Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS COIMBRA | ||
Descritores: | PRISÃO POR DIAS LIVRES EXECUÇÃO FALTAS TERMO | ||
Data do Acordão: | 01/22/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 45.º DO CP; ARTIGO 125.º, N.º 4, DO CEPMPL | ||
Sumário: | Por força do disposto no n.º 4 do artigo 125.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL), a falta de entrada, não justificada, do condenado - em prisão por dias livres -, no estabelecimento prisional, tem como inevitável e “única” consequência o cumprimento, em contínuo, do remanescente da pena ainda não cumprida. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra
I – RELATÓRIO 1. Nos Autos de Processo Supletico (Lei 115/2009) registados sob o nº 868/12.8TXCBR-A, a correr termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, em que é arguido A..., pelo Mma Juíza foi proferida decisão em 05/09/2013 (certificada a fls. 2 a 7 destes autos de recurso em separado), em que julgou injustificadas as não apresentações do condenado no Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013 e, consequentemente, determinou o cumprimento em regime contínuo do remanescente da pena de 12 meses de prisão aplicada. 2. Inconformado com tal decisão, e pugnando pela revogação da mesma e a sua substituição por outra que determine o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres, em 15/10/2013, recorreu o arguido retirando da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões: 1)- Sendo embora verdade que o recorrente faltou (ao cumprimento da aludida pena) nos dias que se encontram concretizados na decisão aqui em crise, aquele apresentou a(s) justificação(ões) que constam dos autos para tais faltas, mais mostrando vontade para continuar a cumprir a pena em que foi condenado, por dias livres (única forma de garantir a sobrevivência da sua família, composta de mulher e seis filhos ... ). 2)- O cumprimento contínuo do remanescente da pena de prisão torna-se demasiado gravoso (seja para o recorrente, seja para a sua família), porquanto é do trabalho do aqui recorrente, em feiras e mercados, que vai sobrevivendo o agregado familiar do arguido (com a ajuda de instituições de caridade e do RSI. convenhamos). 3)- Na verdade, caso se entenda ser de manter a decisão proferida pelo Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, o recorrente e a sua família ficarão numa situação de absoluta carência económica, com os consequentes riscos de degradação pessoal e desagregação familiar (sublinhando-se que a filha mais nova do arguido tem cerca de seis meses de idade ... ). 4)- Isto porque a esposa do recorrente não trabalha (aliás, ainda está a amamentar ...), o mesmo sucedendo com os filhos do peticionante - e daí que a fome e a miséria são o horizonte que mais objectivamente se aproxima. 5)- Assim, face às razões que vêm de invocar-se, pede-se ao Tribunal que revogue a decisão que determina o cumprimento do remanescente da pena de prisão em regime contínuo, por outra que determine o cumprimento do período em falta em regime de prisão por dias livres, como já havia sido decidido anteriormente. 6)- A decisão revidenda não ponderou - salvo o devido respeito e melhor opinião - a situação familiar e profissional do ora recorrente, pelo que não levou em consideração as normas dos arts. 40°, Código Penal e 36°/ 5 e 6 da Constituição da República. * 3. O Ministério Público, junto do tribunal recorrido, em 27.11.2013, respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso e concluindo do seguinte modo (transcrição): “1- A decisão recorrida mostra-se consonante à letra da lei e, nessa perspectiva, não poderá afirmar-se, nem o Recorrente sequer o alega, que haja ofendido o disposto no artigo 125°, nº 4, do CEPMPL. 2- No entanto e mostrando-se, no caso e pelo que, já antes nos autos e agora na presente resposta se deixa mencionado, que o Recorrente não faltou para, deliberada, gratuita e reiteradamente manifestar incumprimento da pena que lhe foi imposta, antes o fez em circunstâncias que, mesmo não constituindo motivo impeditivo, são sérias e relevantes, a ponto de o levar até à errónea convicção de que pudesse estar a proceder justificadamente, criar constituindo acto decisório do Juiz de Execução de Penas, afigura-se que, também à luz do princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, a alteração da pena para o regime contínuo de prisão deveria ser preterida pela expressa e solene advertência do condenado para essa insuficiência de justificação e para as consequências advenientes nessa persistência, em lugar de passar a cumprir, com assiduidade e pontualidade, o seu dever de apresentação, no EPR da Covilhã, para dar continuidade ao cumprimento da sua pena. 3- Assim se decidindo, não se vê que daí resulte, no caso, afectada a finalidade da pena, antes resultará maior adesão do condenado ao seu cumprimento e ao atingimento dos seus efeitos e, por isso, benefício para a administração da justiça e a afirmação do prestígio da função jurisdicional. Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, decidindo pela procedência do recurso e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por uma outra que, julgando embora injustificadas as faltas ali apontadas e mantendo ainda a execução da pena de prisão por dias livres, advirta o condenado para o cumprimento assíduo e pontual do seu dever de apresentação no Estabelecimento Prisional e para as consequências possivelmente advenientes da persistência do incumprimento verificado, será feita Justiça.”
4. Antes de instruir os presentes autos de recurso em separado e de ordenar a remessa dos mesmos a esta Relação, a Sra Juíza a quo sustentou a decisão recorrida.
5. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na vista que lhe foi aberta, limitou-se a apor “Visto”.
5. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
II. FUNDAMENTAÇÃO Constitui jurisprudência constante e pacífica que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (arts 403º e 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito (entre muitos, os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271). No caso vertente, vistas as conclusões do recurso, a única questão suscitada consiste em saber se, apesar de terem sido julgadas injustificadas as não apresentações do condenado no Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013, ainda é possível determinar o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres (como pretende o recorrente) em vez de tal cumprimento ser já em modo contínuo (como havia sido determinado pelo tribunal a quo no despacho recorrido). Não constituindo objecto de recurso saber se as faltas foram bem ou mal justificadas, passemos então a conhecer a questão suscitada no recurso que consiste, sim, em saber se, apesar de terem sido julgadas injustificadas as não apresentações do condenado no Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013 ainda é possível determinar o cumprimento do remanescente da pena de prisão por dias livres (como pretende o recorrente) em vez de tal cumprimento ser já em modo contínuo (como havia sido determinado pelo tribunal a quo no despacho recorrido).
Como enquadramento prévio para esta questão, teçamos, primeiramente, algumas considerações gerais acerca da restrição de direitos que inelutavelmente decorrem da aplicação de qualquer reacção criminal, restrição essa que mais se acentua quando, tal como foi determinado na decisão recorrida, uma pena de substituição que estava a ser implementada perde a sua força/vigência com a “mutação” para a pena que originalmente havia sido aplicada (ou seja quando a pena substituta regride ou retrocede para a pena substituída). Dito isto, e entrando agora na situação em apreço, vejamos o que estabelece o artigo 125.º do CEPMPL (único artigo do CAPÍTULO II (Prisão por dias livres e em regime de semidetenção ) que se insere no “Título XVI” do referido diploma, artigo esse que tem como epígrafe “Execução, faltas e termo do cumprimento”: 1 - A execução da prisão por dias livres e da prisão em regime de semidetenção obedece ao disposto no presente Código e no Regulamento Geral, com as especificações fixadas neste capítulo. 2 - As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas no processo individual do condenado. 3 - Não são passados mandados de condução nem de libertação. 4 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura. (negrito e sublinhado nosso) 5 - As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo director do estabelecimento prisional, ouvido o condenado.” (sublinhado nosso)
Ora, o texto da lei, no seu nº 4, acabado de citar, é claro e completamente límpido, não dando azo a qualquer outra interpretação que não seja a de o condenado passar a cumprir em regime contínuo a prisão que até aí vinha sendo cumprida em dias livres ou em regime de semidetenção, caso ocorra alguma falta de apresentação no Estabelecimento prisional que seja considerada injustificada pelo tribunal de execução de penas. Não há dúvidas no texto e no sentido da norma: se o tribunal não considerar a falta justificada, “passa a prisão (no nosso caso, por dias livres) a ser cumprida em regime contínuo”. E uma das competências do tribunal de execução de penas é a de “Ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional não consideradas justificadas por parte do condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção;” (cfr. artigo 138º nº 4 alínea l) do CEPMPL).
Não tendo o recorrente posto em causa a não justificação de qualquer das suas faltas de apresentação do Estabelecimento Prisional nos fins de semana de 22/12/2012, 29/12/2012, 12/1/2013, 19/1/2013, 2/2/2013, 9/2/2013, 16/2/2013 e 23/2/2013, decorre da sua pretensão recursiva que lhe venha a ser dada oportunidade de poder continuar a cumprir o remanescente da pena de prisão por dias livres. Todavia, inexiste base legal que sirva de suporte ou possa acolher tal pretensão, desde logo face à solução taxativamente expressa e/ou imposta na parte final do já mencionado nº 4 do artigo 125º do CEPMPL. Diversamente do que acontece, por exemplo, com a suspensão de execução da pena (pena de substituição, em sentido próprio, da pena de prisão) que prevê - quando ocorra o incumprimento de algum dos deveres ou regras de conduta que haviam sido estabelecidos como condição dessa suspensão - entre outras soluções uma solene advertência ao condenado ou a prorrogação do prazo dessa suspensão, no âmbito da pena de prisão por dias livres (ou em regime de semidetenção) quando não seja considerada justificada uma falta de apresentação do estabelecimento prisional isso determina necessariamente que a pena de prisão (que havia sido substituída por dias livres ou em regime de semidetenção) passe a ser cumprida em contínuo em vez de continuar a ser cumprida em períodos fragmentados de tempo. A causa (consistente na falta de apresentação no estabelecimento que não venha a ser considerada justificada) tem como inevitável, e “única” consequência, o cumprimento, em contínuo, do remanescente daquela pena de prisão (que havia sido substituída) ainda não cumprida. Quer no Código Penal quer em qualquer outra legislação processual penal atinente com esta matéria, inexiste outra solução ou cominação. O legislador não dá azo a contemplações no sentido de permitir que o condenado, faltando injustificadamente, continue a “beneficiar” da benesse (perdoe-se-nos o pleonasmo) de prisão com interrupções ou por períodos. Se o condenado não quer aproveitar (ou não quis aproveitar, como aconteceu no nosso caso) esse benefício, outra hipótese não lhe dá - tem de cumprir em contínuo o que ainda lhe falta cumprir. E o tribunal a quo, mais não fez do que observar/cumprir aquilo que o legislador estabeleceu. Não podia era “inventar” uma solução que fosse ao arrepio daquilo que o legislador expressamente determinou. Não enjeitamos que o cumprimento em contínuo do remanescente da prisão venha a ser bem gravoso para o recorrente e sua família, quer em termos pessoais, económicos e de estruturação familiar (como alega o recorrente). Todavia, essas prováveis consequências pessoais e familiares apenas, e tão só, são decorrentes da conduta, voluntária, do condenado em não cumprir o que tinha sido determinado pelo tribunal da condenação. Dos seus próprios actos e/omissões (voluntárias) apenas o recorrente se poderá queixar. A consequência que o legislador estabelece apenas ao recorrente é imputável. Por isso, antes de adoptar o comportamento que adoptou, devia ter pensado para as consequências daí resultantes. E, na sequência do que vimos dizendo, não se diga, tal como, indirectamente, pretende fazer crer o recorrente, que a decisão recorrida, violou o artigo 36º nº 5 e 6 da Constituição da República Portuguesa. Rezam tais números 5 e 6 (integrados nesse artigo 36º que tem por epígrafe (Família, casamento e filiação) que: “5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. 6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.” A determinação da prisão em contínuo não implica a perda de qualquer direito sobre os filhos nem proíbe ou impede legalmente qualquer dever de educação dos filhos nem muito menos o inibe do poder paternal. A reclusão, em contínuo até ao cumprimento do remanescente da pena, pela sua própria natureza, apenas implica, natural e obviamente, um afastamento físico e temporário dos, e em relação aos, filhos (tal como em relação a outros elementos da família). Essas são as contingências da determinada reclusão em ambiente prisional que, como dissemos, apenas é imputável ao recorrente. A seguir o entendimento do recorrente, um arguido que fosse pai de filhos jamais poderia ser alvo de penas detentivas! A tanto não vão os direitos fundamentais plasmados na nossa Constituição! No nosso caso, o tribunal a quo, mais não fez do que aplicar a lei. Não merece, pois, censura a decisão recorrida.
Assim, e em síntese conclusiva, naufragando a pretensão do recorrente - e não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou qualquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados nas suas conclusões de recurso - terá o recurso que improcede. * III – DISPOSITIVO Nos termos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s. *
(Luís Coimbra - Relator) (Isabel Silva) |