Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
868/12.8TXCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: PRISÃO POR DIAS LIVRES
EXECUÇÃO
FALTAS
TERMO
Data do Acordão: 01/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 45.º DO CP; ARTIGO 125.º, N.º 4, DO CEPMPL
Sumário: Por força do disposto no n.º 4 do artigo 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), a falta de entrada, não justificada, do condenado - em prisão por dias livres -, no estabelecimento prisional, tem como inevitável e “única” consequência o cumprimento, em contínuo, do remanescente da pena ainda não cumprida.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1. Nos Autos de Processo Supletico (Lei 115/2009) registados sob o nº 868/12.8TXCBR-A, a correr termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, em que é arguido A..., pelo Mma Juíza foi proferida decisão em 05/09/2013 (certificada a fls. 2 a 7 destes autos de recurso em separado), em que julgou injustificadas as não apresentações do condenado no Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013 e, consequentemente, determinou o cumprimento em regime contínuo do remanescente da pena de 12 meses de prisão aplicada.

2. Inconformado com tal decisão, e pugnando pela revogação da mesma e a sua substituição por outra que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres, em 15/10/2013, recorreu o arguido retirando da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

1)- Sendo embora verdade que o recorrente faltou (ao cumprimento da aludida pena) nos dias que se encontram concretizados na decisão aqui em crise, aquele apresentou a(s) justificação(ões) que constam dos autos para tais faltas, mais mostrando vontade para continuar a cumprir a pena em que foi condenado, por dias livres (única forma de garantir a sobrevivência da sua família, composta de mulher e seis filhos ... ).

2)- O cumprimento contínuo do remanescente da pena de prisão torna-se demasiado gravoso (seja para o recorrente, seja para a sua família), porquanto é do trabalho do aqui recorrente, em feiras e mercados, que vai sobrevivendo o agregado familiar do arguido (com a ajuda de instituições de caridade e do RSI. convenhamos).

3)- Na verdade, caso se entenda ser de manter a decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, o recorrente e a sua família ficarão numa situação de absoluta carência económica, com os consequentes riscos de degradação pessoal e desagregação familiar (sublinhando-se que a filha mais nova do arguido tem cerca de seis meses de idade ... ).

4)- Isto porque a esposa do recorrente não trabalha (aliás, ainda está a amamentar ...), o mesmo sucedendo com os filhos do peticionante - e daí que a fome e a miséria são o horizonte que mais objectivamente se aproxima.

5)- Assim, face às razões que vêm de invocar-se, pede-se ao Tribunal que revogue a decisão que determina o cumprimento do remanescente da pena de prisão em regime contínuo, por outra que determine o cumprimento do período em falta em regime de prisão por dias livres, como já havia sido decidido anteriormente.

6)- A decisão revidenda não ponderou - salvo o devido respeito e melhor opinião - a situação familiar e profissional do ora recorrente, pelo que não levou em consideração as normas dos arts. 40°, Código Penal e 36°/ 5 e 6 da Constituição da República.
Termos em que, e nos melhores de direito cujo suprimento antecipadamente se pede, deve a decisão recorrida ser revogada, proferindo-se acórdão que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres”

                                                       *

3. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, em 27.11.2013, respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso e concluindo do seguinte modo (transcrição):

“1- A decisão recorrida mostra-se consonante à letra da lei e, nessa perspectiva, não poderá afirmar-se, nem o Recorrente sequer o alega, que haja ofendido o disposto no artigo 125°, nº 4, do CEPMPL.

2- No entanto e mostrando-se, no caso e pelo que, já antes nos autos e agora na presente resposta se deixa mencionado, que o Recorrente não faltou para, deliberada, gratuita e reiteradamente manifestar incumprimento da pena que lhe foi imposta, antes o fez em circunstâncias que, mesmo não constituindo motivo impeditivo, são sérias e relevantes, a ponto de o levar até à errónea convicção de que pudesse estar a proceder justificadamente, criar constituindo acto decisório do Juiz de Execução de Penas, afigura-se que, também à luz do princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, a alteração da pena para o regime contínuo de prisão deveria ser preterida pela expressa e solene advertência do condenado para essa insuficiência de justificação e para as consequências advenientes nessa persistência, em lugar de passar a cumprir, com assiduidade e pontualidade, o seu dever de apresentação, no EPR da Covilhã, para dar continuidade ao cumprimento da sua pena.

3- Assim se decidindo, não se vê que daí resulte, no caso, afectada a finalidade da pena, antes resultará maior adesão do condenado ao seu cumprimento e ao atingimento dos seus efeitos e, por isso, benefício para a administração da justiça e a afirmação do prestígio da função jurisdicional.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, decidindo pela procedência do recurso e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por uma outra que, julgando embora injustificadas as faltas ali apontadas e mantendo ainda a execução da pena de prisão por dias livres, advirta o condenado para o cumprimento assíduo e pontual do seu dever de apresentação no Estabelecimento Prisional e para as consequências possivelmente advenientes da persistência do incumprimento verificado, será feita Justiça.”

4. Antes de instruir os presentes autos de recurso em separado e de ordenar a remessa dos mesmos a esta Relação, a Sra Juíza a quo sustentou a decisão recorrida.

5. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na vista que lhe foi aberta, limitou-se a apor “Visto”.

5. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (arts 403º e 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a única questão suscitada consiste em saber se, apesar de terem sido julgadas injustificadas as não apresentações do condenado no Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013, ainda é possível determinar o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres (como pretende o recorrente) em vez de tal cumprimento ser já em modo contínuo (como havia sido determinado pelo tribunal a quo no despacho recorrido).

Síntese da evolução sequencial do que os autos nos dão conta:
Façamos primeiramente um breve e sintética resenha histórica/sequencial do que estes autos de recurso em separado nos dão conta desde a, neles incluída, certidão da sentença condenatória de 1ª instância e até à decisão recorrida.
a) Por sentença de 17.09.2012, proferida nos autos de Processo Sumário n.º 94/12.6GTGRD, do Tribunal judicial de Celorico da Beira (devidamente transitada em julgado) foi o ora recorrente condenado na pena de 12 meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, equivalentes a 72 períodos de fim-de-semana, com duração de 36 horas cada período.
b) O recorrente iniciou o cumprimento da pena em 01.12.2012.
c) Não se apresentou no Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena nos fins-de-semana de: 15.12.2012, 22.12.2012, 29.12.2012, 12.01.2013, 19.01.2013, 02.2.2013, 09.02.2013, 16.02.2013, 23.02.2013, 02.03.2013, 09.03.2013, 23/3/2013.
d) No dia 24.06.2013, através de videoconferência com o Tribunal Judicial da Guarda, e no âmbito do que estabelece o artigo 125º nº 4 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante designado sob a sigla CEPMPL) foi o recorrente ouvido a propósito daquelas faltas.
e) Quer antes desta audição quer depois da mesma, o ora recorrente juntou ao autos documentos/exposições tendentes à justificação de tais faltas.
f) Em 05.09.2013 vem então a ser proferida a decisão recorrida que tem o seguinte teor (transcrição):
“1 – RELATÓRIO
Foi instaurado o presente processo supletivo em virtude de não apresentação do condenado A..., já identificado nos autos, no EP no qual cumpria pena de prisão por dias livres.
Foi o condenado ouvido nos termos do art. 125.º/4 do CEPMPL, conforme resulta da ata junta a fls. 146 e 147.
Finda a instrução o MP pronunciou-se, promovendo que se considerassem injustificadas as faltas mas que se permitisse ao arguido continuar a cumprir a prisão por dias livres, advertindo para que de futuro não volte a incumprir as apresentações.
*
O tribunal é competente.
O processo é o próprio.
Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
2 – Fundamentação de facto:
Consideram-se provados os seguintes factos, com fundamento nos documentos juntos aos autos:
1) Por sentença de 17.09.12, proferida nos autos de Processo Sumário n.º 94/12.6GTGRD, do Tribunal judicial de Celorico da Beira, foi o requerido condenado na pena de 12 meses de prisão, a cumprir em regime de dias livres, equivalentes a 72 períodos de fim-de-semana, com duração de 36 horas cada período.
2) A sentença referida em 1) transitou em julgado em 2012.10.17.
3) O condenado o arguido iniciou o cumprimento da pena em 01-12- 2012.
4) O condenado (não se apresentou no Estabelecimento Prisional para cumprimento da pena nos fins-de-semana de:
- 15.12.2012 (fls. 20/22);
- 22.12.2012 (fls. 24/26);
- 29.12.2012 (fls. 28/29);
-12.01.2013 (fls. 37/39);
-19.01.2013 (fls. 41/43);
- 02.2.2013 (fls. 46/48);
-09.02.2013 (fls. 51/53);
-16.02.2013 (fls. 55/57);
-23.02.2013 (fls. 72/74);
- 02.03.2013 (fls. 82/83);
-09.03.2013 (fls. 85/87);
- 23/3/2013 (fls. 102/104)
5) O arguido esteve doente entre o dia 8/3/2013 e o dia 22/3/2013.
6) Esteve presente nas urgências do Hospital Distrital da Guarda no dia 30/12, tendo tido alta com indicação de “exterior não referenciável”.
7) No dia 20/1 esteve nas urgências do Hospital da Guarda, onde permaneceu entre as 5:55 e a 6:30, tendo tido alta com destino “exterior não referenciável”.
8) No dia 12/2 esteve nas urgências do Hospital da Guarda, onde permaneceu entre a 20:28 e a 21:08, tendo tido alta com destino “ARS/Centro de Saúde”.
9) No dia 2/3 esteve nas urgências do Hospital da Guarda, onde permaneceu entre a 1:23 e a 1:50, tendo tido alta com destino “exterior não referenciável”.
10) No dia 2/3 esteve nas urgências do Hospital da Guarda, onde permaneceu entre a 1:23 e a 1:39, tendo tido alta com destino “exterior não referenciável”.
11) Acompanhou a mulher entre os dias 17/2/2013 e 19/2/2013, que estava internada no Hospital, na Guarda
12) Compareceu no funeral de um familiar no dia 15/12/2013.
13) Não tem carta de condução e o cunhado, que o levava ao EP da Covilhã, encontra-se doente e a fazer um tratamento de quimioterapia.
14) Tem dificuldades económicas, uma vez que tem 6 filhos e até ao momento os seus rendimentos têm sido o RSI e o abono de família.
15) Actualmente está a trabalhar nas feiras e perspectiva iniciar um curso de formação profissional.
3. Fundamentação de Direito:
Considerado o trânsito em julgado da sentença que impôs o cumprimento de 12 meses de prisão a cumprir em regime de dias livres, equivalentes a 72 períodos de fim-de-semana e emitida a correspondente guia de apresentação, encontra-se o condenado privado da sua liberdade e vinculado à reclusão nos períodos indicados.
De acordo com o art. 125.º, nº4, do CEPMPL, as faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao TEP. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime
contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura.
A não apresentação apenas será justificável perante hipóteses de impossibilidade absoluta. Trata-se de hipóteses sobreponíveis ao conceito de justo impedimento.
De acordo com a definição fornecida pelo art.146º do CPC, por justo impedimento entende-se todo o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.
Na sua anterior redacção, a norma referida em último lugar definia o justo impedimento como "o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário".
Tal definição levava a doutrina a circunscrever o âmbito da previsão legal àquelas hipóteses em que a pessoa onerada com a prática do ato houvesse sido colocada na absoluta impossibilidade de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que o cuidado e diligências normais não fariam prever (cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 1º, pg.321).
Como bem nota Abílio Neto (Código de Processo Civil Anotado, 14º ed., pg.211), a esta quase responsabilidade pelo risco contrapôs a reforma de 95 uma definição conceitual mais flexível, fazendo derradeiro apelo ao “meio termo” de que falava Vaz Serra (RLJ, 109º, pg.267): deve exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não lhes é exigível que entrem em linha de conta com circunstâncias excecionais.
Sob a égide do revisto conceito, agora indubitavelmente estruturado sob uma ideia de culpa, constitui pois uma situação de justo impedimento a doença do arguido entre o dia 8/3/2013 e o dia 22/3/2013, impossibilitando-o de comparecer no EP, bem assim como o acompanhamento da mulher, que esteve internada no fim de semana de 16/2
Também a comparência num funeral que teve lugar a 15/12/2012 justificam a sua ausência nesse fins-de-semana.
Todavia, continuarem a não configurar casos de justo impedimento as hipóteses em que, como no caso presente, o recluso não comparece no Estabelecimento Prisional por dificuldades económicas.
Também o não são as situações em que o arguido comparece nas urgências do Hospital: apenas situações de doença constituem justo impedimento e uma ida às urgências não comprovam esse estado clínico. Aliás, a maioria dessas idas à urgência resolveram-se em pouco tempo e conduziram à rápida alta do recluso, o que é revelador da inexistência de doença grave. A existir uma situação de doença, e sabendo o arguido que deveria ter comparecido no EP a fim de cumprir a pena em que foi condenado, teria certamente o arguido diligenciado pela obtenção de um atestado médico.
Ou seja, encontram-se por justificar inúmeras situações de não comparência do recluso no Estabelecimento Prisional, concretamente as dos fins de semana de 22/12, 29/12, 12/1, 19/1, 2/2, 9/2, 16/2 e 23/2.
Assim, nos termos do disposto no art.º 125º n.º 4 do CEP julgo justificadas as faltas ocorridas nos fins de semana de 17/12/2012 e de 16/12/2013 e julgo injustificadas as faltas ocorridas nos fins de semana de 22/12, 29/12, 12/1, 19/1, 2/2, 9/2, 16/2 e 23/2.
3 – DECISÃO
Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se julgar injustificadas as não apresentações do condenado no Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013 e, consequentemente, determina-se o cumprimento em regime contínuo do remanescente da pena de 12 meses de prisão aplicada.
Custas pelo condenado com taxa de justiça fixada em 2 UC.
*
Notifique, sendo o condenado pessoalmente.
Oficie ao EP dando conta de que doravante não pode ser aceite o cumprimento de períodos de PDL e solicitando o registo dos PDL que se mostram cumpridos, com indicação das respectivas datas.
Remeta cópia certificada ao tribunal da condenação.
Após trânsito:
1- Abra vista ao M.º P., a fim de promover a execução da pena.
2- Solicite ao tribunal a liquidação da pena, efectuada a ponderação dos períodos cumpridos.
3- Remeta boletins ao registo criminal.
Logo que o condenado seja capturado, informe o Tribunal da condenação deste facto, independentemente de despacho, com cópia do expediente referido em 1, que vier entretanto a ser junto aos autos.
 (…)”

Não constituindo objecto de recurso saber se as faltas foram bem ou mal justificadas, passemos então a conhecer a questão suscitada no recurso que consiste, sim, em saber se, apesar de terem sido julgadas injustificadas as não apresentações do condenado no Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013 ainda é possível determinar o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres (como pretende o recorrente) em vez de tal cumprimento ser já em modo contínuo (como havia sido determinado pelo tribunal a quo no despacho recorrido).

Como enquadramento prévio para esta questão, teçamos, primeiramente, algumas considerações gerais acerca da restrição de direitos que inelutavelmente decorrem da aplicação de qualquer reacção criminal, restrição essa que mais se acentua quando, tal como foi determinado na decisão recorrida, uma pena de substituição que estava a ser implementada perde a sua força/vigência com a “mutação” para a pena que originalmente havia sido aplicada (ou seja quando a pena substituta regride ou retrocede para a pena substituída).


Dando expressão aos chamados princípios da intervenção mínima e da proporcionalidade das penas (com os quais está ligada a prisão por dias livres como pena substituta da prisão efectiva), a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 18º nº 2 estabelece que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Na mesma óptica de orientação, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, enuncia vinculativamente para os Estados Membros no seu artigo 49.º, n.º 3 que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”
De tais normativos decorre que os princípios da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas, devem ser tidos em conta não só na sua escolha e determinação, como também na sua execução, mormente quando as reacções penais forem privativas da liberdade.
Por outro lado, é por demais consabido que tanto na determinação como na execução das penas deverá atender-se às finalidades destas que, segundo estabelece o artigo 40º do Código Penal, visam a “protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Também com relevância para esta questão, importa trazer à colação o artigo 42º nº 1 do Código Penal que dispõe: “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes”, sendo que pelo mesmo diapasão rege o artigo 2.º, n.º 1 do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade, ao estipular-se que “A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade”.
Todos estes normativos reforçam a ideia de que a execução de uma pena de prisão tem essencialmente na sua base nítidas razões de prevenção geral associadas à defesa da sociedade e à paz jurídica ou social, mas também orientações de prevenção especial especialmente na vertente da ressocialização do condenado.

As penas de prisão por dias livres e em regime de semi-detenção, porque cumpridas intramuros, mas não de forma contínua como a prisão denominada “efectiva”, são consideradas pela doutrina como penas de substituição em sentido impróprio.
Com efeito, com a autoridade que todos lhe reconhecemos, escreve Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 335/336, ao fazer a distinção entre penas de substituição em sentido próprio das penas de substituição em sentido impróprio, diz quanto às penas de substituição em sentido próprio: estas penas de substituição deverão responder a um duplo requisito: terem, por um lado, carácter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade (no sentido de extramuros), correspondendo deste modo, pelo melhor, aos propósitos político-criminais do movimento de luta contra a pena de prisão; e pressuporem, por outro lado, a prévia determinação da medida da pena de prisão, para serem então aplicadas em vez desta, correspondendo deste modo, pelo melhor, ao perfil dogmático das penas de substituição (…)”; e acerca das penas de substituição detentivas/em sentido amplo/impróprias diz: nestas se contam a prisão por dias livres e o regime de semidetenção. À primeira vista, dir-se-ia não ter sentido, ou constituir mesmo rematado absurdo, considerar como penas de substituição da prisão sanções que são cumpridas intramuros, em instituições prisionais; sanções que são elas mesmas, numa palavra, penas de prisão! E daí justamente que em muitas doutrinas e legislações - e mesmo entre nós - medidas deste tipo sejam consideradas ainda dentro da problemática da prisão, preferentemente como formas especiais de cumprimento (ou de execução) da pena de prisão.
Mas, se bem que estas sanções possam ser consideradas também sob este ponto de vista, é inteiramente correcto contá-las entre as penas de substituição. São-no certamente do ponto de vista dogmático, uma vez que a sua aplicação supõe a prévia determinação de uma pena de prisão contínua, que depois é substituída (di-lo a lei expressamente, de resto, no art. 44-1” (hoje, art. 45.º), “a propósito da prisão por dias livres (…). Por outro lado - e é o essencial -, qualquer das medidas em causa nutre-se do mesmo húmus histórico e político-criminal das restantes penas de substituição: o da luta contra as penas (curtas) de prisão. Pois é claro e indiscutível que os inconvenientes político-criminais graves que a estas penas se apontam - e que podem resumir-se no que se chama o efeito criminógeno da prisão - valem para a pena de prisão contínua, mas já não (ou só de forma muito atenuada) para a prisão por dias livres ou para o regime de semidetenção”.

Dito isto, e entrando agora na situação em apreço, vejamos o que estabelece o artigo 125.º do CEPMPL (único artigo do CAPÍTULO II (Prisão por dias livres e em regime de semidetenção ) que se insere no “Título XVI” do referido diploma, artigo esse que tem como epígrafe “Execução, faltas e termo do cumprimento”:

1 - A execução da prisão por dias livres e da prisão em regime de semidetenção obedece ao disposto no presente Código e no Regulamento Geral, com as especificações fixadas neste capítulo.

2 - As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas no processo individual do condenado.

3 - Não são passados mandados de condução nem de libertação.

4 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura. (negrito e sublinhado nosso)

5 - As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo director do estabelecimento prisional, ouvido o condenado.” (sublinhado nosso)

Ora, o texto da lei, no seu nº 4, acabado de citar, é claro e completamente límpido, não dando azo a qualquer outra interpretação que não seja a de o condenado passar a cumprir em regime contínuo a prisão que até aí vinha sendo cumprida em dias livres ou em regime de semidetenção, caso ocorra alguma falta de apresentação no Estabelecimento prisional que seja considerada injustificada pelo tribunal de execução de penas.

Não há dúvidas no texto e no sentido da norma: se o tribunal não considerar a falta justificada, “passa a prisão (no nosso caso, por dias livres) a ser cumprida em regime contínuo”.

E uma das competências do tribunal de execução de penas é a de “Ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional não consideradas justificadas por parte do condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção;” (cfr. artigo 138º nº 4 alínea l) do CEPMPL).

Não tendo o recorrente posto em causa a não justificação de qualquer das suas faltas de apresentação do Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013, decorre da sua pretensão recursiva que lhe venha a ser dada oportunidade de poder continuar a cumprir o remanescente da pena de prisão por dias livres.

Todavia, inexiste base legal que sirva de suporte ou possa acolher tal pretensão, desde logo face à solução taxativamente expressa e/ou imposta na parte final do já mencionado nº 4 do artigo 125º do CEPMPL.

Diversamente do que acontece, por exemplo, com a suspensão de execução da pena (pena de substituição, em sentido próprio, da pena de prisão) que prevê - quando ocorra o incumprimento de algum dos deveres ou regras de conduta que haviam sido estabelecidos como condição dessa suspensão - entre outras soluções uma solene advertência ao condenado ou a prorrogação do prazo dessa suspensão, no âmbito da pena de prisão por dias livres (ou em regime de semidetenção) quando não seja considerada justificada uma falta de apresentação do estabelecimento prisional isso determina necessariamente que a pena de prisão (que havia sido substituída por dias livres ou em regime de semidetenção) passe a ser cumprida em contínuo em vez de continuar a ser cumprida em períodos fragmentados de tempo.

A causa (consistente na falta de apresentação no estabelecimento que não venha a ser considerada justificada) tem como inevitável, e “única” consequência, o cumprimento, em contínuo, do remanescente daquela pena de prisão (que havia sido substituída) ainda não cumprida.

Quer no Código Penal quer em qualquer outra legislação processual penal atinente com esta matéria, inexiste outra solução ou cominação. O legislador não dá azo a contemplações no sentido de permitir que o condenado, faltando injustificadamente, continue a “beneficiar” da benesse (perdoe-se-nos o pleonasmo) de prisão com interrupções ou por períodos. Se o condenado não quer aproveitar (ou não quis aproveitar, como aconteceu no nosso caso) esse benefício, outra hipótese não lhe dá - tem de cumprir em contínuo o que ainda lhe falta cumprir.

E o tribunal a quo, mais não fez do que observar/cumprir aquilo que o legislador estabeleceu. Não podia era “inventar” uma solução que fosse ao arrepio daquilo que o legislador expressamente determinou.

Não enjeitamos que o cumprimento em contínuo do remanescente da prisão venha a ser bem gravoso para o recorrente e sua família, quer em termos pessoais, económicos e de estruturação familiar (como alega o recorrente).

Todavia, essas prováveis consequências pessoais e familiares apenas, e tão só, são decorrentes da conduta, voluntária, do condenado em não cumprir o que tinha sido determinado pelo tribunal da condenação. Dos seus próprios actos e/omissões (voluntárias) apenas o recorrente se poderá queixar. A consequência que o legislador estabelece apenas ao recorrente é imputável. Por isso, antes de adoptar o comportamento que adoptou, devia ter pensado para as consequências daí resultantes.

E, na sequência do que vimos dizendo, não se diga, tal como, indirectamente, pretende fazer crer o recorrente, que a decisão recorrida, violou o artigo 36º nº 5 e 6  da Constituição da República Portuguesa.

Rezam tais números 5 e 6 (integrados nesse artigo 36º que tem por epígrafe (Família, casamento e filiação) que:

5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.

6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

A determinação da prisão em contínuo não implica a perda de qualquer direito sobre os filhos nem proíbe ou impede legalmente qualquer dever de educação dos filhos nem muito menos o inibe do poder paternal. A reclusão, em contínuo até ao cumprimento do remanescente da pena, pela sua própria natureza, apenas implica, natural e obviamente, um afastamento físico e temporário dos, e em relação aos, filhos (tal como em relação a outros elementos da família). Essas são as contingências da determinada reclusão em ambiente prisional que, como dissemos, apenas é imputável ao recorrente.

A seguir o entendimento do recorrente, um arguido que fosse pai de filhos jamais poderia ser alvo de penas detentivas! A tanto não vão os direitos fundamentais plasmados na nossa Constituição!

No nosso caso, o tribunal a quo, mais não fez do que aplicar a lei.

Não merece, pois, censura a decisão recorrida.

Assim, e em síntese conclusiva, naufragando a pretensão do recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou qualquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados nas suas conclusões de recurso - terá o recurso que improcede.

                                                       *

III – DISPOSITIVO

Nos termos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s.

                                                       *

(Luís Coimbra - Relator)



 (Isabel Silva)