Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1045/12.3TBCLD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: RESIDÊNCIA
MENOR
NACIONAL
ESTADO DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 12/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – INSTÂNCIA CENTRAL – 1ª SECÇÃO DE FAMÍLIA E MENORES – JUIZ 1.
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 21º, Nº 1 DO TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EURPEIA; 155º, Nº1 DA OTM; CONVENÇÃO DA HAIA SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO RAPTO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS DE 1980.
Sumário: I – A residência em Portugal de um menor, nacional de um Estado da União Europeia, na companhia da mãe (nacional de um Estado não membro), subsequentemente ao divórcio dos pais, tem suporte legal, por via do efeito directo do artigo 21º, nº 1 do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, sendo que a subsistente legitimidade dessa residência abrange a mãe do menor ao qual este se encontra confiado.

II – Trata-se nesta asserção (relativa à residência da mãe) da realização efectiva desse efeito directo nos termos em que o Tribunal de Justiça o entendeu no Acórdão Baumbast de 17/09/2002, referido à necessária residência do menor com o progenitor ao qual se encontra confiado.

III – A regra constante do artigo 155º, nº 1 da OTM (competência territorial do tribunal da residência do menor ao tempo da instauração do processo), projecta-se como regra de competência internacional dos Tribunais portugueses nos termos do artigo 62º, a) do CPC: os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando a acção possa ser proposta num Tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.

IV – Ocorrendo uma deslocação do menor de Portugal para o Brasil, por iniciativa exclusiva da mãe a quem estava confiado, em desrespeito dos termos do acordo celebrado entre os progenitores na regulação do exercício das responsabilidades parentais (que sujeitava expressamente qualquer mudança do país de residência do menor ao acordo prévio desses progenitores), tal deslocação assume a natureza de ilícita, para o efeito da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 1980.

V – Neste circunstancialismo, o Tribunal português que realizou a regulação das responsabilidades parentais mantém a competência para a apreciação do incumprimento, nos termos do artigo 181º da OTM, estando implícito esse perdurar da competência internacional no artigo 15º da Convenção da Haia.

VI – A deslocação ilícita do menor de país, funcionando como criação intencional de uma nova conexão transnacional através da qual se pretende inibir a competência originária dos tribunais portugueses, consubstancia uma situação de fraude à lei no Direito da competência internacional, sendo irrelevante para efeito do bloqueamento da competência dos Tribunais portugueses.

VII – Na determinação judicial do regresso do menor ao país de origem, no âmbito de um incidente de incumprimento, pode o Tribunal estabelecer uma sanção pecuniária compulsória a cargo do progenitor responsável pela deslocação ilícita, visando compeli-lo ao cumprimento da injunção comportamental fixada pelo Tribunal.

VIII – Vale a respeito da fixação desta sanção a vocação de generalidade do artigo 829º-A do Código Civil, reforçada pelo sentido sancionatório da previsão da possibilidade, decorrente do artigo 181º, nº 1 da OTM, de condenação em multa do progenitor em incumprimento.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

            1. Deu origem à presente tramitação incidental de incumprimento o requerimento de fls. 5/19. Respeita este requerimento ao processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais [iniciou neste processo, pois, um incidente de incumprimento nos termos do artigo 181º da Organização Tutelar de Menores (OTM)] respeitante ao menor T… (nascido em 28/11/2007, residente em Portugal[1]), tendo a regulação sido travada entre os progenitores deste, O… (Requerente neste incumprimento e Apelado no contexto do recurso ora apreciado) e M… (Requerida e Apelante)[2].

            No referido requerimento denunciando o incumprimento, que foi apresentado em 23/10/2013, invocou o ora Requerente/pai que a Requerida/mãe, em violação do acordado em 24/05/2012 a culminar a regulação das responsabilidades parentais, se deslocou com o menor para o Brasil, a título definitivo e sem o acordo prévio do pai, sendo que tal mudança de país de residência fora expressamente condicionada, pelos termos do acordo alcançado na regulação, à obtenção de consenso prévio dos progenitores, excluindo-se qualquer decisão unilateral de um dos progenitores, concretamente pela mãe a quem o menor se encontrava confiado. Com efeito, estabeleceu-se no acordo de regulação, como resulta da transcrição incluída na nota 4, que o menor ficaria à guarda da mãe que com ele coabitaria em Portugal, sendo que em tal acordo foram apenas autorizadas previamente viagens de turismo para o estrangeiro e férias anuais no Brasil pelo período máximo de cinco semanas.

            Ora, alegou o Requerente, suscitando o dito incumprimento, ter tomado conhecimento, através do requerimento de fls. 21/29 – apresentado pela Requerida em 14/10/2013 na regulação e sob a veste de pedido de alteração desta –, que a mãe do menor decidiu unilateralmente fixar-se com carácter definitivo no Brasil com o menor, sustentando ter cessado a competência dos Tribunais portugueses relativamente às responsabilidades parentais aqui em causa (passaria esta para a jurisdição brasileira), manifestando a Requerente o propósito de que fosse arquivado o processo de regulação existente em Portugal. Nesta sequência, no quadro do presente incumprimento, formulou o Requerente/pai ao Tribunal (português) que regulou o exercício das responsabilidades parentais os seguintes pedidos:
“[…]
a) Que seja atribuído carácter de urgência aos presentes autos ao abrigo da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25/10/1980 e artigo 160º da OTM[[3]];
b) Que a Requerida seja notificada para, no prazo de dez dias regressar a Portugal com o menor ou proceder à entrega voluntária do mesmo ao Requerente no Brasil, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada;
c) Para o caso da Requerente não respeitar a decisão do Tribunal, requer-se a instauração imediata, por parte do […] Ministério Público, de um processo de entrega judicial de menor, ao abrigo da Convenção da Haia e artigo 160º da OTM.
[…]”.

                1.1. Note-se que o Requerente, paralelamente à suscitação do incumprimento, realizou comunicação, quanto à deslocação ilícita do menor, à autoridade central portuguesa designada nos termos previstos no artigo 8º da Convenção de Haia de 25 de Outubro de 1980, Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (doravante referida como Convenção de Haia[4]), resultando de fls. 108 que logo em 3 de Janeiro de 2014 foi accionada a referida Convenção junto da autoridade central brasileira.     

            1.2. Realizou-se em 10/12/2013 (está documentada a fls. 55/60) a conferência de pais prevista nos nºs 2 e 3 do artigo 181º. Nesta diligência, estando presente o Mandatário da Requerida foi esta representada – é o que se indica na acta da conferência – pela sua mãe, que declarou “não haver qualquer possibilidade de retorno da sua filha a Portugal”, sendo neste acto os pais do menor notificados para produzirem as respectivas alegações.

            Constam as alegações da Requerida de fls. 63/72. Nestas repete a invocação da incompetência dos Tribunais portugueses e refere que, tanto ela como o menor, não disporiam de direito de residência em Portugal. As alegações do Requerido constam, por sua vez, de fls. 77/87 e repetem fundamentalmente o que este já havia indicado no requerimento inicial que originou o incidente de incumprimento.

1.3. Ainda no quadro do relato do desenvolvimento do processo, como incidência com interesse para a compreensão da situação em causa no incumprimento, sublinha-se a comunicação de fls. 140/141 na qual a autoridade central portuguesa, no quadro da Convenção da Haia, suscita o exercício do contraditório por parte do ora Requerente quanto à alegação pela Requerida (junto da autoridade central brasileira) de “discordância com o retorno voluntário da criança ao seu país de residência habitual, decisão esta supostamente pautada em ocorrências de violência doméstica”, valendo esta afirmação para o efeito do artigo 13º da Convenção da Haia[5].

Também no contexto de indicação de incidências processuais relevantes, sublinha-se a existência no Brasil, interposta pelo aqui Requerente de um processo de natureza cautelar visando a implementação (cautelarmente no Brasil) do acordo de regulação alcançado em Portugal quanto ao exercício do direito de visitas (v. fls. 153/192), da qual decorre o reconhecimento pela Justiça brasileira da competência dos Tribunais portugueses para a decisão de fundo relativa à regulação das responsabilidades parentais respeitantes ao menor (cfr. fls. 190/191, onde a afirmação do Ministério Público brasileiro nesse sentido foi favoravelmente acolhida pelo Juiz[6]).

Finalmente, sublinha-se a junção pela Requerida a fls. 201/211 de um documento intitulado “Relatório Psicológico”, contestado na sua veracidade pelo Requerente a fls. 278/351, aludindo a situações de abuso sexual sobre o menor[7]

            1.4. Concluída a instrução do incidente de incumprimento foi este decidido a fls. 369/379decisão que constitui objecto do presente recurso –, (a) afirmando-se a competência internacional dos Tribunais portugueses, (b) determinando-se o imediato regresso do menor a Portugal e, (c) caso não seja garantido tal regresso em dez dias, foi a Requerida condenada na sanção pecuniária de €40,00 por cada dia de atraso.

            1.5. Inconformada apelou a Requerida, formulando no recurso as seguintes conclusões:
“[…]


II – Fundamentação

2. Caracterizado o desenvolvimento do processo que conduziu à presente instância de recurso, importa apreciar a impugnação da Apelante, sendo que o âmbito objectivo de tal impugnação foi delimitado pelas conclusões transcritas no item antecedente (artigos 635º, nº 4 e 639º do CPC)[8]. Assim, fora dessas conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo o artigo 608º, nº 2 do CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

Percorrendo as conclusões, destacam-se como fundamentos do recurso os seguintes:

(a) a competência internacional dos Tribunais portugueses (aqui protagonizados pelo Tribunal a quo) para apreciarem o incumprimento do acordo de regulação das responsabilidades parentais celebrado em Portugal e adopção de medidas de compulsão ao seu cumprimento. Este fundamento, expresso nas conclusões A a K acima transcritas, apresenta, no argumentário da Apelante, um âmbito mais alargado, reportado à própria incompetência internacional dos Tribunais portugueses, face aos Tribunais brasileiros, para regular as responsabilidades parentais respeitantes ao menor, apontando à decisão – e seria uma nulidade desta – não ter pesquisado devidamente a questão da residência (regular) do menor e da Requerida em Portugal ao tempo em que se deslocou para o Brasil;

(b) como segundo fundamento, discute a Apelante, com correspondência nas conclusões L a T acima transcritas, a bondade e a correcção da decisão recorrida de entrega imediata, nos seus pressupostos de facto;

(c) finalmente, desta feita com correspondência nas conclusões U a CC, considera a Apelante inexistir fundamento legal para a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, sendo o valor fixado, em qualquer caso, desproporcionado

2.1. Os factos que a primeira instância fixou como relevantes, no quadro deste incidente de incumprimento, constam do elenco que aqui se transcreve:
“[…]

            2.2. (a) A questão de incompetência internacional – e assim entramos na apreciação do primeiro fundamento do recurso – assenta, nos termos em que a Apelante a pretende construir, na localização actual da residência do menor no Brasil, referenciando-se em função disso a competência à jurisdição deste país, excluindo a competência da jurisdição portuguesa em função desse pressuposto. Paralelamente, afirma a Apelante que, após o divórcio, ela e o menor, teriam perdido o estatuto de residentes legais em Portugal o que consolidaria, no entender da Apelante, a competência da jurisdição brasileira.

            2.2.1. (a) Este último argumento – o da falta de residência legal do menor e da mãe em Portugal –, assenta num sofisma, desmonta-se fácil de desmontar. É certo que nem a Requerida nem o menor têm nacionalidade portuguesa. Todavia, não tem qualquer sentido argumentar com a falta de legitimidade para residir com permanência em Portugal de um menor cidadão de um Estado da União Europeia (é detentor da nacionalidade alemã), tal como não tem sentido argumentar com a falta de legitimidade para cá residir, independentemente da questão da nacionalidade extracomunitária, da própria Apelante como mãe desse menor e estando-lhe este confiado por decisão de um Tribunal português no pressuposto da residência de ambos em Portugal.

            Efectivamente, além de não corresponder à verdade que o divórcio entre a Requerida e o Requerente impossibilitassem a permanência da Requerida em Portugal, menos ainda do menor (v. os artigos 7º e 8º da Lei nº 37/2006, de 9 de Agosto[9]), sempre haverá que ter presente a ligação entre essa permanência do menor em Portugal, como cidadão da União Europeia, e a necessária permanência da mãe deste, no quadro da subsistente e necessária residência com o mesmo. Vale a este respeito a evidência de ter o menor residido em Portugal com a mãe até 2013 – até esta o ter deslocado unilateralmente para o Brasil –, tendo sido, como acima dissemos, esse o pressuposto (cuja base legal resulta patente das disposições indicadas na nota 11, supra) assumido no quadro da regulação das responsabilidades parentais, com a cobertura homologatória desse acordo por um Tribunal português. Aliás, sempre se trataria aqui, encarando a questão da residência do menor em Portugal, de realizar verdadeiramente o efeito directo do artigo 21º, nº 1 do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia[10], valendo a interpretação desta disposição (e sublinhamos aqui os expressivos elementos de similitude com o caso concreto) realizada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 17 de Setembro de 2002, no Processo C-413/99 Baumbast, R. c. Secretary of State for the Home Department[11].

            Vale isto pelo esclarecimento da questão da residência do menor em Portugal, no quadro do acordo de regulação celebrado entre os pais, e vale principalmente pela referenciação de uma possível continuidade da residência da Requerida em Portugal como legal e legítima, com afastamento da relevância do argumento da suposta perda desse direito de residência pelo menor e pela Requerida, por via do divórcio, enquanto justificação – que verdadeiramente não serve de justificação – para a saída da Requerida de Portugal com o filho (e isto também vale pela constatação da irrelevância do esclarecimento adicional da situação da Requerida junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras).

            2.2.2. (a) Quanto à questão propriamente dita da incompetência internacional dos Tribunais portugueses para apreciar as incidências do incumprimento – é de um incidente de incumprimento que aqui se trata – do acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor – questão que foi suscitada junto da jurisdição nacional – interessa ter presente o carácter incidental dessa questão de incumprimento, na sua adjectivação, relativamente à regulação em si mesma, constituindo esta o processo matriz. Isto mesmo foi afirmado por este Tribunal da Relação (o ora relator nesta mesma formação) em Acórdão de 23/04/2013 – “[u]m processo de incumprimento (o processo previsto no artigo 181º da OTM) constitui uma instância incidental, relativamente ao processo base de regulação do poder paternal, tratando-se de verificar, com base no enquadramento legal correspondente a essa regulação, se a incidência invocada (aqui a deslocação do menor para o estrangeiro) traduz uma situação de incumprimento do acordo[12] –, sendo que este carácter incidental associa a definição da competência respectiva, mesmo da competência internacional, à fixação da competência territorial operada na instância matriz, que aqui correspondeu à instância nacional que operou a regulação do exercício das responsabilidades parentais. Esta competência, com efeito – a competência territorial correspondente ao processo-base de regulação –, foi assumida pelo Tribunal das Caldas da Rainha, por ser o da residência do menor – e era-o assumida e comprovadamente – ao tempo da instauração dessa acção de regulação. É o que resulta do disposto no artigo 155º, nº 1 da OTM – “[p]ara decretar as providências é competente o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado” –, sendo que esta regra de competência territorial, acaba por projectar-se, num quadro de dupla funcionalidade, como regra de competência internacional dos Tribunais portugueses, nos termos do artigo 62º, alínea a) do CPC – “[o]s tribunais portugueses são internacionalmente competentes […] [q]uando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa[13].

            De qualquer forma, colocando agora o ênfase da questão da competência internacional, como pretende a Apelante, na mudança unilateral (por ela determinada) do local de residência do menor de Portugal para o Brasil, sempre importará equacionar – como correctamente o fez a primeira instância – a incidência na situação, com reflexo na projecção de uma ulterior competência da jurisdição portuguesa para decidir o incumprimento, do novo status quo residencial criado unilateralmente pela mãe enquanto incidência tributária de uma deslocação lícita ou ilícita do menor do seu local habitual de residência. Com efeito, independentemente desta qualificação, que será realizada adiante neste Acórdão (no item seguinte controlaremos a asserção decisória que qualifica de ilícita essa deslocação do menor), sendo certo que a competência internacional também se afere pela construção que o litígio assume a priori, nos termos em que é colocado à partida ao Tribunal português, importa ter presente, desde já, no quadro aqui em causa de accionamento, no âmbito deste incidente de incumprimento, da Convenção da Haia Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 1980 (v. nota 6, supra), o que este instrumento de direito internacional convencional estabelece, com reflexo na competência internacional, quanto à apreciação do incumprimento (rectius, quanto à qualificação de uma deslocação para um terceiro país como ilícita) na jurisdição de origem da criança (a correspondente ao país do qual esta foi deslocada).

            Ora, a este respeito, interessa-nos ponderar o que estabelece o artigo 15º da Convenção da Haia:
As autoridades judiciais ou administrativas de um Estado Contratante podem, antes de ordenar o regresso da criança, solicitar a produção pelo requerente de uma decisão ou de um atestado passado pelas autoridades do Estado da residência habitual da criança comprovando a ilicitude da transferência ou da retenção nos termos do artigo 3.º da Convenção, desde que esta decisão ou essa declaração possam ser obtidas no referido Estado. As autoridades centrais dos Estados Contratantes deverão na medida do possível, auxiliar os requerentes a obter tal decisão ou atestado.” (sublinhado acrescentado).

            Foi precisamente esta decisão que aqui foi produzida – é a decisão ora recorrida –, no quadro do efectivo accionamento da Convenção, intuindo-se dos elementos respeitantes a esse accionamento constantes dos autos (incluímos a referência a estes no relato constante do item 1.3. supra), que as autoridades brasileiras aguardam essa (esta) tomada de posição pelos Tribunais portugueses[14].

            Na essência desta questão vamos encontrar a expressão de uma ideia, quase intuitiva na sua racionalidade, de extensão da competência da jurisdição de origem (da jurisdição da residência habitual de origem) nas situações de deslocação transnacional ilícita de menores, em termos paralelos ao que sucede, no quadro do Direito da União Europeia, por via do artigos 8º a 10º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 – Regulamento Bruxelas II bis –, relativo à competência e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) nº 1347/2000[15] (o argumento de paralelismo é aqui directamente estabelecido relativamente ao artigo 10º do Regulamento). A redacção dos preceitos é a seguinte:

Artigo 8º
Competência geral
1 – Os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
2 – O nº 1 é aplicável sob reserva do disposto nos artigos 9º, 10º e 12º.
Artigo 9º
Prolongamento da competência do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança
1 – Quando uma criança se desloca legalmente de um Estado-Membro para outro e passa a ter a sua residência habitual neste último, os tribunais do Estado-Membro da anterior residência habitual da criança mantêm a sua competência, em derrogação do artigo 8º, durante um período de três meses após a deslocação, para alterarem uma decisão, sobre o direito de visita proferida nesse Estado-Membro antes da deslocação da criança, desde que o titular do direito de visita, por força dessa decisão, continue a residir habitualmente no Estado-Membro da anterior residência habitual da criança.
2 – O nº 1 não é aplicável se o titular do direito de visita referido no nº 1 tiver aceitado a competência dos tribunais do Estado-Membro da nova residência habitual da criança, participando no processo instaurado nesses tribunais, sem contestar a sua competência.
Artigo 10º
Competência em caso de rapto da criança
Em caso de deslocação ou retenção ilícitas de uma criança, os tribunais do Estado-Membro onde a criança residia habitualmente imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas, continuam a ser competentes até a criança passar a ter a sua residência habitual noutro Estado-Membro e:
a) Cada pessoa, instituição ou outro organismo titular do direito de guarda dar o seu consentimento à deslocação ou à retenção; ou
b) A criança ter estado a residir nesse outro Estado-Membro durante, pelo menos, um ano após a data em que a pessoa, instituição ou outro organismo, titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, se esta se encontrar integrada no seu novo ambiente e se estiver preenchida pelo menos uma das seguintes condições:
i) não ter sido apresentado, no prazo de um ano após a data em que o titular do direito de guarda tenha tomado ou devesse ter tomado conhecimento do paradeiro da criança, qualquer pedido de regresso desta às autoridades competentes do Estado-Membro para onde a criança foi deslocada ou se encontra retida,
ii) o titular do direito de guarda ter desistido do pedido de regresso e não ter sido apresentado nenhum novo pedido dentro do prazo previsto na subalínea i),
iii) o processo instaurado num tribunal do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas ter sido arquivado nos termos do nº 7 do artigo 11º,
iv) os tribunais do Estado-Membro da residência habitual da criança imediatamente antes da deslocação ou retenção ilícitas terem proferido uma decisão sobre a guarda que não determine o regresso da criança.[16].

            Valem estas considerações pela afirmação da competência internacional dos Tribunais portugueses, aqui protagonizada pelo Tribunal a quo, para decisão, no quadro deste incidente de incumprimento (que é sobre este que incide o recurso), da qualificação como ilícita da deslocação do menor para o Brasil e, consequentemente, para adopção de medidas reintegradoras do cumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais estabelecida na ordem jurídica portuguesa.

Aliás, abundando na questão da persistência da competência dos Tribunais portugueses, e ilustrando mesmo o carácter desvalioso da conduta da Requerida (criando intencionalmente um facto consumado gerador de uma conexão transnacional que se pretende inibidora da jurisdição portuguesa), não deixamos de observar neste caso, por via da situação intencionalmente criada pela Requerida/mãe ao deslocar a residência do menor para o estrangeiro em aberta violação do sentido objectivo do acordo de regulação que alcançara em Portugal, não deixamos de observar aqui, dizíamos, um muito mal disfarçado propósito de fraude à lei no Direito da competência internacional, orientado a inibir a jurisdição de origem de assegurar o cumprimento (coactivo se necessário) de uma sua decisão e de desincentivar o recurso à tutela jurisdicional da parte afectada pelo incumprimento, por via da criação de dificuldades práticas à efectivação dessa tutela[17]. Ora, como refere a este respeito Luís de Lima Pinheiro:

“[…]
A sanção da fraude à lei em Direito da Competência Internacional decorre da irrelevância da manipulação do elemento de conexão ou da internacionalização fictícia da relação controvertida: A competência internacional dos tribunais portugueses será estabelecida com base nos elementos de conexão que existiriam se a manipulação ou a internacionalização fictícia não se tivessem verificado.  
[…]”[18].

            É também neste sentido, ademais da questão da extensão da competência implícita no artigo 15º da Convenção da Haia, que os Tribunais portugueses, concretamente a Instância Central de Família e Menores das Caldas da Rainha, da Comarca de Leiria (que entretanto substituiu o Tribunal originário), dispõem de competência internacional para apreciação do procedimento incidental do qual emerge o presente recurso.

            2.3. (b) Interessa-nos agora – e traduz o segundo fundamento da apelação – a decisão de entrega imediata do menor tomada no quadro do presente incidente de incumprimento do acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais. Referimo-nos ao acordo estabelecido em 24/05/2012, que foi transcrito na nota 4 supra e no texto da decisão ora apelada, no qual o Requerente e a Requerida acordaram que a residência do menor, no quadro da entrega deste à guarda e cuidado da mãe, se localizaria em Portugal[19]. Vale a tal respeito o que expressamente se consignou na cláusula 2. do Acordo (o menor fica à guarda e cuidados da Mãe que com ele coabitará em Portugal), bem como nas cláusulas 1.1. e 1.2. (1.1. Fica, desde já autorizada a saída do menor com qualquer um dos progenitores, em turismo, para a Alemanha e para o Brasil. 1.2. A progenitora poderá deslocar-se ao Brasil com o menor, em turismo, uma vez por ano, pelo período de 5 semanas seguidas)[20]. E vale a este respeito, identicamente, a consideração, hoje (posteriormente à alteração do Código Civil pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, aqui plenamente aplicável[21]) decorrente do artigo 1906º, nºs 1 e 5 do Código Civil, de que uma alteração da residência do menor que se traduza em mudança de país, constitui uma questão de particular importância que requer um acordo prévio dos pais[22]. Ora, não sendo a vida das pessoas uma realidade estática e absolutamente imutável, podendo obviamente reflectir-se as contingências da vida no exercício regulado da parentalidade, alterando uma regulação em função de novos dados, importa que a concretização de qualquer necessidade superveniente de alteração, caso se refira a uma questão de particular importância (e é paradigmaticamente o caso de uma mudança radical do país de residência do menor como a que aqui se coloca) se processe num quadro de acordo dos pais, não de criação de um facto consumado, sendo certo que, na falta de acordo – mesmo em ambiente de litígio aberto –, o Tribunal (o Tribunal originalmente competente) não deixará de ultrapassar qualquer impasse, decidindo com base na ponderação dos interesses do menor, no confronto com as particularidades que sejam relevantes dos interesses dos pais (é o critério de decisão a este respeito fixado no nº 5 do artigo 1906º do Código Civil). 

            Foi a inobservância deste condicionalismo, facto aqui assumido pela Requerida desde o início, que qualifica como incumprimento do acordo de regulação a deslocação do menor para fora de Portugal, ostensivamente construída como facto consumado neutralizador da capacidade prática de intervir do Requerente. E é esta mesma inobservância do percurso legal devido que fornece a esta deslocação o estatuto de ilícita, em termos relevantes para accionamento da Convenção da Haia, alicerçando esta ilicitude a pretensão de entrega do menor[23]. Neste enquadramento, só a prova de alguma circunstância considerada apta pelo artigo 13º da Convenção da Haia (transcrevemo-lo na nota 7, supra), poderia obstaculizar ao regresso do menor[24].

            2.3.1. (b) É aqui que entronca a questão que a Requerida procurou apresentar, no Brasil – e é sintomático que só aí o tenha feito, e só o fez após o accionamento da Convenção pelo Requerente –, como obstáculo ao regresso do menor, concretamente a imputação ao pai de supostas agressões sexuais ao filho, situação nunca antes por ela relatada ao Tribunal e que a Requerida pretendeu documentar e ilustrar através de um “Relatório Psicológico” que juntou a fls. 201/211[25]

            Vale quanto a este relatório – e partilhamos o que a este respeito foi observado pelo Senhor Juiz a quo em sede de fundamentação da decisão de facto a fls. 374/375 –, vale a este respeito, dizíamos, a pouca credibilidade de uma acusação respeitante a uma situação grave, quando esta só aparece tardiamente num quadro que tudo leva a crer ter sido construído had hoc para bloquear o exercício dos direitos reconhecidos ao Requerente. Para além disso, paira sobre esse relatório (com origem exclusiva na Requerida[26]) uma consistentíssima suspeita de inveracidade e de falta de fiabilidade, aparentando tratar-se (como credivelmente foi demonstrado pelo Requerente a fls. 279/344[27]) de uma espécie de “colagem” de trechos retirados de algum tipo de “dispensário”, existente na internet, de modelos ou formulários de relatórios de avaliação psicológica respeitantes a situações de abuso sexual de crianças[28], sem qualquer elemento substancial de contextualização referenciado ao caso concreto e servido, com o estatuto de suposta abonação, por uns “desenhos” atribuídos ao menor, mas que ninguém teve possibilidade de controlar nessa origem ou no circunstancialismo de elaboração.

            Não existe, pois, qualquer base fáctica minimamente fiável de consideração da existência dos comportamentos que a Requerida tardiamente (o factor tempo é aqui, como referimos, particularmente sintomático) pretendeu imputar ao Requerente, sendo bem mais consistente explicar a situação por esta pretendida criar como tributária de um propósito de construção de argumentos jurídicos sem verdadeira base real, em vista de um objectivo pré-definido de afastar definitivamente a criança do pai.

Seja como for, retornando-se ao status quo ante (com o regresso do menor a Portugal no quadro do cumprimento da regulação vigente), não deixarão os Tribunais portugueses de ponderar todas as circunstâncias relevantes para obtenção de uma regulação – mesmo que venha a ser uma nova regulação – que defenda o superior interesse da criança. Por agora temos uma regulação que foi alcançada por acordo dos pais, que se prefigura como muito equilibrada e correcta do ponto de vista da criação de laços entre o menor e o pai (como progenitor descontínuo), relativamente à qual, afora o propósito da Requerida de não cumprir o acordado com o Requerente, não existe qualquer circunstância que sugira ter-se tratado de um acordo inadequado para qualquer dos progenitores ou prejudicial ao normal desenvolvimento do menor, através da construção de uma vivência da qual não deixe de fazer parte um dos progenitores e um dos ramos familiares.

Aliás, significativamente, a Requerida não deixa de apelidar de “decisão justa” a determinação de entrega do menor pela decisão ora recorrida (v. a conclusão T a fls. 408 que acima transcrevemos no item 1.5), colocando todavia essa justeza num plano “abstracto”, que o “concreto” desmentiria. Com efeito, afirma a Requerida, que essa justeza degradar-se-ia por se fundar numa alegada “deformidade genética que é o «acordo» judicial”. O problema deste acordo – e continuamos a interpretar o pensamento da Requerida com base na forma em que ela o expressou a esta instância – seria o acesso que ele propiciaria ao Requerente “à vida privada da [Requerida]” (v. fls. 408). Ou seja, quer-nos parecer que o verdadeiro problema do acordo para a Requerida residiria na incomodidade gerada por via do mesmo na vida privada desta. Ora, a tal respeito, constituindo um dado de facto a existência do menor como filho do Requerente e da Requerida, sendo necessário assegurar um efectivo exercício da parentalidade pelos dois (não obstante os condicionalismos, quanto ao Requerente, derivados do seu estatuto de pai descontínuo), terá a Requerida que aceitar alguma acomodação do sua pretensão de cortar a presença na sua vida do seu ex-marido, com o mínimo indispensável à garantia do exercício da parentalidade descontínua por ele, em termos aceitáveis. Todas estas são questões que podem – que poderiam – ser equacionadas e modelar a aplicação prática do acordo, introduzindo-lhe mesmo alterações, mas isso pressuporia o uso de mecanismos processuais adequados e não a criação de factos consumados radicais e o aberto desafio de decisões judiciais, cujo resultado acaba por ser o inviabilizar prático da relação entre o menor e pai. E é da essência da regulação das responsabilidades parentais, à luz do superior interesse da criança, em ambiente de separação ou de ruptura, quando não de aberta hostilidade, entre os progenitores, garantir, ainda assim, o exercício prático do direito à parentalidade destes (só excluído em casos extremos de perigo para a criança), abrindo – nunca fechando – futuras opções de vida à criança induzidas pelas alternativas criadas por ambos os pais e pelos dois ramos familiares. É aquilo que John Elster qualifica como “objectivo mais formal de proteger a ulterior possibilidade e capacidade da criança para realizar escolhas […], atingindo a maturidade com um máximo de potencialidades e com a autonomia necessária à realização de escolhas”, entendida esta abertura “como forma superior de abordar a questão do interesse da criança[29].

Trata-se aqui de enfrentar um problema que foi criado pela Requerida, por via de um incumprimento radical da regulação estabelecida por acordo, através da deslocação da residência habitual do menor de Portugal para o Brasil e da criação, aí, de inúmeros obstáculos ao relacionamento do menor com o pai. Sobressai, pois, na conduta da Requerida, esse elemento de criação intencional, em aberto desafio a uma decisão judicial, de um “facto consumado”, introdutor na equação de uma aparência de “problema para o menor”, intencionalmente construído pela ora Apelante, através da manipulação intencional da situação do menor, localizando-o num outro país, em violação dos direitos do pai. Como refere Jon Elster, ilustrando este tipo de situações, que qualifica como criação de um facto consumado [fait accompli]: "[o] progenitor com a custódia do filho [numa disputa respeitante a este] pode demorar deliberadamente o processo legal, mediante recursos e diversos subterfúgios legais [by appeals and various legal subterfuges], de modo a que, quando finalmente se tome uma decisão, possa declarar, com aparência de verdade, que não convém aos interesses da criança cedê-la ao outro progenitor, que entretanto se converteu num estranho psicológico. Os meios ilegais, tais como o sequestro ou a obstrução do direito de visita, podem ser utilizados – e frequentemente são – com essa finalidade. Em ambas as situações, especialmente na segunda, parece injusto ceder a guarda ao pai ou à mãe que criou o facto consumado [e este trecho da citação vale como advertência à Requerida]. Aliás, a decisão de cedência a este seria contrária aos interesses das crianças em geral, porque tornaria mais prováveis futuras procrastinações, sequestros, manipulações e obstruções. Nestes casos, os tribunais podem recorrer ao princípio geral segundo o qual ninguém deve tirar vantagens de uma actuação ilícita, [no one should profit from wrongdoing]. De qualquer forma, também podem justificar (e os tribunais justificam-no frequentemente) a renúncia a recompensar esse tipo de conduta, apelando aos interesses da criança: um pai que se comporte desse modo manifesta ipso facto que é um pai inepto para a custódia da criança[30].

É uma situação deste tipo que os factos aqui apurados evidenciam[31] e é em função disso que aqui consideramos ter sido correcta a decisão apelada, confirmando-a quanto à determinação de regresso imediato do menor a Portugal, valendo esta injunção comportamental dirigida à Requerida, também, no quadro do accionamento da Convenção da Haia Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 1980, em vista do objectivo que subjaz ao artigo 1º desta: assegurar prontamente o regresso ao Estado de origem de uma criança ilicitamente deslocada para um outro país – e foi este o caso que aqui sucedeu –, como meio de garantir um efectivo cumprimento da decisão de um Tribunal português, internacionalmente competente para tal efeito, quanto ao exercício das responsabilidades parentais respeitantes a essa criança, num quadro em que a referida deslocação se apresenta como facto induzido tendo vista a inviabilização prática do sentido dessa decisão de regulação das responsabilidades parentais.

2.4. (c) A confirmação da decisão recorrida nos termos indicados no item anterior vale para o terceiro fundamento do recurso acima destacado no item 2. deste Acórdão, referido à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória à Requerida (€40,00/dia de atraso, para além do prazo fixado) até que esta, promovendo o retorno do menor a Portugal, cumpra a decisão judicial que optou por desafiar abertamente (v. a alínea b) da decisão a fls. 379).

A este respeito, importa recordar a vocação de generalidade do artigo 829º-A do Código Civil[32], que aqui até acaba por funcionar como sucedâneo específico de uma previsão legal efectivamente existente: a condenação em multa do progenitor em incumprimento decorrente do trecho final do artigo 181º, nº 1 da OTM. Com efeito, num acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais com prestações inter-cruzadas a cargo de cada um dos pais (os quais delas são reciprocamente credores e devedores), do qual emergia – emerge – a obrigação para cada um dos progenitores de não deslocar o menor de país a título definitivo, vemos nesta sanção uma forte motivação (o efeito de compulsão visado) ao retorno ao comportamento devido, por via de uma sanção deste tipo. Apresenta-se-nos esta consequência como intuitivamente adequada, sendo que o montante fixado deve representar – e aqui representa – um valor adequado, face às notórias dificuldades práticas de acesso directo ao menor, tendo este sido intencionalmente subtraído pela Requerida ao alcance da Justiça portuguesa.

Vai confirmada, pois, também neste elemento, a decisão recorrida.

2.5. Sumário elaborado pelo relator:
I – A residência em Portugal de um menor, nacional de um Estado da União Europeia, na companhia da mãe (nacional de um Estado não membro), subsequentemente ao divórcio dos pais, tem suporte legal, por via do efeito directo do artigo 21º, nº 1 do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, sendo que a subsistente legitimidade dessa residência abrange a mãe do menor ao qual este se encontra confiado;
II – Trata-se nesta asserção (relativa à residência da mãe) da realização efectiva desse efeito directo nos termos em que o Tribunal de Justiça o entendeu no Acórdão Baumbast de 17/09/2002, referido à necessária residência do menor com o progenitor ao qual se encontra confiado:
III – A regra constante do artigo 155º, nº 1 da OTM (competência territorial do tribunal da residência do menor ao tempo da instauração do processo), projecta-se como regra de competência internacional dos Tribunais portugueses nos termos do artigo 62º, a) do CPC: os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando a acção possa ser proposta num Tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
IV – Ocorrendo uma deslocação do menor de Portugal para o Brasil, por iniciativa exclusiva da mãe a quem estava confiado, em desrespeito dos termos do acordo celebrado entre os progenitores na regulação do exercício das responsabilidades parentais (que sujeitava expressamente qualquer mudança do país de residência do menor ao acordo prévio desses progenitores), tal deslocação assume a natureza de ilícita, para o efeito da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças de 1980;
V – Neste circunstancialismo, o Tribunal português que realizou a regulação das responsabilidades parentais mantém a competência para a apreciação do incumprimento, nos termos do artigo 181º da OTM, estando implícito esse perdurar da competência internacional no artigo 15º da Convenção da Haia;
VI – A deslocação ilícita do menor de país, funcionando como criação intencional de uma nova conexão transnacional através da qual se pretende inibir a competência originária dos tribunais portugueses, consubstancia uma situação de fraude à lei no Direito da competência internacional, sendo irrelevante para efeito do bloqueamento da competência dos Tribunais portugueses;
VII – Na determinação judicial do regresso do menor ao país de origem, no âmbito de um incidente de incumprimento, pode o Tribunal estabelecer uma sanção pecuniária compulsória a cargo do progenitor responsável pela deslocação ilícita, visando compeli-lo ao cumprimento da injunção comportamental fixada pelo Tribunal;
VIII – Vale a respeito da fixação desta sanção a vocação de generalidade do artigo 829º-A do Código Civil, reforçada pelo sentido sancionatório da previsão da possibilidade, decorrente do artigo 181º, nº 1 da OTM, de condenação em multa do progenitor em incumprimento.


III – Decisão

            3. Face ao exposto, improcedendo o recurso, confirmamos em todos os seus elementos a decisão ora apelada.

            Custas do recurso a cargo da Apelante, que ficou integralmente vencida.

            Independentemente do trânsito, envie-se cópia deste Acórdão e da decisão por ele confirmada à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Sociais (v. fls. 385) para comunicação, desde já, à Autoridade Central do Brasil no quadro da Convenção da Haia de 1980.


(J. A. Teles Pereira - Relator)
(Manuel Capelo)
(Jacinto Meca)


[1] Trata-se o menor, que nasceu na Alemanha, de filho de pai alemão e de mãe brasileira, detentor das nacionalidades dos pais que residia, como se disse, com a mãe em Portugal, ao tempo da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
[2] O processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais (artigos 174º e segs. da OTM) foi instaurado na comarca das Caldas da Rainha em 02/05/2012, por iniciativa do pai, e veio a terminar por acordo de regulação alcançado em conferência de pais realizada em 24/05/2012 (corresponde a esta a referência citius 3334836). Aqui se reproduz esse acordo:
“[…]

1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do menor, são exercidas em comum por ambos os progenitores incluindo-se nestas, designadamente:

- Intervenções cirúrgicas e tratamentos especiais.

- Saídas para o estrangeiro, excepto para a Alemanha, Brasil e Espanha em Turismo;

- Escolha de estabelecimento de ensino público ou particular para a escolaridade do menor;

- Prática de actividade desportiva que envolva risco para a saúde do menor;

- Orientação religiosa e profissional.

1.1. Fica, desde já autorizada a saída do menor com qualquer um dos progenitores, em turismo, para a Alemanha e para o Brasil.

1.2. A progenitora poderá deslocar-se ao Brasil com o menor, em turismo, uma vez por ano, pelo período de 5 semanas seguidas.

2. O menor fica à guarda e cuidados da Mãe que com ele coabitará em Portugal.

3. As responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do menor cabem ao progenitor que no momento tenha o menor ao seu cuidado.

4. O Pai prestará, a título alimentos do menor, a importância de 508,00 € (quinhentos e oito euros) mensais (conforme com a “Düsseldorfer Tabelle” tabela orientadora da pensão de alimentos a fixar aos menores, emitida pelo Ministério da Família alemão) acrescida da quantia de 184,00 € (cento e oitenta e quatro euros) a título de “Kindergeld” (abono de família) definida pela lei Alemã.

5. No caso de ocorrer redução do salário auferido pelo progenitor, o montante da pensão de alimentos ora fixada será também reduzida proporcionalmente, não podendo ser inferior a 200,00 € (duzentos euros).

6. A pensão de alimentos será paga à mãe do menor, até ao quinto dia útil do mês a que respeitar através de transferência bancária para o NIB a indicar pela mãe.

7. O valor da pensão de alimentos será actualizado anualmente em função da “Düsseldorfer Tabelle” e de acordo com a inflação que se verificar na Alemanha por ser o local da fonte de rendimentos do pai. Porém, essa actualização não pode ser inferior a 3 % ao ano).

8. O Pai pagará ainda além da pensão referida no nº. 4, metade das despesas com a educação e metade de todas as despesas médicas e medicamentosas, prescritas por um médico ou técnico de saúde inscrito e reconhecido pelo serviço nacional de saúde, não cobertas pelo serviço nacional de saúde ou seguro de saúde que o pai tem na Alemanha e se compromete a mantê-lo enquanto o T… for menor.

9. O pai compromete-se ainda a pagar metade das despesas do menor relacionadas com actividades extra-escolares (desportivas, culturais, actividades de tempos livres) e ainda outras despesas extraordinárias às quais tenha dado o seu acordo, nomeadamente despesas de saúde não incluídas no art.º 8, devidamente documentadas.

10. Decisões de participação em actividades regulares de cunho desportivo, cultural, religioso, de educação, actividades de tempos livres e assunção de despesas extraordinárias, seja de que natureza for, serão sempre comunicadas previamente ao Pai.

11. Atendendo a que o menor coabita com a mãe em Portugal, sempre que o pai vier a Portugal poderá ver e estar com o menor, sem prejuízo dos períodos escolares, de refeições e de repouso e desde que avise a mãe da menor com a antecedência de uma semana que pretende exercer esse direito.

12. O pai poderá ter consigo o menor aos fins-de-semana, de quinze em quinze dias, indo buscá-lo ao Jardim-de-Infância à quinta ou sexta-feira, cerca das 16:00 horas e entregando-o em casa da mãe no Domingo pelas 20:00 horas.

12.1. Na Segunda-feira seguinte o pai irá buscá-lo a casa da mãe pelas 8h45mn entregando-o no jardim-de-infância;
[…]

13. Caso o pai esteja em Portugal mais de 10 (dez) dias consecutivos, durante esse período, o pai ficará com o menor metade do tempo que passar em Portugal. Nesse caso o menor ficará sucessivamente 3 (três) dias seguidos com o pai e 3 (três) dias seguidos com a mãe, iniciando-se esse regime no dia em que o pai chegar a Portugal, ficando o menor com o pai nesse dia a partir das 16:00 horas da tarde.

14. Tendo em atenção o facto de o pai e familiares paternos viverem na Alemanha, ambos os progenitores acordam que se vão esforçar para possibilitar conversas regulares entre o menor e o pai e os seus avós paternos (p. ex. via skype) e promovê-las, devendo isso ocorrer com regularidade pelo menos em 2/3 dias por semana.

15. Nas férias de Verão, de Natal e Páscoa, o menor passará metade do período de férias com cada um dos progenitores, em datas a acordar entre ambos e consoante as férias destes e alternadamente em cada ano, nunca por períodos superiores a 15 (quinze) dias.

15.1) Os progenitores deverão definir os períodos de férias até ao dia 01 de Julho.

15.2) Para o ano de 2012 ficam desde já acordada a seguinte regra - férias de Verão com o pai, ca. de 2 (duas) semanas de 27 de Julho até 12 de Agosto, na Alemanha.

16. Fora dos períodos de férias o menor também poderá visitar o pai na Alemanha por um período a combinar entre os progenitores. O menor poderá ainda participar em festas importantes, respeitantes à sua família paterna tais como aniversários, comunhões, casamentos, baptizados.
17. Os dias de aniversário do menor, serão preferencialmente passados com ambos os progenitores.

Se isso não for possível, o menor almoça com um dos progenitores e janta com o outro a combinar previamente.

18. Cabe ao pai custear todas as despesas inerentes às viagens e estadia do menor na Alemanha, cabendo à mãe apoiar na organização da viagem, como levar o menor ao aeroporto e fazer-lhe a mala de viagem.

19 Ambos os progenitores desde já se comprometem a emitir a declaração ao outro progenitor a saída do menor para o estrangeiro em viagens exclusivamente de turismo.

20. No período de férias, os progenitores obrigam-se a enviar ao outro cópia do bilhete de viagem e a informar do local onde o mesmo permanecerá.

21. As viagens ao estrangeiro têm de ocorrer fora do período escolar do menor.

21.1. Sem prejuízo do acordado, até ao menor ingressar na escola primária poderá viajar com os progenitores durante o período de frequência do jardim-de-infância.
[…]”.
Este acordo foi homologado por Sentença.
[3] Esta pretensão foi acolhida a fls. 60.
[4] Trata-se da Convenção aprovada pelo Decreto do Governo n.º 33/83, de 11 de Maio (publicada no Diário da República, I Série, n.º 108, de 11/051983), da qual Portugal e o Brasil são parte, que entrou em vigor na ordem jurídica portuguesa em 01/12/1983, sendo que o Aviso nº 302/95 (DR, I Série-A, n.º 241, de 18.10.95) designou o Instituto de Reinserção Social, actual Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, “Autoridade Central Portuguesa”.

[5] Que aqui se transcreve na sua inserção sistemática directa referida ao artigo 12º:

Artigo 12.º
Quando uma criança tenha sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do artigo 3.º e tiver decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da deslocação ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o regresso imediato da criança.
A autoridade judicial ou administrativa respectiva, mesmo após a expiração do período de 1 ano referido no parágrafo anterior, deve ordenar também o regresso da criança, salvo se for provado que a criança já se encontra integrada no seu novo ambiente.
Quando a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido tiver razões para crer que a criança tenha sido levada para um outro Estado, pode então suspender o processo ou rejeitar o pedido para o regresso da criança.
Artigo 13.º
Sem prejuízo das disposições contidas no artigo anterior, a autoridade judicial ou administrativa do Estado requerido não é obrigada a ordenar o regresso da criança se a pessoa, instituição ou organismo que se opuser ao seu regresso provar:
a) Que a pessoa, instituição ou organismo que tinha a seu cuidado a pessoa da criança não exercia efectivamente o direito de custódia na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção; ou
b) Que existe um risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável.
A autoridade judicial ou administrativa pode também recusar-se a ordenar o regresso da criança se verificar que esta se opõe a ele e que a criança atingiu já uma idade e um grau de maturidade tais que levem a tomar em consideração as suas opiniões sobre o assunto.
Ao apreciar as circunstâncias referidas neste artigo, as autoridades judiciais ou administrativas deverão ter em consideração as informações respeitantes à situação social da criança fornecidas pela autoridade central ou por qualquer outra autoridade competente do Estado da residência habitual da criança.
(sublinhado acrescentado).
[6] Tem interesse reproduzir aqui um trecho (fls. 167/168) da contestação apresentada pela ora Requerida junto da justiça brasileira, no quadro dessa tutela cautelar:
“[…]
Concomitantemente ao processo de guarda que corre perante o Brasil, existe ação de repatriação do menor ao Brasil, promovido pela ré em Portugal. Diferentemente do que se busca na ação de guarda, naquele processo se visa combater o acordo realizado pelas partes naquele país.
Verifica-se que este douto Juízo da 10ª Vara Federal muito bem observou:
‘Não se pode olvidar que o juízo competente para rediscussão da situação do menor e dos novos termos de eventual acordo é o 1º Juízo do Tribunal das Caldas da Rainha – República de Portugal’.
[…]”.
[7] Esta situação foi valorada pela decisão ora recorrida especificamente a fls. 374/375, em sede de fundamentação das asserções de facto aí fixadas. Trata-se de questão que este Tribunal discutirá adiante na apreciação do recurso.
[8] Vale aqui como precedente, com contínua relevância no CPC actual, o Acórdão do STJ de 03/06/2011 (Pereira da Silva), proferido no processo nº 527/05.8TBVNO.C1.S1, cujo sumário está disponível na base do ITIJ, directamente, no seguinte endereço:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f9dd7bb05e5140b1802578bf00470473:
Sumário:
“[…]
[O] que baliza o âmbito do recurso, tal sendo, afora as de conhecimento oficioso, as questões levadas às conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação (artigos 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC), defeso é o conhecimento de questão não aflorada naquelas, ainda que versada no corpo alegatório.
[…]”.
[9] Este Diploma regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional e transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril.
Aqui se transcrevem as disposições relevantes quanto à asserção sustentada no texto:
Artigo 2º
Definições
Para os efeitos da presente lei, entende-se por:
a) 'Cidadão da União' qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado membro;
b) 'Estado membro' qualquer Estado membro da União Europeia, com excepção de Portugal;
c) 'Estado membro de acolhimento' Portugal, enquanto Estado membro para onde se desloca o cidadão
da União a fim de aqui exercer o seu direito de livre circulação e residência;
d) 'Estado terceiro' qualquer Estado que não é membro da União Europeia;
e) 'Familiar':
i) O cônjuge de um cidadão da União;
ii) O parceiro com quem um cidadão da União vive em união de facto, constituída nos termos da lei, ou com quem o cidadão da União mantém uma relação permanente devidamente certificada, pela entidade competente do Estado membro onde reside;
iii) O descendente directo com menos de 21 anos de idade ou que esteja a cargo de um cidadão da União, assim como o do cônjuge ou do parceiro na acepção da subalínea anterior;
iv) O ascendente directo que esteja a cargo de um cidadão da União, assim como o do cônjuge ou do parceiro na acepção da subalínea ii);
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Artigo3º
Âmbito pessoal de aplicação
1-A presente lei aplica-se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam em Portugal, bem como aos seus familiares, na acepção da alínea e) do artigo anterior, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.
2-Sem prejuízo do direito pessoal de livre circulação e residência da pessoa em causa, é facilitada, nos termos da lei geral, a entrada e residência de qualquer outro familiar, independentemente da sua nacionalidade, não abrangido pela alínea e) do artigo anterior que, no país do qual provenha, esteja a cargo do cidadão da União que tem direito a residência a título principal ou que com este viva em comunhão de habitação, ou quando o cidadão da União tiver imperativamente de cuidar pessoalmente do membro da sua família por motivos de saúde graves.
3-A decisão relativa à entrada e residência das pessoas abrangidas pelo número anterior só pode ser tomada após análise de todas as circunstâncias pessoais relevantes, devendo ser fundamentada qualquer recusa de entrada ou de concessão de autorização de residência.
4-As disposições legais que se refiram aos cidadãos da União entendem-se como abrangendo os nacionais dos Estados partes no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu e os nacionais da Suíça.
5-As normas da presente lei aplicáveis a familiares são extensíveis aos familiares de cidadãos de nacionalidade portuguesa, independentemente da sua nacionalidade.

-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Artigo 7º
Direito de residência dos cidadãos da União europeia e dos seus familiares
1-Qualquer cidadão da União tem o direito de residir no território nacional por período superior a três meses desde que reúna uma das seguintes condições:
a) Exerça no território português uma actividade profissional subordinada ou independente;
b) Disponha de recursos suficientes para si próprio e para os seus familiares, bem como um seguro de saúde, desde que tal seja exigido no Estado membro da sua nacionalidade aos cidadãos portugueses;
c) Esteja inscrito num estabelecimento de ensino público ou privado, oficialmente reconhecido, desde que comprove, mediante declaração ou outro meio de prova à sua escolha, a posse de recursos financeiros suficientes para si próprio e para os seus familiares, bem como disponha de um seguro de saúde, desde que tal seja exigido no Estado membro da sua nacionalidade aos cidadãos portugueses;
d) Seja familiar que acompanhe ou se reúna a um cidadão da União abrangido pelas alíneas anteriores.
2-Têm igualmente o direito de residir no território nacional por período superior a três meses os familiares que não tenham a nacionalidade de um Estado membro que acompanhem ou se reúnam a um cidadão da União que preencha as condições a que se referem as alíneas a), b) ou c) do número anterior.
3-Para os efeitos da alínea a) do n.º 1, o cidadão da União que tiver deixado de exercer uma actividade profissional mantém o estatuto de trabalhador subordinado ou independente nos seguintes casos:
a) Quando tiver uma incapacidade temporária para o trabalho resultante de doença ou acidente;
b) Quando estiver em situação de desemprego involuntário devidamente registado e estiver inscrito no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., como candidato a um emprego;
c) Quando frequentar uma formação profissional, desde que exista uma relação entre a actividade profissional anterior e a formação em causa, salvo se o cidadão estiver em situação de desemprego involuntário.
Artigo 8º
Conservação do direito de residência dos familiares do cidadão da União
1-A morte ou partida do território nacional de um cidadão da União, bem como o divórcio, a anulação do casamento ou a cessação da união de facto, não implica a perda do direito de residência dos familiares, independentemente da sua nacionalidade.
2-Enquanto não adquirirem o direito de residência permanente, os familiares referidos no número anterior que tenham a nacionalidade de um Estado membro devem preencher as condições previstas nas alíneas a), b), c) ou d) do n.º 1 do artigo 7.º
3-Enquanto não adquirirem o direito de residência permanente, os familiares referidos no n.º 1 que tenham a nacionalidade de Estado terceiro conservam o seu direito de residência desde que reúnam uma das seguintes condições:
a) Exerçam uma actividade profissional subordinada ou independente;
b) Disponham, para si próprios e para os seus familiares, de recursos suficientes e de um seguro de saúde;
c) Sejam familiares de uma pessoa que preencha as condições referidas nas alíneas a) ou b), desde que a família tenha sido constituída no território nacional.

4-A partida do território nacional de um cidadão da União ou a sua morte não implica a perda do direito de residência dos seus filhos que residam em Portugal e estejam a frequentar um curso em estabelecimento de ensino, bem como da pessoa que tenha a sua guarda efectiva.
[10]Qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adoptadas em sua aplicação.”.
[11] Disponível em:
 http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:61999CJ0413&from=EN.
Sumário:
“[…]

1. Os filhos de um cidadão da União Europeia que se instalaram num Estado-Membro durante o exercício pelo seu progenitor do direito de residência como trabalhador migrante nesse Estado-Membro têm o direito de aí residir com vista a aí frequentarem cursos de ensino geral, nos termos do artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade. O facto de os progenitores se terem entretanto divorciado, de só um dos progenitores ser cidadão da União Europeia e de este progenitor ter deixado de ser trabalhador migrante no Estado-Membro de acolhimento ou ainda o facto de os filhos não serem eles próprios cidadãos da União Europeia é, a este respeito, irrelevante.

( cf. n.o 63, disp. 1 )

2. Quando os filhos beneficiam de um direito de residência num Estado-Membro de acolhimento a fim de nele frequentarem cursos de ensino geral em conformidade com o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade, esta disposição deve ser interpretada no sentido de que permite ao progenitor que tem efectivamente a guarda dos filhos, seja qual for a sua nacionalidade, residir com eles de modo a facilitar o exercício do referido direito, não obstante o facto de os pais se terem entretanto divorciado ou de o progenitor que tem a qualidade de cidadão da União Europeia já não ser trabalhador migrante no Estado-Membro de acolhimento.

( cf. n.o 75, disp. 2 )

3. Um cidadão da União Europeia que já não beneficia no Estado-Membro de acolhimento de um direito de residência como trabalhador migrante pode, na qualidade de cidadão da União Europeia, beneficiar nesse Estado de um direito de residência por aplicação directa do artigo 18.°, n.° 1, CE. O exercício desse direito está sujeito às limitações e condições referidas nesta disposição, mas as autoridades competentes e, eventualmente, os órgãos jurisdicionais nacionais devem providenciar para que a aplicação das referidas limitações e condições seja feita no respeito dos princípios gerais do direito comunitário, designadamente do princípio da proporcionalidade.

( cf. n.o 94, disp. 3 )
[…]”.
Tem interesse no caso concreto – funcionando até um argumento de maioria de razão, dado tratar-se o menor de cidadão da União – o considerando 75 do referido Acórdão:
“[…]

75 Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que, quando os filhos beneficiam de um direito de residência num Estado-Membro de acolhimento a fim de nele frequentarem cursos de ensino geral, em conformidade com o artigo 12.° do Regulamento n.° 1612/68, esta disposição deve ser interpretada no sentido de que permite ao progenitor que tem efectivamente a guarda dos filhos, seja qual for a sua nacionalidade, residir com eles de modo a facilitar o exercício do referido direito, não obstante o facto de os pais se terem entretanto divorciado ou de o progenitor que tem a qualidade de cidadão da União Europeia já não ser trabalhador migrante no Estado-Membro de acolhimento.
[…]” [v. sobre este Acórdão a anotação de Sofia Oliveira Pais, Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3ª ed., Coimbra, 2014, pp. 305/316].
[12] Trata-se de um excerto do sumário desse Acórdão, proferido no processo nº 1211/08.6TBAND-A.C1, registado na base do IGFEJ em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/58f31a9a7a80345980257b640032f8db.
[13] Chama-se a esta referenciação da competência internacional à competência territorial “dupla funcionalidade” ou “critério da coincidência” (v. José Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, vol 1º, 3ª ed., Coimbra, 2014, pp. 131/132).
[14] Curiosamente verificamos – e isto diz muito do verdadeiro propósito com que a Apelante suscita a presente questão de competência internacional –, lendo o que se transcreveu na nota 8 supra, que a afirmada incompetência internacional dos Tribunais portugueses é “transformada” pela Apelante em competência desta jurisdição (da portuguesa), quando se trata de bloquear decisões sobre o direito de visita do pai a adoptar por Tribunais brasileiros. Esta circunstância, que os autos documentam, ilustra bem a “geometria variável” dos argumentos processuais da Apelante: os Tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes quando o pai a eles recorre em Portugal; os Tribunais brasileiros são internacionalmente incompetentes quando o pai a eles recorre no Brasil…
[15] V. sobre o regime europeu nesta matéria, designadamente os respectivos antecedentes, Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, 2ª ed., Coimbra, 2012, pp. 231 e segs.
Utilizámos como fonte a seguinte localização do texto do Regulamento:
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2003:338:0001:0029:PT:PDF.
[16] Como referimos, no Acórdão desta Relação indicado na nota 14 supra, interpretando este encadeamento de normas do Regulamento 2201/2003:
“[…]
(1) é competente o Tribunal do Estado-Membro onde o menor resida habitualmente; (2) o Tribunal do Estado-Membro de uma anterior residência apenas seria competente para alterar uma decisão sobre direito de visita (não sobre a guarda do menor), nos três meses posteriores à deslocação; (3) só uma deslocação qualificável como ilícita tornaria competente a jurisdição do Estado-Membro da primitiva residência do menor.
[…]”.
[17]Uma fraude à lei no plano das regras de competência internacional consistirá numa manipulação de elementos de facto ou de Direito de que dependa o estabelecimento da competência internacional ou numa internacionalização fictícia de uma relação controvertida meramente interna.
O primeiro tipo de fraude verifica-se, por exemplo, quando o sujeito de uma relação transnacional desloca a sua residência para um Estado estrangeiro com o único fito de privar de competência internacional os tribunais portugueses.” (Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, Vol. III, cit., p. 51).

[18] Direito Internacional Privado, Vol. III, cit., p. 52.
[19] É relevante e sintomático recordar aqui que o Requerente/pai, como os autos documentam, residindo na Alemanha, arrendou casa em Portugal para efectivação do direito de visita ao filho. E importa igualmente frisar que não se tratou de uma escolha arbitrária de residência. Com efeito, foi para Portugal (para as Caldas da Rainha) que a Requerida se deslocou com o filho, na sequência da separação do Requerido com quem vivia na Alemanha, e foi em Portugal que a Requerida fixou a sua residência (na localidade em que vive a sua mãe). E foi o somatório de todos estes pressupostos de facto – criados pela própria Requerida, no que tange à fixação em Portugal – que conduziram às diversas incidências incluídas no acordo de regulação.
[20] Nestas cláusulas está implícito o carácter transitório das idas anuais ao Brasil.
[21] V., a contrario, o artigo 9º da Lei nº 61/2008.
[22] V. Helena Gomes de Melo, João Vasconcelos Raposo e outros, Poder Paternal e Responsabilidades Parentais, 2ª ed., Lisboa, 2010, p. 147.
[23] Interessam aqui, desde logo, os artigos 1º, 3º e 4º da Convenção:

Artigo 1º
A presente Convenção tem por objecto:
a) Assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente;
b) Fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante.
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Artigo 3º
A deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando:
a) Tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa ou a uma instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção; e

b) Este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
O direito de custódia referido na alínea a) pode designadamente resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado.
Artigo 4.º
A Convenção aplica-se a qualquer criança com residência habitual num Estado Contratante, imediatamente antes da violação do direito de custódia ou de visita. A aplicação da Convenção cessa quando a criança atingir a idade de 16 anos.
[24] Veja-se a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2010 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), proferido no processo nº 622/07.9TMBRG.G1.S1, disponível na base do IGFEJ, em:
http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8f6a939c85bcb0dd80257758003c477f.
(excerto do sumário)
“[…]
2. A ilicitude da deslocação ou da retenção é condição para que seja determinada a entrega imediata da criança.
3. Sendo ilícita, a entrega deve ser ordenada, salvo se ocorrerem as circunstâncias ponderosas que a Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de Outubro de 1980, aprovada pelo Decreto nº 22/83 de 11 de Maio e o referido Regulamento consideram aptas a fundamentar uma decisão de recusa.

[…]”.
[25] Depreende-se de fls. 249/263 que juntou esse relatório ao processo que na Justiça brasileira estabeleceu, entretanto, o exercício do direito de visita pelo pai no Brasil. E depreende-se igualmente que utilizou esse expediente, num quadro de uma espécie de “engenharia jurídica” num exercício de construção de argumentos para integrar o conceito de “risco grave” apontado no artigo 13º da Convenção da Haia, como forma de bloquear a efectivação de um regresso do menor no quadro dessa mesma Convenção.
[26] Queremos sublinhar com esta afirmação que se trata de um documento obtido e apresentado pela Requerida, cujo processo de elaboração só ela controlou, não estando em causa qualquer avaliação psicológica pericial séria e minimamente fiável, produzida ou controlada pela Justiça brasileira.
[27] V. também fls. 429/437.

[28] A título de exemplo, cfr. http://www.crprs.org.br/upload/legislacao/legislacao48.pdf. e o trabalho intitulado “A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DENÚNCIAS DE ABUSO SEXUAL” da autoria de Anderson da Silva Greff e Giovanni Kuckartz Pergher, disponível em:
 https://psicologia.faccat.br/moodle/pluginfile.php/197/course/section/98/anderson.pdf.
Sublinha-se (e muitos outros exemplos poderíamos aqui apresentar, comparando o texto apresentado e os textos “modelos”) a sintomática importação como conclusão do pretenso relatório da exacta “conclusão” indicada no site que mencionámos em primeiro lugar.
[29] “Solomonic Judgements: Against The Best Interests Of The Child”, in Solomonic Judgements. Studies in the Limitations of Rationality, Cambridge University Press, Cambridge, 1992, p. 137.
[30] “Solomonic Judgements…”, cit., pp. 153/154.
[31] Aqui realizámos, no quadro dos fundamentos do recurso, um controlo da decisão apelada com base nos elementos (nas provas) que são acessíveis a esta Relação. Não controlámos a prova testemunhal, sendo certo não ter sido esta registada. Sublinhamos, todavia, além da correcção que a valoração desta prova parece evidenciar no texto da decisão respeitante à fundamentação dos factos, a circunstância de não ter sido suscitada pela Requerida, atempadamente – e no julgamento a Requerida foi representada pelo seu Mandatário –, a questão da não gravação dos depoimentos, consolidando-se no processo essa incidência. Cfr., a este respeito, o Acórdão desta Relação proferida pelo ora relator, em 10/07/2014, no processo nº 64/13.7T6AVR-A.C1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/e6384b4cf80e42d480257d47003b2e7e.
Sumário:
“[…]

I – Conjugando os nºs 3 e 4 do artigo 155º do Novo CPC, pressuposta a “obrigação de gravar” decorrente do nº 1 do mesmo artigo 155º, resulta dever ser disponibilizada às partes (o que pressupõe um acto expresso da Secretaria com esse alcance) a gravação, “[…] no prazo de dois dias a contar do respectivo acto” (nº3), sendo que, omitido que seja esse acto de disponibilização (estamos a prefigurar a hipótese que aqui tem interesse prático), deve a parte interessada em recorrer assinalar formalmente essa incidência ao Tribunal de primeira instância (rectius, invocar a nulidade dessa não disponibilização), como forma de desencadear o acto pressuposto nesse nº 3 do artigo 155º (mesmo que esse acto corresponda ao assumir da falta de gravação) e, por essa via, criar a parte interessada o elemento processual que permite desencadear a invocação prevista no nº 4 do mesmo artigo 155º: “[a] falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada” (sublinha-se, e é sintomático, que a norma tanto se refere à deficiência como à falta de gravação).

II - Quando assim não ocorra, ou seja, quando a parte se limite, como aqui sucedeu, a recorrer no prazo de trinta dias depois de notificada da Sentença (para mais nada dizendo sobre a não gravação da audiência no Tribunal a quo), a questão da omissão ou da deficiência da gravação fica precludida como questão operante no processo, por esgotamento do prazo em que deveria ter sido suscitada.
[…]”.
Note-se que estava em causa nesta situação um processo de regulação das responsabilidades parentais, sendo entendimento deste Tribunal ter-se operado a substituição nesse âmbito, com a edição do Novo CPC, do artigo 158º, nº 1, alínea c) da OTM pelo artigo 155º, nº 1 do CPC, do qual decorre a obrigação de gravar a produção de prova testemunhal.
[32] Sobre a funcionalidade geral do estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória remetemos para a decisão sumária de 28/05/2013, proferida pelo ora relator no processo nº 1588/00.1TACBR-A.C1, disponível em:
http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/ad23d5686ab836de80257b7f0053224.
Do sumário desta decisão retiramos os seguintes excertos:
“[…]

I – A funcionalidade de uma sanção pecuniária compulsória […] esgota-se na motivação ou coacção do Executado, por via da ameaça de imposição de uma sanção, a prestar o facto objecto da execução.

II – Daí que não corresponda à fixação dessa sanção qualquer propósito indemnizatório referido ao atraso no cumprimento da prestação devida.
[…]”.