Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
479/12.8TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
FORÇA EXECUTIVA
PETIÇÃO INICIAL
ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 02/26/2013
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO, DO T. J. DA COMARCA DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 269/98, DE 01.09
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DO STJ Nº 7/2009, DE 25-03-2009
Sumário: I – Na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a que respeita o DL n.º 269/98 de 1.9, em que o réu não contestou, não pode ser recusada força executiva à parte do pedido que contende com o pedido de juros remuneratórios, na medida em que esse pedido não é manifestamente improcedente.

II - Assim, se não houver contestação e se não se verificarem excepções dilatórias ou o pedido da acção se não revelar manifestamente improcedente, não é permitido ao juiz atribuir força executiva à petição inicial nos termos do art.º 2º do DL n.º 269/98, de 01.09, e excepcionar dela os juros remuneratórios, os juros indemnizatórios e o imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e os prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente com base no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/2009, de 25.03.

III – Os Acórdãos Uniformizadores do Supremo Tribunal de Justiça, embora devam ser tendencialmente de observar, não se sobrepõem nem se substituem à lei; não têm força vinculativa, mas somente persuasiva.

Decisão Texto Integral: Acordam, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra

   

I – RELATÓRIO

“BANCO A..., S.A.” intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos contra B... e C..., pedindo a condenação solidária destes no pagamento à autora da quantia de €6724,65, acrescida de €439,89 de juros vencidos até 16 de Abril de 2012 e de €17,60 de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda os juros que sobre a quantia de €1507,20 se vencerem à taxa anual de 18,900%, desde 17 de Abril de 2012 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair e ainda os juros que sobre a importância de €5217,45 se vencerem à taxa anual de 18,91%, desde 17 de Abril de 2012 até integral pagamento bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair.

Para fundamentar a sua pretensão o Banco requerente alega, em síntese, que:

a) No exercício da sua actividade comercial concedeu por contrato celebrado em 23 de Outubro de 2009 crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo, emprestando aos requeridos a importância de €1534,23;

b) Sobre a dita importância se venceriam juros à taxa nominal de 14,900% ao ano;

c) O empréstimo concedido seria pago em 60 prestações mensais e sucessivas, onde se incluiriam a quantia mutuada, os referidos juros, a comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida;

d) O vencimento de três ou mais prestações sucessivas não pagas implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, ficando cada prestação mensal com o valor constante de €37,68, onde se incluíam, para além dos outros encargos (a comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida), os referidos juros remuneratórios à taxa contratual ajustada de 14,900%;

e) Sobre este montante que ficava em dívida ainda acresceria uma indemnização correspondente a um juro anual de 18,900%, correspondente à taxa contratual ajustada de 14,900% acrescida de 4 pontos percentuais;

f) Os requeridos não pagaram a 21ª prestação – com vencimento em 15 de Agosto de 2011 – e seguintes, vencendo-se então as outras;

g) Ficando em débito €1507,20 (=40 prestações x €37,68);

h) No exercício da sua actividade comercial concedeu por contrato celebrado em 25 de Julho de 2008 crédito directo, sob a forma de contrato de mútuo, emprestando aos requeridos a importância de €6200,00;

i) Sobre a dita importância se venceriam juros à taxa nominal de 14,91% ao ano;

j) O empréstimo concedido seria pago em 60 prestações mensais e sucessivas, onde se incluiriam a quantia mutuada, os referidos juros, a comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida;

l) O vencimento de três ou mais prestações sucessivas não pagas implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, ficando cada prestação mensal com o valor constante de €181,01, onde se incluíam, para além dos outros encargos (a comissão de gestão com imposto de selo incluído, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro de vida), os referidos juros remuneratórios à taxa contratual ajustada de 14,91%;

m) Sobre este montante que ficava em dívida ainda acresceria uma indemnização correspondente a um juro anual de 18,91%, correspondente à taxa contratual ajustada de 14,91% acrescida de 4 pontos percentuais;

n) A partir da 16ª prestação o prazo de reembolso deste empréstimo passou de 60 para 75 prestações mensais e sucessivas, no montante de €149,07;

o) Os requeridos não pagaram a 41ª prestação – com vencimento em 15 de Janeiro de 2012 – e seguintes, vencendo-se então as outras;

p) Ficando em débito €5217,45 (=35 prestações x €149,07).

Os requeridos, citados para esta acção, não contestaram.

 

Em consequência, ao abrigo do disposto no artigo 2º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, foi decidido conferir força executiva à petição inicial.

Inconformada com a referida decisão, interpõe a ré o presente recurso de apelação, pretendendo a revogação da mesma e a sua substituição por outra que absolva os réus do pedido na parte correspondente aos juros remuneratórios, aos juros indemnizatórios e ao imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e aos prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente, ou seja nas prestações 22ª a 60ª no contrato de mútuo de € 1534,23 e nas prestações 17ª a 75ª no contrato de mútuo de € 6.200,00, porquanto não tendo assim decidido, violou, por incorrectas interpretação e aplicação, o disposto no art.º 2.º do DL n.º 269/98, de 01.09.

Para o efeito, apresentou a motivação do recurso e respectivas conclusões.

O Banco recorrido, respondendo ao recurso, defende a improcedência do recurso e, consequentemente, a manutenção da douta decisão recorrida.

Admitido o recurso, subiu o mesmo, oportunamente, a este Tribunal da Relação.

Nesta Relação, foi, oportunamente, admitido o recurso e mantida a espécie, efeito e regime de subida fixados pela 1ª Instância, nada obstando ao seu conhecimento.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

                                                             ***

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objecto do recurso

É pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o seu objecto – cfr. designadamente, as disposições conjugadas dos art.s 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, nºs 1, 2  e 3, e 685.º- B, nºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil.

Face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a decidir é a de saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva os réus do pedido na parte correspondente aos juros remuneratórios, aos juros indemnizatórios e ao imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e aos prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente, ou seja nas prestações 22ª a 60ª no contrato de mútuo de € 1534,23 e nas prestações 17ª a 75ª no contrato de mútuo de € 6.200,00, porquanto, não tendo assim decidido, violou, por incorrectas interpretação e aplicação, o disposto no art.º 2.º do DL n.º 269/98, de 01.09.

2. Os factos    

Os factos e circunstancialismo relevantes a ter em consideração no presente recurso são os que defluem do antecedente relatório, os quais se dão aqui por reproduzidos.

3. O Direito

Como referimos supra, face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a decidir é a de saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva os réus do pedido na parte correspondente aos juros remuneratórios, aos juros indemnizatórios e ao imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e aos prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente, ou seja nas prestações 22ª a 60ª no contrato de mútuo de € 1534,23 e nas prestações 17ª a 75ª no contrato de mútuo de € 6.200,00, porquanto, não tendo assim decidido, violou, por incorrectas interpretação e aplicação, o disposto no art.º 2.º do DL n.º 269/98, de 01.09.

                                                               *

Relativamente à única questão colocada pela recorrente (Saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva os réus do pedido na parte correspondente aos juros remuneratórios, aos juros indemnizatórios e ao imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e aos prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente, ou seja nas prestações 22ª a 60ª no contrato de mútuo de € 1534,23 e nas prestações 17ª a 75ª no contrato de mútuo de € 6.200,00, porquanto, não tendo assim decidido, violou, por incorrectas interpretação e aplicação, o disposto no art.º 2.º do DL n.º 269/98, de 01.09.), entendemos que não assiste a razão à recorrente.

Com efeito, conclui, a recorrente:

O banco requerente, aqui recorrido, propôs contra a recorrente, aqui recorrente, e marido a acção de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, nos termos do DL. N.º 269/98 de 1/09, pedindo que fossem condenados solidariamente a pagar ao Autor a importância de €6724,65, acrescida de €439,89 de juros vencidos até 16 de Abril de 2012 e de €17,60 de imposto de selo sobre os juros vencidos e ainda os juros que sobre a quantia de €1507,20 se vencerem à taxa anual de 18,900%, desde 17 de Abril de 2012 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair e ainda os juros que sobre a importância de €5217,45 se vencerem à taxa anual de 18,91%, desde 17 de Abril de 2012 até integral pagamento bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair.

Os juros remuneratórios são calculados, e incluídos no montante de cada prestação mensal, logo quando da celebração dos contratos de mútuo em função do acordado período de tempo que irá decorrer até que o credor seja reembolsado da totalidade do capital emprestado, pelo que na circunstância do credor vir exigir o imediato pagamento do capital em dívida, deixa de existir o pressuposto que fundamenta a exigência destes juros remuneratórios.

Neste sentido está o Ac. do STJ n.º 7/2009, de 25/03/2009 publicado no DR em 5/05/2009, que uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: “Nos contratos de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao artigo 781º do Código Civil não implica a obrigação dos juros moratórios nelas incorporados”.

Nos termos do estipulado nos respectivos contratos de mútuo (as cláusulas 3ª al. c) e 15ª no contrato de mútuo de €1534,23 e as cláusulas 3ª al. c) e 12ª do contrato de mútuo de €6200,00), o encargo com o seguro de vida incluído nas respectivas prestações mensais, só era devido no pressuposto dos respectivos contratos de mútuo estarem em vigor.

Na presente acção, quando o banco requerente, aqui recorrido, provocou o vencimento antecipado da totalidade das prestações em falta fez cessar os dois respectivos contratos de mútuo, fazendo também cessar o pressuposto da exigência dos juros remuneratórios e do encargo com o seguro de vida, cujos montantes estavam incluídos no montante da respectiva prestação.

O art. 2º do DL 269/98 de 1/09 ao dispor que "se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com o valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente", impõe um cominatório semi-pleno para a falta de contestação, por impor ao juiz que não confira força executiva à petição quando, nomeadamente, esta contenha um pedido manifestamente improcedente.

Uma pretensão é manifestamente improcedente “quando a lei não a comporta ou quando os factos a não justificam, face ao direito vigente".

Tendo o Ac. do STJ n.º 7/2009 de 25/03/2009 uniformizado a jurisprudência, uma pretensão que lhe esteja em oposição há-de apresentar e demonstrar as razões (um facto, um argumento ou uma realidade) que se mostrem suficientes para o colocar sob crítica e afastar os seus fundamentos, sob pena dessa pretensão ser julgada manifestamente improcedente.

O banco requerente, aqui recorrido, não alegou qualquer razão para que a sua pretensão não fosse julgada com base no Ac. do STJ 7/2009 de 25/03/2009.

E, quanto ao pagamento do encargo do seguro de vida incluído no montante das respectivas prestações vencidas antecipadamente, também ele peticionado pelo banco requerente, notoriamente está em oposição às disposições contratuais e, consequentemente, ao direito substantivo.

Não há impedimento à decisão de improcedência parcial do pedido, quando o objecto deste seja divisível, como é o da presente acção.

Por estas razões, para dar cumprimento ao que vem determinado no art. 2º do DL n.º 269/98 de 01/09, a Mm.ª Juíza "a quo" deveria ter conferido apenas parcialmente força executiva à petição, julgando o pedido do banco requerente manifestamente improcedente na parte correspondente aos juros remuneratórios, ao imposto de selo que sobre esses juros recaia e aos prémios de seguros de vida, que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente, ou seja nas prestações 22ª à 60ª no contrato de mútuo de €1534,23 (celebrado em 23 de Outubro de 2009) e nas prestações 17ª à 75ª no contrato de mútuo de €6200,00 (celebrado em 25 de Julho de 2008).

E, em consequência, a Mm.ª Juíza "a quo" deveria ter decidido absolver os Réus do pedido na parte correspondente aos juros remuneratórios, aos juros indemnizatórios e ao imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e aos prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente, ou seja nas prestações 22ª à 60ª no contrato de mútuo de €1534,23 (celebrado em 23 de Outubro de 2009) e nas prestações 17ª à 75ª no contrato de mútuo de €6200,00 (celebrado em 25 de Julho de 2008).

Não o tendo assim julgado e decidido, a Mm.ª Juíza "a quo" não fez uma interpretação e aplicação correctas, em violação, do disposto no art.º 2º, do DL n.º 269/98, de 01/09.

Devendo, assim, a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que julgue e decida no sentido das conclusões atrás expressas,

Quid Juris?

Como dissemos supra, entendemos que não assiste a razão à recorrente.

Com efeito, a questão colocada consiste em saber se, face à ausência de contestação dos RR., na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a sentença não se deveria ter-se limitado a conferir força executiva à totalidade da petição inicial, mas deveria ter tido em consideração a doutrina do Acórdão Unificador de Jurisprudência n.º 7/2009, de 5.5.09, para recusar a executoriedade a parte do pedido.

Vejamos.

Desde já diremos que vamos seguir de perto os Acs. desta Relação, de 10.05.2011 e de 19.12.2012, por nós relatados. [1]

A questão enunciada tem vindo a ser diversamente tratada pelos vários arestos das Relações, apontando uns que a jurisprudência uniformizadora não releva para concluir pela manifesta improcedência da pretensão[2] e concluindo outros em sentido contrário.[3]       

Ora, dispõe-se no art.º 2.º, do anexo ao DL n.º 269/96, de 1.9, que, se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição, a não ser que ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.

Pensamos que – como também referimos na mesma sede – se configura aqui uma situação sui generis de cominatório semi-pleno, uma vez que, não obstante a falta de contestação, não há lugar à confissão dos factos alegados pelo autor, sendo que, no entanto, sempre ao tribunal cabe a análise da factualidade alegada com vista a concluir por qualquer das situações obstativas à conferência de força executiva à petição: que ocorra, de forma evidente, matéria de excepção dilatória ou manifesta improcedência do pedido.[4]

Ora, in casu, salvo o devido respeito, não se verifica a existência, de forma evidente, de qualquer excepção dilatória – das que se prevêem, conjugadamente, nos art.ºs 193º, 288º e 494º, todos do C. P. Civil.

E será que a pretensão formulada pelo autor é manifestamente improcedente ou manifestamente inviável, designadamente, na parte tocante aos juros remuneratórios pedidos?

A pretensão é manifestamente improcedente ou inviável quando a lei a não comporta ou quando os factos a não justificam, face ao direito vigente.[5] Ou seja, quando for evidente que, pelos fundamentos apresentados – causa de pedir – o demandante não tem o direito a que se arroga, ou “…quando a inviabilidade da pretensão do autor for de tal modo evidente que se torna inútil qualquer instrução e discussão da causa… sendo exemplo característico: o de ser fora de dúvida que o autor não tem o direito material que se arroga contra o réu”.[6] Ou ainda, dito de outro modo, quando a improcedência da pretensão é de tal modo visível que se afigura ostensiva, indiscutível, irrefutável.

Ora, face à divergência da Jurisprudência neste âmbito, o STJ viu-se na necessidade/obrigação de lavrar um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, o que significa, antes de mais, que a pretensão do A. não se afigura, manifestamente improcedente ou inviável. Isto é: veio, depois, de discussão jurídica ao mais alto nível, a entender-se/decidir-se ser juridicamente improcedente, mas não, manifestamente improcedente.

De facto, o STJ fixou jurisprudência[7] no sentido de “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781.º do Cód. Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.

Coloca-se aqui, pois, a questão de saber qual a força jurídica a atribuir a um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

Ao contrário dos anteriores Assentos, não têm carácter geral e abstracto e limitam a sua força vinculativa aos processos onde forma proferidos.

É certo que, constituem precedentes judiciais qualificados e o facto de o seu não acatamento poder suscitar sempre (independentemente do valor da causa ou da sucumbência) a possibilidade de recurso (n.º 2, al. c), do art.º 678.º do CPC), no dizer de Abrantes Geraldes[8], “constitui um fortíssimo factor de redução da margem de incerteza e de insegurança quanto à resposta a determinadas questões jurídicas, ante a mais que provável revogação da decisão se acaso for interposto recurso. Assinalando a posição assumida pelo órgão de cúpula da ordem jurisdicional relativamente a determinada questão, o acórdão de uniformização implica uma natural adesão dos demais órgãos jurisdicionais (efeito persuasivo) e do próprio Supremo se e enquanto a respectiva doutrina não caducar por via da modificação legislativa ou por elaboração de outro acórdão da mesma natureza”.

No entanto, no plano dos princípios, desde logo constitucionais (art.º 203.º da CRP), não está qualquer tribunal obrigado a decidir no sentido indicado por um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, podendo o STJ alterar, ele mesmo, essa jurisprudência.

Quer dizer:

Apesar de ser tendencialmente de observar quanto à doutrina que adoptou – art.ºs 763º a 770º do C. P. Civil –, ele não tem força de lei, nem se substitui a esta.

De facto, o Acórdão n.º 810/93, de 7.12, julgou inconstitucional a norma do art.º 2º, do C. Civil, por violação do art.º 115º, n.º5, da Constituição, e o D. L. n.º 329-A/95, de 12.12, veio revogar aquele preceito, retirando os Assentos das fontes consagradas do direito e não conferiu essa qualidade aos Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência.

Assim, não tem força vinculativa geral, mas apenas persuasiva, mesmo para os tribunais comuns de hierarquia inferior.[9]

Entendemos, pois, que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, ao conferir força executiva à totalidade da petição inicial, interpretou, aplicou e decidiu bem, observando a lei em vigor, isto é, o citado art.º 2º, do D. L. n.º 269/98, de 01.09, porquanto este preceito se sobrepõe ao referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência.

Em suma, atenta a natureza do processo em causa – processo especial – e o facto de os RR., regularmente citados, não terem contestado, bem andou o Tribunal a quo, ao ter de imediato conferido força executiva à petição inicial, não havendo, assim, necessidade, sequer, de se pronunciar sobre quaisquer outras questões.

Nesse sentido se pronunciou, designadamente, também, o Ac. da Relação de Lisboa, proferido no Proc. n.º 153/08.0TBLSB-L1, onde se referiu que “não tendo o apelado (…) contestado, apesar de citado pessoalmente, o tribunal recorrido deveria limitar-se a conferir força executiva à petição, nos termos do art.º 2.º do Regime dos Procedimentos a que se refere o art.º 1.º do diploma preambular do DL n.º 269/98 de 1.9 e não a analisar, quanto a um dos RR., da viabilidade do pedido, uma vez que este não era manifestamente improcedente (isto é, ostensiva, indiscutível, irrefutável)”, concluindo que, “nos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações emergentes de contrato de valor não superior a € 15.000,00, se o R., citado pessoalmente, não contestar, o juiz apenas poderá deixar de conferir força executiva à petição, para além da verificação evidente de excepções dilatórias, quando a falta de fundamento do pedido for manifesta, por não ser possível nenhuma outra construção jurídica.”.

Por conseguinte, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo, não fez uma errada interpretação a aplicação do direito, pelo que não deve ser revogada a decisão recorrida nem substituída por outra que, absolva os Réus do pedido na parte correspondente aos juros remuneratórios, aos juros indemnizatórios e ao imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e aos prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente, ou seja nas prestações 22ª à 60ª no contrato de mútuo de €1534,23 (celebrado em 23 de Outubro de 2009) e nas prestações 17ª à 75ª no contrato de mútuo de €6200,00 (celebrado em 25 de Julho de 2008).

Em suma (art.º 713º, n.º 7, do C. P. Civil):

            I – Na acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, a que respeita o DL n.º 269/98 de 1.9, em que o réu não contestou, não pode ser recusada força executiva à parte do pedido que contende com o pedido de juros remuneratórios, na medida em que esse pedido não é manifestamente improcedente.

II - Assim, se não houver contestação e se não se verificarem excepções dilatórias ou o pedido da acção se não revelar manifestamente improcedente, não é permitido ao juiz atribuir força executiva à petição inicial nos termos do art.º 2º do DL n.º 269/98, de 01.09, e excepcionar dela os juros remuneratórios, os juros indemnizatórios e o imposto de selo calculados sobre os juros remuneratórios e os prémios de seguros de vida que estão incorporados nas prestações que se venceram antecipadamente com base no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 7/2009, de 25.03.

III – Os Acórdãos Uniformizadores do Supremo Tribunal de Justiça, embora devam ser tendencialmente de observar, não se sobrepõem nem se substituem à lei; não têm força vinculativa, mas somente persuasiva.

                                                               *

Improcede, pois, a única conclusão do recurso interposto, mantendo-se a decisão proferida, porquanto a mesma não violou, designadamente, a invocada disposição do art.º 2.º, do anexo ao DL n.º 269/96, de 1.9, ou quaisquer outras.

                                                             ***

Resumindo e concluindo:

Face ao exposto, deve improceder, pois, a única questão suscitadas no recurso interposto pela recorrente, pelo que, consequentemente, a decisão recorrida não merece censura e deve ser mantida nos seus precisos termos.

                                                              ***

                                                            

III – DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

1 - Julgam improcedente o presente recurso interposto pela recorrente.

2 – Mantêm, consequentemente, decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

    

Carlos Barreira (Relator)

Barateiro Martins                                                                        

Arlindo Oliveira (vencido pelas razões que se seguem:

Daria provimento ao recurso por entender que seria de aplicar o decidido no acórdão uniformizador do STJ nº 7/2009, pelas razões já expostas, entre outros, no Acórdão proferido nos autos nº 67/12.9T2VGS.C1, disponível no respectivo sítio da DGSI, em que fui relator).


[1] Respectivamente nos processos n.º 1946/10.3TBPBL.C1 e 4552/11.1TBCBR.C1
[2] Ac. da Relação do Porto, de 25.02.2010 (Apelação n.º 764/09.6TBPFR.P1, 2ª Secção Cível.)
[3] V. g . , Ac. RC de 11.5.10/ITIJ e RL de 22.4.10/ITIJ.
[4] V. Salvador da Costa, “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 6.ª ed., pág. 101.
[5] Idem, pág. 105.
[6] Prof. Alberto dos Reis, a propósito do indeferimento liminar por manifesta improcedência, in Código de Processo Civil, anotado, Volume II, 3ª Edição-Reimpressão, pág. 377 e 378.
[7] Ac. n.º 7/2009 de 25.3.09, DR-I , Série-A , de 5.5.09.
[8] “Recursos em Processo Civil”, 2.ª ed., pág. 366.
[9] Cfr., entre outros, António Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, Novo regime”, pág. 444 e 474, e José Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, Tomo I, 2ª Edição, pág. 202 a 209.