Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1924/05.4TBACB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
CARTA ROGATÓRIA
ADMISSIBILIDADE LEGAL
ARGUIDO
PARADEIRO DESCONHECIDO
Data do Acordão: 10/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ALCOBAÇA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 8º DA CRP,196º 229º A 240º DO CPP,L.43/91-21/1,LEI 144/99-31/8
Sumário: 1. O regime do D.L. 144/99, de 31/8 admite a emissão de carta rogatória para a prestação de TIR fora do território português.
2. A emissão da carta rogatória para a notificação do arguido e prestação de TIR não é admissível quando desconhecido o paradeiro do arguido visado.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

[1] No âmbito do processo comum com o nº 38/03.6IDACB do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por despacho do MºPº de 2004/04/30, foi deduzida acusação pelo Ministério Público contra, entre outros, A...;

[2] No início desse despacho, escreveu-se: “Atento o teor de fls. 108 a 112 e 323, porque se mostra desconhecido o paradeiro do denunciado A..., não tendo sido possível notificá-lo para interrogatório, nos termos do disposto no artº 272º nº1 (2ª parte) do Código de Processo Penal, prescinde-se do mesmo”;

[3] O arguido A... foi procurado na Marinha Grande e em Monte Redondo, sem sucesso, com indicação em 2004/10/28 da presunção de que havia regressado ao Brasil, seu país natal;

[4] Por despacho de 2005/04/15 foi aquele arguido declarado contumaz e ordenada a separação de processos, prosseguindo autonomamente quanto ao mesmo;

[5] Na sequência de promoção, foi novamente procurado o arguido, com indicação em 2006/07/31 e 2006/07/12 de que se havia ausentado para o Brasil cinco anos antes;

[6] Em 2006/09/08, o Ministério Público promoveu que “Uma vez que resulta dos autos que o arguido, cidadão brasileiro, regressou ao seu País natal, pr: - se ordene a expedição de Carta Rogatória às Justiças do Brasil solicitando a sujeição do arguido A... a Termo de Identidade…”;

[7] Sobre essa promoção, recaiu o seguinte despacho:

«Fls. 748: Veio o Ministério Público promover que seja expedida carta rogatória para o Brasil com vista a que o arguido, cidadão brasileiro, seja submetido a termo de identidade e residência, uma vez que da informação de fls. 747 consta que o mesmo se ausentou há mais de cinco anos para o Brasil.

Cumpre apreciar.

De acordo com o disposto noº 1 a 3 do art. 196° do Código de Processo Penal, "a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.°

2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 113.°, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:

Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado.

Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.° excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;

De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.°".

Estatuem ainda os n.ºs 2 e 3 do art. 113° do mesmo diploma legal que "quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5. ° dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente".

Em face das disposições transcritas, afirma-se evidente que, considerando as consequências processuais da prestação da medida de coacção de termo de identidade e residência, nomeadamente a possibilidade de realização do julgamento na ausência do arguido (n° 1 do art. 333° do Código de Processo Penal), o mesmo deve ser prestado perante órgão de polícia criminal ou autoridade judiciária portuguesa.

E isto, por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, o Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal não abrange a prática de actos processuais posteriores ao despacho de recebimento da acusação ou de pronúncia do arguido (n° 3 do art. 1°).

Por outro lado, e com respeito por posição contrária, como vimos sustentando, mesmo para os casos que cabem no âmbito de aplicação da Lei n° 144/99 de 31 de Agosto, mais propriamente do disposto no seu art. 145°, não está prevista a aplicação de medidas de coacção a solicitação de outro Estado, o que não cabe, de igual modo, na letra do art. 147° do mesmo diploma legal.

De resto, e tendo em conta o princípio da reciprocidade (n° 1 do art. 4° e n° 4 do art. 6°), não podemos deixar de atender ao disposto no n° 3 do art. 154° do já aludido diploma legal, do qual decorre que a autoridade nacional recusa a notificação no caso de ter a cominação de sanções, certamente o estado estrangeiro, mediante uma estrita aplicação da lei, recusará o cumprimento da carta.

Considerando o princípio que subjaz a essa consagração legal, não se vislumbra que, recusando-se Portugal a fazer uma notificação nesses termos, possa peticionar a uma Estado estrangeiro que o faça.

Em segundo lugar, não podemos deixar de ter em consideração que, prestado o termo de identidade e residência, tal legitima que as notificações venham a ser efectuadas por carta simples com prova de depósito, uma forma de notificação "menos solene" adoptada com vista a simplificar o processo de notificação e com um agravamento da posição do arguidos, o que apenas tem aplicação na medida em que sejam observadas as devidas formalidades.

Isto porque aos próprios distribuidores do serviço postal é imposto um conjunto de regras que tem de ser observado (art. 3° e ss. da Portaria n° 1178-A/2000 de 25 de Dezembro, bem como n° 4 do art. 113° do Código de Processo Penal), não se vislumbrando como o poderão levar a cabo funcionários dos serviços postais estrangeiros, sob pena de, não se encontrando observadas, não se considerar regular a notificação.

É que, impondo ao arguido um acompanhamento do processo, procedendo às comunicações necessárias no caso de se ausentar, não o fazendo, e havendo depósito da carta no local de destino, se presume efectuada a notificação.

Ora, como se refere lapidarmente no Assento n° 6/2000 "a celeridade processual, como objectivo, só deve prevalecer quando o direito do arguido não possa ser afectado de forma injustificada e definitiva, sendo este o limite de qualquer opção legislativa...".

Aliás, partindo do pressuposto que fosse conhecida a morada do cidadão no Brasil (o que, de resto, não resulta de fls. 747, mas unicamente que o mesmo se ausentou para tal pais há cerca de cinco anos, o que, em termos práticos equivaleria a rogar a prática de um acto com desconhecimento do local onde se encontra o arguido e se o mesmo reside efectivamente no Brasil...), sempre poderia o mesmo ser notificado, através de carta rogatória, da data para a realização da audiência de julgamento, bem como para declarar se não se opõe ao julgamento na ausência (n° 2 do art. 334° do Código de Processo Penal).

Assim, e em face de todo o exposto, indefere-se o promovido».

[8] Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso, com a seguinte síntese conclusiva:

1. Vem o Ministério Público interpor recurso do douto despacho proferido a fls. 750 a 752, em que se solicitava a expedição de Carta Rogatória às Justiças do Brasil;
2. Os instrumentos de cooperação judiciária internacional não impedem a possibilidade de serem os arguidos, através de mecanismos próprios, sujeitos à medida de coacção de Termo de Identidade e Residência;
3. A expedição de Carta Rogatória nunca poderia ser indeferida porquanto a Lei nº 144/99, de 31 de Agosto prevê a possibilidade de se pedir a um Estado Estrangeiro que aplique uma medida de coacção a um arguido contra quem corre um processo em Portugal;
4. Ao indeferir o pedido de expedição de Carta Rogatória para prestação de TIR, violou o despacho a quo o disposto nos artºs. 1º al. f), 2º, 3º, 4º, 5º al. b) “a contrario”, 23º, 145º nº1 e 2 al. a), 146º, 147º nº1 e 2, 150º, todos da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei nº 144/99, de 31 de Agosto de 1999, todos aplicáveis ex vi artº 22º, 230º, 196º do Cód. Proc. Penal.
5. Pelo que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e deverá o douto despacho a quo ser revogado, ordenando-se que o mesmo seja substituído por outro que determine a expedição da Carta Rogatória às Justiças do Brasil para que o arguido A... preste Termo de Identidade e Residência.
[9] O arguido não apresentou resposta;

[10] Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, em que sufraga a posição do Ministério Público na 1ª instância e toma posição pela procedência do recurso.

[11] Cumprido o disposto no artº 417º nº2 do CPP, o arguido nada disse.

[12] Colhidos os vistos, realizou-se conferência.

II. Fundamentação

[13] É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

[14] As questões suscitadas no presente recurso são:

1. Admissibilidade legal da prestação de T.I.R. através de carta rogatória:

2. Verificação dos pressupostos para a emissão de carta rogatória com esse objecto à Justiça do Brasil.

1. Da admissibilidade legal da carta rogatória para prestação de T.I.R.

[15] O primeiro princípio que enforma o regime da cooperação judiciária internacional no Direito português é o da primazia das fontes normativas convencionais. Assim decorre do artº 8º da Constituição da República Portuguesa, no qual se estabelece a recepção plena das normas constantes de convenções internacionais que vinculem o Estado Português, assim como das normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte.

[16] Em 1991, o legislador português resolveu reunir num diploma – Decreto-Lei 43/91, de 22/1 – todo o regime de cooperação judiciária internacional em matéria penal, seguindo o modelo helvético da Loi fédérale sur l'entraide judiciaire en matière pénale, de 20 de Março de 1981, e o Código de Processo Penal italiano de 22 de Setembro de 1988.

[17] Em 1999, esse regime foi revisto, com o propósito de incorporar os avanços entretanto decorrentes dos diversos instrumentos convencionais assinados por Portugal e adequar o edifício legislativo ao novo texto constitucional, decorrente da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, o que culminou com a aprovação e publicação da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, em vigor [Com as alterações das Leis 104/2001, de 25/8, 48/2003, de 22/ e lei 48/2007, de 29/8.].

[18] Este diploma, tal como o anterior D.L. 43/91, de 22/1, substitui-se em parte às normas constantes do Código de Processo Penal sobre as relações com autoridades estrangeiras, decorrentes dos artigos 229º a 240º desse código.

[19] Assim, o regime português relativamente à cooperação judiciária internacional em matéria penal decorre: em primeira linha, das normas de direito internacional que vinculem o Estado Português; em segunda linha, do regime instituído pela Lei 144/99, de 31/8; e, por fim, em tudo o que não esteja regulado, dos artigos 229º a 240º do Código de Processo Penal.

[20] Entre Portugal e o Brasil foi firmado Tratado de Auxílio Mútuo em Matéria Penal [Aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 4/94, de 3 de Fevereiro, ratificado por Decreto do Presidente da República nº 2/94, da mesma data, tendo entrado em vigor, conforme Aviso nº 329/94, publicado em 1994/11/24.]. Porém, e como refere o despacho recorrido, esse Tratado limitou a seu objecto às “diligências preparatórias e necessárias em qualquer processo penal” [Artº 1º nº1.], com as Partes Contratantes a definir o marco processual até ao qual pretendiam regular o auxílio judiciário mútuo: todos os actos processuais praticados até à decisão judicial de recebimento da acusação ou de pronúncia do arguido, inclusive [Artº 1, nº3.].

[21] Afastada a presença de instrumento convencional, importa, como referido, atentar no regime da Lei 144/99, de 31/8, mormente nos artºs 145º e segs., com vista a responder à questão de saber se comporta actos relativos a medidas de coacção.

[22] Ora, não se vê que a interpretação efectuada no despacho recorrido tenha suporte nos dispositivos que evoca.

Diz o artº 145º, sob a epígrafe “Princípio e âmbito”:

O auxílio compreende a comunicação de informações, de actos processuais e de outros actos públicos admitidos pelo direito português, quando se afigurarem necessários à realização das finalidades do processo bem como os actos necessários à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objectos ou produtos da infracção.

[23] Esta formulação, não só na alusão a “actos processuais”, sem qualquer exclusão, como também a inclusão de “actos públicos”, desde que admitidos pelo direito português, transmite claramente ao intérprete o propósito de abranger a generalidade dos actos, mesmo aqueles relativos à aplicação de medidas de coacção.

[24] Este entendimento surge reforçado pela enunciação exemplificativa constante do nº 2 do artº 145º da Lei 144/99, de 31/8 [“2. O auxílio compreende, nomeadamente…” (sublinhado nosso).] e, ao contrário do referido no despacho recorrido, pelo disposto no artº 147º. Dele decorre a consagração no direito português da possibilidade de praticar, a solicitação de outro Estado, actos que implicam o recurso a medidas de coacção, ainda que com o requisito da dupla incriminação e de respeito pelos trâmites do Estado rogado.

[25] Dúvidas não ficam, então, de que o legislador pretendeu abranger no auxílio judiciário os actos de aplicação de medida de coacção, para além das medidas privativas da liberdade (aí rege a extradição e a entrega de pessoas), mormente a prestação de Termo de Identidade e Residência, nos termos do artº 196º do CPP.

[26] Assim, e como vem sendo decidido neste Tribunal da Relação de Coimbra [Cfr. Ac. do T.R.C. de 2007/09/12, Proc. 613/03.9 TAACB.C1, www.dgsi.pt.] , entendemos que o regime do D.L. 144/99, de 31/8 admite a emissão de carta rogatória [Pode definir-se carta rogatória como “mandato conferido por uma autoridade judiciária de um país a uma autoridade estrangeira para, em seu lugar, proceder a um ou mais actos especificados” – cf. Rapport Explicatif sur la Convention Européenne d'Entraide Judiciaire en Matière Pénale, ed. Conselho da Europa, 1969, p. 14.] para a prestação de TIR fora do território português.

[27] A esta conclusão não obstam as razões indicadas no despacho recorrido relativamente ao funcionamento do princípio da reciprocidade, contemplado no artº 4º do D.L. 144/99, de 31/8, pois não existem razões para crer que Estado rogado venha a negar a cooperação.

[28] E, da mesma forma, salvaguardado o devido respeito, também não colhem os argumentos relativos às condicionantes de cumprimento do depósito postal em país estrangeiro. Não se pode confundir a admissibilidade, e a propriedade, da emissão da carta rogatória com as condições de validade do acto que integra o objecto do pedido e, no caso, nunca ficaria inviabilizado recurso a forma de notificação distintas do aviso postal simples, com garantias acrescidas de recepção.

2. Da verificação dos pressupostos para a emissão

[29] Estas considerações transportam-nos para a segunda vertente do recurso, abordada na motivação, a saber, a verificação dos pressupostos para a pretendida emissão de carta rogatória para a prestação de TIR quando é desconhecido o paradeiro do arguido visado. Mais, nem mesmo consta das peças processuais enviadas a sua última residência no Brasil, país onde nasceu.

[30] Com os fenómenos migracionais que marcaram o final do século passado e o ínicio do presente e facilidade na circulação planetária, cresceram os fenómenos de criminalidade transnacional e, correspondentemente, a necessidade de aprofundar os instrumentos de cooperação internacional em matéria penal, mormente evoluíndo do paradigma da cooperação para o do reconhecimento mútuo [Desde as conclusões do Conselho Europeu Tampere de Outubro de 1999 que o reconhecimento mútuo das decisões judiciais é considerado a pedra angular no domínio da cooperação judiciária na esfera da União Europeia.].

[31] Porém, e mesmo que muito tenha sido conseguido, os pedidos de cooperação internacional em matéria penal permanecem instrumentos pesados e onerosos, sobretudo fora do contexto europeu, a utilizar apenas quando esgotados todos os recursos ao alcançe da jurisdição onde decorre o procedimento e depois de asseguradas todas as condições de viabilidade na satisfação do acto rogado.

[32] Ora, tomando os elementos facultados, não se vê como pode o recorrente afirmar que “resulta sobejamente dos autos que o arguido, cidadão de nacionalidade brasileira, se encontra a residir no seu País Natal”, face aos termos lacónicos das indicações policiais, algumas com mera presunção.

[33] Acontece que, tratando-se de notificação [Embora não equacionado na promoção de emissão de rogatória, nem no despacho recorrido, importa atentar no disposto artº 336º nº3 do CPP, pelo que a pretendida carta rogatória sempre deveria envolver a notificação da acusação proferida. Aliás, dificilmente uma carta rogatória pode ter como objecto apenas a prestação de TIR. Em inquérito, envolverá o obrigatório interrogatório do arguido, caso não tenha acontecido e, nas demais fases processuais, as notificações pessoais indicadas no artº 103º nº9 do C.P.P.], o pedido de auxílio deve conter a menção do nome e residência do destinatário ou de outro local em que possa ser notificado, sem o que o pedido de auxílio não é mais de notificação, mas sim de obtenção de paradeiro, situação em que existe desproporção manifesta com a utilização de carta rogatória.

[34] Com efeito, a emissão de cartas rogatórias, tanto aquelas para a obtenção de prova, como para a notificação e prática de actos processuais, como a prestação de TIR, está dependente do respeito cumulativo dos princípios da necessidade e da proporcionalidade, como decorre do disposto no artº 230º nº2 do CPP, de forma a que a apressada utilização do recurso a jurisdição estrangeira não venha a afectar a desejável celeridade de solicitações futuras e o respeito devido entre Estados.

[35] O que dizer, porém, da indicação do recorrente de que “…mesmo que não se sabendo em concreto da sua residência nada obsta ao cumprimento da Carta Rogatória, porquanto, o Ministério Público Federal junto do Supremo Tribunal de Justiça no Brasil sempre procederá às diligências atinentes à averiguação da residência do arguido nesse país”, remetendo para a tramitação verificada na carta rogatória expedida à Justiça do Brasil no Processo nº 252/00.6 TBACB?

[36] Compulsados esses elementos, verifica-se que a residência do aí arguido no Brasil é identificada na carta rogatória expedida e que o “exequatur” concedido pelo Supremo Tribunal de Justiça foi precedido de notificação postal para a residência indicada [Intimação para, querendo, impugnar o cumprimento da rogatória, conforme artº 226º do Regulamento Interno do Supremo Tribunal Federal], não devolvida. Após a mesma, o Ministério Público Federal indicou outro endereço “além do que consta nos autos [Sublinhado nosso.]. Ou seja, situação bastante dissemelhante daquela dos presentes autos, em que se pretende confrontar a Justiça do Brasil com a absoluta ausência de determinação de endereço.

[37] Por outro lado, tomando a consideração de que o cumprimento da carta rogatória envolverá, necessariamente, actividade investigatória prévia por parte do Ministério Público Federal do Brasil, então permanece aberta a possibilidade, e a necessidade, de desencadear primeiro essa colaboração, mormente através da Procuradoria Geral da República, enquanto Autoridade Central de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, o que pode ser efectuado por simples comunicação.

[38] Aqui chegados, emerge nítida a conclusão de que, sendo admissível a pretendida emissão de carta rogatória para a notificação do arguido e prestação de TIR, não estão reunidos os pressupostos para que essa determinação aconteça.

[39] Deve então manter-se a decisão recorrida, ainda que não pelos mesmos fundamentos.

III. Dispositivo

[40] Termos em que acordam os Juízes da secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e confirmar, ainda que por diferentes fundamentos, o despacho recorrido.

[41] Sem custas (artº 522º nº1 do CPP).

Notifique.

Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).

Recurso 1924/05.4TBACB-A.C1

Coimbra,

(Fernando Ventura - relator)

(Gabriel Catarino)

(Barreto do Carmo)