Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
115257/14.5YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DESVINCULAÇÃO PELO COMITENTE
CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE CONTRATUAL
REMUNERAÇÃO DEVIDA À MEDIADORA
Data do Acordão: 11/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – CASTELO BRANCO – INST. LOCAL – SEC. CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: LEI Nº 15/2013, DE 8/2.
Sumário: I – O contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente (que contratou previamente com o mediador) e terceiro interessado (identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).

II - No contrato de mediação imobiliária o comitente pode unilateralmente desvincular-se do contrato de mediação com cláusula de exclusividade.

III - Não tendo sido convencionada a chamada “cláusula de irrevogabilidade”, que obriga o comitente a aceitar o interessado que o mediador encontre, o comitente não fica impedido de desistir do negócio inicialmente desejado, em face do princípio da liberdade contratual.

IV - Tendo o comitente desistido da venda e revogado o contrato de mediação, antes de lhe ter sido dado conhecimento de um terceiro interessado, o mediador poderá ter direito a eventual indemnização pelos danos sofridos pela revogação ou denúncia antecipada do contrato, mas não o direito à remuneração.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- A Autora – L… - Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. - instaurou procedimento de injunção (posteriormente transformado em acção especial) contra o Réu – J...

Alegou, em resumo:

No exercício da sua actividade (prestação de serviços de mediação imobiliária), celebrou com o Réu, em 2 de Junho de 2012, um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, tendo por objecto a prestação de serviços de mediação imobiliária na compra e venda de dois prédios, um rústico e um urbano, sitos em ...

Mais tarde, em 13 de Abril de 2013, fizeram de um novo contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, pelo qual o preço de venda passou a ser de € 36.150,00, e pelo prazo de 12 meses, renovável, substituindo o anterior.

Como contrapartida pelos serviços prestados pela Autora, o Réu obrigou-se a pagar-lhe a título de remuneração o valor de € 5.000,00 acrescida de IVA à taxa legal em vigor, no acto da celebração do contrato promessa.

A Autora angariou pessoas interessadas para a aquisição dos imóveis, mas uma sobrinha do Réu, intitulando-se seu representante, recusou-se a proceder à venda.

Como o Réu não cumpriu o contrato, deve pagar a remuneração acordada.

Pediu a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia global de € 6.997,42, sendo € 6.150,00 de capital, € 495,42 de juros de mora vencidos, € 250,00 de outras quantias e € 102,00 de taxa de justiça paga, acrescida de juros de mora vincendos.

1.2. - O Réu deduziu oposição, defendendo-se, em síntese:

Por sofrer de perturbações psiquiátricas e certo atraso mental, não tem capacidade para celebrar negócios, assinar contratos ou tomar decisões, e nem pode ser imputado ao Réu qualquer incumprimento contratual e, muito menos, culposo.

O contrato de mediação estabelece que o montante da remuneração seria pago no acto da celebração do contrato-promessa de compra e venda o que não veio a ser concretizado.

A mandatária do Réu enviou carta registada à Autora comunicando-se a anulação de todos e quaisquer contratos.

            1.3.- Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente absolver o Réu do pedido.

            1.4.- Inconformada, a Autora recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:


II – FUNDAMENTAÇÃO

            2.1.- O objecto do recurso

            A nulidade da sentença

            A alteração de facto

            O contrato de mediação imobiliária e o direito de remuneração da Autora

            2.2. – Os factos provados

1. A Autora é uma sociedade por quotas que tem por objecto a actividade de prestação de serviços de mediação imobiliária.

2. Por documento particular denominado “contrato de mediação imobiliária” com o nº …, datado de 2 de Junho de 2012, foi identificado como segundo contraente J...

3. O documento referido no número anterior encontra-se assinado por J… e pelo mediador da requerente, por Â...

4. No contrato identificado em 2. consta da cláusula 1ª que “o segundo contratante é proprietário e legítimo possuidor do prédio sito na ...

5. Na cláusula 2ª consta que a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de € 60.000,00 (sessenta mil euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.”.

6. A cláusula 4ª do contrato identificado em 2. tem a seguinte identificação “1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade. 2. O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência.”.

7. É do seguinte teor a cláusula 5ª do contrato identificado em 2.: “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 18.º do DL 211/2004, 20.8. 2. O segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 5.000,00 Euros (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal de 23%.”. 3. O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: o total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.”.

8. Na cláusula 8ª foi fixado o prazo de vigência do contrato em 12 meses renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente com uma antecedência mínima de 10 dias em relação ao termo do contrato.

9. Na cláusula 9ª consta que “O Segundo Contratante colaborará com a Mediadora na entrega de todos os elementos julgados necessários e úteis no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de assinatura do presente contrato.”

10. Por documento particular denominado “contrato de mediação imobiliária” com o nº …, datado de 13 de Abril de 2013, foi identificado como segundo contraente J...

11. O documento referido no número anterior encontra-se assinado por J… e pelo mediador da Requerente, Â...

12. No contrato identificado em 10. consta da cláusula 1ª que “o segundo contratante é proprietário e legítimo possuidor do prédio sito na ...

13. Na cláusula 2ª consta que a mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de € 36.150,00 (trinta e seis mil cento e cinquenta euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis.”.

14. A cláusula 4ª do contrato identificado em 10. tem a seguinte identificação “1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade. 2. O regime de exclusividade previsto no presente contrato implica que só a Mediadora contratada tem o direito de promove o negócio objecto do contrato de mediação imobiliária durante o respectivo período de vigência.”.

15. É do seguinte teor a cláusula 5ª do contrato identificado em 10.: “A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no artigo 18.º do DL 211/2004,20.8. 2. O segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração a quantia de 5.000,00 Euros (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal de 23%.”. 3. O pagamento da remuneração apenas será efectuado nas seguintes condições: o total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.”.

16. Na cláusula 8ª do contrato referido em 10. foi fixado o prazo de vigência do contrato em 12 meses renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente com uma antecedência mínima de 10 dias em relação ao termo do contrato.

17. Na cláusula 9ª do contrato identificado em 10. consta que “O Segundo Contratante colaborará com a Mediadora na entrega de todos os elementos julgados necessários e úteis no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de assinatura do presente contrato.”

18. A Requerente publicitou a venda do imóvel pelo preço de € 36.500,00 na página da internet da rede imobiliária “R…”.

19. Em 06.05.2013, J… outorgou procuração no Cartório Notarial do Fundão, perante o notário, Licenciado …, pela qual “(…) constitui sua bastante procuradora a sobrinha Dra. L…, solteira, maior, …, a quem com a faculdade de substabelecer confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os de confessar, desistir e transigir em qualquer processo.

Mais lhe confere poderes para distratar, rescindir ou anular quaisquer contrato ou compromisso por si assumido, qualquer que seja a forma assumida e para vender, pelo preço e condições que entender ou permutar quaisquer bens que possua na freguesia do …, para outorgar e celebrar as respectivas escrituras e contratos, para requerer actos de registo predial, provisórios e definitivos, seus averbamentos e cancelamentos, para requerer a inscrição matricial ou a rectificação matricial de quaisquer prédios incluindo os respectivos registos e requerimentos.

Mais lhe confere poderes para outorgar escrituras de justificação invocando a posse como causa de aquisição relativamente a quaisquer prédios.

A mandatária fica autorizada a celebrar negócios consigo mesma (…).

A presente procuração foi lida ao outorgante e ao mesmo explicado o seu conteúdo, em voz alta.

20. Em 14.04.2013, L…  enviou  e-mail  a  Â…, colaborador da Requerente que subscreveu o contrato de mediação com o Requerido, do seguinte  teor  “No  seguimento  dos  emails  infra,  solicito  que  me  informe  se  existem desenvolvimentos relativos à potencial venda do imóvel sito no …, pois sei que contactou pessoalmente o meu tio, J...”

21. No dia 24.04.2013, L… enviou e-mail a Â… do seguinte teor “Toda a negociação deverá  sempre  ser  concertada  comigo  directamente, considerando todos os poderes que me foram conferidos pelo meu constituinte, sob pena de o negócio/negociação, a realizar unicamente com o Sr. J…, vir a ser anulado.”

22. No dia 02.05.2013, L… enviou e-mail a Â… do seguinte teor “Gostaria então que me confirmasse qual o valor acordado com o Sr. J… para a venda do imóvel.

Reitero que qualquer eventual negócio não poderá ser celebrado apenas pelo Sr. J... Considere-se notificado desta informação importante a partir deste momento.

Mais solicito que me confirme se este imóvel está inserido no V/site para venda, bem como se foi assinado algum documento pelo Sr. J… conferindo legitimidade ao Sr. Â… e/ou à R… para angariação e venda do referido imóvel.”

23. No dia 03.05.2013, L… enviou e-mail a Â… do seguinte teor “Solicito o envio de cópia do contrato assinado pelo Sr. J...

24. No dia 09 de Maio de 2013, L… enviou e-mail a Â… do seguinte teor “(…) No seguimento do V/email infra, informo que estive nas V/instalações em Castelo Branco no passado dia 04/05/2013, pelas11h00 e não no dia 07/05/2013 como refere.

Lamento a actuação da R… no âmbito deste “processo”, considerando  a gravidade e importância  que já manifestei  anteriormente  via  correio  electrónico  e presencialmente no passado sábado com a V/funcionária.

Mesmo atendendo a todas as circunstâncias já reportadas aos V/serviços variadíssimas vezes, foi-me negado o agendamento e concessão de uma reunião durante o dia de sábado passado (tendo eu demonstrado a minha inteira disponibilidade  para  tal,  a qualquer hora), por parte do Sr. Â… e da Dra. M…, a quem a V/funcionária contactou telefonicamente.

Fui também informada que face à impossibilidade de reunião neste dia 04/05/2013 por qualquer elemento da V/Agência, seria contactada telefonicamente na passada segunda feira (06/05/2013) pela Dra. M…, o que até ao momento não aconteceu.

Na ausência de resposta ao meu email de 03/05/2013, pelas 12h57, remetido ao Sr. Â…, considera-se não existir qualquer contrato celebrado entre a R… e o Sr. J...

Reitero não ter sido assinado com a R… qualquer contrato e/ou documento por parte do meu cliente, Sr. J…, pelo que a R… não dispõe de qualquer legitimidade para a angariação e venda do imóvel sito no …, propriedade do Sr. J... Deste modo, solicito que seja retirado imediatamente o anúncio publicado no V/site, relativo à venda deste imóvel, acessível através do link…

Parece-nos inadmissível que a R…, além de não ter qualquer legitimidade conferida pelo proprietário para angariação do referido imóvel, publique no seu site uma baixa de preço de € 60.000,00 para € 36.500,00 para venda do imóvel.”.

25. No dia 11 de Maio de 2013, N… e mulher efectuaram uma visita com a Requerente aos imóveis do Requerido.

26. Em 15 de Maio de 2013, N… e mulher G… mostraram interesse na compra do imóvel pelo que assinaram ficha de proposta de compra na pela qual se obrigaram a outorgar o contrato de compra e venda e aquele N… emitiu cheque a título de caução do “Banco C…, S.A.” com data de 14 de Maio de 2013 no valor de € 6.000,00 que foi entregue à Requerente.

27. Em 15 de Maio de 2013, a Requerente remeteu carta registada ao Requerido que este recepcionou, do seguinte teor “(…) temos a comunicar-lhe que possuímos um cliente comprador que pretende adquirir o V/imóvel sito no …, pelo valor acordado entre Vª Exª e a nossa Empresa (…)”

28. A Requerente enviou ao Requerido uma carta registada com aviso de recepção no dia 28.05.2013, embora datada de 29.5.2013, que este recebeu, do seguinte teor: “Na sequência da carta registada com aviso de recepção que remetemos a V. Exª no passado dia15 de Maio do corrente ano, vimos, por este meio, reclamar o pagamento da remuneração que nos é devida relativa aos serviços de mediação imobiliária prestados pela R…, face à promoção e à publicitação da propriedade destinada à agricultura, sita na ...

(…)

Para espanto nosso, e sem que nos tenha sido exibido qualquer documento que comprovadamente demonstrasse estar a Sra. L… na posse de um mandato, por forma a poder actuar em representação de V. Exª, a mesma remeteu-nos um e-mail no passado dia 9 de Maio, no qual peremptoriamente nos informava não reconhecer a existência de qualquer contrato de mediação imobiliária assinado com V.ª Exª, acrescentando, ainda, que a nossa empresa não teria qualquer legitimidade para a angariação e a venda do imóvel sito em ... Por fim, solicitou-nos fosse retirada do nosso site o anúncio relativo à venda do dito imóvel.

(…) Desde já compete informar V. Exª que caso nos confirme o que a sua sobrinha nos transmitiu, isto é, quanto ao facto de ser sua advogada e, em consequência disso, quanto ao não reconhecimento da existência do C.M.I., iremos agir judicialmente contra V. Exª.

(…)

Pelo que, qualquer rescisão efectuada de modo unilateral e desprovida de qualquer fundamento válido, é geradora de incumprimento contratual, desencadeando, desde logo, a obrigação de pagamento da remuneração acordada com a nossa empresa pelos serviços de mediação imobiliária (…).

29. O Requerido é seguido em consulta externa de psiquiatria no “Centro Hospitalar Cova da Beira, E.P.E.” desde 08.08.2012 com diagnóstico de debilidade ligeira e perturbação do controle de impulsos, tendo as últimas consultas sido marcadas para Agosto de 2014 e 21.01.2015.

30. O Requerido esteve internado no Serviço de psiquiatria no “Centro Hospitalar Cova da Beira, E.P.E.” de 29.04.2013 a 10.05.2013 por “debilidade física”, ou seja, marcado cansaço.

31. O Requerido sofre de perturbações psiquiátricas e certo atraso mental condicionando certo deficit mental e intelectual, múltiplas limitações e perturbação do controle de impulsos.

32. O Requerido frequenta o Centro Social … onde toma as refeições, é medicado e onde faz a sua higiene diária acompanhado por funcionários da referida instituição.

33. O Requerido é utente do Centro Social … há cerca de 10anos.

34. O Requerido viveu com a mãe até à morte desta.

35. A Requerente não colocou placa publicitária nos imóveis para venda objecto do contrato de mediação imobiliária identificado em 10..

2.4.- A nulidade da sentença

As nulidades da sentença, taxativamente previstas no art.615 nº1 CPC, reconduzem-se a erros de actividade ou de construção e não se confundem com o erro de julgamento (de facto e/ou de direito).

A Apelante fustigou a sentença com a nulidade, cominada no art.615 nº1 e) CPC, dizendo que o tribunal não podia conhecer da revogação unilateral do contrato de mediação, visto que o Réu não alegou tal forma de cessação na oposição, pelo que conheceu de objecto diverso do pedido e violou o princípio do dispositivo, absolvendo por factos diversos dos alegados.

            Conforme resulta da sentença, não ocorre excesso de pronúncia, pois o tribunal não exorbitou os factos alegados. Na verdade, ao indagar sobre o direito da Autora à remuneração, que pressupõe a vigência do contrato, o tribunal qualificou juridicamente os mesmos, no sentido de ser legitima tanto a revogação unilateral do contrato de mediação como a desistência do contrato pretendido ( compra e venda ).

            Improcede a arguida nulidade.

2.5.- A alteração de facto

2.6.- O contrato de mediação imobiliária e o direito à remuneração reclamado pela Autora

A sentença recorrida, muito embora reconheça a validade do contrato de mediação imobiliária celebrado em 13/4/2013 entre o Réu (comitente) e a Autora (mediadora) e as diligências feitas, tendo angariado cliente para a aquisição do imóvel, desatendeu a pretensão porque o Réu, através de a sua mandatária, revogou unilateralmente o contrato, antes da apresentação do terceiro interessado na venda.

Em jeito de síntese, diz a sentença: “Aqui chegados, é de concluir que face à revogação unilateral do contrato por parte do Requerido em data anterior à obtenção de qualquer proposta por parte da Requerente e antes do termo do contrato, não assiste a este o direito à remuneração estabelecida no contrato já que a remuneração exige um resultado”.

Em contrapartida, objecta a Apelante com o regime de exclusividade sendo que lei não prevê a revogação unilateral ou desistência do contrato, pelo que lhe assiste o direito à remuneração convencionada.

Não se questiona a qualificação do contrato como de mediação imobiliária celebrado, em 13 de Abril de 2013, entre Autora e Ré em regime de exclusividade, tendo por objecto a venda de prédio, aplicando-se o regime jurídico instituído pela Lei nº 15/2013 de 8/2.

Como é sabido, a obrigação principal do mediador é a de aproximar diferentes pessoas, através da sua intermediação, na busca comum e convergente para a celebração de um contrato entre ambas (obrigação de fazer), numa relação de causa/efeito (obrigação de resultado). Por sua vez, a obrigação principal do comitente é a de remunerar os serviços prestados, através de uma comissão, sendo, por isso, um contrato oneroso, já que tanto o mediador (que é remunerado), como o comitente (que encontra no terceiro interessado aproximado pelo mediador a possibilidade concreta de realização do negócio visado), auferem vantagens ou benefícios patrimoniais.

Sendo assim, o contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente (que contratou previamente com o mediador) e terceiro interessado (identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).

Na vigência do DL nº285/92, de 25/9, algumas dúvidas se suscitavam no sentido de saber o momento em que nasce a obrigação de o cliente remunerar o mediador, sustentando a jurisprudência ser necessário uma relação de causa/efeito entre a actividade do mediador e o negócio realizado, exigindo-se que o negócio se concluísse como consequência adequada da actividade do mediador (cf., por ex., Ac do STJ, 31/05/01, C.J., ano IX, tomo II, pág.109.). Por isso, o DL nº 77/99, entre cujas motivações esteve a de “clarificar o momento e estabelecer as condições em que é devida a remuneração pela actividade de imediação imobiliária” (Preâmbulo), veio estabelecer no seu art. 19, nº1 que “a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, e que passou para o art. 18 nº1 do DL nº 211/2004 de 20/10 e agora para a norma do art. 19 da Lei nº 15/2013.

Continua, assim, a ser válida a orientação jurisprudencial sobre a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.

Na situação dos autos, o contrato de mediação imobiliária foi estabelecido pelo prazo de 12 meses (cláusula 8ª), em regime de exclusividade (cláusula 4ª), convencionando-se que a remuneração seria devida com a celebração do contrato promessa (cláusula 5ª).

No contrato de mediação com a cláusula de exclusividade a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do contrato visado (aqui com a outorga do contrato promessa de compra e venda), mas também, segundo dispõe o art.19 nº2 da Lei nº 15/2013, quando o negócio visado “não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.

Uma vez comprovado que a Autora comunicou (por carta de 15/5/2013) um cliente interessado (N… e mulher) para a aquisição do imóvel, que fizera já proposta de reserva, e havendo solicitado até os documentos necessários para a escritura pública, coloca-se a questão de saber se lhe assiste ou não direito à remuneração.

Para tanto, impõe-se ponderar da relevância da actuação do Réu, através da sua sobrinha e advogada, Lina Afonso, que após diversos contactos por e.mail com a Autora, e tendo previamente informado que toda a negociação deveria passar por ela (“ considerando todos os poderes que me foram conferidos pelo meu constituinte”), em 9/5/2013,  acabou por se desvincular do negócio e exigiu que fosse retirado de imediato o anúncio da venda do imóvel.

A intervenção de L… está legitimada pelo instituto da representação, em que o poder (de representação) consiste na faculdade ou poder jurídico do representante em produzir efeitos jurídicos na esfera do representado, de forma imediata e automática (art.258 do CC), e é esta especificidade que distingue a representação de outras figuras afins, como, por exemplo, a representação imprópria (mandatário sem poderes de representação), o contrato para pessoa a nomear, a gestão de negócios, a mediação.

            A validade da representação pressupõe os seguintes requisitos: (i)uma actuação em nome e por conta de outrem – o representante deve agir esclarecendo a contraparte que os efeitos da sua intervenção se reflectem na esfera do representado, logo terá que invocar expressamente essa qualidade, actuando como o próprio representado o poderia licitamente fazer; (ii) dispor o representante de poderes de representação (legal ou voluntariamente concedidos pelo representado) (cf., sobre os requisitos da representação, Kar Larenz, Derecho Civil, Parte General, pág.771 e segs., Menezes Cordeiro, A Representação no Código Civil, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.II, pág.393 e segs.).

            Das modalidades de representação, sobressai a representação voluntária (e só esta aqui releva), que é dominada pela procuração, enquanto negócio jurídico unilateral (arts.262 a 269 do CC). A procuração permite ao representante celebrar em nome e por conta do representado, actos com terceiros, e como tal, a lei estabelece um conjunto de regras que visam proteger os interesses destes (cf. arts.260 e 266 do CC), enquanto normas especiais de tutela da confiança.

Dado que a Dra L… invocou expressamente essa qualidade, e dispondo de tais poderes (face à procuração de 6/5/2013), houve representação voluntária.

Coloca-se a questão de saber se o comitente pode unilateralmente pôr termo ao contrato de mediação com cláusula de exclusividade.

O sentido que se colhe da declaração do Réu, através da sua mandatária, segundo o critério dos arts.236 e 238 do CC, é o de se desvincular do contrato de mediação, tanto que solicitou a imediata retirada do anúncio da venda.

A sentença qualificou-a como de revogação unilateral porque foi assim que a outra parte a interpretou (“A verdade é que a própria Requerente admitiu que o comportamento do Requerido manifestado através da sua mandatária constituía uma revogação unilateral e logo exigiu o pagamento da remuneração, ou seja, aceitou a revogação unilateral efectuada pelo Requerido”).

Em regra, o legislador (art.406 nº 1 CC) não confere aos contraentes a possibilidade do rompimento do contrato por acto unilateral, a menos que haja acordo ou a lei autorize a desvinculação (unilateral), sob diversas designações e fundamentos (desde a resolução, denúncia, revogação, desistência, etc.).

Não é pacífico o entendimento sobre a possibilidade da revogação unilateral do contrato de mediação imobiliária, verificando-se duas orientações:

Uma a rejeitar porque isso implicaria uma total ineficácia da cláusula de exclusividade, logo “ ao contrato de mediação exclusivo não pode, portanto, ser posto termo unilateralmente e sem causa justificativa” (cf. por ex., Higina Castelo, O Contrato de Mediação, pág. 432).

Outra, que aqui se adopta, no sentido da desvinculação unilateral, pois ainda que não resulte directamente da lei ou não prevista no contrato, “é de admitir a revogação do contrato de mediação imobiliária por acto unilateral como consequência da natureza do próprio negócio, por ser de presumir que o cliente não quer privar-se, além do mais, do direito de desistir do propósito de concluir o negócio promovido” (Ac RP de 8/7/2010 (proc. nº 156880/09), em www dgsi.pt ).

Para Vaz Serra (RLJ ano 100, pág. 340 e segs.), “ salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes (…)” . No mesmo sentido., por ex., Maria de Fátima Ribeiro, O Contrato de Mediação e o direito do mediador à remuneração”, Scientia Jurídica, 2013, pág.102 )

Perante a factualidade apurada, parece inequívoco que o Réu (comitente) quis desvincular-se unilateralmente, seja pela admissibilidade da revogação unilateral, seja pela denúncia antecipada (sem respeito pelo pré-aviso), pondo, assim, termo ao contrato, que como já referido, é acessório de outro.

Por seu turno, não havendo sido estipulada a chamada “cláusula de irrevogabilidade” , que obriga o comitente a aceitar o interessado que o mediador encontre, o Réu não estaria impedido de desistir do negócio inicialmente desejado, em face do princípio da liberdade contratual.

Ora, na situação dos autos, quando o Réu manifestou a sua desistência da venda (contrato inicialmente desejado) e se desvinculou do contrato de mediação (em 9/5/2013), ainda não lhe tinha sido comunicado qualquer interessado, porque a Autora só o fez posteriormente, por carta de 15/5/2013.

Neste contexto, e como se justificou muito bem na sentença, a Autora poderá ter direito a eventual indemnização pelos danos sofridos pela revogação ou denúncia antecipada do contrato (que não foram pedidos), mas nunca à remuneração pretendida (cf., por ex., Ac RC de 8/9/2009, C.J. ano XXXIV, IV (2010), pág. 9, Ac RC de 25/6/2013 (proc. nº 400/12), em www dgsi.pt ).

2.7.- Síntese conclusiva

(i)O contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente ( que contratou previamente com o mediador ) e terceiro interessado ( identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).

(ii)No contrato de mediação imobiliária, o comitente pode unilateralmente desvincular-se do contrato de mediação com cláusula de exclusividade.

(iii) Não tendo sido convencionada a chamada “cláusula de irrevogabilidade”, que obriga o comitente a aceitar o interessado que o mediador encontre, o comitente não fica impedido de desistir do negócio inicialmente desejado, em face do princípio da liberdade contratual.

(iv) Tendo o comitente desistido da venda e revogado o contrato de mediação, antes de lhe ter sido dado conhecimento de um terceiro interessado, o mediador poderá ter direito a eventual indemnização pelos danos sofridos pela revogação ou denúncia antecipada do contrato, mas não o direito à remuneração.


III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.

2)

            Condenar a Apelante nas custas.

            Coimbra, 3 de Novembro de 2015.


( Jorge Arcanjo )

( Manuel Capelo )

( Falcão de Magalhães )