Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1509/11.6TBMGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Data do Acordão: 07/02/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 5º DO REGULAMENTO (CE) 44/2001 DO CONSELHO
Sumário: No âmbito de contrato de compra e venda, a obrigação relevante para a definição da competência internacional, face ao disposto no artigo 5º do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000, é a do local de entrega dos bens, irrelevando a do pagamento do preço.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) -D…, LDA.”, sociedade comercial por quotas, com sede social em …, intentou, em 09/09/2011, no Tribunal Judicial da Comarca da Marinha Grande, contra “SOCIETÉ J…, S.A.” pessoa colectiva de direito francês n.°…, com sede social em …, França, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, cujo articulado inicial terminou peticionando o que ora se transcreve:

«…deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência ser a ré condenada a pagar à autora a quantia de EUR 102.487,10 (cento e dois mil quatrocentos e oitenta e sete euros e dez cêntimos) sendo que EUR 95.591,00 (noventa e cinco mil quinhentos e noventa e um euros) corresponde ao valor do capital em dívida e EUR 6.896,10 (seis mil oitocentos e noventa e seis euros e dez cêntimos) ao valor dos juros de mora calculados às taxas comerciais sucessivas fixadas para os créditos mercantis desde a data de vencimento de cada uma das facturas e até à data de 15.09.2011, bem como ainda acrescida do pagamento dos juros de mora comercias que depois desta data se vencerem e até efectivo e integral pagamento, acrescido ainda do pagamento de custas judicias, custas de parte e demais legal.».

Alegou, em síntese, que:

- Dedicando-se à fabricação de moldes metálicos, no exercício dessa actividade e a pedido da mesma, fabricou e vendeu à ré, diversos moldes metálicos, nomeadamente, barre de faxaxion LR L538 v/ bom de commande n.° 5206, ecope et raccord M278W, v/ bom de comamande n.° 4909, ecope et raccord M278W moulage de 35 piéces, moule N.2 bague B81 hybride wec v/ bom de commande n.° 6047, moule vitres sdecc realization de 3 pavés em acier aubert et duvall x1376 v/ bom de commande n.° 6189, procedeu a modificações no molde barre de faxation LR L538 W, bem como assegurou o transporte dos moldes, entre outros, tudo nas datas, quantidades, qualidades, características, vencimento e preço que se mostram melhor descriminados nas seguintes facturas, notas de encomenda e conta corrente que juntou;

- Conforme condições comerciais estabelecidas entre autora e ré as facturas vencer-se-iam no prazo de 30 dias após a data da sua emissão e o respectivo preço seria pago por transferência bancária para a conta da autora sedeada em balcão no concelho de Marinha Grande;

- A Ré, por conta do preço, pagou as quantias que se indicam na p.i., mas, apesar diversas vezes instada a pagar o remanescente, que reconhece dever, o certo é que nada mais pagou, pelo que se mantém em dívida o valor de EUR 95.591,00 de capital, a que acrescem juros de mora nos termos que discrimina.

2) - A Ré, na contestação que ofereceu, veio, além do mais, arguir a excepção da incompetência internacional, sustentando que, à luz do artigo 5.1 do Regulamento Comunitário n°44/2001 de 22.12.200, cabia ao tribunais franceses, em exclusivo, dirimir o litígio em causa.

Para o efeito, alegou, em síntese:

- Não haver da parte dela, Ré, incumprimento das respectivas obrigações, verificando-se, antes, inadimplemento da Autora quanto à observância dos matizes técnicas dos moldes encomendados, pois que os moldes fabricados e facturados pela A, não respeitaram as características técnicas transmitidas aquando das respectivas encomendas, padecendo de vícios que impediam a realização do fim a que eram destinados;

- Decorrente da actuação culposa da A, tem vindo a deparar-se com problemas com a sua clientela (cliente final) que tem de solucionar, de imediato, o que tem vindo a fazer, com prejuízos que assumem valor bem superior ao reclamado pela Autora, pelo que inexiste qualquer crédito líquido e exigível desta A sobre a ela, ora Ré;

- Os moldes são feitos e vendidos pela A e adquiridos pela R, sendo a respectiva entrega feita na sede desta, em França.

- A obrigação que releva para efeitos do Regulamento Comunitário é aquela que se consuma na entrega dos moldes pela A. à Ré, pelo que sendo esta entrega concretizada na sede desta, deverá ser a Jurisdição Francesa aquela que se deve ocupar do escrutínio deste pleito.

Terminou pedindo a procedência da excepção dilatória da incompetência do tribunal ou, caso assim não se entendesse, a improcedência da acção com a sua absolvição do pedido.

3) - Replicando, a Autora, que sustentou estar-se perante contrato de compra e venda realizado entre duas sociedades comercias, alegou, em síntese, que estando em causa a obrigação da Ré a pagar o preço devido, a presente acção, em função do estabelecido no Regulamento invocado pela Ré e nos artºs 774.° do Código Civil, 1 do artigo 74.°, nº 1, e 65º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, bem assim como do acordado pelas partes quanto ao local onde deveria ser feito tal pagamento - conta da autora sedeada em balcão no concelho de Marinha Grande - poderia ser intentada nos Tribunais Portugueses e, mais concretamente, no Tribunal Judicial da Marinha Grande.

Pugnou pela improcedência da excepção e concluiu como na petição inicial.

4) -  A Mma. Juiz do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, em despacho de 02/01/2013, entendendo ser aplicável ao caso o disposto no 5.°, n.°1 a), do referido Regulamento, concluiu pela competência dos Tribunais franceses para o presente litígio e, assim, declarando o Tribunal Português internacionalmente incompetente (incompetência absoluta), absolveu a Ré da Instância.

B) - Inconformada com tal decisão, dela veio apelar a Autora, que, a findar a respectiva alegação recursiva, ofereceu as seguintes conclusões:

Terminou requerendo que seja revogada a sentença recorrida e, em sua substituição, seja proferido um Acórdão que julgue a excepção da incompetência internacional improcedente e que determine o normal e subsequente prosseguimento da instância.

A Apelada, na resposta que apresentou, requereu que fosse negado provimento ao recurso e, consequentemente, que fosse mantida a decisão recorrida.

II - Em face do disposto nos art.ºs 684º e 685-Aº, ambos do Código de Processo Civil (CPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

E a questão a resolver resume-se a saber se, o invés do entendido pelo Tribunal “a quo” é aos tribunais portugueses que compete a apreciação da matéria a que os presentes autos respeitam.

III - A)  - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os elencados em I “supra”.

B) - Estatui o art. 5.º, n.º1 do referido Regulamento que «Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação em questão será: no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues; no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados. c) se não se aplicar a al. b) será aplicável a al. a).».

Sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, a competência fixa-se no momento da instauração da causa, aferindo-se, segundo o entendimento expendido, entre outros autores, por Manuel de Andrade ("in" Noções Elementares de Processo Civil, I, reedição de 1979, pág. 91) e seguido em numerosos Acórdãos do STJ (v.g., Ac. do STJ, de 20/02/90, no BMJ n.º 394, pág. 453, Ac. do STJ, de 27/06/89, no BMJ n.º 388, pág. 464, e Ac. do STJ, de 06/06/78, no BMJ n.º 278, pág. 122), pelos termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos).

A incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, excepção dilatória que deve ser suscitada oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa, e que implica a absolvição do réu da instância ou, se detectada no despacho liminar, o indeferimento da petição (Cfr. art.ºs 102, nº 1, 105, nº 1, 288º, n.º 1 al. a), 493º, n.ºs 1 e 2, e 494º, al. a), todos do CPC).

De harmonia como o disposto no art.º 1207º do CC, contrato de empreitada é aquele pelo qual uma das partes se obriga, em relação à outra, a realizar certa obra, mediante um preço, consubstanciando, pois, um contrato sinalagmático, já que do mesmo dimanam obrigações recíprocas e interdependentes: para o empreiteiro, a de realizar a obra no tempo e modo convencionados; para o dono da obra, a obrigação de pagar o respectivo preço.

Por sua vez, o contrato de compra e venda, de acordo com o artº 874º do CC, é aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.

Enquanto que no contrato de compra e venda, “o fim principalmente visado pelo comprador é a aquisição de um direito sobre determinada coisa que, em princípio, já existe na esfera jurídica do vendedor”, no contrato de empreitada, “a obra a realizar é o fim primordialmente visado pelo dono da obra” e “o recebimento do preço é, por seu turno, o fim visado pelo empreiteiro.”[3].

Distinguindo-a da compra e venda de coisa móvel “quando o contraente que vende se obriga simultaneamente a construir a coisa”, José Manuel Vilalonga[4] afirma estarmos perante uma empreitada “…se o adquirente exigir uma particularidade que afasta a coisa das restantes do seu género, se o construtor se obrigar a realizar a coisa de certa forma, com especificidades impostas pelo adquirente, podendo este acompanhar o processo produtivo e confirmar no fim se a coisa produzida está em conformidade com o que foi inicialmente convencionado…”.

Ora, tendo em consideração o exposto e sendo, como já se disse, de harmonia com a relação material controvertida, tal como ela é apresentada pelo Autor na petição inicial, que se deve aferir da competência do tribunal, não há dúvida que os elementos fornecidos pela ora Apelante no seu articulado inicial e documentos que a acompanharam, não permitiam subsumir, o contrato que aí se invocou como causa de pedir, ao contrato de empreitada, mas antes ao contrato de compra e venda.

A autora, aliás, nos respectivos articulados, sempre tratou o contrato “sub judice” firmado com a Ré, como sendo um contrato de compra e venda, qualificação essa, aliás, que, com a especificidade “comercial”, expressamente lhe deu na réplica, onde, precisamente com base nessa qualificação, defende a caducidade da denúncia dos defeitos, por reclamação dos mesmos para além do prazo de garantia previsto no artigo 471.º do Código Comercial e a caducidade direito à acção.

Só agora, em sede de recurso, é que a Autora vem invocar a qualificação do contrato “sub judice” como um contrato de empreitada.

Ora, acertadamente, em função da qualificação jurídica do contrato, como contrato de compra e venda, que o desenho da lide feito pela Autora permitia atribuir àquele que fora firmado entre si e a Ré, escreveu-se no despacho recorrido:

«Importa desde logo sublinhar que para aferir do pressuposto processual da competência há que atender à relação jurídica nos termos que são configurados na petição inicial (cfr. neste sentido, precisamente num caso em que se discutia a competência internacional e a aplicabilidade ou inaplicabilidade do Regulamento (CE) n.° 44/2001 o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 04.03.2010, P. 2425/07.1TBVCD.P1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt ).

Cumpre ainda dar como assente que a decisão a tomar não poderá deixar de estar iluminada pelo farol do princípio do primado do Direito comunitário, ou, o mesmo é dizer, que o Regulamento (CE) n.° 44/2001 de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, e que é directamente aplicável na Ordem Jurídica Portuguesa (cfr. art. 249.° do Tratado da Comunidade Europeia), se sobrepõe às normas do Código de Processo Civil designadamente aos arts. 65.° e 65.°-A do C.P.C. ( cfr. art. 8.°, n.°3 da Constituição da República Portuguesa).

Delimitadas as premissas, vejamos o caso concreto.

Nos termos configurados pela sociedade Autora na petição inicial, estamos perante um litígio relativo à aferição da eventual responsabilidade contratual da Ré havendo que apurar se a Ré deve ou não à Autora as quantias peticionadas em virtude do eventual incumprimento do pagamento do preço dos moldes fabricados e vendidos por esta à Ré.

Está pois em causa a obrigação do pagamento do preço pela Ré.

Ora a matéria a discutir nos autos tem natureza civil (responsabilidade civil contratual pelo que se enquadra no âmbito de aplicação material do regulamento - art. 1.°, n°s 1 e 2 do mesmo.

Por outro lado está em causa uma sociedade comercial com sede em Portugal como Autora e uma sociedade comercial com sede em França como Ré, pelo que sendo ambos Estados-membros da União Europeia pelo que está igualmente verificado o âmbito de aplicabilidade subjectivo do mesmo Regulamento (art. 1.°, n.°3 e art. 3.°, n.°1).

Acresce que a acção teve início com a entrada em juízo da petição inicial em 09.09.2011, pelo que se enquadra no âmbito temporal de aplicabilidade do Regulamento (arts 66.° e 78.° do mesmo).

Posto que se aplica o Regulamento ao caso dos autos há que considerar que a regra geral é a de que as pessoas (singulares ou colectivas) domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado - artigo 2. °, n° 1. Assim, no caso dos autos, pela regra geral, seria competente o Tribunal Francês.

Porém, conforme e resulta do art. 3. °, n° 1, do Regulamento estão previstas, nas secções 2 a 7 do Capítulo II, outras regras de atribuição de competência. O art. 24.° do Regulamento prevê ainda uma prorrogação ou extensão tácita da competência jurisdicional, preceituando que "Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal. com competência exclusiva por força do artigo 22. °."

Ora, uma dessas regras ressalvadas no art. 3.°, n.°1 do Regulamento é a do art. 5.° do mesmo - aqui pertinente por respeitar aos litígios relativos à responsabilidade civil contratual - .

Estatui o art. 5.°, n.°1 do referido Regulamento que "Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar do cumprimento da obrigação em questão será: no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues; no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados. c) se não se aplicar a al. b) será aplicável a al. a)."

Face a tal norma, e no caso dos autos, é assim de considerar que, estando-se perante uma compra e venda/fornecimento de moldes, e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço determina-se pelo lugar onde os bens foram ou deviam ser entregues.

Ou seja, no silêncio do contrato, é de considerar como lugar de pagamento do preço o lugar de entrega dos bens (estando-se assim perante regra especial face à legislação portuguesa que, no silêncio, nos reconduz ao critério do art. 774.° do C.C.).

Ora, nos termos delimitados pela Autora, das facturas dadas como reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos consta a referência "transporte: camion", bem como alega a Autora que o transporte (para a Ré cuja morada consta das facturas e é a supra referida) era por si realizado (art. 2.° da petição inicial).

Ou seja, o lugar da entrega dos bens era de facto em França, pelo que o Tribunal competente seria o Tribunal Francês.

Assim só não será caso exista convenção em contrário nos termos do mesmo art. 5.°.

Neste ponto, há aqui que referir que no artigo 11.° da sua petição inicial a Autora alega que "conforme condições estabelecidas entre Autora e Ré o respectivo preço seria pago por transferência bancária para a conta da Autora sedeada em balcão do concelho da Marinha Grande."

Contudo, a expressão "salvo convenção em contrário" constante do art.5° do Regulamento é relativa a pactos atributivos de jurisdição, ou seja, ao art. 23.° do Regulamento e não a outra convenção sobre o lugar de pagamento de preço (sendo que de qualquer modo estávamos perante uma transferência bancária a realizar em França com destino a uma conta em Portugal).

Assim o "lugar do cumprimento da obrigação" é o local efectivo da entrega dos bens, sendo a jurisdição desse local (país Estado-Membro) a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço. (Cfr. neste sentido também o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 11.5.2006, in www.dgsi.ptProc. 06B756, de que for Relator o Ex.mo Conselheiro Bettencourt Faria, citando aí o entendimento do Ex.mo Conselheiro Neves Ribeiro) Na Doutrina cfr. igualmente Lima Pinheiro, in "Direito Internacional Privado" vol. III, págs. 83 e 84 defende, se bem interpretamos, que, no que respeita aos contratos de compra e venda e prestação de serviços, o Regulamento acolheu um definição "autónoma" de lugar do cumprimento das obrigações emergentes daqueles contratos, dando ênfase, no caso de venda de bens, ao lugar do cumprimento da obrigação de entrega, irrelevando o lugar do pagamento do preço, apesar do pedido se fundamentar no incumprimento dessa obrigação. (apud Ac do S.T.J. de 23.10.2007, P. 07a3119, disponível na mesma base de dados já citada).».

A apelante, para refutar este entendimento seguido pelo Tribunal “a quo”, que se nos afigura inteiramente correcto, diz que a obrigação a que se deve atender, não é a da entrega da coisa vendida, irrelevando, por consequência, o lugar que foi acordado como o dessa entrega - que não há dúvidas ter sido em França - mas antes o lugar do pagamento do preço, que, defende, foi o da Marinha Grande, pois que, de harmonia com o estipulado pelos contratantes, o preço seria pago “por transferência bancária para a conta da Autora sedeada em balcão do concelho da Marinha Grande”.

Mas, em boa verdade, irreleva, por completo, qual seja o lugar do cumprimento da obrigação do pagamento do preço, pois, como se salientou na sentença, não é essa a obrigação que serve de aferição, para efeito da determinação da competência prescrita no artº 5º, nº 1, alínea a), do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000.

Lembre-se que as normas respeitantes à competência judiciária integrantes do referido Regulamento têm prevalência sobre as de idêntica natureza constantes do artigo 65º do Código de Processo Civil (cfr. artigos 3º, nº 2, do Regulamento e 8º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa).

Ora, como já foi notado, a al. b) do n.º 1 do aludido art. 5.º esclarece que, salvo convenção em contrário, no caso de venda de bens, o lugar do cumprimento é o do Estado-membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.

Assim, de acordo com o que se considera a análise correcta da norma, expressa no entendimento que dela se fez no Acórdão do STJ, de 03/03/2005, (Agravo nº 05B316), tal al. b) do n.º 1 do art. 5.º, do referido Regulamento (CE) 44/2001, não se cinge às questões conexas com a obrigação de entrega dos bens, antes abrangendo “…qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato.”.[5]

Ora, no caso “sub judice”, resulta da petição e dos documentos que a acompanham (fls. 13 a 37), sendo isso reforçado nos restantes articulados, que, nos termos do contrato, os bens em causa deveria ser entregues - como o foram - na sede da Ré, em França.

Resultando, pois, do mencionado Regulamento – que, como se disse, prevalece sobre o preceituado no artº 65.º do CPC -, que a obrigação que assume relevância para efeito de determinação da competência internacional, no confronto entre os dos tribunais portugueses e os tribunais franceses, é a de entrega do objecto mediato do contrato de compra e venda celebrado entre a autora e a ré, e que era em França, onde se situa a sede desta última, o lugar onde os objectos vendidos deviam ser entregues - como, aliás, sucedeu -, são os tribunais franceses os internacionalmente competentes para conhecer da acção em causa, procedendo, assim, a arguida excepção da incompetência internacional do tribunal.

Do que acima ficou dito afigura-se ser de sumariar o seguinte:

«No âmbito de contrato de compra e venda, a obrigação relevante para a definição da competência internacional, face ao disposto no artigo 5º do Regulamento (CE) 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000, é a do local de entrega dos bens, irrelevando a do pagamento do preço.».

IV - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.


 (Luís José Falcão de Magalhães - Relator)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Ataíde Rosa Antunes)



[1] Código este a considerar na versão que resultou da redacção introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20/11.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como todos os Acórdãos do STJ, ou os respectivos sumários, que adiante forem citados sem referência de publicação.
[3] José Manuel Vilalonga “in” “ Compra e venda e empreitada - contributo para a distinção entre os dois contratos”, R.O.A., 1997, Ano 57, vol. I, págs. 189 e 190.
[4] Obra citada, págs. 204 e 205.
[5] Cfr. tb., Acórdão do STJ, de 21/02/2008 (Agravo n.º 4714/07 - 2.ª Secção), sumariado em “http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/sumarios-civel-2008.pdf” e Acórdão da Relação de Guimarães, de 22/01/2013 (Apelação nº 2313/11.7TBFLG.G1), com sumário consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase”.