Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3019/18.1T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
REQUISITOS
Data do Acordão: 02/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 368º, NºS 1 E 4, E 384º DO C. TRABALHO.
Sumário: I – O nº 1 do artº 368º do CT estabelece os requisitos exigidos para que o despedimento por extinção do posto de trabalho possa ter lugar, e que são, cumulativamente, os seguintes:
a) os motivos invocados não sejam devidos a uma conduta culposa do empregador ou do trabalhador;

b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;

c) não existam na empresa trabalhadores contratados a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;

d) não se aplique o regime previsto para o despedimento colectivo.

II - Nos termos do nº 4 de tal artigo, “Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador”.

III - De acordo com o artº 384º do CT, o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito, além dos fundamentos previstos no art. 381º, sempre que o empregador:

“a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;

b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º;

c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;

d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho”.

IV - Quer no despedimento colectivo, quer no fundado em extinção do posto de trabalho, os fundamentos da cessação do contrato de trabalho respeitam à empresa, relevam do conjunto de circunstâncias ou condições em que se desenvolve a actividade da própria organização produtiva.

V - Os motivos que justificam a extinção do posto de trabalho são definidos por lei e são aferidos nos termos do artigo 359º, nº 2 do CT: motivos de mercado (redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado); estruturais (desequilíbrio económico financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes); ou tecnológicos (alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação).

VI - O despedimento por extinção do posto de trabalho, assentando na autonomia contratual do empregador ligada às necessidades de dimensionamento da sua empresa, tem subjacente premissas economicistas, pelo que, realizado o despedimento de acordo com as formalidades a que ele se encontra sujeito, o seu controle judicial terá de se harmonizar com a liberdade da empresa e da sua gestão, tendo-se presente o fim em causa.

VII - Assim, a legalidade do despedimento terá de ser aferida com respeito pelo critério empresarial e, nunca, à luz de mecanismos de viabilização da empresa, não competindo ao julgador substituir-se ao empregador, cabendo-lhe tão só um juízo racionalmente controlável sobre os fundamentos do despedimento - Ac. do STJ de 7/11/2001, proc. 01S594, in www.dgsi.pt.

VIII - Todavia, e como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 25/1/2012, disponível em www.dgsi.pt, o facto das decisões do empregador a esse nível constituírem actos de gestão não pode impedir o tribunal de verificar se as medidas são tomadas com respeito pelos direitos dos trabalhadores, sem que isso signifique que o tribunal se esteja a substituir ao empregador, ou a imiscuir-se na gestão da empresa.

IX - Neste sentido, a jurisprudência (ver acórdãos da Rel. Lisboa de 23/04/2008, de 11/11/2009, 10/11/2010, 10/11/2012, 10/4/2013 e 24/4/2013 e do STJ de 7/07/2009, 15/3/2012 e de 21/3/2013, todos disponíveis no referido site), no âmbito do controle material da motivação do despedimento, tem considerado que este deve abranger basicamente:

1° - A verificação da veracidade do motivo invocado;

2° - A verificação da existência de um nexo de causalidade entre os motivos invocados e o despedimento, de molde a concluir-se que, de acordo com juízos de razoabilidade, aqueles são adequados a justificar a redução de trabalhadores;

3°- Finalmente, tem-se também entendido que se deve controlar a proporcionalidade entre a motivação apresentada e decisão de despedir e racionalidade dessa medida, face à necessidade de ponderar os dois valores constitucionais em jogo (iniciativa económica privada versus segurança no emprego - artºs 61° e 53° da CRP).

X - Por outro lado, para a extinção do posto de trabalho, não é necessário que desapareçam todas as funções inerentes ao mesmo, pois o legislador aceita que as funções correspondentes aos postos de trabalho extintos possam permanecer para além da extinção, como decorre da referência ao "conteúdo funcional", constante do nº 2 do artº 368º do CT, que não teria sentido se a extinção ficasse reduzida aos casos em que as funções desaparecem na totalidade.

XI - Recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho.

Decisão Texto Integral:       









                 
                    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                    E... (adiante designada por Autora) instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, contra L... – Associação de Solidariedade SociaL (adiante designada por Ré), através do formulário a que se alude no artº 98º, nº 1, do Cod. Proc. Trabalho, na versão do  Decreto-Lei nº 295/2009 de 13/10, alegando que foi despedida pela Ré em 28/09/2018, por extinção do posto de trabalho.

                    Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes, a Ré apresentou articulado de motivação do invocado despedimento, no qual  alegou, em síntese, que é uma instituição particular de solidariedade social, tendo como fim o apoio a crianças e cidadãos na velhice e na invalidez, através de centro de dia para idosos e de creche, sem fins lucrativos.

                    A Autora é sua trabalhadora, exercendo as funções de educadora de infância na referida creche.

                    Por forma a racionalizar e reestruturar o seu quadro de pessoal como condição de viabilidade da instituição, decidiu a Ré encerrar a sala dos 2 anos, uma vez que são as crianças que no ano lectivo de 2018/2019 iriam transitar para o Jardim de Infância.

                    Que a sala dos 2 anos era o posto de trabalho da Autora, tendo sido iniciado o procedimento que culminou com a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho.

                    Assim,  despediu a Autora de forma lícita e regular por extinção do seu posto de trabalho, devendo o despedimento ser considerado lícito.

                    A Autora apresentou contestação /reconvenção, invocando que o seu despedimento é, por não serem verdadeiros os factos invocados para o efeito pela Ré, ilícito, com as consequências legalmente previstas.

                    A Ré não remunerava a Autora segundo o constante do CCT aplicável, pelo que deve pagar-lhe as diferenças salariais correspondentes.

                    A Ré exerceu sobre si assédio moral, devendo ser condenada em indemnização a seu favor, por danos morais.

                    Em reconvenção, peticionou:

                    a) Seja julgada procedente por provada a acção e, consequentemente:

                    1. Seja declarada a ilicitude do despedimento da Autora;

                    2. Seja a Ré condenada a reintegrar a Autora sem prejuízo da categoria e antiguidade;

                    3. Seja a Ré condenada a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir desde 28 de Setembro de 2018 até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do disposto no art 98º-N nº 1 a 3 do CPT;

                    b) Seja julgada procedente por provada a reconvenção e seja a Ré condenada a:

                    1. Reconhecer que a relação laboral existente entre a Autora e a Ré configura um contrato de trabalho sem termo;

                    2. Reconhecer que a Autora integrou, até à data do despedimento, como efectiva, os seus quadros como educadora de infância desde 01 de Agosto de 2009, por transição do estabelecimento da “...”, onde trabalhava com a categoria profissional de educadora de infância, desde 01 de Janeiro de 2008;

                    3. Reconhecer que a Autora tem como habilitações literárias a licenciatura no curso de Educação de Infância, com estágio integrado, obtida em ..., na Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de (...) ;

                    4. Reconhecer que a categoria e índice remuneratório da Autora é o do Nível 6 do ponto 4 da tabela b, do anexo V do CCT celebrado entre a CNIS e a FNE, publicado no BTE nº 32/08 de 29.08, com a sua última alteração salarial constante do BTE nº 45/2009, de 08.12, com Portaria de Extensão nº 280/2010, de 24.05, acrescido de diuturnidades previstas na cláusula 69º do referido IRCT, após a também atualização publicada no BTE nº 46 de 08.12 de 2009;

                    5. Reconhecer que o vencimento ilíquido mensal da Autora é de 1.400,00€, acrescido de 42,00€ mensais, correspondentes a duas diuturnidades;

                    6. A pagar à Autora a quantia de 56.997,75€ a título de créditos salariais, de férias e subsídios de férias e de Natal e diuturnidades, já vencidos e não pagos, acrescida dos juros de mora à taxa legal, sem prejuízo das vincendas;

                    7. A pagar à Autora a quantia de 3.000,00€, a título de indemnização por danos morais.

                    A Ré respondeu.

                    Realizado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos:

                    “Decisão:

                        Pelo exposto, julgamos parcialmente procedente a ação e, consequentemente condenamos a ré a:

                        1. ver declarada a ilicitude do despedimento da autora;

                        2. a pagar à autora a indemnização em substituição da reintegração, que se fixa à data do despedimento em €20.055,32 (vinte mil cinquenta e cinco euros e trinta e dois cêntimos), e sem prejuízo do tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta decisão, nos termos dos nºs 1 e 2 do art 391º do CTrabalho;

                        3. a pagar à autora as retribuições que esta deixou de auferir desde 28 de setembro de 2018 até ao trânsito em julgado da sentença, à razão mensal de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros), deduzidas das importâncias auferidas pela trabalhadora e referidas nas alíneas a) a c) do nº 2 do art 390º do CTrabalho, a liquidar em execução de sentença;

                        4. Reconhecer que a relação laboral existente entre a autora e ré configura um contrato de trabalho sem termo;

                        5. Reconhecer que a autora integrou, até à data do despedimento, como efetiva, os seus quadros como educadora de infância, por transição do estabelecimento da “...”, onde trabalhava com a categoria profissional de educadora de infância, desde 01 de janeiro de 2008;

                        6. Reconhecer que a autora tem como habilitações literárias a licenciatura no curso de Educação de Infância, com estágio integrado, obtida em ..., na Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de (...) ;

                        7. Reconhecer que o vencimento ilíquido mensal da autora era o de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros);

                        8. A pagar à autora a quantia de €45.846,19 (quarenta e cinco mil oitocentos e quarenta e seis euros e dezanove cêntimos), a título de créditos salariais, de férias e subsídios de férias e de natal, já vencidos e não pagos, acrescida dos juros de mora à taxa legal, sem prejuízo das vincendas;

                        No mais, vai a ré absolvida.

                        Custas por autora e ré na proporção dos respetivos decaimentos

                        Valor da ação: €83.053,07 (oitenta e três mil cinquenta e três euros e sete cêntimos – soma das quantias peticionadas pela autora e da indemnização pela ilicitude do despedimento que foi fixada)”.

                                       x

Inconformada, a Ré veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões (sintetizadas e esclarecidas após convite nesse sentido):

                        ...

                        A Autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado e ampliando o recurso quanto à matéria de facto, “...”.

                        ...
                    Foram colhidos os vistos legais.

                    O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer fundamentado no sentido da improcedência do recurso.

                    Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos, como questões a apreciar:
                    - a nulidade da sentença;
                    - a impugnação da matéria de facto;

                        - se se mostram verificados os requisitos para a extinção do posto de trabalho da Autora;
                        - o montante da indemnização por despedimento ilícito;
                        - se são devidas à Autora as diferenças salariais estabelecidas pela sentença.

                    Na 1ª instância considerou-se provada a seguinte factualidade:

                        1- A ré é uma instituição particular de solidariedade social, tendo como fim o apoio a crianças e a cidadãos na velhice e invalidez, através de centro de dia para idosos e de creche, sem fins lucrativos.

                        2- No dia 01.01.2008 a autora celebrou contrato de trabalho com a sociedade ..., Lda, para desempenhar as funções inerentes à atividade profissional de educadora de infância para substituir temporariamente a educadora ...

                        3- Tendo em junho do mesmo ano passado ao quadro desta.

                        4- Desde a data em que foi contratada (01.01.2008) até 31.12.2017 a autora auferiu um vencimento ilíquido mensal de 804,00€.

                        5- E desde essa data até à data do despedimento, o vencimento ilíquido mensal de €825,00.

                        6- Foi contratada para praticar um horário, de segunda a sexta, de 35 horas semanais em sala com crianças, com intervalo para almoço, para acompanhar a entrada das crianças da creche e acompanhá-las nas atividades desenvolvidas.

                        7- A autora exercia as funções inerentes à categoria profissional de educadora de infância, nomeadamente, de organização e aplicação dos meios educativos adequados em ordem ao desenvolvimento integral da criança, nomeadamente psicomotor, afetivo, intelectual, social e moral; acompanhamento da evolução da criança e estabelecimento de contactos com os pais no sentido de se obter uma ação educativa integrada.

                        8- Em 01.08.2009 o estabelecimento de creche e jardim referido em 2, onde a autora trabalhava, foi transmitido à ré, tendo a autora mantido as mesmas funções.

                        9- Em 2018 a ré mantinha em funcionamento duas salas de creche: a sala de 1 ano e a sala dos 2 anos.

                        10- Em meados de 2018 ré decidiu encerrar a sala dos 2 anos, respeitante às crianças que iriam transitar para o Jardim de Infância (público).

                        11- Os meninos da sala de 1 ano manteriam a mesma educadora.

                        12- A autora prestava funções de educadora de infância na sala dos 2 anos.

                        13- Com data de 19.06.2018 foi enviada à autora a comunicação de extinção do posto de trabalho, a qual foi recebida pela autora em 22.06.2018.

                        14- De tal comunicação consta o seguinte:

                        “ Exma Sra,

                        Nos termos do disposto no artº 368º e artº 369 do Código do Trabalho vimos comunicar que o seu posto de trabalho, com a categoria de Educadora de Infância que exerce no Lar da ..., vai ser extinto.

                        O Lar da ... é uma instituição de solidariedade social que tem como fim o apoio à população através de prestação de serviço de centro de dia para idosos e de creche.

                        Não tendo como fim a obtenção de lucros, a situação económica e financeira da instituição é de difícil equilíbrio.

                        No decurso do ano de 2017/2018 não se verificaram inscrições para o próximo ano lectivo 2018/2019 que justifiquem a abertura da sala dos 2 anos, em consequência disso, a instituição vai racionalizar e reestruturar o seu quadro de pessoal. Como condição de viabilidade da associação, decidiu a instituição encerrar a sala dos 2 anos, uma vez que são as crianças que no próximo ano irão transitar para o Jardim de Infância (público).

                        Solução que trará menos dificuldades na adaptação dos funcionários da creche e das crianças pois os meninos da sala do 1 ano manterão a mesma Educadora de Infância no próximo ano lectivo.

                        A sala dos 2 anos é o posto de trabalho de ..., Educadora de Infância, constituindo assim fundamento para a extinção do posto de trabalho.

                        Os factos que estão na origem da extinção do posto de trabalho não resultam da conduta culposa do empregador ou do trabalhador, mas sim de condições exteriores (número de crianças na creche) sobre as quais as partes não têm controlo.

                        Não é possível a subsistência do posto de trabalho, pois a instituição apenas consegue pagar salários se tiver crianças em número suficiente que permitam a despesa.

                        Não há na instituição outro posto de trabalho disponível para a trabalhadora exercer as suas funções, não existindo na instituição contratos a prazo para o posto de trabalho extinto.

                        Os critérios utilizados pela instituição/empregadora para a escolha do trabalhador atingido pela extinção do posto de trabalho foram a antiguidade e o bem-estar das crianças.

                        O Lar da ... tem duas salas de creche: sala do 1 ano e a sala dos 2 anos.

                        Tendo duas Educadoras de Infância, uma por cada sala: ...

                        ...

                        Termos pelos quais se informa que o seu posto de trabalho com a categoria de Educadora de Infância no Lar ..., irá ser extinto de acordo com os elementos acima expostos.

                        Dispõe V. Exa, nos termos do artº 370, nº 1 do Código do Trabalho, de 10 dias para se pronunciar sobre a presente comunicação.”

                        15- Por carta datada de 30 de junho de 2018 a ré apresentou à autora uma proposta de acordo por extinção do posto de trabalho, conforme fls 83 a vº, a qual a autora não aceitou.

                        16- A autora apresentou resposta à carta de 19.06.2018 por carta datada de 02.07.2018., na qual escreveu o seguinte:

                        “Serve a presente para comunicar expressamente que me oponho à extinção do meu posto de trabalho proposta por v. Exas, pelos seguintes motivos:

                        a) Não estão reunidos os requisitos legais para a extinção do posto de trabalho;

                        b) Não foi cumprido o prazo de 75 dias de aviso prévio imposto pelo artº 371º do CT;

                        c) Independentemente de tal facto, a carta não refere a data em que pretende a entidade patronal extinguir o posto de trabalho, o que é obrigatório;

                        d) Não são colocadas à minha disposição as quantias em dívida por salários vencidos, devidos e não pagos, conforme relatório da ACT, que interveio sobre o assunto e conferiu prazo para regularizarem;

                        e) Os montantes que me propuseram em proposta de acordo datada de 30 de junho e por vós assinada, no valor global de 8.965,00€ estão muito abaixo dos devidos, atento o meu tempo serviço, categoria profissional, índice remuneratório nos termos da lei e vencimento mensal devido por tal índice.

                        Assim sendo, por tudo o que venho expondo, o processo de extinção é ilegal, e como tal, o despedimento que daí resultar é igualmente ilegal, sendo impugnado por mim em tribunal, com as legais consequências.

                        17- Foi proferida decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho que foi comunicada à autora em 09.07.2018., nos termos da qual foi, nomeadamente, exarado:

                        (…) “Dos Motivos para a extinção do posto de trabalho

                        O Lar da ... é uma instituição de solidariedade social que tem como fim o apoio à população através de prestação de serviço de centro de dia e serviço de apoio domiciliário para idosos e de creche.

                        Não tendo como fim a obtenção de lucros, a situação económica e financeira da instituição é de difícil equilíbrio.

                        No decurso do presente ano de 2017/2018 não se verificaram inscrições para o próximo anos lectivo de 2018/2019 que justifiquem a abertura da sala dos 2 anos. Em consequência desse facto, a instituição vai racionalizar e reestruturar o seu quadro de pessoal. Como condição de viabilidade da associação, decidiu a instituição encerrar a sala dos 2 anos, uma vez que são as crianças que no próximo ano irão transitar para o Jardim de Infância (público).

                        Solução que trará menos dificuldades na adaptação dos funcionários da creche e das crianças pois os meninos da sala do 1 ano manterão a mesma Educadora de Infância no próximo ano lectivo.

                        ...

                        Da confirmação dos requisitos revistos no nº 1 do artº 368 do Cód. do Trabalho.

                        Os factos que estão na origem da extinção do posto de trabalho não resultam da conduta culposa do empregador ou do trabalhador.

                        Resulta a extinção do posto de trabalho de condições exteriores (número de crianças na creche) facto alheio à vontade das partes e sobre a qual não têm controlo.

                        Até ao momento não existe na instituição empregadora crianças inscritas para o ano de 2018/2019, não existindo lista de inscrição/lista de espera.

                        Não é possível a subsistência do posto de trabalho, pois a instituição apenas consegue pagar salários se tiver crianças em número suficiente que permitam a despesa.

                        Não há na instituição outro posto de trabalho disponível para a trabalhadora exercer as suas funções, não existindo na instituição contratos a prazo para o posto de trabalho extinto.

                        ...

                        18- Tal decisão foi comunicada à ACT em 12.07.2018.

                        19- A ACT respondeu nos seguintes termos: “Vimos por este meio informar que, após a realização das averiguações inspetivas ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 370º do Código do Trabalho, não foram verificadas irregularidades no cumprimento dos requisitos que a estes serviços compete verificar (os previstos nas alínea c) e d) do nº 1 e do nº2 do artigo 368º do Código do Trabalho).”.

                        20- Em 01.08.2018 a autora enviou uma carta a ré solicitando a discriminação das verbas a disponibilizar com a extinção do posto de trabalho, nos seguintes termos:

                        “Em relação a vossa carta de decisão de despedimento por extensão do posto de trabalho, queiram informar-me o seguinte

                        Na carta referem que põem a minha disposição as quantias previstas na lei (compensação e ordenados e subsídios).

                        Ora, já me apresentaram uma proposta de acordo nesta matéria em que as verbas não estavam corretas, nomeadamente com as tabelas salariais e meu vencimento devido, segundo relatório inspetivo da ACT.

                        Assim sendo, queiram discriminar as verbas que dizem colocar a minha disposição, mencionado ainda os salários vencidos e não pagos, para que possa dar uma resposta, positiva ou negativa.”.

                        21- Tendo a ré prestado a informação solicitada, nos seguintes termos:

                        “De forma a esclarecer a suas dúvidas informamos que os valores que lhe vão ser pagos com a extinção do posto de trabalho são os constantes da decisão por si recepcionada em 13/7/2018.

                        Quanto ao relatório do ACT, como é do seu conhecimento os valores constantes do mesmo não foram aceites pelo Lar ..., tendo a Instituição recorrido da decisão.”.

                        22- A decisão de despedimento por extinção por extinção do posto de trabalho produziu os seus efeitos em 28.09.2018.

                        23- A ré efetuou a transferência bancária do montante de 7.815,48€ para a conta da autora.

                        24- Transferência essa que a autora devolveu à ré.

                        25- Tendo então a ré remetido o referido valor à autora por meio de cheque, que a autora também não aceitou.

                        26- Não existiam na Instituição educadoras de infância com contratos a termo.

                        27- A ré tinha ao seu serviço duas educadoras de infância, uma por cada sala: ...

                        28- A educadora ... foi admitida em 01.03.2003 e era a responsável pela sala do 1 ano.

                        29- A educadora ... foi admitida em 01.01.2008 e à data da comunicação do despedimento trabalhava na sala das crianças com 2 anos ou mais.

                        30- Com data de 30 de junho de 2018 a ré apresentou à autora uma proposta de acordo por extinção do posto de trabalho que esta se recusou a assinar.

                        31- No ano de 2018, e pelo menos nos 5 anos anteriores, a ré tinha a funcionar nas suas instalações de creche uma sala de berçário destinada às crianças inscritas até à aquisição de marcha, para a qual tinha contratadas duas auxiliares.

                        32- Uma sala para as crianças inscritas que tivessem adquirido a marcha e até aos 2 anos, para a qual tinha contratadas uma auxiliar e uma educadora de infância.

                        33- E uma sala para as crianças inscritas a partir dos dois anos de idade, na qual tinha em funções uma auxiliar e uma educadora de infância.

                        34- Tendo a trabalhadora E... desempenhado sempre as funções de educadora de infância, ora na sala das crianças desde a aquisição de marcha até aos 2 anos de idade, ora na sala das crianças a partir dos 2 anos de idade.

                        35- No mesmo edifício onde funciona a ré também funciona o Jardim de Infância das ..., da rede pública de ensino.

                        36- Em ... 2007 a autora obteve a licenciatura no curso de Educadora de Infância, com prática pedagógica integrada, pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de (...) .

                        37- Em junho de 2018 a ré tinha nas suas instalações 41 crianças.

                        38- Em junho de 2018 não existiam crianças inscritas para frequentar a creche para o mês de setembro, nem lista de espera.

                        39- Em setembro de 2018 a ré tinha nas suas instalações 27 crianças.

                        40- Em setembro a ré tinha nas suas instalações a funcionar o berçário e uma sala com crianças dos 12 meses aos 36 meses.

                        41- Em outubro de 2018 a ré tinha nas suas instalações 29 crianças.

                        42- Em novembro de 2018 a ré tinha nas suas instalações 29 crianças.

                        43- Em dezembro de 2018 a ré tinha nas suas instalações 30 crianças.

                        44- Em janeiro de 2019 a ré tinha nas suas instalações 32 crianças.

                        45- Em fevereiro de 2019 a ré tinha nas suas instalações 33 crianças.

                        46- Em março de 2019 a ré tinha nas suas instalações 35 crianças.

                        47- Em abril de 2019 a ré tinha nas suas instalações 37 crianças.

                        48- Em maio de 2019 a ré tinha nas suas instalações 37 crianças.

                        49- Em setembro de 2018 o número de funcionários que trabalhavam na creche ficou reduzido de 11 pessoas para 8 pessoas.

                        50- A funcionária ..., contratada como ajudante de ação educativa em 05 de outubro de 2015, cessou o seu contrato de trabalho em 14 de setembro 2018 por carta enviada à ré datada de 31 de agosto de 2018.

                        51- E voltou a ser admitida em 01 de outubro de 2018 a termo certo, encontrando-se desde essa data, e pelo menos até abril de 2019, a trabalhar para a ré numa das salas da creche.

                        52- Em 03 de setembro de 2018 a ré celebrou com ... contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 12 meses, para o exercício das funções de ajudante de cozinheira.

                        53- Em 02 de julho de 2018 a ré celebrou com ... contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 12 meses, para o exercício das funções de auxiliar serviços gerais.

                        54- Em 01 de agosto de 2017 a ré firmou com ... contrato de trabalho a termo que veio a cessar por caducidade no dia 31 de julho de 2018 através de carta enviada pela ré e datada de 26 de junho de 2018.

                        55- Em 06 de agosto de 2018 a ré celebrou com ... contrato de trabalho a termo incerto para substituição de duas trabalhadoras, entre as quais a autora que se encontrava de baixa médica, que veio a terminar por caducidade no dia 09 de outubro de 2018 através de carta enviada pela ré em 08 de outubro de 2018.

                        56- A autora exercia funções meramente pedagógicas/educativas (não docentes).

                        57- Em virtude de participação da autora a ré foi objeto de uma ação inspetiva da ACT, em 08 de março de 2018, de que resultou um relatório inspetivo que foi notificado à autora, datado de 20 de junho de 2018 conforme fls 87vº, que concluiu que a autora, em matéria de remunerações não se encontrava inserida no ponto 4 e no nível correto, quanto ao nº de anos de serviço.

                        58- Conforme auto de notícia nº ..., datado de 11 de junho de 2018, a ACT notificou a ré para apurar e pagar os valores em dívida à trabalhadora e segurança social, consoante o CCT aplicável e a respetiva tabela salarial, que, veio a quantificar nos valores respetivamente de €22.027,00 e €7.654,38, respeitante aos anos de 2014 a 2018.

                        59- A ré não se conformou com o auto de notícia da ACT, que lhe foi notificado com data de 29.06.2018, tendo apresentado a sua resposta em 12 de julho de 2018, encontrando-se ainda em curso o respetivo processo contraordenacional.

                        60- Na sequência da ação inspetiva, e como retaliação pelas sucessivas reivindicações salariais, a ré enviou à autora a carta de fls 31 a 32 datada de 19.06.2018 a comunicar a extinção do posto de trabalho.

                        61- E propôs-lhe o acordo de 30 de junho de 2018, assinado e rubricado pelos legais representantes da ré, propondo-lhe a quantia global de €8.965,54, dos quais €6.059,17 a título de “valor de compensação”, inferior ao valor apurado pela ACT em função da tabela salarial do CCT aplicável, tentando induzir a autora a assiná-lo.

                        62- Bem sabendo que os valores apurados pela ACT eram substancialmente superiores e com o objetivo de induzir a autora a assinar o acordo referido em 56.

                        63- À relação laboral existente entre autora e ré aplica-se o CCT celebrado entre a CNIS e a FNE, publicado no BTE nº 32/08 de 29/08, com a sua última alteração salarial constante do BTE nº 45/2009, de 08/12, com a Portaria de Extensão publicada pela Portaria nº 280/2010, de 24/05.

                        64- À data de 2018/06 a autora auferia o vencimento base de 825,00€.

                        65- À data de 2018/06 a educadora ... auferia o vencimento base de 1.388,06€.

                        66- Já em 2015 a autora questionava a sua situação remuneratória, o que levou a ré a pedir um parecer á ACT, tendo recebido a resposta de que seria aplicável à autora a Tabela B, ponto 7, nível 5.

                        67- A autora foi informada desse parecer.

                        68- A inspeção da ACT de 2018 não foi a única que ocorreu por participação da autora quanto a eventuais irregularidades.

                        69- Face ao comportamento da ré e ao seu despedimento a autora ficou num estado de fragilidade e de nervos e sente-se angustiada

                        Factos Não Provados:

                        - que a ré tenha a valência de ATL;

                        - que a auxiliar, ..., que trabalhava na sala com a autora foi prestar funções para a Associação de Pais das ...

                        - que após ter recebido a carta que lhe comunicou o despedimento por extinção do posto de trabalho, a autora se tenha dirigido ao responsável da creche afirmando que não havia necessidade do processo, que saía por acordo, pelo que foi elaborado o acordo de cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho datado de 30 de junho de 2018;

                        - que o processo de extinção do posto de trabalho tenha sido realizado por forma a racionalizar e reestruturar o quadro de pessoal da ré como condição de viabilidade da instituição;

                        - que fosse previsível em junho de 2018 que não haveria novas inscrições de criança nos meses seguintes ou que as inscrições seriam em número reduzido;

                        - que a situação económica e financeira da ré fosse de difícil equilíbrio;

                        - que o encerramento da sala dos 2 anos trouxesse menos dificuldades na adaptação dos funcionários da creche e das crianças;

                        - que tenham sido dirigidas à autora as seguintes expressões: “não queria mais nada…se pagássemos tudo o que quer o ACT íamos à falência” “é melhor ficar com as instalações por esse preço”…”cá se fazem, cá se pagam…”;

                        - que a autora tenha ficado com dificuldades em adormecer, acordando frequentemente durante a noite;

                        - que tenha de recorrer a medicação para dormir, o que nunca fizera antes;

                        - que a autora tenha de ser classificada no Nível 6 do Ponto 4 da tabela B) do Anexo V, ou mesmo no ponto 7, do CCT entre a CNIS e a FNE, aplicável à relação laboral que vigorou entre autora e ré;

                        - que a autora tenha direito a diuturnidades;

                                                           x
                    - o direito:

                    - a primeira questão - a nulidade da sentença:

                    No próprio corpo das alegações da apelação e nas correspondentes conclusões invoca a apelante a nulidade da sentença - artº 615º, nº 1, als. c) e d) do CPC.
                    Contudo, tal arguição não obedeceu ao disposto no nº 1 do artº 77º do Cod. Proc. Trabalho, que estipula que a “arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
                    De referir que a nova redacção dada a este artigo,  pela Lei nº 107/2019, de 9/9, que alterou o Código de Processo de Trabalho, não é aplicável ao presente caso, dado que o recurso foi interposto antes da entrada em vigor de tal alteração - cfr. artº 5º, nº 3, de tal Lei 107/2019.
                     Feito este parêntesis, temos que esta regra peculiar de que as nulidades da sentença têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (nº 3 do artº 77º). Para que tal faculdade possa ser exercida, importa que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
                    E tem sido entendimento pacífico, a nível jurisprudencial, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações - cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ,  1995, III, 279, e de 23/4/98, BMJ, 476, 297.
                    No caso em apreço, a recorrente remeteu toda a fundamentação da arguição da nulidade para as alegações do recurso.
                    Ou seja, não incluiu, tal como resulta obrigatório do referido artº 77º, nº 1, do C.P.T., no requerimento de interposição do recurso, a  decisiva e autónoma motivação da arguição, o que torna extemporânea a arguição da nulidade e obsta a que dela se conheça- cfr., neste sentido e entre outros, os Acórdãos do STJ de 28/1/98, Ac. Dout., 436, 558, de 28/5/97, BMJ 467, 412, de 8/02/2001 e 24/06/2003, estes dois disponíveis em www.dgsi.pt.
                    Entendimento também seguido no Ac. do STJ de 4/4/2001 (Revista 498/01), ao referir-se que a “arguição de nulidades tem se ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso, por forma explícita (ainda que sucintamente), dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal a quo e estas são-no ao tribunal ad quem”.
                    Por sua vez, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 304/2005, DR, II Série, de 05/08/2005, decidiu que, em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.
                    Termos em que se não conhece da arguida nulidade.
                    - a segunda questão - a impugnação da matéria de facto:

                    ...

                    Neste termos, decide-se alterar a redacção de tais pontos para a seguinte:

                    60- A ré enviou à autora a carta de fls. 31 a 32 datada de 19.06.2018 a comunicar a extinção do posto de trabalho.

                    61- E propôs-lhe o acordo de 30 de junho de 2018, assinado e rubricado pelos legais representantes da ré, propondo-lhe a quantia global de €8.965,54, dos quais €6.059,17 a título de “valor de compensação”, inferior ao valor apurado pela ACT em função da tabela salarial do CCT aplicável.

                    Concomitantemente, para evitar contradições, e também tendo em conta que o mesmo contém uma expressão claramente conclusiva (“bem sabendo”), elimina-se o ponto 62 (62- Bem sabendo que os valores apurados pela ACT eram substancialmente superiores e com o objetivo de induzir a autora a assinar o acordo referido em 56).

                        - ponto 69 - Face ao comportamento da ré e ao seu despedimento a autora ficou num estado de fragilidade e de nervos e sente-se angustiada.

                    A referência aqui ao “comportamento da Ré” aparece como vago e genérico, carecendo, para poder ser tomando em conta, da devida concretização, o que tal ponto não encerra.

                    Assim, altera-se a redacção desse ponto 69 para a seguinte:

                    69- Face ao seu despedimento a autora ficou num estado de fragilidade e de nervos e sente-se angustiada.

                    Seguidamente, a apelante pretende que se dê como provada alguma matéria incluída no elenco  dos factos considerados como não provados:

                    - que o processo de extinção do posto de trabalho tenha sido realizado por forma a racionalizar e reestruturar o quadro de pessoal da ré como condição de viabilidade da instituição:

                    Discutindo-se na acção a licitude do despedimento por extinção do posto de trabalho, com a consequente sindicância dos respetivos requisitos legais, como adiante se abordará no momento próprio, facilmente se vislumbra que a matéria proposta tem natureza claramente conclusiva.

            Num primeiro momento de apreciação do recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto, importa não perder de vista que de uma decisão dessa natureza não devem constar factos conclusivos ou matéria de direito.

          Por imposição do artº 646º, nº 4, do anterior CPC tinham-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito ou, o que é o mesmo, conclusivas. O mesmo deve considerar-se no quadro do actual CPC, na medida em que o juiz deve considerar apenas os factos que considera provados ou não provados (artº 607º, nºs 3, 4 e 5 do Novo CPC), do que resulta dever ser afastada a matéria notoriamente conclusiva ou de direito. Se apenas a matéria de facto releva para a decisão final, ela deve apresentar-se isenta de considerações jurídicas ou conclusivas que apenas devam ter leitura na apreciação de direito.

              Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/10/2015, proferido no processo 544/13.4TTGDM.P1, e citado no Ac. desta Relação de Coimbra de 20/10/2017, proc. 187/12.0TTCLD.C1, “… embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado – de acordo com o qual se têm "por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes" – a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos.
                Apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.
                 Por isso o artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que "[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
                Como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07 (Processo n.º 488/08.1TBVPA.P1, in www.dgsi.pt)          esta questão “resolve-se nos mesmos termos no domínio da lei processual que vigorou até 31.08.2013 ou aplicando o novo diploma adjetivo: antes como agora, a fundamentação (de facto) da decisão (sentença ou acórdão) só pode ser integrada por factos”.
                Assim, não podem os tribunais deixar de continuar a enfrentar a sobejamente conhecida dificuldade da destrinça entre os factos (reconstituição histórica do mundo do ser) e as questões de direito (actividade perceptiva do dever ser)[1], entre o saber o que constitui um puro facto ou o que se traduz já numa conclusão que apenas se pode afirmar perante a análise e valoração de factos concretos[2].
                Segundo o artigo 663º, n.º 2 do Código de Processo Civil de 2013, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar o elenco de facto.

            Apenas podem equiparar-se aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objecto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objecto de disputa das partes[3].” – no sentido propugnado pelo acórdão acabado de transcrever, decidiu igualmente este Tribunal da Relação, por exemplo, nos acórdãos de 28/4/2017, proferidos na apelação 2283/16.5T8LRA.C1 e na apelação 2282/16.7T8LRA.C1, e de 2/6/2017, proferido na apelação 2281/16.9T8LRA.C1, em que o aqui relator interveio como segundo adjunto.

                    Pelo que não há que acrescentar a matéria proposta, supra-transcrita.

            - que fosse previsível em junho de 2018 que não haveria novas inscrições de criança nos meses seguintes ou que as inscrições seriam em número reduzido:

                    Aqui, é a própria apelante que refere, no recurso, que não lhe era previsível aquela realidade - “A Ré não fez previsões, nem tal consta do processo de extinção do posto de trabalho. Consta sim da decisão”.

                        Acresce que a redacção proposta – “Face à falta de inscrições de novas crianças, à inexistência de lista de espera e sabendo que em setembro de 2018 iam sair 18 crianças para o Jardim de Infância, havia justificação para a Ré reduzir o número de funcionários, e consequentemente, para o processo de extinção de posto de trabalho da Autora”-  é manifestamente conclusiva.

                    É o que basta para considerar improcedente a impugnação, nesta parte.

                    - que o encerramento da sala dos 2 anos trouxesse menos dificuldades na adaptação dos funcionários da creche e das crianças:

                    Mais uma vez estamos parente matéria conclusiva, a retirar de factos concretos.

                        - que o ACT informou a ré em 15/5/2015 que a Autora com a categoria de Educadora de Infância, com licenciatura e 6 anos de trabalho, sem funções docentes e com funções pedagógicas, corresponde à remuneração prevista na Tabela B, ponto 7, nível 5 – E765 (CCT entre o CNIS e a FNE):

                    A remuneração decorrente da aplicação de qualquer IRCT, bem como a concreta aplicação deste e em que termos, constitui matéria de direito, pelo que também aqui não pode ser acolhida a impugnação.

                     Finalmente, uma breve referência às “contradições”  e referências incluídas nas conclusões 33 a 65 do recurso, unicamente para dizer que com elas a apelante não está impugnar a matéria de facto, mas tão só a atacar a fundamentação de direito e solução jurídica adoptada pela sentença. Por outro lado, e quanto à nulidade da sentença invocada, valem aqui as considerações supra-expostas quanto à necessidade de arguição expressa e separada, que não foi feita.

                        - a terceira questão - se se mostram verificados os requisitos para a extinção do posto de trabalho da Autora:

                    A sentença recorrida considerou como ilícito o despedimento por extinção do posto de trabalho, com base na seguinte argumentação:

                        “Como fundamentos para a extinção do posto de trabalho, devidamente comunicados à autora na sua comunicação datada de 19 de junho de 2019, a ré apresentou os seguintes:

                        “O Lar da ... é uma instituição de solidariedade social que tem como fim o apoio à população através de prestação de serviço de centro de dia para idosos e de creche.

                        Não tendo como fim a obtenção de lucros, a situação económica e financeira da instituição é de difícil equilíbrio.

                        No decurso do ano de 2017/2018 não se verificaram inscrições para o próximo ano lectivo 2018/2019 que justifiquem a abertura da sala dos 2 anos, em consequência disso, a instituição vai racionalizar e reestruturar o seu quadro de pessoal. Como condição de viabilidade da associação, decidiu a instituição encerrar a sala dos 2 anos, uma vez que são as crianças que no próximo ano irão transitar para o Jardim de Infância (público).

                        Solução que trará menos dificuldades na adaptação dos funcionários da creche e das crianças pois os meninos da sala do 1 ano manterão a mesma Educadora de Infância no próximo ano lectivo.”.

                        Foram, assim, invocados como justificação para a extinção do posto de trabalho da autora “motivos de mercado”, por previsível diminuição do número de crianças a frequentar a creche, com inerentes dificuldades financeiras, que poriam em causa a subsistência da Instituição com a consequente inexigibilidade de manutenção do contrato.

                        Sendo motivos económicos os que subjazem à extinção do posto de trabalho é difícil sindicar judicialmente a decisão do empregador, tendo-se entendido maioritariamente na jurisprudência que deverá ser respeitada a decisão gestionária desde que a mesma não seja manifestamente imprudente, arbitrária ou leviana, que não vise uma extinção meramente “aparente” com vista a despedir aquele trabalhador em concreto por motivos pessoais do empregador “camuflados” sob a veste de “motivos económicos” (v.g. incompatibilidade pessoal com o trabalhador devido à reivindicação por este de melhores condições remuneratórias).

                        Ora, no caso sub iudice temos de concluir que a decisão da ré não foi uma decisão gestionária justificável mas uma decisão de despedimento de uma trabalhadora que reivindicava direitos salariais já há diversos anos e que, por isso, se mostrava incómoda.

                        Com efeito, a comunicação da extinção do posto de trabalho à autora é efetuada/recepcionada em 22 de junho de 2018. A visita inspetiva havia ocorrido há sensivelmente 2 meses e a autora notificada da mesma em 11 de junho desse ano, com a informação dada pela inspetora ... de que a ré havia sido informada do resultado da inspeção, o que implica que a ré, à data da decisão do despedimento já tinha conhecimento do resultado do relatório enviado pela Sra Inspetora que concluía que havia diferenças salariais a pagar no montante de mais de 20.000,00€ (calculados apenas no período entre 2014 e 2018 dado o prazo prescricional).

                        Mais resulta dos autos, e dos depoimentos das testemunhas, que as inscrições das crianças para frequência da creche, como não podia deixar de ser, ocorrem durante todo o ano não podendo a instituição prever ou ter como ponto de partida para avaliar do número de crianças que irá receber o “ano letivo” que se inicia. Tal é corroborado pelos documentos da Segurança Social que indicam o número de utentes abrangidos em cada mês, verificando-se que entre Setembro de 2018 e maio de 2019 o número de utentes foi sempre aumentando.

                        Resulta ainda da Portaria nº 262/2011, de 31.08.2011, que estabelece as “normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento das creches” (que são frequentadas por crianças até aos 3 anos de idade), que a creche se encontra organizada em “unidades autónomas de grupos de crianças” (aqui referidas por “berçário” e “salas”) com número máximo de utentes por grupo.

                        Assim, o número máximo de crianças por grupo é de 10 crianças até à aquisição da marcha (berçário); 14 crianças entre aquisição da marcha e os 24 meses (sala do 1 ano); e 18 crianças entre os 24 e os 36 meses (sala dos 2 anos) – cfr art 7º, nº 2 da Portaria.

                        Considerando o número de crianças na Instituição em setembro de 20 18 (27 crianças), não é crível, nem a ré o demonstrou, como era seu ónus nos termos do art 342ºdo CCivil, que não existissem crianças para constituir 2 salas, e portanto a desnecessidade de manter duas educadoras de infância.

                        Tendo optado pela constituição de um grupo heterogéneo também não provou a ré, como lhe incumbia, que não havia excedido o número máximo de 16 crianças por sala, conforme o estipula a referida Portaria (art 7º, nº 4), o que é até inverosímil atendendo ao número de crianças a frequentar a creche em Setembro de 2018.

                        Tal determina que o despedimento não tenha justa causa objetiva, pelo que, nos termos do art 53º da CRP, 368º, nº 1, alíneas a) e b), 381º, alínea b) e 384º alínea a) do C.T., é um despedimento ilícito.

                    Vejamos:

                    Dada a alteração que se efectuou aos pontos 60, 61 e 62 da matéria de facto, não pode subsistir a argumentação da sentença no que toca à exclusiva ou predominante motivação, que terá determinado a Ré, fundada na reivindicação da Autora de diferenças salariais ao longo dos anos.

                    Dito isto, temos que o nº 1 do artº 368º do CT  estabelece os requisitos exigidos para que o despedimento por extinção do posto de trabalho possa ter lugar, e que são, cumulativamente, os seguintes:
                    a) os motivos invocados não sejam devidos a uma conduta culposa do empregador ou do trabalhador;
                    b) seja praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
                    c) não existam na empresa trabalhadores contratados a termo para as tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto;

                    d) não se aplique o regime previsto para o despedimento colectivo;
                    Nos termos do nº 4 de tal artigo, “Para efeito da alínea b) do n.º 1, uma vez extinto o posto de trabalho, considera-se que a subsistência da relação de trabalho é praticamente impossível quando o empregador não disponha de outro compatível com a categoria profissional do trabalhador”.

                    De acordo com o artº  384º do CT,  o despedimento por extinção do posto de trabalho é ilícito, além dos fundamentos previstos no art. 381º, sempre que o empregador:

                    “a) Não cumprir os requisitos do n.º 1 do artigo 368.º;

                         b) Não observar o disposto no n.º 2 do artigo 368.º;

                         c) Não tiver feito as comunicações previstas no artigo 369.º;

                         d) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º, por remissão do artigo 372.º, e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho”.

                    Escreve o Professor Pedro Romano Martinez (Apontamentos Sobre a Cessação do Contrato de Trabalho à Luz do Código do Trabalho, páginas 119 e 120), sobre as normas idênticas do CT de 2003, mas que mantém plena actualidade, dada a similitude do regime, que os motivos para a extinção do posto de trabalho coincidem com os fixados para o despedimento colectivo, traduzindo-se em motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, no fundo, motivos económicos relacionados com a empresa.

Quer no despedimento colectivo, quer no fundado em extinção do posto de trabalho, os fundamentos da cessação do contrato de trabalho respeitam à empresa, relevam do conjunto de circunstâncias ou condições em que se desenvolve a actividade da própria organização produtiva.

O motivo justificativo situa-se na área da empresa (é inerente à organização produtiva e exterior às relações de trabalho) e a sua natureza é essencialmente económica, por isso se distingue do despedimento com invocação de justa causa em que o pressuposto material se traduz na verificação de uma justa causa, imputável a título de culpa à pessoa do trabalhador e apurada em processo disciplinar

                    Os motivos que justificam a extinção do posto de trabalho são definidos por lei e são aferidos nos termos do artigo 359º, nº, 2 do CT: motivos de mercado (redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado); estruturais (desequilíbrio económico financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes); ou tecnológicos (alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização dos instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação).

O despedimento por extinção do posto de trabalho, assentando na autonomia contratual do empregador ligada às necessidades de dimensionamento da sua empresa, tem subjacente premissas economicistas, pelo que, realizado o despedimento de acordo com as formalidades a que ele se encontra sujeito, o seu controle judicial terá de se harmonizar com a liberdade da empresa e da sua gestão, tendo-se presente o fim em causa.

Assim, a legalidade do despedimento terá de ser aferida com respeito pelo critério empresarial e, nunca, à luz de mecanismos de viabilização da empresa, não competindo ao julgador substituir-se ao empregador, cabendo-lhe tão só um juízo racionalmente controlável sobre os fundamentos do despedimento - Ac. do STJ de 7/11/2001, proc. 01S594, in www.dgsi.pt.

                    Lobo Xavier,  refere, a este propósito, in Manual de Direito do Trabalho, a pags 775 a 776:

                    “Supomos que o tribunal pode e deve controlar a existência de uma decisão de gestão fundada nos motivos alegados (ainda que, porventura, meramente virtuais, em função de uma previsão da evolução estrutural da empresa ou do mercado), mas com limites prudentes e que só o deve ser levado a anular decisões manifestamente irrazoáveis ou arbitrárias, com rebuscadas e imaginosas motivações, ou com vantagens absolutamente desprezíveis.

O empregador pode formatar a empresa dentro do que entende adequado, não devendo o tribunal substituir os critérios de gestão por outros que entenda mais adequados. (...) o que supomos controlável no plano da improcedências dos motivos é, sobretudo, a extinção ou não de postos de trabalho. Se o posto de trabalho continuar a existir, preenchido por outros trabalhadores, teremos comprovado que se verifica a referida “improcedência” do fundamento”.

                    Todavia, e como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 25/1/2012, disponível em www.dgsi.pt,  o facto das decisões do empregador a esse nível constituírem actos de gestão não pode impedir o tribunal de verificar se as medidas são tomadas com respeito pelos direitos dos trabalhadores, sem que isso signifique que o tribunal se esteja a substituir ao empregador, ou a imiscuir-se na gestão da empresa.

                    Neste sentido, a jurisprudência (ver acórdãos da Rel. Lisboa de 23/04/2008, de 11/11/2009, 10/11/2010, 10/11/2012, 10/4/2013 e 24/4/2013 e do STJ de 7/07/2009, 15/3/2012 e de 21/3/2013, todos disponíveis no referido site), no âmbito do controle material da motivação do despedimento, tem considerado que este deve abranger basicamente:

                    1° - A verificação da veracidade do motivo invocado;

                    2° - A verificação da existência de um nexo de causalidade entre os motivos invocados e o despedimento, de molde a concluir-se que, de acordo com juízos de razoabilidade, aqueles são adequados a justificar a redução de trabalhadores;

          3°- Finalmente, tem-se também entendido que se deve controlar a proporcionalidade entre a motivação apresentada e decisão de despedir e racionalidade dessa medida, face à necessidade de ponderar os dois valores constitucionais em jogo (iniciativa económica privada versus segurança no emprego - artºs 61° e 53° da CRP).

          Por outro lado, para a extinção do posto de trabalho, não é necessário que desapareçam todas as funções inerentes ao mesmo, pois o legislador aceita que as funções correspondentes aos postos de trabalho extintos possam permanecer para além da extinção, como decorre da referência ao "conteúdo funcional", constante do nº 2 do artº 368º do CT, que não teria sentido se a extinção ficasse reduzida aos casos em que as funções desaparecem na totalidade- cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª ed., pag. 587.

          Nesse nº 2 do artº 368º (na redacção anterior à Lei nº 27/2014, de 8/5, que é a aqui aplicável) estabelece-se que “Havendo, na secção ou estrutura equivalente, uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, para determinação do posto de trabalho a extinguir, cabe ao empregador definir, por referência aos respectivos titulares, critérios relevantes e não discriminatórios face aos objectivos subjacentes à extinção do posto de trabalho.”
                    No que respeita à impossibilidade de manutenção do vínculo laboral, e recordando o que se dispõe no nº 4 desse artº 368º, a subsistência da relação de trabalho torna-se praticamente impossível desde que, extinto o posto de trabalho, o empregador não disponha de outro que seja compatível com a categoria profissional do trabalhador.
                    Recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos justificativos do despedimento e que se consideram susceptíveis de determinar a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho (referido Ac. do STJ de 7/7/2009).

                    A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador e na acção de impugnação do despedimento, “o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador” (artº 387º, nºs 1 e 3).
                    Daí que, para efeito de apreciação dos fundamentos da alegada extinção do posto de trabalho, o tribunal se deva cingir aos factos que foram invocados, na acção, como motivadores da extinção do posto de trabalho.
                    A jurisprudência – de que é exemplo a citada - tem-se pronunciado no sentido das exigências de concretização dos factos que podem conduzir ao despedimento por causas objectivas, designadamente por extinção do posto de trabalho, e de modo a que esses factos conduzam, necessariamente, à impossibilidade prática de determinado contrato de trabalho.

          Trata-se da exigência do nexo de causalidade a que fizemos referencia supra. “No despedimento por extinção do posto de trabalho, a entidade empregadora tem de invocar factos concretos que, integrando os conceitos de “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, relativos à empresa”, tenham o necessário nexo causal com o concreto posto de trabalho a extinguir, sob pena de se estar a permitir a existência de despedimentos arbitrários- cfr. citado Ac. da Rel. de Lisboa de 11/11/2009.

                    No caso que nos ocupa, a Ré fundamentou o despedimento, na comunicação que fez em 19 de Junho de 2018,  na circunstância de no decurso do ano de 2017/2018 não se terem verificado inscrições para o ano lectivo seguinte- 2018/2019-  que justificassem a abertura da sala dos 2 anos. Tratava-se de crianças que no seguinte ano iriam transitar para o jardim de infância público.

                    A Ré invocou como razão para a extinção do posto de trabalho da Autor a própria viabilidade da associação, um instituição particular de solidariedade social (IPSS), com redução do quadro de pessoal como forma de racionalizar os custos, redução essa determinada pela não inscrição de crianças na sala de 2 anos, o que tornava inútil a permanência de uma educadora para tal sala, neste caso a Autora.

                    Como é sabido, as IPSS não têm como finalidade a obtenção de lucros, muitas vezes complementando e substituindo-se ao Estado na prestação de serviços de carácter social. Daí que também as razões economicistas que determinam a sua gestão, incluindo do seu quadro pessoal, não possam ser tão exigentes, em termos de sindicância pelo Tribunal, como as que valem para a as empresas que se destinam, por definição, à obtenção de lucros.

                    Ficou provado que:

          - em Junho de 2018 a Ré tinha nas suas instalações 41 crianças;

          - em Junho de 2018 não existiam crianças inscritas para frequentar a creche para o mês de Setembro, nem lista de espera;

          - em Setembro de 2018 a Ré tinha nas suas instalações 27 crianças;

          - nesse mês a Ré tinha nas suas instalações a funcionar o berçário e uma sala com crianças dos 12 meses aos 36 meses;

          - em Outubro de 2018 a Ré tinha nas suas instalações 29 crianças;

          - em Novembro de 2018 a Ré tinha nas suas instalações 29 crianças;

          - em Dezembro de 2018 a Ré tinha nas suas instalações 30 crianças;

          - em Janeiro de 2019 a Ré tinha nas suas instalações 32 crianças;

          - em Fevereiro de 2019 a Ré tinha nas suas instalações 33 crianças;

          - em Março de 2019 a ré tinha nas suas instalações 35 crianças;

                    - em Abril de 2019 a Ré tinha nas suas instalações 37 crianças.

                    E é certo que, tal como é acentuado pela sentença, resulta da Portaria nº 262/2011, de 31/08/2011, que estabelece as “normas reguladoras das condições de instalação e funcionamento das creches” (que são frequentadas por crianças até aos 3 anos de idade), que a creche se encontra organizada em “unidades autónomas de grupos de crianças” (aí referidas por “berçário” e “salas”) com número máximo de utentes por grupo.

                    Assim, o número máximo de crianças por grupo é de 10 crianças até à aquisição da marcha (berçário); 14 crianças entre aquisição da marcha e os 24 meses (sala do 1 ano); e 18 crianças entre os 24 e os 36 meses (sala dos 2 anos) – cfr. artº 7º, nº 2 da Portaria.

          Ora, sendo uma realidade que, em Junho de 2018, não existiam crianças inscritas para frequentar a creche para o mês de Setembro, nem lista de espera, não se pode esquecer que no mesmo mês frequentavam as suas instalações nada menos que 41 crianças. E tendo em conta o número máximo de crianças legalmente fixado, acompanhamos a sentença quando refere que não é crível, nem a Ré o demonstrou, como era seu ónus nos termos do artº 342º do Cod. Civil, que não existissem crianças suficientes para constituir 2 salas, e portanto a desnecessidade de manter duas educadoras de infância.

                    E se é certo que, em Junho de 2018, não havia lista de espera, também o é que nada justificava qualquer previsibilidade, a tomar em conta pela Ré, de que não haveria crianças suficientes para formar duas salas, o que a própria realidade veio ao desmentir, com o aumento de número de crianças ao longo dos meses que se seguiram (as inscrições estiveram sempre abertas). Era-lhe exigível que aguardasse mais algum tempo para verificar se efetivamente se não justificava, pelo número de crianças a frequentar a instituição, a abertura de uma segunda sala. E essa necessidade verificou-se, como a factualidade provada assim o veio demonstrar. Como salienta a Autora, nas suas contra-alegações, as inscrições das crianças para frequência da creche ocorrem durante todo o ano, não podendo a instituição prever ou ter como ponto de partida para avaliar do número de crianças que irá receber o “ano lectivo” que se inicia.

                    E também como é realçado pela sentença, também não provou a Ré, como lhe incumbia, que não havia excedido o número máximo de 16 crianças por sala, conforme o estipula a referida Portaria (art 7º, nº 4), o que é até inverosímil atendendo ao número de crianças (41) a frequentar a creche em Junho de 2018. Número esse que se manteria em Agosto, tal como refere a própria Ré nas sua alegações de recurso, sendo que no mês em que despedimento se tornou efectivo (Setembro), o número de crianças era de 27.

                    E não resulta dos factos provados que a Ré tenha passado à prática a sua intenção de proceder  ao fecho da segunda sala.

                    Tudo para dizer que não é atendível a argumentação da Ré baseada exclusivamente na circunstância de, em Junho de 2018, não haver inscrições para a sala de 2 anos, nem lista de espera.

                    Com a necessária conclusão de que se não mostra verificado o nexo de causalidade, a que fizemos referência, entre os motivos invocados e o despedimento.

                    Nesta parte improcedendo o recurso.

                    - a quarta questão- o montante da indemnização:

                    Escreveu-se na sentença recorrida, a este propósito:

                        “Passando a contabilizar a indemnização devida pelo despedimento ilícito o Tribunal, atendendo ao montante da remuneração da autora devidamente corrigida para €1.400,00 – montante que não é de desprezar tendo em conta o valor da RMMG; mas tendo ainda em conta o elevado grau de ilicitude da conduta da ré consubstanciado na camuflagem de um despedimento individual sem justa causa por um despedimento por extinção do posto de trabalho formalmente correto; tendo em consideração a antiguidade da autora - 10 anos, 8 meses e 28 dias, decide fixar a indemnização em 40 dias de retribuição base, a saber: (€1.400,00 : 30 x 40 = €1.866,67 x 10 anos = €18.667,67) + (€1.866,67 : 12 x 8 meses = €1.244,45) + (€1.866,67 : 365 x 28 dias = €143,20) = €20.055,32”.

                    A recorrente considera exagerado o montante desta indemnização, devendo antes fixar-se no montante mínimo legalmente previsto.

                    Vejamos:
                    Nos termos do artº 391º, nº 1, do CT, na fixação da indemnização o tribunal deve atender ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artº 381º.
                    Na ponderação destes dois elementos, decidiu-se no Ac. do STJ de 17/06/2010 (proc. nº 173/07.1TTMAI.S1, www.dgsi.pt.), que, ao fazer intervir na medida da indemnização o grau de ilicitude do despedimento, por referência às situações descritas no artº 429º do CT de 2003 (actualmente o artº 381º do CT de 2009), o legislador parece ter pretendido distinguir o índice de censurabilidade que a conduta da entidade empregadora possa ter revelado, quer no que se refere à observância dos direitos processuais, quer no que se refere ao respeito pela dignidade social e humana do trabalhador visado. Neste contexto, afigura-se que assume maior relevância o despedimento que é imposto como medida discriminatória, em clara violação do princípio da igualdade e dos direitos fundamentais dos cidadãos, ou que tenha sido adoptado sem qualquer justificação e sem procedência de processo disciplinar, daquele outro que, seguindo os procedimentos legalmente previstos e respeitando o direito de defesa do trabalhador, acaba por ser julgado ilícito por insubsistência dos motivos que foram indicados como determinantes da decisão disciplinar.

                    A referência à retribuição parece, por outro lado, funcionar como um factor de equidade na fixação do montante indemnizatório de modo a evitar que a natural variação dos níveis de remuneração dos trabalhadores, em função da categoria, qualificação e responsabilidade profissional, possa introduzir desequilíbrios e desvirtuar o carácter ressarcitório da obrigação, que, por regra, deverá ter em conta também a situação económica do lesado – art. 494.º do Cód. Civil.

       Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13ª ed. 570-571), escreve que “Os factores a tomar em conta na graduação da indemnização suscitam naturais dúvidas aplicativas. Quanto ao valor da retribuição, que sentido deverá ter a sua ponderação? Admite-se que a lei pretenda sugerir tanto maior aproximação ao limite superior quanto mais baixo for o salário, visando garantir um valor absoluto compensador. Relativamente ao grau de licitude, o art. 439.º/1 referencia o art. 429.º, onde, na verdade, se encontram listadas, mas não hierarquizadas nem graduadas, as causas de ilicitude do despedimento. Pode supor-se - numa perspectiva inteiramente apriorística - que deva considerar-se "mais baixo" o grau de ilicitude do despedimento com vício processual do que o do despedimento por motivos políticos, e que seja razoável colocar em posição intermédia a improcedência de motivos ou a inexistência de justa causa. Trata-se de mera hipótese, que, de qualquer modo, haverá que completar com a ponderação concreta das circunstâncias que rodearam o despedimento".

                    Perante os factos assentes e o que a propósito dos mesmos tivemos oportunidade de explanar, verificamos que não é diminuto o grau de ilicitude do despedimento, dado que, como a  todo e qualquer empregador, era exigível à Ré que tivesse perfeita noção da inadmissibilidade do despedimento e da proibição constitucional e legal do despedimento sem justa causa. Mas, como também tivemos oportunidade de expor, não está demonstrada a asserção da sentença de que a conduta da Ré se consubstanciou na camuflagem de um despedimento individual sem justa causa por um despedimento por extinção do posto de trabalho formalmente correcto, única ou predominantemente por a Autora ter reclamado da justeza da sua retribuição.

       Também considerando o valor da retribuição da Autora, é de entender que a indemnização não se pode fixar no patamar mínimo, como defende a Ré, devendo buscar-se uma referência bem mais elevada.

       O que conduz a considerar adequada a fixação no ponto médio (30 dias) a ponderação do valor da indemnização.

       - a quinta questão- as diferenças salariais:

                    É pacificamente aceite pelas partes que a relação laboral em causa aplica-se o CCT celebrado entre a CNIS e a FNE, publicado no BTE nº 32/2008, de 29.08, com a Portaria de Extensão nº 455/2009, de 29/07, com última alteração salarial no BTE nº 45/2009, de 08/12, com Portaria de Extensão nº 280/2010, de 24/05.

                    Como se refere na sentença, a Autora era educadora de infância, portadora de licenciatura com profissionalização, sem funções docentes e com funções pedagógicas – da Lei de Bases do Sistema Educativo e do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, com última alteração pelo Dec-Lei nº 146/2013, de 22/10, resulta, a contrario, que apenas exercem funções docentes os educadores de infância no ensino pré-escolar, i.e. com crianças a partir dos 3 anos de idade.

                    Assim, atendendo à sua categoria profissional e habilitações, aplica-se a tabela salarial B, ponto 4, constante do Anexo V, não podendo subir mais do que o nível 4, conforme nota explicativa do nº 3 do referido CCT.

                    Assim, tendo a Autora sido admitida em 01/01/2008, sendo licenciada com profissionalização, sem funções docentes, aplicam-se-lhe as seguintes remunerações base:

                    - ano 2008 – 826,00€

                    - anos de 2009 a 2011 – 993,00€

                    - anos 2012 a 2017 – 1.146,00€

                    - ano 2018 – 1.400,00€.
                    Não é aqui aplicável, ao contrario do pretendido pela Ré- apelante, o nível 7 da Tabela B, que se refere a educador de infância com diploma e curso complementar e com 5 a 9 anos de serviço, já que a Autora tinha mais de 10 anos de serviço, sendo que o nível 4 abrange “Educador de infância com diploma e curso complementar e com 10 a 14 anos de serviço”. Não há que falar em norma especial, já que o âmbito pessoal de aplicação dos dois níveis é claramente diferente.
                    Também aqui improcedendo o recurso.
                    Decisão:

                    Nos termos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida no que toca à indemnização por despedimento ilícito, passando o ponto 2 do dispositivo da mesma a ter a seguinte redacção:

                    2. a pagar à autora a indemnização em substituição da reintegração, que se fixa à data do despedimento em €15.064,00, e sem prejuízo do tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos dos nºs 1 e 2 do art 391º do CTrabalho;

Em tudo o mais, na parte impugnada e embora parcialmente com diferente fundamentação, se mantém a sentença.

Custas, em ambas as instâncias, por apelante e apelada, na proporção de vencidas.

                                                           Coimbra, 07/02/2020


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[1] Vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra, 1985, p. 410, nota 1, e as obras aí citadas.
[2] Lançando mão da palavra do referido douto Acórdão da Relação do Porto de 2013.10.07, “pode afirmar-se, em sentido muito simplificador, que uma conclusão implica um juízo sobre factos e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detetável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo”.
[3] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2014.03.12, Recurso n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1 - 4.ª Secção.