Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4886/19.7T8CBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO
EFEITOS PRECLUSIVOS
PRECLUSÃO
CASO JULGADO
RESTITUIÇÃO DO INDEVIDO
Data do Acordão: 05/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 732.º, N.º 5, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: I) Os executados têm o ónus de concentrar nos embargos de executado todos os fundamentos de oposição de que se possam socorrer, substantivos e/ou adjectivos, sob pena de não mais o poderem fazer no âmbito da acção executiva e de não mais os poderem invocar em acção autónoma através da qual pretendam obter decisão com eficácia directa na acção executiva.
II) A sentença de mérito proferida nos embargos de executado faz caso julgado material quando à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda., que impede a propositura de uma nova acção de repetição do indevido fundada em idêntica causa de pedir.

III) O referido em II) impede a propositura de uma nova acção de repetição do indevidamente cobrado na acção executiva fundada em idêntica causa de pedir, mas não prejudica a possibilidade de em acção autónoma se obter tal repetição com base em fundamento não invocado nos embargos.

Decisão Texto Integral:










Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

L… e mulher, M…, intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra F…, Lda.,

Pedindo a condenação da Ré a reconhecer:

1 – que recebeu o prédio identificado no art. 1º da p.i, em bom estado de conservação, asseado, com paredes limpas e rebocadas, bem pintado e alcatifado, com estabelecimentos comerciais em funcionamento e que atualmente se encontra em estado de ruína adiantado, carecendo de obras de recuperação para o devolver ao estado em que se encontrava à data da celebração da escritura pública referidas no art. 1º da p.i, descritas no art.º 57º e 58º da p.i.;

2 – que o prédio carece de obras de recuperação do montante de 89.900,00€ para repor no estado em que se encontrava à data da escritura anulada, desde 24 de Fevereiro de 1997, obras estas descritas nos artºs 57º e 58º da p.i.;

3 – não sendo a restituição em espécie possível, ser a quantia que os autores têm que devolver à ré em consequência do identificado negócio relativa ao preço, benfeitorias e respetivos juros constantes da sentença identificada no art.º 31º desta p.i, ser deduzida daquele valor das obras de 89.900,00€.

4 – que, na liquidação de restituição a efetuar em consequência da anulação do negócio referido, deve ser deduzido ou abatido, o valor do proveito que os autores foram privados e não puderam retirar do prédio em consequência do uso e fruição que deles fez a ré nos últimos 20 anos, valor de proveito que se computa em quantia correspondente ao valor dos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i. e que se vierem a liquidar em execução de sentença.

5 - Para o caso improvável de se entender que os pedidos anteriores não podem proceder, se condene a ré na liquidação da restituição, abatendo à quantia do preço pelos autores a devolver, a quantia de 89.900,00€ relativa às obras referidas e a quantia correspondente aos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i., estes que se vierem a liquidar em execução de sentença.

Alegando, para tal e em síntese que, encontrando-se a Ré na posse do imóvel objeto do contrato anulado desde 1997, nunca lá tendo feito obras de conservação e tendo feito uma utilização inadequada do mesmo, o prédio não vale hoje mais do que 75.000 €, pelo que se, na sequência da anulação do negócio, os autores tivessem de receber o prédio hoje, no estado em que se encontra, tendo de devolver aquele preço de 130.685,05 €, os juros de 44.321,88 € e bem assim os demais juros vincendos, bem como as alegadas benfeitorias de 19.925 €, estaríamos perante um verdadeiro enriquecimento sem causa – correspondente às despesas para recuperação do prédio de 89.900,00 € para o repor no estado em que estava à data da escritura anulada; e, segundo o artigo 289º CC, deverá restituir não apenas o prédio, como ainda proceder ao pagamento de uma indemnização aos autores do valor correspondente à utilização do imóvel (que computa no valor dos juros sobre o valor da venda, os quais ascendem a 44.3121,88 €).

A Ré apresenta contestação, invocando a exceção de caso julgado, com a seguinte alegação:

na ação executiva nº 684/11.4 T8CBR-A, instaurada pela aqui Ré contra os aqui autores, atualmente suspensa por acordo das partes, os executados vieram deduzir oposição, com fundamento em que, encontrando-se a exequente na posse do prédio desde 1997, tendo dele feito uma utilização inadequada, não valendo o prédio mais de 75.000,00 €, que o imóvel à data do negócio anulado, sem os estabelecimentos comerciais, valia 131.000, 00 € e que estando os executados desde então privados da posse do prédio, estar-se-ia a permitir um enriquecimento sem causa;

em tal oposição, foi proferida sentença na qual foi decidido que a exequente, aqui ré, apenas está em condições de restituir em espécie o imóvel, não podendo exigir a restituição do valor respeitante aos estabelecimentos e respetivos juros, e da quantia despendida a título de benfeitorias; quanto às pretensões indemnizatórias dos executados ora autores, relativas ao gozo do imóvel e dos estabelecimentos, a sentença proferida decidiu não existir fundamento legal, decisão esta que foi confirmada por Acórdão da Relação, tal decisão transitou em julgado, não podendo os autores vir agora peticionar indemnização, já há muito peticionada, para se frustrarem, mais uma vez, ao pagamento da quantia devida à Ré.

Foi proferido Despacho Saneador/Sentença-Parcial, de que agora se recorre e que termina com o seguinte dispositivo:

Assim, e por força da autoridade de caso julgado, soçobram os pedidos seguintes – que pretendiam repercutir-se no normal andamento da execução mencionada:

 Nestes termos, e nos mais de direito, absolvo a ré da instância relativamente aos seguintes pedidos:

“3 – Não sendo a restituição em espécie possível, ser a quantia que os Autores têm que devolver à Ré em consequência do identificado negócio relativa ao preço, benfeitorias e respetivos juros constantes da sentença identificada no art.º 31º desta p.i, ser deduzida daquele valor das obras de 89.900,00€.

4 – A reconhecer, que na liquidação de restituição a efetuar em consequência da anulação do negócio referido, deve ser deduzido ou abatido, o valor do proveito que os Autores foram privados e não puderam retirar do prédio em consequência do uso e fruição que deles fez a Ré nos últimos 20 anos, valor de proveito que se computa em quantia correspondente ao valor dos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i. e que se vierem a liquidar em execução de sentença.

5 - Para o caso improvável de se entender que os pedidos anteriores não podem proceder, … condenar a Ré na liquidação da restituição, abatendo à quantia do preço pelos Autores a devolver, a quantia de 89.900,00€ relativa às obras referidas e a quantia (valor do proveito que os autores não puderam retirar do prédio do seu uso e fruição em 22 anos)correspondente aos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias referidas nos artsº 7º, 8º e 33º desta p.i., estes que se vierem a liquidar em execução de sentença..


*

Não se conformando com tal decisão, os autores dela interpõem recurso de Apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

(…)


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Código de Processo Civil –, as questões colocadas a este tribunal são as seguintes:
1. Sendo os pedidos formulados sob os ns. 3., 4. e 5., uma sequência do que for decidido sob os ns. 1. e 2., se só pode haver absolvição relativamente aos pedidos 3., 4., e 5., se também houver absolvição dos pontos 1. e 2.
2. Se a decisão proferida no âmbito dos embargos de executado deduzidos na execução pendente entre as partes faz caso julgado impeditivo da propositura da presente ação, na parte em que são formulados os pedidos constantes dos pontos 3., 4, e 5. do petitório.
*
A decisão recorrida teve por demonstrados, documentalmente ou aceites por acordo, os seguintes os factos, para efeitos de apreciação da invocada exceção de caso julgado:

A- Por escritura pública de compra e venda celebrada em 24 de Fevereiro de 1997, a ré adquiriu aos autores, o prédio urbano sito na Rua …, no lugar e freguesia de …, do concelho de Montemor-o-Velho, inscrito na respetiva matriz predial sob o nº 869 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Montemor-o-Velho sob o nº 1835.

B- A ré intentou no Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho ação de anulação do referido negócio, titulado pela dita escritura pública, na qual foi proferido Acórdão pelo qual foi (…) julgada a ação “parcialmente procedente e, em consequência:

- anula-se o contrato de compra e venda celebrado entre a A. (ora, ré) e os RR.(ora, autores), no dia 24-02-97, mediante escritura pública da mesma data e exarada de fls 78vº a fls 84vº do Livro nº 170-D, do cartório Notarial de Montemor-o-Velho; e condena-se os RR. (ora, autores)

- a restituir-se à A.(aqui ré) a quantia de €199.519,00 (correspondente a Esc. 40.000.000$00), acrescida de juros à taxa anual de 7% (Port. Nº 263/99) desde 5-03-2003, e à taxa de 4% (Port. Nº 291/2003), desde 1-05-2003; e ainda 4.000.000$00)…”,(cf. Doc. nº 3 da pi).

transitado em julgado em 02/06/2011 ( ordenou a restituição do que foi pelas partes prestado-respetivo preço e juros respetivos, a um (à ali autora) e o imóvel ao outro (os ali réus), face aos efeitos da anulação e a quantia de €19.952,00, relativa a (benfeitorias) “obras no minimercado” e “noutras dependências anexas no referido estabelecimento…”, “reformulou(ção) (d)as instalações elétricas do rés-do-chão”, as quais “ascenderam a 4.000.000$00”, como se vê dos pontos 14, 15, 16 e 17 da matéria provada da referida sentença condenatória (Doc. n.º 3).

C- Por notificação judicial avulsa concretizada em 26 de Março de 2012, a ré deu conhecimento aos autores que só entregaria as chaves do imóvel em causa “mediante a entrega de cheque visado” de €288.096,96€ (cf. Doc. n.º 4).

D- Em 12 de Julho de 2011, a ré deu à execução aquele acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Doc. n.º 3), (…) sob o processo n.º 684/11.4TBCBR; os aqui autores deduziram oposição contra a referida execução, tendo por despacho de 23 de Novembro de 2011 (Doc. n.º 5) sido liminarmente indeferida quanto à quantia de €19.952,00 relativa a benfeitorias no imóvel então realizadas e não já quanto à quantia de €199.519,00 relativa à restituição do preço, decidindo-se: “As obrigações recíprocas de restituição estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo, designadamente à aplicação da “exceptio non adimpeti contratus” (artº 290.º) - cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1976, pág. 475. É certo que a relação contratual é por força da sua dissolução convertida numa “relação de liquidação" mas não pode olvidar-se, quanto à quantia …que se executa decisão judicial nesta parte perfeitamente líquida, certa e exigível. Outrossim, a correspectividade e reciprocidade estabelecem-se entre a obrigação de devolução do referido valor do preço e bem assim da obrigação de restituição da coisa: o referido valor de € 19.952,00 indicado na condenação, mostra-se imbuído de tal certeza, liquidez e exigibilidade, exorbitando tal sinalagma. Assim, indeferindo liminarmente a oposição à execução relativamente à sub-parcela exequenda de € 19.952,00 (correspondente ao preço de Esc. 4.000.000$00)…” a titulo de benfeitorias””.

E- interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, deste último segmento do despacho que nessa parte não admitiu a oposição (da quantia relativa a benfeitorias de 19.952,00€), e bem assim, do despacho saneador que entretanto veio a ser proferido em 14 de Março de 2012, o qual julgou “improcedente a oposição, considerando que os autos continham já todos os elementos necessários” (Doc. n.º 6), deles, dum e doutro recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra, por seu Acórdão de 11 de Dezembro de 2012 decidiu “Julgar procedentes as apelações interpostas pelos executados/oponentes e, em consequência revogam-se as decisões apeladas, devendo a oposição prosseguir os devidos termos” (Doc. n.º 7); prosseguindo a oposição à execução, foi proferida sentença que entendeu que: “… não é possível afirmar que a exequente (ora, ré) tenha já cumprido a sua parte do sinalagma restitutório”(Doc. n.º 8). Mais entendendo, “…o que se exige à Exequente é não só uma restituição material e possessória do imóvel, como também a sua restituição jurídica e nas mesmas circunstâncias em que o recebeu, isto é, livre de quaisquer ónus ou encargos” (Doc. n.º 8).“Por parte da Exequente não há qualquer dúvida que o montante a haver seria de €199.519,00, correspondente ao preço, acrescido de juros moratórios desde 05-03-2003 até obter pagamento”(Doc. n.º 8). “Quanto aos Executados(ora autores), teriam os mesmos a haver da Exequente o imóvel e os dois estabelecimentos nele instaurados e que venderam pelo preço global de €199.519,00” (Doc. n.º 8). “Sendo manifesto que a Exequente apenas está em condições de restituir em espécie o imóvel, não poderá a mesma exigir a restituição do valor correspondente aos estabelecimentos (artigo 289º, nº 1, do Código Civil)” (Doc. n.º 8) “… na data da celebração do contrato anulado, sem os estabelecimentos, o imóvel valia €130.685,05…”(Doc. n.º 8).“…a Exequente apenas pode exigir dos Executados a quantia de €130.685,05, acrescida de juros moratórios desde 05-03-2003” (Doc. n.º 8). “…a Exequente (ora ré) tem ainda a haver dos Executados, já fora da lógica do sinalagma restitutório, a quantia de €19.952,00 acrescida de juros moratórios vincendos desde a data da propositura da ação executiva (12-07-2011)” (Doc. n.º 8).

F- Com tal fundamentação, foi proferida a seguinte sentença:

Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a Oposição à Execução, o Tribunal decide:

1) Determinar a extinção parcial do processo executivo na parte em que excede, por referência à data da propositura do processo executivo (12-07-2011), as quantias de:

1.1) €130.685,05 €;

1.2) €44.321

1.3) Juros moratórios vincendos, sobre o capital referido em 1.1.) à taxa legal (…), até efetivo pagamento;

1.4) 19.952,00 €, acrescida de juros de mora vencidos

2. Condicionar o prosseguimento do Processo Executivo para cobrança coativa das quantias referidas em 1.1, 1.2, e 1.3, à prévia entrega material (…) do imóvel aos executados.

G- Com a seguinte fundamentação: em consequência da declarada nulidade, cada um dos outorgantes do dito contrato, deve restituir tudo o que lhe tiver sido prestado; os autores devem restituir à Ré a quantia relativa ao preço de 130.685,05€, a quantia de 44.321,88€ relativa a juros vencidos daquele capital e os juros vincendos, e ainda a quantia de 19.952,00€, relativa a obras e benfeitorias efectuadas no dito prédio….a ré, por sua vez, deve restituir o prédio nas mesmas circunstâncias em que o recebeu, no mesmo estado de conservação e de forma a proporcionar o seu gozo e fruição como lhe foi entregue e ainda como se escreve na sentença referida nos artºs 23º e seguintes Doc. n.º 8) fazer “regressar a situação registral do imóvel ao “status quo ante” à celebração do contrato, de forma a que do registo predial do imóvel passe a constar que a propriedade do mesmo se encontra inscrita a favor dos Réus “…e sem que sobre o mesmo recaiam quaisquer ónus ou encargos” (Doc. n.º 8). (Na verdade, “…obrigações recíprocas de restituição estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo, designadamente à aplicação da “exceptio non adimpeti contratus”.)

H- A ré intentou uma ação pauliana - Proc. nº 745/11.0TBCNT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede (…) contra os aqui Autores, à qual puseram fim por transação nele efetuada e homologada por sentença de 28 de Maio de 2018 (Doc. n.º 9….), nos seguintes termos: “Autora e Réus acordam em suspender a entrega material e jurídica do prédio referido na alínea A) dos factos assentes (imóvel sito na Rua …, …, concelho de Montemor-o-Velho), para providenciarem pela venda do mesmo a terceiro, no prazo de 12 meses contados desta data, e pelo valor do crédito da Autora ( a aqui ré) consignado no ponto 1 do dispositivo da sentença proferida no Processo n.º 684/11.4TBCBR-C e a dar conhecimento aos autos 684/11.4TBCBR do presente acordo” – Cláusula I (Doc. n.º 9). Consignando também que “A Autora ( a ora ré) entregará uma cópia das chaves aos Réus ou à pessoa que acompanhar o seu Ilustre Mandatário, para lhes permitirem também promover a ativamente a venda do imóvel, na data que vier a ser agendada por mediadores indicados e contactados por ambas as partes, para irem ao local examinar e avaliar o imóvel, o que deve ocorrer no prazo de 15 dias” -Cláusula VIII (Doc. n.º 9).

I- Consta ainda de tal clausulado: “CLÁUSULA II - Caso o preço da venda seja inferior ao crédito referido na Cláusula I deverá sempre haver acordo das partes quanto ao valor da venda. CLÁUSULA III Caso o preço da venda seja superior ao crédito referido na Cláusula I, o valor que venha a ser obtido em excesso caberá aos Réus; CLÁUSULA IV Caso o valor obtido seja o do crédito referido na Cláusula I, a Autora dá-se por paga integralmente; CLÁUSULA V Caso o valor obtido seja inferior ao do crédito referido na Cláusula I, a Autora executará as garantias constantes no Processo n.º 684/11.4TBCBR-C, provenientes do arresto referido na alínea A) dos factos assentes.; CLÁUSULA VI -Os valores eventualmente obtidos por força de sinal serão entregues à Autora, que se compromete a liquidar os débitos que tem com o credor M… (no âmbito do Proc.º512/11.0TBMMV da Secção de Execução da Comarca de Coimbra - J1), cuja penhora está inscrita no prédio, no prazo de 8 dias subsequentes ao recebimento do sinal. CLÁUSULA VII-Com os recebimentos acima aludidos, as partes dão-se por integralmente ressarcidas dos valores a receber/pagar entre elas, nada mais tendo a exigir uma da outra.”

J- A ora ré, em consequência da referida compra e venda recebeu, ocupou, fruiu e utilizou os estabelecimentos industriais e o mini mercado em funcionamento no prédio e nele instalados, os quais, também mantiveram, fruíram e exploraram por vários anos, exploração, ocupação, fruição e utilização que também fizeram da sua parte habitacional, cedendo-o inclusive para habitação a terceiros, inclusive prometendo vender uma sua parte de que receberam o respetivo preço (15.000,00€), a título de sinal e integral pagamento, fazendo a respetiva entrega material - venda que efetuaram à Santa Casa da Misericórdia local, que depois anularam, devolvendo a ré o preço acordado e a Santa Casa a parte que ocupou em razão dessa venda anulada e da entrega material dessa parte do prédio.

K- Em peritagem ao prédio efetuada nos autos com o Proc. n.º 745/11.0TBCNT do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede – Ação Pauliana – os Srs. Peritos, em Fevereiro de 2013, referiam que “as paredes no seu geral, estão degradadas, com exeção das áreas dos sanitários do pessoal, cama frigorifica e depósito de farinha. As madeiras e guarnições estão deterioradas e a carecer de intervenção ou beneficiação geral profunda, para nele funcionar e laborar um estabelecimento padaria e minimercado.”(Doc. n.º 10), respondendo afirmativamente, que no 1º andar, para além do reboco das paredes e pinturas, as alcatifas estão também deterioradas e estragadas; concluindo ainda os Srs. Peritos e em resposta a quesito formulado pela ré que “O estado em que o imóvel se encontra atualmente deve-se a utilização do mesmo e a falta de manutenção”.

L- Promovida a certificação energética do dito prédio, para a celebração do contrato de mediação e para a sua comercialização, foi emitida em vez deste certificado, “Declaração de Ruina”, em 20 de Agosto de 2018, declaração esta referenciada SCE181673935- cf. Doc. n.º 11.

M- Conforme avaliação de peritos efetuada em peritagem judicial e também consta do processo 684/11.4TVCBR-C (Doc. n.º 8), o prédio em causa, sem os estabelecimentos comerciais, “valia €130.685,05”.

N- Na sentença proferida na oposição à execução (Doc. nº 8), processo n.º 684/11.4 TBCBR-C supra referido, (o tribunal deu como provado que):

6. A Exequente recebeu o prédio referido em 3. a 24 de Fevereiro de 1997.

7. Com um estabelecimento industrial (padaria) e um comercial (mercearia) em laboração.

(…)

23. Por contrato reduzido a escrito (fls. 61) a Exequente vendeu à Santa Casa da Misericórdia de …” parte do prédio referido em 3., e, posteriormente, as partes acordaram dar sem efeito tal negócio (fls 220 a 227).

24. E foi restituído à “Santa Casa da Misericórdia de …” o preço pago mais juros (fls.220 a 227 e 311 a 313).

25. Tendo recuperado o gozo e fruição da totalidade do prédio.

O- Em 11-01-2018 junto do processo nº 684/11.4TBCBR, F…, LDA., Exequente, notificada da decisão proferida – definitivamente transitada em julgado – que condicionara o prosseguimento do processo executivo para cobrança coativa das quantias de 130.685,05 €, 44.321,88 €, 19.952,00 € e, ainda, dos juros de mora vincendos sobre o capital de 130.685,05 € até efetivo e integral pagamento, à prévia entrega material e jurídica do imóvel aos executados, requereu fosse designada data e hora para que ela Exequente procedesse à referida entrega material aos executados nesse Tribunal e na presença do juiz.

P- Junto da Execução nº 684/11.4TBCBR-A os autores, aí executados deduziram em 22-1-2018 reqº do seguinte teor: “ L… e mulher, executados nos autos à margem, tendo sido notificados pelo requerimento da exequente “…para que a exequente proceda à referida entrega material aos executados nesse Tribunal e na presença de V. Exª”, vem dizer o seguinte:

1 – Os exequentes receberam o prédio que “dizem agora” pretender fazer entrega material, em 24 de Fevereiro de 1997, há já portanto mais de 20 anos.

2 – Tendo-o utilizado, explorado, dele ficado exclusivamente com os respectivos “frutos” e com isso o degradando, nunca nele tendo feito qualquer obra de conservação, encontrando-se hoje sem condições de poder ser utilizado – como então quando lhes foi entregue - em adiantado estado de degradação – carecendo de ser reabilitado, para o repor como estava, à data de 24 de Fevereiro de 1997.

3 – E, como doutamente entendeu o Acórdão do STJ de 17.10.2002 (proc. nº 02B22010) a mera recuperação do imóvel não traduz a restituição in natura. O mesmo é dizer que o douto Acórdão da Relação carece de ser liquidado para poder servir de título executivo e assim entendeu o Tribunal e a sentença recorrida da 1ª instância da oposição à execução, como de novo se transcreve nessa parte: Quanto aos Executados, teriam os mesmos a haver da Exequente o imóvel e os dois estabelecimentos nele instalados e que venderam pelo preço global de €199.519,00. Sendo manifesto que a Exequente apenas está em condições de restituir em espécie o imóvel, não poderá a mesma exigir a restituição do valor correspondente aos estabelecimentos (artigo 289º, nº 1, do Código Civil). No caso, demonstrou-se que na data da celebração do contrato anulado, sem os estabelecimentos, o imóvel valia €130.685,05, pelo que o preço relativo aos estabelecimentos é de €68.833,95. Deste modo, a Exequente apenas pode exigir dos Executados a quantia de €130.685,05, acrescida de juros moratórios desde 05-03-2003 até obter pagamento, os quais, na data da propositura da acção executiva, 12-07- 2011, ascendiam a €44.321,88, num total de €175.006,93”.

4 – Na verdade, o douto Acórdão dado à execução gerou obrigações recíprocas de restituição, que estão sujeitas ao princípio do cumprimento simultâneo (MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 617) (cfr. artigo 290º do C. Civil).

5 – Como foi aliás decidido no despacho saneador de 12 de Janeiro de 2012 de fls… dos autos executivos em causa…

6 – E face àquele estado adiantado de degradação do imóvel que os executados receberam em perfeitas

condições de utilização em 24 de Fevereiro de 1997 e que utilizaram e utiliza até ao presente, os executados não podem deixar de invocar, como invocam a exceção de não cumprimento, como o prevê a parte final do artº 290º, nº 1 do Cod. Civil.

7 – Instituto que opera mesmo no caso de incumprimento parcial ou de cumprimento defeituoso, impondo-se ter em conta o princípio da boa-fé, podendo inclusive, fazer-se apelo ao abuso do direito e instituto de enriquecimento sem causa, um e outro, que no caso se verificava a ser deferido o requerido.

8 – Isto para se dizer que, não é no processo executivo, que deve ser feita a entrega material do imóvel em causa e antes em ação própria de liquidação.

9 – Assim, o douto Acórdão, para poder servir de título executivo carece de ser liquidado, e só após, os exequentes estão em condições de fazerem a sua entrega material, fazendo-se então “a restituição in natura” (ou o “valor correspondente”), conforme prevê o artº 289º, nº 1 do C. Civil. Na verdade, a nulidade de um contrato exclui os efeitos queridos pelas partes, mas não exclui os relacionados com as relações de liquidação.

Termos em que deve ser indeferido o requerido pelos exequentes.

Q- Em 12-02-2018 foi em tal execução proferido o seguinte despacho recaindo sobre tais pretensões: “ Na presente acção executiva, como é manifesto, não existe qualquer liquidação a fazer. § Os Executados antecipam factos futuros que são de todos desconhecidos, isto é, o estado do imóvel n.º 1835/19931021 – …. na data em que lhes for entregue pela Exequente. § Após a entrega, e caso entendam que lhes assiste fundamento fáctico e jurídico para responsabilizar a Exequente por qualquer dano, terão os Executados que intentar a necessário acção declarativa de condenação. § Contudo, conforme consta da decisão da sentença da Oposição à Execução, caso a Exequente pretenda obter, na presente acção executiva, a cobrança coactiva das quantias constantes dos pontos 1.1), 1.2) e 1.3) da decisão terá que efectuar, nos presentes autos (embora sem prejuízo se vir a ser responsabilizada por eventuais danos ressarcíveis em acção própria, conforme “supra” se referiu), a entrega material do imóvel n.º 1835/19931021 – …l acompanhada da sua entrega jurídica, conforme consta da decisão da sentença da Oposição à Execução. § Para tal terá a Exequente que juntar aos autos certidão do registo predial no qual conste a propriedade do prédio inscrita a favor dos Executados e a ausência de qualquer ónus ou encargo com exceção de eventual arresto/penhora a favor da Exequente.§ Caso a Exequente possa juntar tal certidão do registo predial e caso os Executados não aceitem voluntariamente a entrega material do prédio acompanhada da entrega de tal certidão comprovativa da sua entrega jurídica, deverá a Exequente comprovar tal tentativa de entrega no Processo Executivo (se necessário com a colaboração do Sr. Agente de Execução) e efectuar a entrega do imóvel mediante sua consignação em depósito, tal como consta da decisão da sentença da Oposição à Execução. Feita essa entrega jurídica e material (por qualquer das referidas vias), a acção executiva prosseguirá para cobrança coactiva das quantias previstas nos pontos 1.1), 1.2) e 1.3) da decisão através da penhora e liquidação do imóvel n.º 1835/19931021 – …. e/ou, se necessário for, de outros bens penhoráveis dos Executados…..

Notifique o Sr. Agente de Execução que – conforme consta de forma inequívoca da decisão da sentença da Oposição à Execução – nada obsta ao prosseguimento do Processo Executivo para cobrança coactiva da quantia prevista no ponto 1.4) da decisão da sentença da Oposição à Execução mediante a penhora e liquidação de qualquer património penhorável dos Executados, inclusive, através da penhora e liquidação do imóvel n.º 1835/19931021 – …. desde que previamente a Exequente efectue a devida entrega jurídica do mesmo aos Executados. § O prosseguimento do Processo Executivo para a cobrança coactiva das quantias previstas nos pontos 1.1), 1.2) e 1.3) da decisão da sentença da Oposição à Execução está condicionado nos termos constantes dessa mesma decisão e que se encontram reproduzidos no 1.º despacho “supra” proferido”.

R- A ré, até ao momento (da contestação) nunca entregou aos autores o referido imóvel, como também os autores nunca restituíram aquela quantia de €199.519,00 (correspondente ao preço), nem restituíram a quantia de €19.952,00 (correspondente àquelas benfeitorias no prédio então realizadas pela Ré conforme consta do dito acórdão).

S- Em sede da referida execução – foi em 18-06-2020 proferido o seguinte despacho: Processo Executivo Eletrónico [Despacho sobre peças processuais com: Data 13-06-2020/Referência 5793369] Considerando que Exequente e os Executados não perspectivam um acordo global incluindo as Credoras (art.º 810.º CPC), nada obsta ao prosseguimento do Processo Executivo quanto ao prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 4188/19960322 – …., sendo que, quanto aos créditos da Exequente apenas prossegue para cobrança coactiva da quantia prevista no ponto 1.4) da decisão da sentença da Oposição à Execução, conforme melhor consta da mesma e dos despachos [Ref.76675161?12-02-2018?Execução]. § Pelo exposto: Determina-se o prosseguimento do Processo Executivo nos termos “supra” expostos.”


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A decisão recorrida, após referência aos pressupostos do caso julgado e à sua tríplice identidade, salienta que a obrigação de restituição subsequente à declaração de nulidade do negócio só tem lugar até onde a finalidade desta tenha lugar, devendo ser entendida de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa, desencadeando uma relação de liquidação, a fim de alcançar algum equilíbrio entre as partes.

Seguidamente, após invocar as quatro decisões, transitadas e proferidas em processos em que as partes são comuns, com definição do objeto das obrigações de entrega e seus termos, constantes dos factos dados como provados, o juiz a quo, extrai as seguintes conclusões:

Foram nos autos executivos e decisão, acima indicada, definidos os termos do “sinalagma restitutório”, da relação de liquidação, a qual não abarcou as pretendidas pretensões indemnizatórias (privação de gozo e reparação de deteriorações) não podendo os autores por via da presente acção, alterar o aí já definido. O que se exige na supra mencionada execução, e já se decidiu, é uma restituição material e possessória do imóvel, como também a sua restituição jurídica e nas mesmas circunstâncias em que o recebeu, isto é, livre de quaisquer ónus ou encargos- i. é fazendo regressar a situação registral do imóvel ao “status quo ante” à celebração do contrato, de forma a que do registo predial do imóvel passe a constar que a propriedade do mesmo se encontra inscrita a favor dos Executados e sem que sobre o mesmo recaiam quaisquer ónus ou encargos, com excepção da eventual arresto/penhora para garantir o pagamento da obrigação de restituição do preço por parte dos executados.

Assim, e por força da autoridade de caso julgado, soçobram os pedidos seguintes – que pretendiam repercutir-se no normal andamento da execução mencionada:”


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Insurgem-se os autores/Apelantes contra a decisão recorrida, com a seguinte argumentação, que assim sintetizamos, dentro daquilo que conseguimos alcançar:

1. Sendo os pedidos formulados sob os ns. 3., 4. e 5., uma sequência do que for decidido sob os ns. 1. e 2., só pode haver absolvição relativamente aos pedidos 3., 4., e 5., se também houver absolvição dos pontos 1. e 2.

2. Relativamente aos pedidos formulados em 3., 4. e 5., não se poderá estar perante a exceção ou autoridade de caso julgado, por inexistir identidade entre os pedidos na ação executiva, nas ações precedentes e na presente ação declaratória, sendo que na presente ação se alega a entrega do imóvel aos autores para o verificarem e examinarem, inexistindo anterior decisão sobre o “valor do proveito” pela Ré retirado do uso e fruição de todo o imóvel.

Por facilidade de raciocínio, inverteremos a ordem de conhecimento de tais questões:

1. Verificação de caso julgado impeditiva de prosseguimento da ação relativamente aos pontos 3., 4., e 5., do pedido.

Face à decisão do tribunal a quo de que agora se recorre, de absolvição da Ré da instância por força do caso julgado, relativamente aos pedidos formulados sob os ns. 3, 4 e 5, haverá que determinar se a decisão proferida no âmbito da oposição deduzida à execução nº 844/11.4TBCBR-C, é impeditiva da propositura e prosseguimento da presente ação relativamente aos pedidos formulados sob os ns. 3., 4., e 5. do petitório, por força do instituto do caso julgado, com a consequente absolvição da ré da instância relativamente aos mesmos.

A questão aqui em causa passa por determinar se a decisão proferida em sede de oposição à execução – onde, tendo por título executivo a sentença de anulação do negócio, que condenara os executados (aqui autores) a restituir o preço recebido (no valor de 199.519,00 €) e respetivos juros bem como no pagamento da quantia de 19.952 €, a título de benfeitorias, se decidiu o prosseguimento da execução para pagamento unicamente das quantias de 130.685,05 €, acrescida de juros, condicionada à prévia entrega material do imóvel, e ainda para pagamento da quantia de 19.952 €  –, tem força e autoridade de caso julgado na presente ação, de modo a, não só, tal questão não poder ser aqui reapreciada, mas implicar ainda a extinção da instância relativamente aos pedidos formulados sob os pontos 3,4 e 5.
O instituto ou eficácia do caso julgado tem sido apreciado pela doutrina[1] sobre duas vertentes:
a) enquanto impedimento, proibição de que a mesma causa volte a ser apreciada pelo tribunal – aquilo a que se vem chamando de efeito negativo do caso julgado;
b) força ou autoridade de tal decisão, enquanto vinculação do tribunal à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado.
A nossa jurisprudência tem vindo a associar esse efeito negativo, enquanto inadmissibilidade da segunda ação, à exceção de caso julgado[2], caso em que não prescinde da verificação de coincidência quanto aos três elementos – sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 581º, nº1, atual CPC) –, fazendo corresponder o efeito positivo, enquanto imposição da primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda, à autoridade ou força de caso julgado (e aqui a coincidência já não terá de ser perfeita)[3].
Já Castro Mendes[4], aos conceitos de eficácia direta/eficácia reflexa e exceção/autoridade de caso julgado, prefere a seguinte distinção: a) efeitos do caso julgado quando a eadem quaestio inter esdem personas se suscite no processo ulterior como thema decidendum do mesmo processo[5]; b) efeitos do caso julgado quando a eadem quaestio inter esdem personas se suscite no processo ulterior como questão de outra índole, fundamental ou mesmo tão-somente instrumental.
Segundo aquele autor, uma vez que a autoridade do caso julgado, quando se não faz valer através da exceção, será necessariamente exercida em processos em que o objeto, o thema decidendum, não é o mesmo, não é exigível entre os dois processos identidade do objeto (pressupondo-se precisamente que a questão que num processo constituiu thema decidendum seja no outro questão de outra índole, maxime fundamental), sendo tão só necessário que a questão decidida se renove no segundo em termos idênticos.
No caso em apreço, concluindo a decisão recorrida que a “força da autoridade de caso julgado” obsta ao conhecimento do mérito dos pedidos formulados sob os pontos 3., 4., e 5., absolvendo a Ré da instância relativamente aos mesmos, encontrar-nos-emos no âmbito da chamada “exceção de caso julgado”.

Vejamos, então, e de modo esquemático, os termos em que se configura a identificada execução e a respetiva oposição por embargos.

Na sequência do trânsito em julgado da decisão que decretou a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre os aqui autores, L… e mulher (na qualidade de vendedores) e a sociedade F…, Lda., aqui Ré (na qualidade de compradora), e que condenou os aqui autores: i) a restituir a esta sociedade a quantia de 199.519,00 € correspondente ao preço da venda por si recebido ii) bem como a pagar-lhe a quantia de 19.952 €, respeitante a benfeitorias efetuadas no imóvel,

veio a aqui sociedade Ré dar à execução tal sentença, peticionando o pagamento coercivo das quantias em que o L… e a esposa haviam sido condenados.

No âmbito de tal ação executiva vieram os executados/aqui autores deduzir oposição à execução, pugnando pela sua extinção, com base nos seguintes fundamentos:

até então, nunca a exequente procedeu à restituição do prédio objeto do contrato anulado, havendo que estabelecer as “relações de liquidação” decorrentes da nulidade, pelo que a exequente teria não só de proceder à restituição do imóvel, como ainda de proceder ao pagamento de uma indemnização correspondente à sua utilização;

por outro lado, a exequente causou enormes danos no imóvel objeto do contrato anulado, bem como no mobiliário e equipamento dos estabelecimentos, pelo que o prédio tal como está hoje, não vale mais do que 75.000 €;

sendo que o prédio, sem os estabelecimentos comerciais, valia apenas, ao tempo de negócio anulado 131.000,00 €;

o acórdão e a decisão dada à execução nunca poderia constituir título executivo, pois estabelece obrigações recíprocas de restituição que devem ser cumpridas simultaneamente;

concluindo pela improcedência da execução por carecer de título executivo.

Na sentença que julgou a oposição à execução, decidiu-se que havendo que assegurar a correspetividade das obrigações a restituir resultantes da declaração de anulação do negócio, é manifesto que:

- A exequente só pode exigir dos executados a quantia de 130.685, 05 €, acrescida de juros moratórios desde 05-03-2003 até obter pagamento, os quais, na data da propositura da ação executiva, 12-07-2011, ascendiam a €44.321,28 €, num total de 175.006,93 €.

Quanto às pretensões indemnizatórias dos executados relativas ao gozo do imóvel, considerou-se aí que:

- “(…) a parte do preço relativa aos pedidos formulados na ação declarativa, não é possível concluir que a boa-fé da Exequente cessou antes do transito em julgado da sentença e, que a parte do preço relativa aos estabelecimentos foi já deduzida à obrigação restituitória dos executados;

julgamos não existir fundamento legal para equacionar a fixação de qualquer indenização a este título, pois, caso contrário, dentro da lógica do sinalagma restitutório, seria também necessário equacionar como indemnizar a exequente pelos rendimentos (juros remuneratórios) de que se encontra privada desde a celebração do contrato do dinheiro tem a haver dos executados.

Acresce finalmente que a exequente tem ainda a haver dos executados, já fora do sinalagma restitutório, a quantia de 19.952,00 € acrescida de juros moratórios vincendos desde a data da propositura da ação executiva (12.07.2011).”

E, em consequência, julgando parcialmente procedente a oposição, foi determinada:

1. a extinção parcial da ação executiva e o seu prosseguimento para pagamento das quantias de:

1.1 €130.685,05 …de capital;

1.2 €44.321,88…de juros moratórios vencidos;

1.3 Juros moratórios vincendos, sobre o capital …

1.4 € 19.952,00 acrescidos de juros moratórios vincendos;

2) Condicionar o prosseguimento do Processo Executivo para cobrança coativa das quantias referidas em: 1.1, 1.2, e 1.3 à prévia entrega material (a comprovar no Processo Executivo) por documento de aceitação dos Executados ou consignação em depósito) e jurídica [a comprovar no Processo Executivo por junção de certidão do registo predial no qual conste a propriedade inscrita a favor dos Executados e a ausência de qualquer ónus ou encargo, com exceção de eventual arresto/penhora para garantia de pagamento da quantia referida em.1)] do imóvel aos Executados.

Resumindo, encontrando-se em causa a execução da sentença proferida na ação de anulação do negócio celebrado entre as partes – na parte em que condenou os aqui autores a restituírem quantia de 199.519 €, acrescida de juros e a pagar à ré a quantia de 19.952 €, por benfeitorias –, e levantando os executados, na oposição que deduzem à execução, a questão de a determinação dos exatos valores a restituir por si na sequência da anulação do contrato de compra e venda se encontrariam dependentes de “relações de liquidação” – que o prédio não valeria hoje mais do que 75.000 € e que, sem os estabelecimentos comerciais não valia mais do que 131.000,00 € –, ficou aí decidido quais as exatas quantias que os executados tinham de restituir à exequente/compradora, condicionadas à prévia entrega do imóvel (130.685,05 € + 44.321, 88 € + juros) e que se encontrava ainda em dívida a quantia de 19.952,00 €, quantia esta já fora do sinalagma restitutório (ou seja, apenas lhes foi reconhecido o direito à dedução dos valores respeitantes aos estabelecimentos comerciais por os mesmos já não existirem).

Encontrando-se em causa, em tal execução, a cobrança coerciva da obrigação de restituição a cargo dos vendedores – enquanto contrapartida da obrigação de restituição do imóvel objeto do negócio anulado –, bem como a cobrança coerciva da quantia de 19.952,00 €, ficaram aí definidos os exatos termos de tal “relação de liquidação”.

Com a presente ação, vêm agora o L… e a esposa, alegando, que tendo tido acesso ao imóvel no dia 3 de julho de 2018, constataram que, nunca tendo tido obras de conservação e tendo a ré dele feito uma utilização imprudente e inadequada, alterando divisões, o prédio, tal como, está não vale mais de 75.000 €, e para apresentar o mesmo estado em que a ré o recebeu carece de obras no valor de 89.900 €; mais alegam que, caso os AA. tivessem de receber o prédio objeto do negócio anulado, no atual estado de degradação e, por sua vez, tivessem de devolver o preço de 130.685,05 €, mais os 44.321,88 €, e o valor das alegadas benfeitorias de 19.952 €, estaríamos perante um verdadeiro enriquecimento sem causa; por outro lado, por efeito da nulidade e da natureza sinalagmática das prestações, compete ainda à Ré restituir o valor equivalente ao gozo e uso de que os autores estiveram privados durante 22 anos.

E daqui retiram as seguintes pretensões:

i) que a quantia que os AA. têm de devolver à Ré em sequência da anulação do negócio relativa ao preço e, benfeitorias e respetivos juros constantes da sentença id. em 31, ser deduzida daquele valor das obras de 89.900,00 €;

ii) que ao valor da liquidação de restituição a efetuar na sequencia da anulação do negócio seja ainda deduzido ou abatido o valor do proveito de que os autores foram privados, correspondente aos juros vencidos e vincendos do capital correspondente ao preço de venda e das benfeitorias.

Ora, apesar de se socorrerem de um facto superveniente à decisão proferida em sede de oposição à execução – de que, tendo tido acesso ao imóvel a 3 de julho de 2018, constataram o seu atual estado de degradação –, e de concretizarem as pretensões indemnizatórias respeitantes ao valor da deterioração do imóvel e do proveito perdido, os autores pretendem com a  presente ação, reabrir uma questão já por si anteriormente formulada e que constituiu um dos fundamentos de oposição à execução, sobre quais as quantias que têm de devolver à ré na sequência da anulação do negócio, relativa ao preço e benfeitorias, sustentando que, sobre os montantes relativamente aos quais foi determinado o prosseguimento da execução, na sequência da decisão proferida em sede de oposição, sejam deduzidos determinados valores que aqui concretizam e peticionam.

A questão de saber se os autores se encontram impedidos de formular tal pretensão na presente ação – de dedução de determinados valores às quantias em que foram condenados na ação declarativa e cuja cobrança coativa é objeto da invocada execução, face aos termos em que tal execução foi proposta e definida a obrigação exequenda em sede da oposição nela deduzida –, passa pela análise da natureza da oposição à execução e de quais os contornos que aí assumem o princípio de concentração da defesa e a formação de caso julgado na ação executiva.

Encontrando-se o direito do exequente já definido pelo título executivo que incorpora a obrigação exequenda, com dispensa, em princípio, de qualquer indagação prévia sobre a sua real existência, a dedução de oposição à execução/embargos de executado não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios associados a uma ação declarativa (ónus de contestação ou de impugnação)[6].

Mas, na medida em que os embargos de executado são o meio de oposição à execução idóneo à alegação de factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, tal como ocorre no processo declarativo.

A não observância do ónus de excecionar, não acarreta qualquer cominação, mas, tão só, a preclusão de um direito processual, consistente na impossibilidade da sua invocação no âmbito do processo executivo.

Configurando os embargos de executado uma ação de simples apreciação negativa, quando nela se veicula uma oposição de mérito à ação executiva, o pedido nela deduzido é de verificação da inexistência total ou parcial, do direito exequendo.

Nos embargos de executado que veiculam uma oposição de mérito a causa de pedir é constituída pela inexistência do facto constitutivo que funda o pedido deduzido na ação executiva ou pela existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito por ele produzido[7].

A doutrina foi-se dividindo entre aqueles que circunscrevem ao processo executivo os efeitos do caso julgado formado nos embargos de executado, por estruturalmente e funcionalmente ligado àquele, e outros atribuindo à decisão de mérito neles proferida eficácia de caso julgado material.

A tal respeito sustentava já José Lebre de Freitas no âmbito do anterior Código:

“Uma vez que o princípio contraditório é, nos embargos de executado, plenamente assegurado, não se justificaria admitir posteriormente outra ação, com a mesma causa de pedir em que se pudesse voltar a pôr em causa a existência da obrigação exequenda. Assim, no caso de oposição de mérito, a procedência dos embargos não se limita a ilidir a presunção estabelecida a partir do título e, embora sempre nos limites objetivos definidos pelo pedido executivo, goza de eficácia extraprocessual nos termos gerais, como definidora da situação jurídica de direito substantivo reinante entre as partes. (…) A sentença proferida sobre uma oposição de mérito é assim dotada da força geral do caso julgado, sem prejuízo de, quando for de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, nos termos gerais, pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento de pretensão executiva ou exceção peremptória contra ela), não impedindo nova ação de apreciação baseada em outra causa de pedir[8]”.

Não se produzindo na ação executiva caso julgado relativamente a causas de pedir não invocadas, continuará a ser possível aos executados (embargantes ou não embargantes) levantar outra questão (de mérito ou de ordem processual) suscetível de constituir fundamento de novos embargos de executado (caso se encontrem em prazo) ou de ulterior repetição do indevido[9].

O novo Código de Processo Civil veio dispor, no seu artigo 732º, nº5, que “a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constituiu, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.

Tratando-se de um preceito novo, introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, e remetendo-nos para os “termos gerais” do caso julgado, veio por termo à querela surgida a tal respeito no domínio anterior: a decisão proferida em sede de embargos de executado tem força de caso julgado material[10].

Com a presente ação, pretendem os autores que o tribunal lhes reconheça que a quantia que têm de devolver à Ré, em consequência da anulação do contrato de compra e venda celebrado com esta, relativa ao preço e benfeitorias, seja deduzida do valor das obras necessárias à sua reposição no estado da venda, bem como do valor do proveito respeitante ao uso e fruição do imóvel, de que os autores se viram privados nestes últimos 20 anos.

A obrigação que os autores pretendem aqui ver modificada corresponde exatamente ao direito exequendo em cobrança coerciva no âmbito da execução nº 684/11.4TB8CBR-C. – que tem por título executivo a decisão proferida no âmbito da ação de anulação do contrato celebrado com a Ré – e que foi já objeto de decisão de mérito, transitada em julgado, na oposição aos embargos por si aí deduzidos.

Ou seja, com a presente ação, os autores pretendem novamente discutir a existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda que constituiu objeto da execução nº 684/11.4TB8CBR-C.

Dos princípios atrás expostos e face aos termos em que se configura o princípio da concentração da defesa no âmbito da ação executiva, retiramos que os executados têm o ónus de, por meio de oposição à execução/ embargos de executado, no prazo que para tal efeito lhes é concedido, deduzir todos os fundamentos de oposição de que se possam socorrer, quer contendam com a existência ou configuração do direito exequendo seja com alguma questão processual, sob pena de não o poderem mais fazer no âmbito da ação executiva.

Isto sem prejuízo de, posteriormente, e mediante ação autónoma, poderem vir peticionar a repetição do que indevidamente lhes possa ter sido cobrado no âmbito da ação executiva, desde que com fundamento em diferente causa de pedir, não invocada em sede de oposição à execução.

Contudo, nunca com esta ação autónoma se poderia obter o reconhecimento de uma pretensão com vista a fazer repercutir os seus efeitos na ação executiva.

Ainda que se viesse a concluir que os autores fundamentam o direito que invocam na presente ação em causa de pedir não invocada na oposição à execução e que, como tal, pudessem não se encontrar preenchidos os pressupostos do caso julgado, nunca os autores poderiam, por via da presente ação, obter o efeito por si pretendido mediante a dedução dos pedidos formulados sob os pontos 3.4., e 5., de redução da quantia exequenda aí sob cobrança mediante dedução de determinados montantes.

A entender-se que a decisão proferida na oposição à execução não produz efeitos de caso julgado (por se entender encontrar-se em causa um fundamento aí não invocado), os executados apenas poderiam peticionar a restituição do que indevidamente tivessem pago no processo executivo e/ou para pedir uma indemnização.

Isto sem prejuízo de, em ação autónoma, os autores verem reconhecido o seu direito à alegada indemnização compensatória, quer correspondente ao montante necessário à reposição do imóvel no estado em que se encontrava à data do negócio anulado, quer ao montante correspondente à privação do seu e fruição durante estes 20 anos – pedidos estes relativamente aos quais, se desligados da sua pretensão a que os respetivos montantes sejam deduzidos à obrigação exequenda nos termos em que se mostra fixada na oposição à execução, não se coloca a questão do caso julgado.

Face à decisão proferida em sede de oposição à execução, ficou indiscutido naquela execução que, relativamente às quantias em que foram condenados na ação ordinária nº 151/2002, os executados não têm direito à dedução de quaisquer outros valores para além dos que lhe foram reconhecidos em sede de oposição à execução. A execução prosseguirá, assim, até integral pagamento das quantias em dívida, nos exatos termos definidos na sentença proferida em sede oposição à execução, confirmada por Acórdão da Relação.

Quanto aos efeitos fora desse mesmo processo, aplicar-se-ão “as regras gerais”, ou seja, necessário se torna a repetição da causa, definida pela verificação simultânea da tríplice identidade – sujeitos, causa de pedir e pedido (artigo 581º, nº1, CPC).

Apesar da alegação de alguma factualidade nova, respeitante à concretização do estado do locado, ao valor das obras para reposição do imóvel no estado em que se encontrava e ao valor correspondente à privação do uso, verifica-se a identidade do efeito jurídico: os autores pretendem pôr aqui em causa a existência/montante da obrigação exequenda que constituiu o objeto da execução pendente entre as partes, precisamente com um dos fundamentos que haviam invocado na oposição à execução: de que a determinação da quantia exequenda se encontrava dependente de “relações de liquidação”, e de que às quantias peticionadas haveria que deduzir o valor da depreciação do imóvel, bem como o valor correspondente à privação do seu proveito.

E se é certo que o âmbito da presente ação não é inteiramente coincidente com o objeto da oposição à execução, socorrendo-se os autores de alguns factos novos, nomeadamente quanto à concretização do valor necessário à reposição do imóvel ao estado em que se encontrava à data do negócio anulado ou quanto ao critério de avaliação da perda do proveito do respetivo uso e fruição,

a sua pretensão de que a obrigação de restituição emergente da anulação do negócio que sobre eles impende – fixada pela sentença de anulação –, se encontraria dependente de uma liquidação (havendo que contabilizar:  i) a desvalorização do imóvel – em virtude dos estragos causados no imóvel pela executada, o mesmo valer hoje não mais do que 75.000 € –, ii) bem como o direito a uma indemnização correspondente à privação do uso e fruição do imóvel),

constituíra já fundamento de oposição à execução.

Peticionando aqui o reconhecimento do seu direito à obtenção da Ré dos montantes necessários à reposição do imóvel à data da celebração do negócio anulado e a uma indemnização pela perda do proveio do imóvel, há uma “repetição da causa”, na parte, e na medida, em que pretendem que os mesmos tenham relevância na determinação do montante da quantia exequenda da referida execução, ou seja, na medida em que peticionam que os mesmos sejam deduzidos aos valores em que foram anteriormente condenados e cuja existência e configuração foram já objeto de decisão em sede de oposição à execução.

Mais uma vez, pretendem que o tribunal proceda à liquidação daquilo a que é referido no artigo 289º do CC, como “repristinação das coisas no estado anterior ao negócio”, insistindo em que, na liquidação da restituição, para além da dedução do valor dos estabelecimentos, já contabilizada na oposição à execução, seja ainda descontada a desvalorização do imóvel e o valor do proveito de que se viram privados, pretensões que estas que lhes viram aí ser negadas.

Verificando-se, relativamente a esta concreta questão, a tal tríplice identidade – de sujeitos, de causa de pedir e de pedido –, poder-se-á questionar se tal será suficiente para que a decisão de improcedência proferida relativamente a tal questão na oposição à execução – foi aí decidido não serem de ponderar as “pretensões indemnizatórias” respeitantes ao gozo do imóvel, para efeitos de alteração do montante a restituir pelos executados – impeça a formulação de igual pretensão nos presentes autos.

Poderia, de facto, levantar-se a questão de os embargos se sujeitarem à regra própria de um meio de oposição a uma pretensão de uma parte ativa: segundo o nº2 do artigo 92º do CPC as questões suscitadas como meio defesa não constituiriam caso julgado fora do processo respetivo[11].

Contudo, como salienta Rui Pinto[12], o legislador – ao consagrar expressamente no artigo 732º nº5 que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda – veio dar valor de caso julgado aos fundamentos de defesa atinentes à causa de pedir, em exceção às regras dos arts. 91º, nº2 e 621º.

Segundo tal autor[13], embora a sentença de improcedência dos embargos (caso julgado negativo) não defina a situação jurídica controvertida de modo absoluto e excludente, se o executado vir julgados improcedentes os embargos fundados em extinção da dívida por pagamento, não se pode concluir, com força de caso julgado implícito que a divida existe; mas poder-se-á concluir que a dívida não está extinta por aquele fundamento.

A sentença de mérito proferida nos embargos forma caso julgado material que impede a propositura de uma nova ação, ação de repetição do indevido fundada em idêntica causa de pedir, impedimento que só não se mantém se for proposta ação de apreciação ou de condenação baseada em outra causa de pedir[14].

A questão da consideração da desvalorização do imóvel e da privação do respetivo uso para efeitos de definição do valor a restituir pelos executados à exequente, constituiu fundamento de oposição à execução, e foi neles julgada improcedente, constituindo tal decisão caso julgado impeditivo da formulação de um novo pedido autónomo a tal respeito.

Tal questão ficou definitivamente decidida.

Isto, independentemente de os autores terem, ou não, direito a obter da Ré alguma indemnização compensatória pelo estado atual do imóvel a restituir ou pela privação do uso durante 22 anos – questões estas que não fizeram parte do objeto da ação de anulação cuja sentença se executou na execução 884/11.

2. Sendo os pedidos formulados sob os ns. 3., 4. e 5., uma sequência do que for decidido sob os ns. 1. e 2., só pode haver absolvição relativamente aos pedidos 3., 4., e 5., se também houver absolvição dos pontos 1. e 2.

Não podemos, também nesta parte, dar razão aos apelantes.

Embora a procedência dos pedidos formulados sob os pontos 3., 4., e 5., tivesse por pressuposto o reconhecimento das pretensões formuladas sob os ns. 1 e 2. – a dedução peticionada sob os ns. 3.4. e 5., encontrar-se-ia dependente do reconhecimento prévio de que os autores têm direito à reposição do imóvel ao estado em que se encontrava à data da anulação –, da procedência das pretensões formuladas sobre os ns. 1 e 2 (caso se considerem configurar os mesmos verdadeiros pedidos e não meros pressupostos dos pedidos formulados sob os ns. 3, 4. e 5., como terá sido entendido pelo tribunal recorrido), não resultaria necessariamente a procedência dos pedidos formulados sob os ns. 3., 4. e 5..

Ao contrário do alegado pelos Apelantes, nãoé obvio que, em tal caso ou hipótese, ao preço do negócio anulado que os autores têm de devolver em “cumprimento simultâneo”, deverá ser deduzido aquele montante”. Para além do reconhecimento dos autores a haver da Ré o valor necessário à reposição do imóvel ao estado anterior, e para a procedência das pretensões formulados sob os pontos 3., 4., e 5., seria ainda necessário o reconhecimento do alegado direito a deduzir tais montantes às importâncias em que foram condenados na ação de anulação e que se encontram sob cobrança coerciva na execução nº 684/11.4TBCBR-C, pretensão esta relativamente à qual se decidiu não poder ser objeto de nova apreciação, por força do caso resultante da decisão proferida na oposição à execução.

A Apelação é de julgar improcedente na sua totalidade.


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IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em, julgando a apelação improcedente, confirmar a decisão recorrida.

Custas a suportar pelos Apelantes.

                                                                 Coimbra, 25 de maio de 2021

                                                                              


[1] Neste sentido, entre outros, João de Castro Mendes, “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, Ed. Ática, pp. 38 e 39, José Alberto do Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora 1985, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, Lisboa 1997, p. 572.
[2] Segundo Manuel Domingues de Andrade, o que a lei quer significar com a identificação do objeto da ação através do pedido e da causa de pedir, “é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (…) que já lhe foi negado por sentença noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo)” – “Noções Elementares de Processo Civil”, Reimpressão, Coimbra Editora 1993, pág. 320.
[3] Fazendo coincidir as referidas funções positiva e negativa com a distinção entre autoridade e exceção de caso julgado, afirma Rodrigues Bastos: “Enquanto que a autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão, inútil, com ofensa do princípio da economia processual – “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, Lisboa 1972, págs. 60 e 61.
[4] Obra citada, pág. 42 e 43.
[5] Não sendo possível uma nova ação sobre a mesma questão, e no caso da questio judicata vir a ser objeto de novo processo, o respeito pela res judicata seria assegurado, a título preventivo, pela exceção de caso julgado, e a título repressivo, pela circunstância de a nova decisão ser ferida de inexequibilidade (art. 675º) – cfr., Castro Mendes, obra citada, págs. 44 a 49.
[6] Cfr. José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa e Formação de caso Julgado em Embargos de Executado”, in Estudos Sobre Direito Civil e processo Civil, Coimbra Editora, pp.451 e ss, cujo pensamento se segue aqui de perto.
[7] José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa e Formação de Caso Julgado em Embargos de Executado”, artigo publicado in Estudos de Direito Civil e processo Civil”, Coimbra Editora, p.458.
[8] “A Acção Executiva e Caso Julgado”, in ROA, 1993, II, p. 232-233. A tal respeito, afirma ainda tal autor: “tal como em qualquer outra ação declarativa, a identificação da causa de pedir ganha especial relevância em caso de improcedência do pedido: enquanto no caso de procedência se constitui o caso julgado absoluto (fica definitivamente, perante o réu, o direito invocado pelo autor), quando a ação improcede forma-se tão-só o caso julgado relativo (fica definitivamente assente que o direito não existe  com o fundamento invocado pelo autor como causa de pedir). Assim, embora a sentença de mérito proferida nos embargos de executado forme caso julgado material, que impede uma nova ação (ação de repetição do indevido incluída) fundada em idêntica causa de pedir, esse impedimento não se mantém se for proposta ação de apreciação ou de condenação) baseada em outra causa de pedir” - “Concentração da Defesa e Formação de Caso Julgado (…)”, local citado, p.459.
[9] José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa e Formação de Caso Julgado (….)”, p.468.
[10] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, 2014, Vol. II, Almedina, p. 253.
[11] Como refere Castro Mendes, a invocação de uma exceção proprio sensu não altera o thema decidendum, pelo que com a invocação do seu “contradireito” o reu pretenderia apenas atacar os efeitos do direito do autor, tal como se invocasse o pagamento ou negasse a verificação ou a eficácia da causa de pedir.
[12]   A Ação Executiva, AAFDL Editora, ps. 433
[13] “A Ação Executiva”, p. 435.
[14] José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa (…)”, p. 459.