Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1713/12.0TALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 145.º, N.º 6, DO CPC; ART. 139.º NCPC, E ART. L07.º-A DO CPP
Sumário: 1 - O justo impedimento constitui uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um ato pelo decurso de um prazo perentório.

2 - O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo perentório estabelecido na lei para a prática do ato processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do artº 145º do Cód. Proc. Civil (139º NCPC).

3 - Para que ocorra justo impedimento é necessário que, em consequência do obstáculo, o ato não possa ser praticado por mandatário. Tratando-se de não pagamento de uma multa, não tempestivamente paga, teria de alegar-se e provar-se que não pudera ser feita por outro advogado.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 4ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

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No processo supra identificado em que é arguido A..., veio este, no dia 28 de Fevereiro de 2013, apresentar requerimento de abertura de instrução.

Por lapso tal acto processual foi praticado no terceiro dia, fora de prazo, sem que haja sido pago a respectiva multa, pelo que foi liquidada pela secretaria judicial multa, pagável até ao dia 4 de Julho de 2013.

Essa multa não foi paga, naquele prazo, e a mandatária do ora recorrente, veio invocar o justo impedimento para efectuar o pagamento da mesma, mas já depois do prazo legal (fls 580/581)

Na sequência de tal, foi proferido o despacho, cuja cópia se encontra a fls. 594/595, no qual se decidiu “Da prova reunida nos presentes autos verifica-se que apenas se comprova a impossibilidade de se ausentar da residência mas não          de substabelecer ou encarregar outrem de praticar o acto.

Pelo exposto, e em conformidade não sendo possível convalidar o acto processual, requerimento de abertura de instrução, praticado fora de prazo rejeito o pedido de abertura de instrução por extemporâneo.”

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Inconformado com decidido, recorreu o arguido, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. - No dia 28 de Fevereiro de 2013 apresentou requerimento nos presentes autos de abertura de instrução.

2. - Por lapso o acto processual foi praticado no terceiro dia, fora de prazo, sem que haja sido pago a respectiva multa.

3. - Foi liquidada pela secretaria judicial multa, pagável até ao dia 4 de Julho de 2013.

4. - A multa seria paga pela mandatária do ora recorrente, por ser responsável na entrega fora do prazo da peça processual.

5. - Os dias que antecederam a 4 de Julho de 2013, a Mandatária do ora recorrente, esteve impossibilitada de se ausentar do seu domicílio por dois dias, devido a virose.

6. - O surgimento da doença foi um acontecimento imprevisível, súbito e que impossibilitou de substabelecer a prática de tal acto.

7. - A Mandatária não partilha escritório com outros advogados, sendo que, tratava-se de um acto de pagamento, que poderia não estar na disponibilidade de outros colegas de profissão.

8. - Nos termos do art. 140.° do C.P.C. (actual redacção) a parte, invocando o justo impedimento, deve praticar o acto logo que cesse o justo impedimento.

9. - Cessado o impedimento justificado, no dia 5 de Julho de 2013, a mandatária do recorrente entregou requerimento a fls.

10. - Nesse dia juntou depósito autónomo no montante da multa e arrolou uma testemunha

11. - Juntou atestado médico.

12. - No douto despacho sob recurso o Meritíssimo Juiz a quo face à prova documental junta, atestado médico, considerou não ser necessário a inquirição da testemunha arrolada, no entender da requerente essencial e complementar.

13. - Posteriormente veio a considerar o atestado médico como insuficiência de prova.

14.- Contudo não assistindo razão ao recorrente, atento ao apoio judiciário que beneficia, deveria o Meritíssimo Juiz a quo ordenado o desentranhamento do documento comprovativo do depósito autónomo e a sua devolução.

15. - O Despacho sob recurso violou assim por erro de interpretação o artigo 140.° do Código Processo Civil.

Termos em que, deve ser julgado procedente por provado o presente Recurso, e em consequência ser revogada e substituído o despacho recorrido, convalidado o acto processual, requerimento de abertura de instrução, como é de esperada

JUSTiÇA”

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Na sua resposta, a denunciada sustenta (fls. 622/624) que deve ser negado provimento ao recurso interposto, formulando as seguintes conclusões:

“1°.     O ato de abertura de instrução foi praticado de forma extemporânea, em 28 de fevereiro de 2013, quando o correspondente prazo legal terminava no dia 25 de fevereiro.

2°.       Embora a lei permita que, ultrapassado o prazo legalmente determinado, se possam praticar o atos no terceiro dia útil seguinte, tal possibilidade pressupõe o pagamento da respetiva multa.

3°.       Todavia, tal não sucedeu no caso em apreço, ao invés do que determina o artigo 107°-A do CPP e artigo 146° n.06 do CPC, uma vez que a multa em causa seria pagável até 04 de Julho, mas apenas o foi em 5 de Julho, tendo a ilustre advogada invocado justo impedimento por motivo de doença.

4°.       Conforme bem decidiu o Tribunal a quo, e em consonância com a pronúncia do distinto magistrado do Ministério Público, não se verificou o invocado justo impedimento.

5°.       Aliás, o mesmo só era suscetível de ser invocado antes de decorrido o prazo peremtório para prática do ato processual.

6°.       Logo, e por maioria de razão, não podia o mesmo ser invocado relativamente ao pagamento da multa, conforme se enuncia no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/11/2008, referenciado no despacho recorrido.

7°.       Por outro lado, considera o Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 01/06/2011, que constituem justo impedimento as doenças dos mandatários que sejam absolutamente impeditivas da prática do ato e que tenham sobrevindo de surpresa.

8°.       Neste sentido, também o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19/03/2013, o qual acrescenta que tal impedimento não pode ser imputável à parte ou ao mandatário, devendo tratar-se de doença que, não só impeça em absoluto a prática do ato como de avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.

9°.       Ora, no caso dos autos, de acordo com o concluído no despacho recorrido, "apenas se comprova a impossibilidade de se ausentar da residência mas não de substabelecer ou encarregar outrem de praticar o ato".

10°. De facto, o ato em causa - pagamento de multa - nem sequer constitui um ato a praticar exclusivamente pela patrona do denunciante.

11°. Ademais, o prazo estabelecido no n.º5 e n.º6 do artigo 145.° do CPC (então em vigor) já constituiu uma última oportunidade para a prática do ato, após o decurso do prazo legal, pelo que não se afigura verosímil que tal se coadune com sucessivas condescendências, como seja o pagamento extemporâneo da multa em apreço.

12°. Destarte, só a procedência do justo impedimento seria suscetível de convalidar o ato praticado após o decurso do prazo extinto.

13°. Inexistindo justo impedimento o ato é extemporâneo, pelo que outra não podia ser a decisão do tribunal a quo senão rejeitar a Abertura de instrução requerida, tendo o mesmo feito uma correta interpretação e aplicação da lei, particularmente do disposto no artigo 140.° do CPC, cuja violação invoca o recorrente.

Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Exas. Doutamente suprirão, deverá o Despacho ora em crise manter-se, e o pedido de Abertura de Instrução ser rejeitado, por extemporâneo assim se fazendo a já costumada

JUSTIÇA!”

                                               ***

Por sua vez, o Ministério Público sua resposta sustenta (fls. 628/636) que deve ser negado provimento ao recurso interposto, devendo manter-se o despacho recorrido, formulando as seguintes conclusões:

“I. O recorrente inconformado com a Douta decisão do Mmo. Juiz de Instrução Criminal que rejeitou o pedido de abertura de instrução, por extemporâneo, veio da mesma interpor recurso.

II. Nos termos do disposto no art.º 287.°, nº 1 do Código de Processo Penal a abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, faculdade só concedida ao assistente ou ao arguido.

III. Atento aquele prazo, nos presentes autos, importaria que o arguido, querendo, apresentasse requerimento de abertura de instrução até ao dia 25.02.2013.

IV. O arguido apresentou requerimento de abertura de instrução no dia 28.02.2013.

V. O prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução a contar da notificação da acusação ou do arquivamento é um prazo peremptório pelo que o decurso do mesmo face à inacção do arguido ou assistente conduz à sua extinção.

VI. Dado que o arguido apenas requereu a abertura de instrução no dia 28.02.2013 (sendo o prazo de 20 dias até ao dia 25.02.2013) tal direito mostrava-se extinto.

VII.     Não ocorreu qualquer evento não imputável à parte (nem aos seus representantes ou mandatários) que obstasse à prática atempada do acto de requerer a abertura de instrução, alegada pelo arguido (oferecendo prova e exercido o contraditório) donde o Mmo. Juiz de Instrução Criminal pudesse admitir a sua prática (por natureza extemporânea).

VIII.    O arguido praticou o acto no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo devendo, nos termos do n.º5 al. c) do art.º 139.° do Código de Processo Civil, efectuar o pagamento de multa fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de 7 UC.

IX. Foi emitida multa, pela prática de acto no terceiro dia útil subsequente ao prazo da sua prática atempada pagável até 04.07.2013.

X. Aquela multa foi paga no dia 05.07.2013 pelas 15h40m.

XI. O instituto do justo impedimento não visa a permissão da prática - fora do prazo legal - do pagamento da multa prevista no art." 139.°, n.º 5 do Código de Processo Civil mas a prática fora do prazo legal do acto jurídico, in casu, de requerer a abertura de instrução.

XII.      Como Mui Doutamente se decidiu no Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1627/04.7TBFIG-A.C1 de 06.03.2013, cujo sumário se transcreve por com o mesmo concordar na íntegra:

“O justo impedimento configura uma excepção à regra de que o decurso do prazo peremptório opera a extinção do direito de praticar o acto, regra consagrada no n. o 3 do art. o 145 do C. P. Civil.

Da leitura sistemática deste preceito resulta que, tendo decorrido o prazo de que a parte dispunha para praticar o acto, o direito de o praticar não se extingue caso tenha ocorrido no seu decurso uma situação de justo impedimento ou, uma vez já decorrido aquele prazo, o vier a praticar num dos 3 dias seguintes ao seu termo, ficando, neste último caso, a sua validade dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece.

A faculdade de praticar o acto depois de expirado o prazo peremptório, nos termos previstos  no art. o 145º n.º 5 do C. P. Civil, foi consagrada em termos inovadores, inicialmente pelo DL 323/70, de 11.7, mantendo-se desde aí apenas com alterações quanto ao montante das multas.

O justo impedimento e o prazo suplementar de 3 dias são dois recursos processuais autónomos e independentes, com fundamentos distintos. que permitem à parte praticar o acto para além do prazo peremptório legalmente estabelecido, não podendo ser utilizados cumulativamente, uma vez que, conforme resulta da própria redacção do artigo 145º nº 5 do C. P. Civil, o prazo suplementar de 3 dias já é um período excepcional que decorre para além do prazo para praticar o acto, e é apenas durante este prazo que uma situação de justo impedimento deve ainda permitir o seu cumprimento imediatamente a ela cessar ".

XIII. Tendo praticado o acto em 28.02.2013, sem que até ao dia 25.02.2013 tenha invocado o justo impedimento apenas restaria ao arguido praticá-lo num dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao seu termo, ficando, neste último caso, a sua validade dependente do cumprimento das sanções pecuniárias que a lei estabelece.

            XIV. O arguido procedeu ao pagamento daquela multa no dia seguinte ao seu término.

            XV. Como se decidiu no Mui Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n." 08B2372 de 27.11.2008:

"O justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n. o 5 do art. o 145. o do Cód Proc. Civil. "

XVI. Entendemos assim que o Tribunal a quo bem decidiu quando rejeitou o pedido de abertura de instrução, por extemporaneidade da sua apresentação.

XVII.   Concluindo, dir-se-á, que se nos afigura que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida, que não viola nem posterga qualquer princípio ou norma jurídica, nomeadamente as invocadas pelo recorrente.

Aguardamos a decisão de V. Exas. que é, decerto, a mais Justa!”

****

Nesta instância, o Exmº Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.

Foram colhidos os vistos legais.

***

Cumpre decidir.

Vejamos o despacho recorrido (por transcrição):

“ ……………… Despacho

*

Por despacho já transitado em julgado de fls. 564, foi considerado que o requerimento de abertura de instrução deveria ter sido apresentado no prazo até ao dia 25 de Fevereiro e veio a ser apresentado por correio electrónico no dia 28 de Fevereiro pelas 22 h 59 m.

O acto processual foi praticado no terceiro dia fora de prazo sem ter sido paga a respectiva multa a que aludem as disposições conjugadas dos art.ºs 107-A do CPP e n.º 6 do art.º 145º do CPC

Foi liquidada multa, em conformidade, a fls. 566 pagável até 4-07-2013. Porém a multa só foi paga em 5-07-2013 pelas 15 h 40 m - cfr. fls. 572

A ilustre advogada veio alegar a fls. 571, via fax datado de 5-07-2013, que não pode pagar a multa no prazo legal em face de se encontrar impossibilitada de sair de casa por motivo de doença, por ter contraído uma virose conforme comprovativo que protestou juntar

Indicou a testemunha identificada a fls. 571.

Em 9-07-2013 veio a juntar o atestado médico de fls. 578, onde consta que a requerente esteve doente com impossibilidade de se ausentar do seu domicílio por dois dias, datado de 3 de Julho de 2013.

O DM do MP pronunciou-se a fls. 585ss e a requerida denunciada, a fls. 589 com a oposição considerando não provado o justo impedimento com os fundamentos que aqui dou por reproduzidos;

Cumpre apreciar e decidir.

Desde logo cumpre referir que o justo impedimento só pode ser invocado quando ainda não tenha decorrido o prazo peremptório e nunca no prazo adicional de três dias - cfr. Acórdão do STJ de 27-11-2008 relatado pelo Exmº Juiz Conselheiro Drº Santos Bernardino: «o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na Lei para a prática do acto processual., não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis" estabelecido no n.º 5 do art. 145º do Cód. Proc. Civil.».

E claro está, muito menos pode ser invocado o justo impedimento para pagamento da multa do n.º 6 do art.º 145º do CPC aplicável ex vi do art.º l07-A do CPP

Porém, em todo o caso cumpre referir que, em face da prova documental junta de atestado médico não se afigura necessária a inquirição da testemunha arrolada.

Concordando-se com o teor dos doutos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de l-6-20ll relatado pelo Exmº Juiz desembargador Dr. Costa e Silva

«As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento.»

E do Tribunal da Relação de Évora de 19-3-2e13 relatado pelo Exmº Juiz desembargador Drº Proença da Costa:

1- No conceito de justo impedimento deve integrar-se todo o evento que obste à prática atempada de acto jurisdicional que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários.

2 - O núcleo do conceito de justo impedimento passa da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário.

3 - Como se vem entendendo a doença de advogado só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite em absoluto de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.

Da prova reunida nos presentes autos verifica-se que apenas se comprova a impossibilidade de se ausentar da residência mas não de substabelecer ou encarregar outrem de praticar o acto.

Pelo exposto, e em conformidade não sendo possível convalidar o acto processual, requerimento de abertura de instrução, praticado fora de prazo rejeito o pedido de abertura de instrução por extemporâneo.

Registe e Notifique.

Após trânsito, arquive-se”                 

                                                                      ***

Apreciando.

O Direito.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, (Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Assim sendo, temos como 

Questão a decidir: 

Apreciar se deveria ter sido considerado verificado o alegado justo impedimento e, consequentemente, ter sido considerada paga atempadamente a multa e admitido o requerimento de abertura da instrução ou se deve ser mantida a decisão recorrida.

                                                           ***

Vejamos então.

Nos termos do disposto no artigo 107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade judiciária, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.

 O justo impedimento constitui uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório. O prazo para praticar um acto judicial tem natureza peremptória e o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, nos termos do n.º 3 do artigo 145.º, do Código de Processo Civil. “O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.”

No caso dos autos, temos que:

- O arguido, querendo, tinha de apresentar requerimento de abertura de instrução até ao dia 25.02.2013.

- O arguido apresentou requerimento de abertura de instrução no dia 28.02.2013.

- O prazo de 20 dias para requerer a abertura de instrução a contar da notificação da acusação ou do arquivamento é um prazo peremptório pelo que o decurso do mesmo face à inacção do arguido ou assistente conduz à sua extinção.

- Dado que o arguido apenas requereu a abertura de instrução no dia 28.02.2013 (sendo o prazo de 20 dias até ao dia 25.02.2013) tal direito mostrava-se extinto.

- Não foi alegado pelo arguido a ocorrência de qualquer evento não imputável à parte (nem aos seus representantes ou mandatários) que obstasse à prática atempada do acto de requerer a abertura de instrução, donde o Mmo. Juiz de Instrução Criminal pudesse admitir a sua prática (por natureza extemporânea).

- O arguido praticou o acto no terceiro dia útil subsequente ao termo do prazo devendo, nos termos do n.º5 al. c) do art.º 139.° do novo Código de Processo Civil, efectuar o pagamento de multa fixada em 40 % da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto, com o limite máximo de 7 UC.

- Por isso, foi emitida multa, pela prática de acto no terceiro dia útil subsequente ao prazo da sua prática atempada pagável até 04.07.2013.

- Aquela multa foi paga apenas no dia 05.07.2013 pelas 15h40m.

Como já referimos é o artº 145º do CPC (então em vigor e artº 139º do novo CPC), que regulamenta o instituto do justo impedimento, aí se estipulando:

“1. O prazo é dilatório ou peremptório.

2. O prazo dilatório difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de um outro prazo.

3. O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto.

4. O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.

5. Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento, até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC.

6. (...)

7.

 (...)”

Resulta, assim, do n.º 3 do preceito transcrito que é prazo peremptório o estabelecido para a prática de um acto processual que, uma vez ele decorrido, deixa de poder ser praticado. Deixando a parte decorrer o prazo peremptório de que legalmente disponha, extingue-se o direito de o praticar: é este o princípio geral, emergente do citado n.º 3.

A este regime preclusivo que decorre do decurso de prazo peremptório estabelece a lei duas excepções.

A primeira: a parte pode praticar o acto fora do prazo, havendo justo impedimento (entenda-se, de o praticar dentro do prazo).

A segunda: independentemente do justo impedimento, a parte pode praticar o acto fora do prazo desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei.

A regra é ser peremptório o prazo processual relativo a acto a praticar pela parte – como a apresentação do requerimento para abertura de instrução.

A possibilidade, conferida pelo n.º 5 do art. 145º, de o acto processual, sujeito a prazo peremptório, ser praticado, mediante pagamento de multa, nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, independentemente da existência de justo impedimento, é uma inovação introduzida na lei processual pelo Dec-lei 323/70, de 11 de Julho, embora em termos menos permissivos do que os actualmente previstos.

Como explica o Prof. ANTUNES VARELA (na Rev. Leg. Jur., ano 116º, págs. 31/32.2), a inovação aportada pelo Dec-lei 323/70, teve por base “o reconhecimento de uma velha pecha da nossa maneira colectiva de agir, a que não se mostram imunes os procuradores mais qualificados de negócios alheios, que são os mandatários judiciais” – o hábito condenável de guardar para a última hora todo o acto que tem um prazo para ser validamente praticado – visando, assim, fundamentalmente, prevenir o possível descuido, esquecimento ou negligência do interessado e evitar que a omissão de uma simples formalidade processual possa conduzir à perda definitiva de um direito material.

Por isso mesmo, para que a faculdade concedida não representasse um prémio ou um “bónus” para a parte processual negligente, fez-se depender a validade do acto do pagamento imediato de uma multa, que assume, assim, o carácter de sanção para um comportamento processual presumivelmente menos diligente ou negligente.

Para fundamentar tal interpretação basta repararmos que o legislador estabeleceu multas gradativamente mais pesadas, conforme o acto for praticado no 1º, no 2º ou no 3º dia posterior ao termo do prazo: ou seja, para sancionar graus de negligência sucessivamente mais intensos, multas correspondentemente mais pesadas.

Por isso entendemos que seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo peremptório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que devia ter observado, presumindo-se que o não observou por negligência.

Neste mesmo sentido se tem pronunciado o STJ, que no acórdão de 04.05.2006 (Acórdão proferido nos autos de Recurso Penal n.º 2786/05, da 5ª Secção), defende que protelando a prática do acto para os três dias seguintes ao termo do prazo, sem que haja qualquer impedimento à sua prática em tempo (i.e., dentro do prazo), a parte perde a salvaguarda do justo impedimento, pois que este só vale para o «impedimento» surgido no decurso do prazo peremptório. A parte não pode «acumular» o justo impedimento com o alternativo prazo suplementar de condescendência (este já «independente do justo impedimento»).

Em suma – lê-se no aludido aresto – “o «justo impedimento» não vale para o prazo de complacência (dele «independente») condescendido residualmente pelo art. 145º/5 do CPC”.

“Esse prazo residual, concedendo uma última oportunidade para a prática do acto e constituindo já de si uma «condescendência», não poderá contar – sob pena de descaracterização dos prazos peremptórios e da finalidade da sua peremptoriedade (maxime, a celeridade da marcha processual) – com o amparo concedido ao prazo peremptório pelo instituto do «justo impedimento».”

Ainda no mesmo sentido constatamos que no Ac. do S. T. J, de 27.11.2008 (Relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino e acessível em www.dgsi.pt.), se defende que seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo peremptório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que devia ter observado, presumindo-se que o não observou por negligência.

Ou seja a prática do acto para os três dias seguintes ao termo do prazo, sem que haja qualquer impedimento à sua prática em tempo (i.e., dentro do prazo), a parte perde a salvaguarda do justo impedimento, pois que este só vale para o «impedimento» surgido no decurso do prazo peremptório. 

O justo impedimento e o prazo suplementar de 3 dias são dois recursos processuais autónomos e independentes, com fundamentos distintos, que permitem à parte praticar o acto para além do prazo peremptório legalmente estabelecido, não podendo ser utilizados cumulativamente, uma vez que, conforme resulta da própria redacção do artigo 145º, n.º 5 do C. P. Civil (hoje artº 139º, nº 5), o prazo suplementar de 3 dias já é um período excepcional que decorre para além do prazo para praticar o acto, e é apenas durante este prazo que uma situação de justo impedimento deve ainda permitir o seu cumprimento imediatamente a ela cessar.

Diremos, por isso, que o «justo impedimento» não vale para o prazo de complacência (dele «independente») condescendido residualmente pelo art. 145º/5 do CPC (139º.nº5 do Novo CPC).

Em conclusão, o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis, estabelecido no n.º 5 do artº 145º do Cód. Proc. Civil (139º NCPC). (neste sentido vidé ainda Ac do TRE, de 19/03/2013, Processo: 1323/11.9TBSLV.E1, Relator: PROENÇA DA COSTA; Ac. do TRG, de 01/02/2010, Processo: 21/06.0GAFLG.G1, Relator: CRUZ BUCHO; Ac. do TRC de 06-03-21012, Processo: 1627/04.7TBFIG-A.C1, Relator: SÍLVIA PIRES, todo in www.dgsi.pt

Assim, voltando ao caso concreto, bem andou o tribunal “a quo”, pois que, decorrido que estava o prazo para a apresentação do requerimento de abertura da instrução, não pode a Recorrente valer-se de facto impeditivo ocorrido posteriormente, ainda que dentro dos 3 dias úteis subsequentes, para poder praticar o acto em causa.

A tudo isto acrescentaremos ainda que para que ocorra justo impedimento é necessário que, em consequência do obstáculo, o acto não possa ser praticado por mandatário. Tratando-se de não pagamento de uma multa, não tempestivamente paga, teria de alegar-se e provar-se que não pudera ser feita por outro advogado.

Assim, não se verificará justo impedimento se, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, houver possibilidades, usando a diligência normal, de o acto ser praticado pela parte ou pelo mandatário. O mesmo é dizer, se puder ser praticado por outro advogado, no qual possa substabelecer o mandatário impedido ou que a parte possa entretanto mandatar para o efeito.

Ora no caso concreto tratava-se do pagamento de uma multa que poderia ter sido efectuada por qualquer outra pessoa a solicitação da parte ou da sua mandatária, donde se teria de concluir, se admitido o justo impedimento, que o pagamento intempestivo da multa se ficou a dever a negligência sua, pois descurou a diligência que devia ter emprestado no acompanhamento da causa.

Face ao exposto, decorrido que estava o prazo para apresentação do requerimento de abertura da instrução, não pode o Recorrente valer-se de facto impeditivo ocorrido posteriormente, ainda que dentro dos 3 dias úteis subsequentes, para poder praticar o acto em causa.

Consequentemente, não assiste qualquer razão ao recorrente, pelo que, sem necessidade de mais considerações, julgamos improcedente, o recurso interposto, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

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Decisão:

Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 4ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, manter o despacho recorrido.

Custas pelo arguido, com 4 UCs de taxa de justiça.

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Coimbra, 29 de Outubro de 2014

 (Calvário Antunes - relator)

 (Vasques Osório - adjunto)