no pagamento ao A., solidariamente, de € 4.464,55, correspondente ao pedido de alugueres ditos vencidos e não pagos até 10/12/2009, inclusive, além do valor de € 1.785,82 por cada mês decorrido desde Janeiro de 2010, inclusive, até efectiva entrega do veículo ao Autor, montantes acrescidos de juros de mora, sendo estes vencidos e vincendos desde 10/04/2009 até efectivo pagamento, sobre o montante de € 892,91, à taxa dita comercial, e relativamente aos valores indemnizatórios das demais prestações devidas desde 10/11/2009, no montante mensal de € 1.785,82, desde os respectivos vencimentos e até efectivo pagamento, às referidas taxas.

            Identicamente se condenaram os RR (solidariamente) a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença e devida por eventuais prejuízos do A., aferidos em função do valor necessário à reparação de qualquer dano no veículo da responsabilidade do locatário.

            Ainda se condena a sociedade Ré a restituir, imediatamente, o veículo matrícula … ao A..


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            Custas da acção por ambas as partes, sendo os RR responsáveis por 80% e o Autor por 20%.

            Custas do recurso por ambas as partes, na proporção de 50% por cada.


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Jaime Carlos Ferreira (Relator)
Jorge Arcanjo
Isaías Pádua