Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
23/21.6YRCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL NECESSÁRIO
NULIDADE DE PATENTE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 10/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL ARBITRAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 62/2011, DE 11/12; ARTº 277º, AL. E), DO NCPC.
Sumário: I – O tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é competente para apreciar, por via da dedução de exceção perentória, a questão da nulidade da patente ou Certificado Complementar de Proteção relativa a medicamento.

II – O acórdão do Tribunal Constitucional nº 251/2017, de 7 de julho, pôs termo à contenda a esse propósito, sendo certo que acolhendo a doutrina deste acórdão do TC o DL nº 110/2018, de 10 de dezembro, alterou a Lei 62/2011, passando o art. 3º, nº 3, deste a consagrar isso de forma expressa.

III – A lide fica inútil – nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do art. 277º do n.C.P.Civil – se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil, nomeadamente quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

IV – Não se pode considerar que isso ocorreu relativamente a uma ação arbitral necessária, instaurada ao abrigo dos artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011, de 11 de Dezembro, através da qual se visava a condenação da Ré a abster-se de produzir ou comercializar, em Portugal, medicamentos genéricos contendo como substância ativa o composto químico denominado Ezetimiba, enquanto vigorassem os direitos de propriedade industrial emergentes do Certificado Complementar de Proteção (CCP) n.º 189, se na pendência da ação veio a caducar este CCP, mas o pedido (principal) impetrado ao Tribunal também passou a ser o de apreciar e decidir se a atuação da Ré/Demandada, antes da data de caducidade do dito CCP 189, ocorreu em violação dos direitos conferidos por esse CCP.

Decisão Texto Integral:







Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

               1 – RELATÓRIO

Por carta de 12 de março de 2018, a “M..., Corp.” (de ora em diante, Demandante) informou a “R..., Lda. (de ora em diante, Demandada), que pretendia iniciar uma ação arbitral, ao abrigo dos artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011, de 11 de Dezembro, para dirimir o litígio relativo à substância activa Ezetimiba.

Designados os árbitros por cada uma das partes — a Senhora Prof. Doutora ..., pela Demandante, e o Senhor Dr. ..., pela Demandada —, estes convidaram o Senhor Prof. Doutor ... para presidir ao Tribunal, que aceitou por carta de 5 de maio de 2018.

Tomadas as diligências necessárias, a instalação do Tribunal e a definição das regras processuais ocorreram em 12 de junho de 2018, conforme consta da respetiva ata de instalação do Tribunal [sedeado na ...], tendo a cláusula “objeto do litígio” a seguinte redação: “O objeto do litígio, tal como definido pela Demandante na carta de início da Arbitragem que endereçou à Demandada em 12 de março de 2018 (com a  retificação constante de carta endereçada à Demandada em 13 de março de 2018, respeitante à tabela onde se identificaram as autorizações de introdução no mercado concedidas à R...), respeita a direitos de propriedade industrial emergentes dos Certificados Complementares de Proteção nº 150 e nº 189 (os quais têm como patente de base a Patente Europeia nº 720 599), relativamente a medicamentos genéricos contendo Ezetimiba como substância ativa, isoladamente ou em combinação com outras substâncias ativas, designadamente Sinvastatina, incluindo, mas sem limitar, os referentes às Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) concedidas à sociedade R..., Lda., em 3 de abril de 2017 e em 5 de fevereiro de 2018, para medicamentos genéricos, contendo Ezetimiba + Sinvastatina como substâncias ativas.”

De referir ainda que as partes previram expressamente na Convenção de Arbitragem que haveria recurso para o Tribunal Estadual da sentença final de mérito.

                                                                          *

Em paralelo, a Demandante requereu providência cautelar não especificada contra a Demandada, que correu os seus termos e foi julgada por acórdão de 30 de julho de 2018, no qual se decidiu:

(i) “intimar a Requerida para suspender imediatamente a oferta, venda e/ou fornecimento, por si ou por terceiro, dos medicamentos “Sinvastatina + Ezetimiba ratiopharm” a qualquer entidade pública ou privada a quem os tenha oferecido, vendido e/ou fornecido, e bem assim qualquer outra conduta nos termos do artigo 101.º, n.º 2 do Código da Propriedade Industrial que esteja a ser praticada junto de qualquer entidade, pública ou privada;

(ii) intimar a Requerida para retirar imediatamente do mercado português, a suas expensas, os medicamentos “Sinvastatina + Ezetimiba ratiopharm” que já tenham sido oferecidos, vendidos e/ou fornecidos, diretamente pela Ratiopharm ou através de um terceiro;

(iii) intimar a Requerida para informar qualquer entidade a quem tenham sido oferecidos, vendidos e/ou fornecidos os medicamentos “Sinvastatina + Ezetimiba ratiopharm” de que essa oferta, venda e/ou o fornecimento são ilícitos;

(iv) intimar a Requerida para se abster de oferecer, vender e/ou fornecer, por si ou por terceiro, o produto “Sinvastatina + Ezetimiba ratiopharm” a qualquer outra entidade bem como de, no território português, ou com vista à comercialização naquele território, importar, oferecer, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou usar o “Sinvastatina + Ezetimiba ratiopharm” ou, sob qualquer outro nome comercial, qualquer outro medicamento que contenha a associação de princípios ativos Ezetimiba + Sinvastatina enquanto os direitos de propriedade industrial da MSD decorrentes do CCP 189 se encontrarem em vigor, i.e. até 2 de abril de 2019;

(v) fixar, nos termos das disposições conjugadas do artigo 338º-I, n.° 4, Código da Propriedade Industrial, e do artigo 829º-A do Código Civil uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 12.000,00 (doze mil euros), a ser paga pela Requerida por cada dia de atraso no cumprimento das intimações (i), (ii), (iii) e (iv).

(vi) Subordinar a concessão das providências sub (i), (ii), (iii) e (iv) à prestação de caução no valor de €500.000,00 (quinhentos mil euros), pela Requerente a favor da Requerida, para vigorar até decisão final com trânsito em julgado da acção principal deste processo cautelar, acrescido de 6 meses para eventual execução, cobrindo os danos da Requerida caso se verifique não ter havido violação de direito de propriedade industrial. Deve mencionar-se, expressamente, que a vigência da garantia se manterá enquanto o presente Tribunal Arbitral não proferir despacho, por iniciativa sua ou a requerimento de qualquer das partes, a considerá-la sem efeito ou enquanto o beneficiário não consentir, por escrito e de forma expressa, na sua cessação.”

Desta decisão foi interposto recurso pela Requerida, negado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de fevereiro de 2019.

Inconformada com o referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e ainda no âmbito desse procedimento cautelar, a Requerida ora Recorrida interpôs recurso de revista excecional de um segmento dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por Decisão Singular datada de 7 de junho de 2019, foi a instância recursória julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide cautelar, nos termos gerais do disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC, não prosseguindo o recurso de revista excecional os seus ulteriores termos.

                                                                          *

Efetuadas as notificações devidas, foi junta aos autos da ação principal, em 3 de setembro de 2018, a respetiva petição inicial, com os seguintes pedidos:

a) “Deve a Demandada ser condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico contendo a associação de substâncias ativas Ezetimiba e Sinvastatina, incluindo, mas não apenas, os medicamentos genéricos que são objeto das AIMs acima identificadas nos artigos 82.º e 83.º, sob quaisquer designações ou marcas, enquanto o CCP 189 se encontrar em vigor”;

b) “Mais deve ser a Demandada condenada, com vista a garantir o exercício dos direitos da Demandante, a não transmitir a terceiros as AIMs, identificadas nos artigos 82.º e 83.º da presente petição, ou quaisquer outras AIMs ou pedidos de AIMs para qualquer medicamento genérico contendo a associação de substâncias ativas Ezetimiba e Sinvastatina, enquanto o CCP 189 se encontrar em vigor”;

c) “Deve a Demandada, ao abrigo do disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de, pelo menos, € 36.500,00 (trinta e seis mil e quinhentos euros), por cada dia de incumprimento da sentença que venha a ser proferida nos termos da alínea a)”;

d) “Por fim, deve a Demandada ser condenada a pagar os honorários e despesas administrativas totais com a presente ação arbitral, e ainda a reembolsar a Demandante das provisões para os honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas pagos pela Demandante, em nome da Demandada, ou em suprimento da sua falta pela Demandada”.

A Demandante juntou 30 documentos, indicou testemunhas, designou um assessor técnico e requereu a gravação da audiência de prova, bem como os depoimentos, informações e esclarecimentos que nela tenham lugar.

Notificada, a Demandada apresentou, em 15 de outubro de 2018, a sua contestação, concluindo que:

a) “A presente ação arbitral ser julgada totalmente improcedente e a Demandada absolvida de todos os pedidos”; ou

b) “Deve ser ordenada a suspensão dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 272.º do CPC”,

c) “A Demandante deve ser condenada ao pagamento de todos os encargos arbitrais”.

A Demandada juntou 17 documentos e indicou testemunhas.

Notificada da Contestação, a Demandante apresentou, em 21 de novembro de 2018, resposta às exceções, concluindo pela sua total improcedência.

Sobre esta Resposta pronunciou-se a Demandada (em 6 de dezembro de 2018), tendo, seguidamente e por sua vez, a Demandante requerido o desentranhamento e devolução à Parte apresentante.

Notificadas do Guião de Prova (em 16 de dezembro de 2019) e para, querendo, apresentarem sugestões de alteração e/ou requererem diligências complementares e/ou alterarem as já requeridas, as Partes pronunciaram-se sobre o mesmo.

A Demandante requereu que fosse proferido um despacho saneador antes da fixação dos temas de prova, julgando as exceções de caducidade do direito de ação (invocada pela Demandada) e de incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a invalidade do CCP 189 (suscitada pela Demandante). Na hipótese de prosseguimento dos autos, requereu o aditamento de alguns temas de prova ao Guião de Prova, relacionados com a invenção e com a anterior propositura de ações arbitrais pela Demandante contra as sociedades Teva BV e Actavis.

Por sua vez, a Demandada questionou a utilidade da pronúncia das Partes perante a caducidade do CCP 189, requereu o aditamento à lista de factos assentes do Guião de Prova da referência à ação que corre termos no Tribunal de Propriedade Intelectual para apreciar a invalidade do CCP 189 e a indicação terapêutica do Ezetrol. Requereu igualmente o aditamento de quesitos ao Guião de Prova.

                                                                          *

Subsequentemente e em resposta ao requerimento da Demandante, a Demandada veio requer o encerramento do processo arbitral por inutilidade em face da caducidade do CCP 189, ocorrida em 02.04.2019, e renovou o pedido de apreciação, em despacho saneador, da exceção de caducidade do direto de ação por si alegada na Contestação.

A Demandante respondeu, invocando, no que toca ao pedido de encerramento do presente processo arbitral, que os pedidos por si deduzidos mantêm utilidade, designadamente no que concerne à declaração de que, ao introduzir no mercado os medicamentos genéricos antes da caducidade do CCP 189, a Demandada estava impedida de o fazer, representando tal conduta a inerente violação dos direitos de propriedade industrial da Demandante. Por outro lado, requereu a “modificação do pedido principal formulado na alínea a) dos pedidos deduzidos na P.I.”, no sentido de o mesmo passar a ser “Deve o Tribunal declarar que a Demandada se encontrava impedida de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico contendo a associação de substâncias ativas Ezetimiba e Sinvastatina, incluindo, mas não apenas, os medicamentos genéricos que são objeto das AIMs acima identificadas nos artigos 82.º e 83.º, sob quaisquer designações ou marcas, enquanto o CCP 189 se encontrou em vigor e que o lançamento de medicamentos genéricos contendo a associação Ezetimiba e Sinvastatina no mercado português antes da data de caducidade do CCP 189 ocorreu em violação dos direitos conferidos por esse CCP.”, e requereu a declaração da inutilidade superveniente da lide quanto aos pedidos b) e c) da P.I.

A Demandada pronunciou-se opondo-se à alteração do pedido, por falta de fundamento – invocando o disposto no art. 33.º, nº 3, LAV – e pela delonga no impulso processual, visto que a caducidade ocorreu em abril de 2019 e o pedido de alteração do pedido foi apresentado apenas em fevereiro de 2020. Invocou o art. 265.º CPC no sentido de que a alteração do pedido só seria possível com o acordo da contraparte, o que não é o caso. E alegou que o Tribunal, aceitando o pedido da Demandante, violaria a Lei n.º 62/2011, posto que iria proferir uma decisão sobre um direito de propriedade industrial já caducado — no entender da Demandada, o tribunal só tem competência para decidir sobre direitos em vigor e enquanto vigorarem.

Pronunciou-se a Demandante sobre este último requerimento da Demandada, sustentando que não formulou um novo pedido, mas uma modificação/desenvolvimento do formulado na P.I., pugnando que o pedido de alteração foi efectuado em tempo e que a causa de pedir é a mesma; recusando o entendimento de que o art. 265.º CPC exige o acordo da contraparte para a modificação/desenvolvimento e, por fim, recusando que a Lei nº 62/2011 impeça a alteração e/ou o prosseguimento do processo.

                                                                          *

De seguida, o Tribunal Arbitral proferiu acórdão, datado de 17.07.2020, no qual, após descrever em Relatório as posições das partes e o objeto do litígio, elegeu como questões a decidir a da inutilidade superveniente da lide e a da admissibilidade da “modificação/desenvolvimento” do pedido apresentado pela Demandante,  relativamente ao que, cuidando de responder primeiramente à questão de saber se o novo pedido era admissível ou se, também ele, era supervenientemente inútil, respondeu convictamente de forma afirmativa, isto, em síntese, com base no entendimento de que «a alteração de referência temporal do pedido — que deixou de assentar no presente, para tomar com referência apenas o passado — implicou, na realidade, uma alteração da sua substância: a acção que visava a condenação da Demandada passaria a visar o reconhecimento do direito (pretérito) da Demandante», isto é, que «presentemente, o pedido original bem como o pedido modificado, atenta a caducidade do direito de exclusivo, apenas poderiam ter, como efeito útil, a mera declaração pelo tribunal da existência pretérita do direito», assim concluindo no sentido de que «o pedido, seja na sua versão original, seja na sua versão modificada, se mostra inútil, deixa de relevar a questão da admissibilidade, em geral, de alterações ao pedido em acção proposta ao abrigo da Lei n.º 62/2011, bem como o respetivo regime à face do NCPC», termos em que finalizou com o seguinte concreto “dispositivo”:

«III — Decisão

Termos em que acordam em:

― encerrar o presente processo, por inutilidade superveniente da lide;

― condenar a Demandante a suportar a totalidade dos encargos do processo, nos montantes definidos, por acordo com todas as Partes e aceite pelos Árbitros, no documento anexo à Acta de instalação do Tribunal e, assim:

a) Nos termos da cláusula 8.2. (“Encargos de arbitragem”), 36.000€ a título de honorários dos Árbitros, já aplicada a redução de 40% prevista na cláusula 8.7;

b) Nos termos da cláusula 8.3, 3.240€ a título de honorários do Secretariado, já aplicada a redução de 40%;

c) Não são apresentadas despesas administrativas.

Comunique-se ao INFARMED, I.P. e ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P., nos termos do artigo 3º, nº 6, da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro.»

                                                                          *

               Inconformada, apresentou a Demandante “M... Corp.” recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1. OBJETO DO RECURSO: O presente recurso vem interposto pela Recorrente do Acórdão Recorrido, na parte em que ordenou o encerramento do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide e na parte em que condenou a Recorrente no pagamento integral das custas arbitrais do processo principal, no valor de 36.000,00 EUR.

2. NULIDADE POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO: O Acórdão Recorrido é nulo por falta de fundamentação, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, porquanto o Tribunal se limitou a condenar, pura e simplesmente, a Recorrente no pagamento integral dos encargos arbitrais,

3. Atento o avultado montante dos encargos arbitrais fixados, o regime legal aplicável aos presentes autos e a, impunha-se que o Tribunal Arbitral concretizasse os fundamentos que presidiram à sua decisão, procedendo, para o efeito, à indicação das disposições legais, das regras ou dos princípios jurídicos concretos.

4. A Recorrente vê-se confrontada com uma decisão com a qual não se pode conformar, mas sem que esteja devidamente elucidada sobre as razões por que foi condenada no pagamento integral dos encargos arbitrais e sem poder descortinar os fundamentos e o iter decisivo que presidiu ao referido segmento decisório.

5. NULIDADE POR PRETERIÇÃO DE UMA FORMALIDADE ESSENCIAL: O Acórdão Recorrido consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa na parte relativa à repartição das custas arbitrais, sendo, portanto, igualmente nulo, nos termos do disposto no artigo 615.º, alínea d) do CPC (ou, caso assim não se entenda, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1 do CPC).

6. A Recorrente foi condenada no pagamento integral das custas judiciais sem que a sua posição tivesse sido tomada em consideração.

7. Estamos perante uma omissão de um ato que a lei prescreve como obrigatório – que consistia em dar a possibilidade de a Recorrente exercer o seu direito ao contraditório – o que influiu decisivamente no exame da questão relativa à distribuição dos encargos arbitrais, uma vez que os argumentos da Recorrente nem chegaram a ser apreciados.

8. QUANTO AO ENCERRAMENTO DO PROCESSO ARBITRAL POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE: o Tribunal Arbitral fez uma incorreta interpretação do artigo 277.º, alínea e) do CPC e andou mal ao ter considerado que o pedido principal, tal como modificado pela Recorrente no decurso do processo arbitral, carecia de qualquer efeito útil, à luz da caducidade do CCP 189.

9. A inutilidade superveniente da lide é uma realidade absoluta, não se podendo extinguir a instância nos casos em que a utilidade existe, ainda que mínima ou pouco provável.

10. O Tribunal Arbitral não entendeu a extensão e o conteúdo do pedido tal como modificado pela Recorrente: a Recorrente nunca solicitou ao Tribunal a mera declaração da existência dos seus direitos emergentes do CCP 189, tendo antes solicitado a declaração de que a Recorrida violou efetivamente os seus direitos.

11. São totalmente irrelevantes as considerações tecidas pelo Tribunal Arbitral a propósito da sua pretensa competência para conhecer, a título principal e a título exclusivo a validade do CCP 189.

12. A aferição da utilidade do pedido modificado pela Recorrente não pode ficar na dependência da dedução ou falta de dedução de um pedido indemnizatório nos presentes autos.

13. A questão da utilidade do pedido modificado da Recorrente tem de ser aferida à luz de critérios objetivos, os quais foram devidamente concretizados ao longo do processo arbitral e não em função da dedução de uma pretensão indemnizatória.

14. DA UTILIDADE DO PEDIDO MODIFICADO: o pedido principal, tal como modificado pela Recorrente, e que visa a declaração de que a Demandada se encontrava impedida de explorar industrial e economicamente os seus medicamentos genéricos e que o lançamento de medicamentos genéricos contendo a associação Ezetimiba e Sinvastatina no mercado português antes da data de caducidade do CCP 189 ocorreu em violação dos direitos conferidos pelo CCP 189, mantém toda a sua utilidade e pertinência à luz da caducidade do CCP 189.

15. A declaração de invalidade dos seus direitos de propriedade industrial decorrentes do CCP 189 poderá ter repercussões aos mais diferentes níveis, designadamente para efeitos indemnizatórios, numa futura ação de indemnização que venha porventura a ser intentada pela Recorrente contra a Recorrida, evitando que a Recorrente tenha de alegar e provar os factos relativos à infração dos seus direitos de propriedade industrial decorrentes do CCP 189.

16. Estando já um processo arbitral em curso contra a Recorrida o qual tem por objeto o exercício dos direitos emergentes do CCP 189 relativamente a medicamentos genéricos compreendendo a associação de substâncias ativas Ezetimiba + Sinvastatina , não faria qualquer sentido - até por imperativos de economia processual e tendo em vista evitar a multiplicidade de custos e de ações - que fosse negada à Recorrente a possibilidade de obter a tutela jurídica pretendida nos presentes autos.

17. A Recorrente foi forçada a prestar uma garantia bancária à qual o Tribunal condicionou as suas ordens cautelares para cobrir eventuais danos da Recorrida em virtude do decretamento da providência cautelar pelo Tribunal Arbitral, caso viesse a verificar-se não ter havido violação do direito de propriedade industrial da titularidade da Recorrente, sendo que essa garantia continua a produzir efeitos e a causar danos à Recorrente.

18. DA ADMISSIBILIDADE DA MODIFICAÇÃO DO PEDIDO: não obstante o Tribunal Arbitral não ter chegado a pronunciar-se sobre esta questão, por a ter considerado prejudicada, a legislação aplicável aos presentes autos admite a modificação do pedido nos exatos termos em que foi formulado.

19. Nem as disposições contantes do Regulamento CAC, nem a Lei da Arbitragem Voluntária - diplomas aplicáveis por expressa remissão das regras de arbitragens constantes da Ata de Instalação – obstam à modificação do pedido principal tal como formulado pela Recorrente, admitindo expressamente que a referida modificação pode ter lugar “no decurso do processo [arbitral]”.

20. A caducidade do CCP 189, a qual foi superveniente aos articulados deduzidos pelas Partes, é justificação bastante para a modificação do pedido pela Recorrente.

21. A modificação do pedido comporta a apreciação dos mesmos factos e das mesmas questões de direito sobre as quais as Partes já pronunciaram, não há qualquer atraso no andamento do processo arbitral.

22. A Recorrente não pode ser prejudicada pelo modo como o processo arbitral foi conduzido e pelo hiato temporal decorrido entre a fase dos articulados e o convite às Partes para se pronunciarem sobre o Guião de Prova.

23. O artigo 265.º do CPC permite a modificação do pedido formulada pela Recorrente nos presentes autos e o disposto no seu n.º 2 não é aplicável aos presentes autos, uma vez que a Recorrente em momento algum pretendeu modificar a sua causa de pedir, mas antes e tão só a modificação do pedido principal.

24. O Tribunal Arbitral é competente para conhecer de ações em que estejam em causa direitos já caducados: o artigo 2.º da Lei 62/2011 define o âmbito material dos litígios que caem dentro do respetivo escopo, não se prevendo qualquer elemento temporal limitativo ou a necessidade de os direitos de propriedade industrial exercidos se encontrarem em vigor.

25. QUANTO À REPARTIÇÃO DOS ENCARGOS ARBITRAIS: sem prejuízo da nulidade por falta de fundamentação arguida, a Recorrente nunca poderia ter sido condenada no pagamento integral das custas arbitrais, atenta a legislação aplicável e os contornos factuais subjacentes aos presentes autos

26. A decisão arbitral em matéria de repartição das custas da arbitragem tem de ter em consideração o contexto legal e fático em foi iniciada a ação arbitral em causa, os seus pedidos e a sua causa de pedir.

27. A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores confirma que a regulamentação própria dos litígios arbitrais no que se refere a encargos e a especificidade dos mesmos excluem a aplicação, sem mais, das regras constantes no Código de Processo Civil.

28. A matéria da distribuição dos encargos arbitrais encontra-se, desde logo, regulada no artigo 48.º, n.º 3 do Regulamento CAC, segundo o qual o Tribunal Arbitral deverá atender às circunstâncias do caso, incluindo o decaimento e a intervenção das Partes.

29. Qualquer decisão proferida a este respeito não pode deixar de significar que as custas sejam repartidas entre as Partes, de modo equilibrado e ponderado, atendendo, designadamente, à intervenção das mesmas no processo arbitral, aos interesses de cada uma das partes em jogo, ao decaimento de cada uma das partes em relação a cada um dos pedidos formulados nos autos, bem como à natureza necessária da presente arbitragem.

30. No caso em apreço, é preciso ter em consideração que: (i) os presentes autos foram instaurados ao abrigo da Lei 62/2011, a qual submete a resolução de a arbitragem necessária; (ii) os presentes autos foram instaurados mais de um ano antes da caducidade do CCP 189 e foram espoletados pela concessão das AIMs à Recorrida; (iii) em face da comercialização prematura e ilegal dos seus direitos de propriedade industrial decorrentes do CCP 189, a Recorrente viu-se forçada a iniciar um procedimento cautelar contra a Recorrida, tendo obtido integral vencimento; (iv) a Recorrida participou ativamente, tanto no processo cautelar, como no processo principal; (v) a caducidade do CCP 189 não é, naturalmente, imputável a nenhuma das Partes, sendo antes uma mera decorrência do tempo.

31. Embora não se conheçam as razões do Tribunal recorrido, o mesmo não poderá ter perfilhado uma correta interpretação do artigo 48.º, n.º 3 do Regulamento CAC, devendo ser substituído por outra decisão que ordene a repartição igualitária dos encargos arbitrais entre as Partes.

32. O Acórdão Arbitral ao imputar integralmente a responsabilidade pelas custas do processo principal, terá sufragado também, necessariamente, uma incorreta interpretação do artigo 42.º, n.º 5 da LAV devendo ser substituído por outra decisão que ordene a repartição igualitária dos encargos arbitrais entre as Partes.

33. Por último, e ainda que se considere que são de aplicar as regras constantes do CPC – o que a Recorrente rejeita expressamente-, as custas arbitrais ainda assim teriam de ser repartidas equitativamente entre as Partes.

34. Caso este Tribunal julgue o recurso improcedente e mantenha o Acórdão Recorrido na parte em que ordenou o encerramento do processo arbitral, a presente ação apenas deixou de ser fundada em virtude da caducidade dos direitos de propriedade industrial (os quais são, por natureza, temporários) e que a respetiva caducidade consubstancia uma circunstância não imputável a nenhuma das Partes.

35. A gestão processual do Tribunal e a ampla atividade processual gerada pela Recorrida tiveram um contributo muito significativo na circunstância de o CCP 189 ter caducado entes de ter sido possível a prolação de uma decisão arbitral final.

36. Não podendo ser a caducidade do CCP 189 imputável à Recorrente, também não lhe poderá ser imputável a totalidade das custas arbitrais.

37. De acordo com a prática arbitral decorrente da Lei 62/2011, confirmada pelos Tribunais Superiores, não devem as empresas titulares de direitos de propriedade industrial ser integralmente responsáveis pelo pagamento dos encargos arbitrais, especialmente em casos de inutilidade superveniente da lide derivada da caducidade dos direitos de propriedade industrial invocados!

38. O Acórdão Recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que (i) ordene o prosseguimento dos presentes autos arbitrais e, em qualquer caso, (ii) ordene a repartição igualitária dos encargos arbitrais.

Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, em consequência:

a) deve o Acórdão Recorrido declarado nulo, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC;

b) sem conceder, deve o Acórdão Recorrido ser revogado na parte em que ordenou o encerramento do processo arbitral e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos arbitrais;

b) no caso de este douto Tribunal manter o Acórdão Recorrido na parte em que ordenou o encerramento do processo, deve o Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal a quo ser revogado na parte que condenou a Demandante no pagamento integral dos encargos arbitrais do processo arbitral e substituído por outro que ordene a repartição, pelo menos, igualitária dos mesmos

só assim se fazendo

JUSTIÇA! »

                                                                          *

               A Demandada apresentou as suas contra-alegações, que concluiu no sentido de que devia o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente.

               Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

               2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

               - desacerto da decisão proferida no sentido da extinção da instância do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide [estribando-se na argumentação da utilidade do pedido modificado e da admissibilidade da modificação do pedido];

- desacerto da decisão de condenação da Demandante no pagamento integral das custas arbitrais do processo principal [no valor de € 36.000,00], relativamente ao que suscita, ab initio, as sub-questões da

- nulidade por falta de fundamentação;

- nulidade por preterição de uma formalidade essencial.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em consideração para a decisão são, essencialmente, os que decorrem do Relatório que antecede.

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – questão do desacerto da decisão proferida no sentido da extinção da instância do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide [estribando-se na argumentação da utilidade do pedido modificado e da admissibilidade da modificação do pedido].

Será assim?

Desde já se adiantará – e releve-se o juízo antecipatório! – que mal andou o Tribunal Arbitral nesta vertente da decisão.

Senão vejamos.

Quanto a nós, assiste integral razão à Demandante ora recorrente quando argumenta que subsistia utilidade do seu pedido sob a al. a) (modificado) após a caducidade do CCP 189[2], caducidade esta que teve lugar em 02.04.2019, sendo certo ser a modificação do pedido sob a al. a) admissível.

É que importa não olvidar que toda esta questão é motivada pelo decurso do tempo, desde a instauração da ação, pois que à data desta instauração – em 3.09.2018 – a dedução desse pedido, na sua formulação original, era perfeitamente justificada e digna de tutela.

Na verdade, começou por ser deduzido, na petição inicial da ação proposta, um pedido de condenação da Ré a abster-se de produzir ou comercializar, em Portugal, medicamentos genéricos contendo como substância ativa o composto químico denominado Ezetimiba, como substância única ou em associação com qualquer ou quaisquer outras substâncias ativas, incluindo, em especial e expressamente, a sua associação com o composto químico Sinvastatina enquanto vigorassem os direitos de propriedade industrial emergentes do Certificado Complementar de Proteção n.º 189.

Esse pedido [sob a al. a)], ao tempo da apresentação dessa petição inicial [3.09.2018], tinha toda a utilidade, considerando, nomeadamente, que a caducidade do CCP 189 só estava determinada ocorrer no ano seguinte [mais concretamente em 02.04.2019].

Entendeu o acórdão arbitral que, à data da sua prolação [17.07.2020] esse pedido “primitivo”, seria inútil, «porquanto o objeto da pretensão da Demandante – a tutela do seu direito de exclusivo - deixou de existir».

Esta afirmação encerra uma verdade incontornável.

Sucede que, em nosso entender, não pode tal constituir uma premissa válida para as demais consequências que da mesma se pretenderam extrair.

Aliás, foi certamente por ter intuído essa inutilidade, após 02.04.2019, que a Demandante optou por “modificar” o pedido.

Mas será que esse pedido “modificado” também ele é inútil – como se sustentou no acórdão recorrido?

Cremos bem que não.

Na verdade, a “modificação” teve em vista um objetivo em nosso entender inteiramente digno de tutela, qual seja, o de acautelar/salvaguardar o legítimo direito da Demandante de ver declarado/reconhecido pelo Tribunal, que, no período de vigência da CCP 189, isto é, até 02.04.2019, e com referência a ele, a Demandada estava efetivamente impedida de produzir ou comercializar a substância activa Ezetimiba, e, sob outra vertente, que a Demandada havia violado o direito da Demandante com as AIM [“Autorizações de Introdução no Mercado”] que lhe haviam sido concedidas, relativamente a medicamentos genéricos contendo Ezetimiba, e com o respetivo lançamento no mercado.

Dito de outra forma: a Demandante tinha todo o direito de ver declarado e reconhecido que a atuação da Demandada, antes da data de caducidade do CCP 189, ocorreu em violação dos direitos conferidos por esse CCP.

A esta luz, salvo o devido respeito, com o pedido “modificado”, não passou apenas a ficar em causa uma «acção de simples reconhecimento pretérito do direito de exclusivo»…

Aliás, o reconhecimento do direito pretérito seria – e subsiste como – útil, na precisa medida em que existe um litígio a esse respeito entre as partes, cuja dilucidação foi impetrada do Tribunal, sendo certo que houve uma providência cautelar oportunamente intentada a esse propósito, a qual obteve deferimento e, em consequência de tal, já houve direitos contrapostos que foram acautelados/afetados.

Atente-se que, designadamente, nesta sede recursiva, vem alegado pela demandante ora recorrente que «a declaração que ora se pede a este Tribunal revestir-se-á de máxima importância para a Recorrente numa futura ação de indemnização que venha a ser intentada pela Recorrente contra a Recorrida em virtude da comercialização prematura dos seus medicamentos genéricos» e que «a Recorrente foi forçada a prestar uma garantia bancária à qual o Tribunal condicionou as suas ordens cautelares para cobrir eventuais danos da Recorrida em virtude do decretamento da providência cautelar pelo Tribunal Arbitral, caso viesse a verificar-se não ter havido violação do direito de propriedade industrial da titularidade da Recorrente. Garantia bancária essa que, de resto, continua ainda a produzir efeitos (…)», e pela Demandada/recorrida que «Por força da produção de efeitos da decisão proferida na providência cautelar, a Recorrida foi forçada a recolher os seus medicamentos genéricos simvastatina+ezetimiba sem que tivesse sido apreciada a sua defesa»!

Ora se assim é, uma declaração definitiva do direito a este propósito subsiste não só como processualmente útil, mas também como necessária para uma definitiva regulação e composição dos direitos das partes.

Ademais, merece-nos inteiro acolhimento o que aduz a Demandante ora recorrente quando a este propósito aduz que «(…) é também para acautelar a eventual dedução de um pedido indemnizatório, e evitar uma multiplicidade de custos e de ações, que os presentes autos se mostram perfeitamente úteis não obstante a caducidade dos direitos de propriedade industrial que lhe deram origem», relativamente ao que enfatiza com já ter corrido «termos uma ação arbitral, na qual (i) foi desenvolvida ampla atividade processual, (ii) foi produzida extensa prova documental e (iii) foram fixadas custas arbitrais de valor elevado»!

De referir que, s.m.j., a providência cautelar decretada se insere no elenco das providências “conservatórias”[3], mais concretamente porque visava acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio ou aquando da verificação da situação de periculum in mora.

Pelo que importa uma pronúncia definitiva quanto aos direitos das partes.

Isto não obstante ter sido já declarada entretanto [cf. supra] a inutilidade superveniente dessa lide cautelar…

Sem embargo do vindo de dizer, parece-nos também que a “modificação” do pedido ajuizada é processualmente admissível.

Desde logo, temos que no seu artigo 5.2.1, a Ata de Instalação do Tribunal Arbitral previa que:

«a presente Arbitragem seja tramitada, a título subsidiário e por esta ordem, de acordo com o Regulamento de 2014 do Centro de Arbitragem Comercial da CCIP, a Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro), e o Código de Processo Civil.» [sublinhado nosso]

Começando então pelo que é de aplicar a título principal, a saber, a própria Ata de Instalação do Tribunal Arbitral, importa referir que a mesma é omissa quanto à possibilidade de se proceder à modificação do pedido.

Passando ao Regulamento de 2014 do Centro de Arbitragem Comercial da CCIP [designado por “Regulamento CAC”], temos o que consta do art. 24º deste, com a seguinte redação:

 «No decurso do processo arbitral, qualquer das partes pode modificar ou completar os factos alegados, incluindo os respetivos pedidos, a menos que o tribunal arbitral recuse essa alteração, tendo em conta, nomeadamente, as regras processuais estabelecidas, o momento em que a mesma é efetuada e o prejuízo causado à contraparte pela alteração».[sublinhados nossos]

Salvo o devido respeito, resulta expressa e literalmente a admissibilidade da modificação, salvo se o Tribunal recusar essa alteração pela ordem de razões que vem enunciada no preceito.

A esta luz, será então que o Tribunal devia recusar a alteração do pedido pretendida «tendo em conta, nomeadamente, as regras processuais estabelecidas, o momento em que a mesma é efetuada e o prejuízo causado à contraparte pela alteração»?

A Demandada/Recorrida sustenta enfaticamente nas suas contra-alegações, uma resposta afirmativa a esta questão, com base na seguinte argumentação:

« - O CCP189 caducou no dia 2 de abril de 2019;

- A Recorrente não faz qualquer impulso processual desde novembro de 2018 até dezembro de 2019;

- A Recorrente não fez qualquer impulso processual durante mais de um ano;

- A Recorrente aguardou mais de 11 meses para alterar o seu pedido desde a caducidade dos direitos invocados nos autos!

- Um processo arbitral deverá ser objeto de decisão no prazo de 12 meses após constituição do Tribunal Arbitral.»

Que dizer?

Quanto a nós, que não se vislumbra óbice fundado e/ou insofismável a que no caso vertente fosse de admitir a alteração do pedido.

Atente-se que a caducidade do CCP 189 ser na data em causa [02.04.2019] foi circunstância logo afirmada na petição inicial, no seu artigo 65º[4], e até constante da parte final do pedido sob a al. a) [na sua formulação original][5].

Não houve, assim, qualquer ocultação de tal circunstância, antes ela foi logo afirmada como um dos pressupostos substanciais do que estava em causa.

E de que o Tribunal podia e devia estar sempre ciente.

Depois, tendo o processo arbitral um prazo legalmente fixado de 12 meses para ser proferida decisão, o respetivo impulso competia em 1º lugar ao próprio Tribunal (arbitral), a quem competia zelar pelo atinente cumprimento, promovendo ativamente para que assim ocorresse, sendo certo que não se extrai dos elementos conhecidos que tivesse sido por falta de impulso processual da Demandante ora recorrente que os autos tivessem estado estagnados.

Ademais, não se vislumbra que a modificação do pedido tivesse sido feita em fase processual que implicasse um qualquer retardamento, nem muito menos um retrocesso no andamento dos autos: recorde-se que a fase dos articulados já se encontrava finda, o processo encontrava-se em fase de saneamento e o Tribunal Arbitral solicitou às Partes para se pronunciarem sobre o Guião de Prova.

A esta luz, o Tribunal arbitral não ter admitido a modificação do pedido foi, em alguma medida, conferir-se um prémio (imerecido, já se vê!) face à demora acumulada em dar solução aos autos.

Mutatis mutandis” se deve concluir face ao prescrito no artigo 33º, nº 3 da Lei da Arbitragem Voluntária [“LAV”], com o seguinte teor:

«Salvo convenção das partes em contrário, qualquer delas pode, no decurso do processo arbitral, modificar ou completar a sua petição ou a sua contestação, a menos que o tribunal arbitral entenda não dever admitir tal alteração em razão do atraso com que é formulada, sem que para este haja justificação bastante.» [sublinhado nosso]

Nesta linha de entendimento, cremos já resultar como perfeitamente líquido a admissibilidade da modificação do pedido apresentada pela Demandante ora recorrente, admissibilidade essa que, aliás, também não estaria obstaculizada face às regras do Código de Processo Civil (subsidiariamente aplicável, como já se viu), no qual se preceitua no artigo 265º, nº2, pela seguinte forma:

«2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.» [sublinhados nossos]

Embora consideremos prejudicada e desnecessária a abordagem/aprofundamento desta asserção, sempre diremos que em nosso entender estava em causa uma “redução” do pedido – circunscrição/alcance temporal do pedido formulado, face à caducidade da CCP 189 ocorrida em 02.04.2019.

Finalmente, também quanto a nós soçobra o derradeiro argumento constante do acórdão recorrido no sentido da inutilidade do que estava ou ia passar a estar em causa, a saber, porque «não compete ao presente Tribunal Arbitral, constituído ao abrigo da Lei n.º 62/2011, conhecer, a título principal e exclusivo como seria o caso, a validade do CCP 189».

Temos presente que a competência exclusiva dos tribunais estaduais para o julgamento de ações de declaração de nulidade ou anulação de patentes é reafirmada no artigo no artigo 111º nº1 alínea c) da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), que atribui ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a «ações de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial», donde, o aludido regime afasta a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei nº 62/2011 decretar, com efeitos erga omnes, a nulidade de uma patente.[6]

Sucede que já resulta do que antecede, que não é, quanto a nós, exato que o processo ia passar a conhecer a título principal e exclusivo da validade do CCP 189, acrescendo que é atualmente pacífico[7] o entendimento de que é admissível, em sede incidental, a parte ou partes demandadas poderem ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes

É que o acórdão do Tribunal Constitucional nº 251/2017, de 7 de julho, pôs termo à contenda, julgando, ao invés, inconstitucional a norma interpretativamente extraível do artigo 2º da Lei 62/2011, e artigos 35º, nº 1, e 101º, nº 2, do Código da Propriedade Industrial, ao estabelecer que, em sede de arbitragem necessária instaurada ao abrigo daquela Lei, a parte não se pode defender, por exceção, mediante invocação da invalidade de patente, com meros efeitos inter partes.

Sendo certo que acolhendo a doutrina deste acórdão do TC, o DL nº 110/2018, de 10 de dezembro, alterou a Lei 62/2011, passando o art. 3º, nº 3, deste a ter a seguinte redação:

«3 - No processo arbitral pode ser invocada e reconhecida a invalidade da patente com meros efeitos inter partes

Esta norma resultou das alterações introduzidas na Lei 64/2011 pelo art. 4º do DL 110/2018, e entrou em vigor 30 dias após a sua publicação (art. 16, nº 1, do DL nº 110/2018), donde se aplicar aos autos enquanto “lei interpretativa”[8].

O que tudo serve para dizer que, quanto a nós, sob o ponto de vista dogmático e substancial não se pode falar em inutilidade superveniente do pedido (modificado) nos termos e para os efeitos do disposto no art 277º, al. e), do n.C.P.Civil.

Vejamos com mais detalhe este aspeto final.

O art. 44º, nº 2 alínea c) da já citada LAV – subsidiariamente aplicável à presente arbitragem, atento o estatuído no art. 3º, nº 8 da Lei n.º 62/2011, de 11.12 e, bem assim, por via da estipulação vertida na Ata de Instalação - prescreve que o tribunal arbitral ordena o encerramento do processo arbitral quando verifique que a prossecução do processo se tornou, por qualquer outra razão, inútil ou impossível.

Trata-se de uma previsão legal que se destina a cobrir todos os restantes casos para além dos previstos nas duas alíneas anteriores que são os mais comuns: alínea a) – desistência do pedido por parte do demandante; alínea b) – as partes concordam em encerrar o processo.

O modo normal de extinção da instância é o trânsito em julgado da sentença final ou do acórdão, seja uma decisão sobre a relação material controvertida, seja uma decisão de absolvição da instância.

No entanto, entre os fundamentos para a extinção da instância figura, nos termos do disposto na alínea e) do art. 277º do n.C.P.Civil, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

Consabidamente, esta ocorre «quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.»[9]

Assim, está-se perante uma situação de impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, quando devido a novos factos, verificados na pendência do processo, não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir, quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.[10]

Na jurisprudência, este mesmo entendimento tem sido sublinhado pela seguinte forma:

«Em síntese, a instância extingue-se por impossibilidade superveniente da lide, quando uma ocorrência processual torna a instância desnecessária.»[11]

Ou então:

«A instância extingue-se ou finda de forma anormal de todas as vezes que, ou por motivo atinente ao sujeito, ou por motivo atinente ao objecto, ou por motivo atinente à causa, a respectiva relação jurídica substancial se torne inútil, i.e. deixe de interessar a sua apreciação.

A inutilidade da lide é, portanto, simples reflexo, no plano processual, da inutilidade da relação jurídica substancial, quer esta inutilidade diga respeito ao sujeito, ao objecto ou à causa.

Sempre que o efeito jurídico que se pretendia obter com a acção se mostre supervenientemente inútil, é claro que o processo não deve continuar – mas antes cessar.»[12]

Dito de outra forma: a instância extingue-se sempre que se torne supervenientemente impossível, ou seja, sempre que a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento do objeto do processo, determinando impossibilidade de atingir o resultado visado; assim, sempre que não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer na ação, é claro que o processo não deve continuar, mas antes cessar.

Temos, então, que a lide fica inútil se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil.

Ora se assim é, cremos que já resulta suficientemente evidenciado de tudo o exposto que, não obstante a caducidade do CCP 189, subsiste todo o interesse processual e substantivo por parte da Demandante ora recorrente em ver declarado e reconhecido – sendo disso caso – que, no período de vigência desse CCP 189 a Demandada ora recorrida, estava impedida de produzir ou comercializar a substância activa Ezetimiba, e, sob outra vertente, que a Demandada havia violado o direito da Demandante com as AIM [“Autorizações de Introdução no Mercado”] que lhe haviam sido concedidas, relativamente a medicamentos genéricos contendo Ezetimiba, e com o respetivo lançamento no mercado (isto é, que a atuação da Demandada, antes da data de caducidade do CCP 189, ocorreu em violação dos direitos conferidos por esse CCP).

Posto que a Demandante/recorrente ainda não obteve resposta a uma tal questão por outro meio, nem essa resposta é desnecessária.

Acrescendo que não se vislumbra qualquer impedimento legal a que essa resposta seja proferida no quadro de uma ação arbitral instaurada ao abrigo dos artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011, de 11 de Dezembro!

Atente-se que o reclamado direito de indemnização da Demandante/recorrente por essa alegada atuação ilícita da Demandada/recorrida está necessariamente dependente de uma resposta afirmativa que venha a obter, sendo certo que esse direito de indemnização não se encontra caducado ou se extinguiu por qualquer forma, antes ainda podendo vir a ser acionado oportunamente, e através do meio processual que se venha a considerar adequado e competente.

Donde, a procedência do recurso, com a necessária revogação da decisão de extinção da instância do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide constante do acórdão arbitral impugnado.

Procedem nestes termos as alegações recursivas da apelação deduzida pela Demandante/recorrente no particular da primeira questão suscitada, sendo certo que por efeito de tal se considera, sem mais, prejudicada a apreciação da outra questão recursiva quanto ao mérito da decisão – a do desacerto da decisão de condenação da Demandante no pagamento integral das custas arbitrais do processo principal (e sub-questões suscitadas a propósito da mesma).

                                                                          *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – O tribunal arbitral necessário previsto na Lei 62/2011 é competente para apreciar, por via da dedução de exceção perentória, a questão da nulidade da patente ou Certificado Complementar de Proteção relativa a medicamento.

II – O acórdão do Tribunal Constitucional nº 251/2017, de 7 de julho, pôs termo à contenda a esse propósito, sendo certo que acolhendo a doutrina deste acórdão do TC, o DL nº 110/2018, de 10 de dezembro, alterou a Lei 62/2011, passando o art. 3º, nº 3, deste a consagrar isso de forma expressa.

III – A lide fica inútil – nos termos e para os efeitos do disposto na alínea e) do art. 277º do n.C.P.Civil – se ocorreu um facto ou uma situação posterior à sua inauguração que implique a impertinência, ou seja a desnecessidade, de sobre ela recair pronúncia judicial, por ausência de efeito útil, nomeadamente quando já não é possível o pedido ter acolhimento ou quando o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

IV – Não se pode considerar que isso ocorreu relativamente a uma ação arbitral necessária, instaurada ao abrigo dos artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011, de 11 de Dezembro, através da qual se visava a condenação da Ré a abster-se de produzir ou comercializar, em Portugal, medicamentos genéricos contendo como substância ativa o composto químico denominado Ezetimiba, enquanto vigorassem os direitos de propriedade industrial emergentes do Certificado Complementar de Proteção (CCP) n.º 189, se na pendência da ação veio a caducar este CCP, mas o pedido (principal) impetrado ao Tribunal também passou a ser o de apreciar e decidir se a atuação da Ré/Demandada, antes da data de caducidade do dito CCP 189, ocorreu em violação dos direitos conferidos por esse CCP.

                                                                                         *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, dando procedência ao recurso, revoga-se a decisão de extinção da instância do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide constante do acórdão arbitral impugnado, devendo o processo arbitral instaurado prosseguir, para apreciação do pedido principal formulado na alínea a) dos pedidos deduzidos na P.I. modificado.

Custas do recurso pela Demandada/recorrida, sendo todos os encargos pecuniários gerados pela ativação e funcionamento do Tribunal Arbitral suportados pela parte vencida a final.

                                                                          Coimbra, 12 de Outubro de 2021

                                                                Luís Filipe Cravo

               Fernando Monteiro

                    Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] “CCP”, no contexto dos direitos de propriedade industrial em causa, significa “Certificado Complementar de Proteção”, sendo que, in casu, consta dos elementos dos autos que o CCP 189 foi concedido para o produto Ezetimiba + Sinvastatina em associação, igualmente protegido pela patente base EP 720 599.
[3] Por contraposição às designadas por “antecipatórias”, isto é, aquelas que visam regular provisoriamente uma situação até à composição definitiva da ação [cf., mais aprofundadamente sobre esta distinção, A. ABRANTES GERALDES, in “Temas de Reforma do Processo Civil”, III Volume, (2ª edição), Livª Almedina, Coimbra, 2000, a págs. 90-92].
[4]Cf. «Assim sendo, o CCP 189 caducará em 2 de Abril de 2019, nos termos do art. 13.º, n.º1 do Regulamento CCP.»
[5] Relembre-se, «Deve a Demandada ser condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer qualquer medicamento genérico contendo a associação de substâncias ativas Ezetimiba e Sinvastatina, incluindo, mas não apenas, os medicamentos genéricos que são objeto das AIMs acima identificadas nos artigos 82.º e 83.º, sob quaisquer designações ou marcas, enquanto o CCP 189 se encontrar em vigor.» [sublinhados nossos]
[6] Vide o acórdão do TRL de 04.02.2016, proferido no proc. nº138-15.0YRLSB.L1-8, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[7] Inter alia, vide os acórdãos do TRL de 22.10.2020 (proferido no proc. nº 849/20.8YRLSB-6), de  29.09.20220 (proferido no proc. nº 1339/20.4YRLSB-1) e de 06.05.2021 (proferido no proc. nº 646/20.0YRLSB-6), todos eles acessíveis em www.dgsi.pt/jtrl.  
[8] Cf, quanto a este particular, também os arestos citados na precedente nota.
[9] Citámos agora JOSÉ LEBRE DE FREITA / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, 3ª edição, Coimbra Editora, 2014, a págs. 546.
[10] Neste sentido vide JOSÉ ALBERTO DOS REIS, inComentário ao Código de Processo Civil”, Vol. 3º, Coimbra, 1946, a págs. 368-369.
[11] Assim no acórdão do TRP de 19.10.2015, proferido no proc. nº 122702/13.5YIPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[12] Cf. a decisão sumária singular de Relator no TRC de 5.12.2012, proferida no proc. nº 1124/11.4TBTMR.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.