Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1388/09.3T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CBV AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 493.º Nº1, 1436.º AL.D) E 1421.º Nº 1 AL. A) DO C. CIVIL
Sumário: I – Na impugnação da matéria de facto, não basta ao recorrente indicar as provas que entende justificarem convicção diversa, mas expor as razões que o levam a considerar tais provas com maior idoneidade e relevância relativamente a outros que foram também produzidas;

II – A obrigação, “propter rem”, do condomínio, de vigiar o imóvel decorrente do n.º 1 do art.º 493.º do CC, é uma obrigação de resultado;

III – Provada a infiltração de águas pluviais através da fachada exterior de um prédio, que é parte comum do edifício, ao condomínio e sua administração cabe a responsabilidade civil pelos danos provocados em fracção predial, a título de lucros cessantes de não poder ser dada de arrendamento, fim a que se destinava.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório

A... e mulher B... propuseram no Juízo de Média e Pequena Instância Cível da Comarca do Baixo Vouga acção com forma de processo sumário contraCondomínio do Edifício C...” e “D..., Lda.”, pedindo a condenação da 1.ª Ré a, em prazo não superior a 30 dias, impermeabilizar e isolar as paredes exteriores, fachadas e cobertura comuns do prédio que indicaram, reparar e pintar o tecto e paredes do quarto da fracção predial dos AA. e reparar o respectivo piso e ambos os RR. condenados a indemnizar os AA. pela não utilização da fracção, à razão mensal de € 360,00 desde Outubro de 2008 até à sua reparação, encontrando-se vencida, até 3.9.09, a quantia de € 3.600,00.

Alegaram, para tanto, em resumo, serem donos de uma fracção predial autónoma destinada a habitação, tipo T 1, de cujo condomínio a 2.ª Ré tem a administração e desde Outubro de 2008, sempre que chove, por falta de isolamento adequado, a água infiltra-se pela cobertura e paredes exteriores, levando a que as paredes interiores e o tecto do quarto se encontrem com fungos e manchas e o piso do quarto manchado parcialmente, o que foi denunciado aos RR. em 22.10.08 e eles próprios reconheceram em 15.4. e 29.5.09 sem que, contudo, tivessem realizado qualquer obra, com o que estão privados do valor mensal locativo da fracção de € 360,00.

Citados, contestaram os RR., para admitir as infiltrações, mas somente limitadas a alguns dias de Outubro e Novembro de 2008, data em que a 2.ª Ré concluiu as obras de reparação e não antes porque a intervenção dependia da ocorrência de cerca de 8 dias de tempo seco, o que tudo não foi impeditivo de eventual arrendamento do apartamento e a 2.ª Ré deduziu, ainda, reconvenção para indemnização dos danos causados à sua imagem com a imputação de violação do seu dever de diligência, computados na importância de € 5.000,00.

Os AA. responderam à reconvenção no sentido da sua inadmissibilidade ou improcedência e os RR. vieram requerer a nulidade parcial da resposta, a que os AA. contrapuseram a sua “rejeição”.

Foi proferido despacho saneador onde não foi admitida reconvenção e foi seleccionada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória (b. i.).

Os AA. vieram requerer a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente aos pedidos de reparação e pintura do tecto e paredes por, entretanto, tais obras haverem sido efectuadas em Janeiro de 2010, data a que deve restringir-se, também, o pedido de indemnização e quanto ao pedido que formularam sob a alín. a) da petição inicial (p. i.) admitiram como possível estar a situação regularizada, pelo que a acção prosseguiu relativamente, apenas, quanto ao pedido de indemnização da alín. d) da p. i. 

No início da audiência de discussão e julgamento foi acordado entre as partes a eliminação dos quesitos 1.º, 7.º a 13.º, 17.º, 18.º, 20.º a 23.º, 25.º 31.º a 35.º e 48.º a 50.º.

Foi proferida decisão sobre a matéria de facto, sem reclamação.

Proferida sentença, foi a acção julgada procedente e os RR. condenados no pagamento aos AA. da quantia de € 5.400,00.

Inconformados, recorreram os RR., apresentando extensas e prolixas alegações e conclusões que utilmente podem resumir-se nas seguintes:

a) – A resposta positiva à matéria do art.º 4.º da b. i., (ponto 7 da matéria de facto da sentença) deveria ser no sentido de que “os AA. enviaram as interpelações em Abril e Maio de 2009 porque persistiam humidades no local, não obstante as diligências tomadas e as obras realizadas pelos RR. até à data”, isto de acordo com os depoimentos das testemunhas E... e F... ;

            b) – Também a resposta restritiva ao quesito 19.º (ponto 11 da sentença) deveria ser no sentido de provado que “a Ré administradora diligenciou de imediato a reparação no exterior e não sendo possível determinar a origem das infiltrações providenciou o isolamento do prédio, junto da empresa G..., Lda.”, relevando o depoimento das mesmas testemunhas;

            c) – A respostas de provado aos art.ºs 5.º e 6.º da b. i. (ponto 8 da sentença) deveria ser no sentido de que “os RR. tomaram conhecimento do problema de infiltrações no apartamento e comprometeram-se a averiguar a origem das infiltrações tomando as necessárias diligências para resolver o problema”;

            d) – Haverá contradição (“deficiência”, no dizer dos recorrentes) entre a resposta dada quanto à “infiltração” e as respostas negativas aos art.ºs 2.º e 3.º da b. i.;

            e) – Os art.ºs 26.º e 27.º, 30.º, 40.º, 42.º e 43.º da b. i. deveriam ter sido dados como provados, face aos depoimentos das aludidas testemunhas e de I...;

            f) – A resposta ao art.º 14.º (ponto 9 da sentença) deveria ser “o apartamento não tinha condições de habitabilidade em Outubro de 2008, tendo estado os AA. impedidos de o arrendar a quem quer que seja até Abril de 2009, encontrando-se efectivamente arrendado desde Março de 2010”, com base nos depoimentos das testemunhas E... e I...e fotografias juntas;

            g) – Na resposta ao art.º 15.º (ponto 10 da sentença) deveria ter-se especificado que o valor médio apurado para o arrendamento daquela fracção é de € 350,00, conforme os depoimentos das testemunhas H... e I...;

            h) – Os R. actuaram diligentemente, estando afastada a presunção de culpa do art.º 493.º, n.º 1, do CC;

            i) – A obrigação dos RR. é de meios e não de resultado;

            j) – Os AA. deram causa à perda de rendas porque, podendo realizar as obras - urgentes que eram – não as realizaram e negligenciaram o arrendamento da fracção quando a infiltração já estava resolvida;

            l) – A decisão deveria atender a um prazo normal de 90 dias para realização das obras e não ter condenado em mais que 3 rendas;

            m) – A sentença é nula porque condena ultra petitum em 15 rendas, quando serão 14;

            n) – A realização de actos de administração extraordinária não faz parte das funções do administrador (art.º 1436.º, alín. f) do CC, a contrario);

            o) – E, tendo a Ré agido com diligência aceitável, também o Réu não é responsável;

            p) – Foram violados os art.ºs 342.º, 349.º, 350.º, n.º 2, 351.º, 483.º, n.º 1, 493.º, n.º 1, 562.º a 566.º, 1427.º e 1436.º, alín. f), do CC e 264.º, n.º 2, 265.º, n.º 3, 514.º, 655.º, 659.º, n.º 3, 661.º e 668.º, n.º 1, alín. f), do CPC, pelo que deverão os RR. ser absolvidos do pedido.

            Os AA. responderam a pugnar pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo questões a apreciar:

a) – A impugnação da matéria de facto;

b) – A nulidade de sentença por ter condenado para além do pedido;

c) – A responsabilidade civil dos RR. e a medida do dano;

d) – A natureza da obrigação dos RR. (se de meios, se de resultado).


*

            2. Fundamentos

            a) De facto

            A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

1. Os autores são os donos da fracção autónoma designada pela letra Q, destinada a habitação, do prédio constituído no regime de propriedade horizontal sito na Rua Eng. x..., freguesia da ..., concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o respectivo n.º ....

2. Cabe à segunda ré o exercício das funções de administradora do condomínio, que vem exercendo desde há, pelo menos, dois anos.

3. Em Outubro de 2008, sempre que chovia, a fracção autónoma dos autores começou a apresentar sinais de infiltração, ficando com o tecto do quarto molhado, com escorrência de água pelas respectivas paredes interiores, acumulando a água dali resultante no chão do quarto.

4. Em 22 de Outubro de 2008, os réus denunciaram por escrito a sobredita infiltração e reclamaram a respectiva reparação.

5. Os autores voltaram a interpelar a primeira ré a tal reparação na sua administradora, aqui segunda ré, por meio de faxes enviados em 15 de Abril e 29 de Maio de 2009, do teor dos documentos de folhas 27 e 29.

6. O apartamento em questão tem a tipologia de T-1 com a área de 54,55m2, sito no 4.º andar do prédio, servido por elevador com saída em corredor comum e foi adquirido no estado de novo, em 2002, pelos autores.

7. Os autores enviaram à ré o documento referido em 5, porque os réus nada fizeram, após o facto referido em 4.

8. Os réus reconheceram o defeito denunciado pelos documentos referidos em 5 – infiltração no apartamento provindo da fachada do prédio por falta de impermeabilização, e comprometeram-se à respectiva reparação.

9. Em virtude da infiltração de que padece, o apartamento não tem condições de habitabilidade, desde Outubro de 2008, tendo estado os autores impedidos de o arrendar a quem quer que seja, encontrando-se o apartamento arrendado desde Março de 2010.

10. Era no valor mensal de 360,00€ a renda mensal que os autores auferiram com o último arrendamento conseguido para aquela sua facção autónoma.

11. A ré administradora providenciou a reparação da infiltração, com isolamento da parte exterior, junto da empresa G..., Lda..

12. A ré administradora verificou o estado do telhado, sem que tenham sido verificadas anomalias a este nível.

13. No dia 7 de Outubro, para sindicar definitivamente a situação, o representante da ré administradora requereu vistoria ao local, mediante documento do teor do de folhas 55 dos autos.

14. No local estiveram dois representantes dos autores e o representante da ré administradora.

15. Todos os presentes verificaram que o local se encontrava rigorosamente seco.


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            b) – De direito

            Por questão metodológica comecemos por apreciar a impugnação da matéria de facto.

De acordo com o preâmbulo do diploma que introduziu o duplo grau de jurisdição da matéria de facto (DL n.º 39/95, de 15.2) “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso” e “o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)”.

            Ora bem. Da impugnação da matéria de facto dos recorrentes parece olvidar-se ter já ocorrido uma audiência de julgamento.

            Continua-se a sustentar a posição tomada no articulado de contestação, indicando-se como meios de prova para surpreender a incorrecção do julgamento de facto as 2 testemunhas oferecidas pelos RR. e a que o tribunal não deu credibilidade, sem que se ponha em causa esse juízo, parecendo esquecer-se, ainda, que outra prova testemunhal foi produzida e cuja credibilidade conferida pelo tribunal não é posta em causa, como não foi a dos documentos juntos.

            Quer dizer, na impugnação, não basta ao recorrente indicar as provas que entende justificarem convicção diversa, mas expor as razões que o levam a considerar tais provas com maior idoneidade e relevância relativamente a outras.

            Ainda assim, apreciando, não se vê qualquer incorrecção no julgamento da factualidade impugnada e que é, mais concretamente, a constante dos art.ºs 4.º a 6.º, 14.º e 15.º (e que mereceram resposta afirmativa), 19.º (que teve resposta restritiva), 26.º, 27.º, 30.º 40.º, 42.º e 43.º, estes respondidos negativamente.

            O 1.º grupo assentou no depoimento isento e objectivo das testemunhas H... e irmão I..., o 19.º no depoimento da testemunha F... e E... e, o último grupo, a que foram indicadas estas últimas testemunhas, não logrou comprovação, desde logo porque os seus depoimentos foram considerados parciais e comprometidos com a posição assumida pelos RR.

            Ora, ouvido o registo fonográfico de gravação, acompanhamos o juízo alcançado pela 1.ª instância.

            Com efeito, se a 1.ª e 2.ª testemunhas depuseram desinteressadamente, com coerência e objectividade e com directo conhecimento de causa e em sintonia com o teor dos documentos juntos aos autos, as outras 2, oferecidas pelos RR., já não, cada uma respondendo à sua maneira.

            A testemunha G... poderá ter interesse na causa porque foi a sua empresa de construção civil que, no seu dizer, procedeu a reparação ao prédio em Outubro/Novembro de 2008 e que a testemunha E..., com dependência de relação laboral à Ré “ D...”, situa em inícios de 2009.

            Divergente, também o facto de a testemunha E... na sequência dos faxes de fls. 31 e 32 ter asseverado que aquela empresa foi verificar o que estava a acontecer, quando o seu gerente garantiu que desde as 1.ªs obras nunca mais se deslocou ao imóvel.

            A par disso, o depoimento da testemunha G... é todo ele no sentido de depreciar e desvalorizar as infiltrações na fracção (“via-se lá umas coisitas rachinadas, mas nada de especial”) ou coincidente, aqui, com o depoimento da testemunha E..., de que as reparações podiam ser feitas com o apartamento ocupado e que este poderia ser arrendado no estado em que se encontrava!

            Quanto à conclusão recursiva de contradição entre uma resposta afirmativa e outras negativas, tal não se concebe, como de há muito a jurisprudência o afirma, pela simples razão de que uma resposta negativa a um quesito ou art.º de b. i. tem a mesma consequência que a falta de alegação da respectiva matéria.

            À míngua de qualquer outra prova, as respostas negativas dadas aos art.ºs de base instrutória 26.º, 27.º, 30.º 40.º, 42.º e 43.º não merecem censura, como não merecem as demais dadas aos outros quesitos (ou art.ºs.) impugnados com base nas mesmas testemunhas sem que se demonstrasse merecerem maior credibilidade que aquelas onde o tribunal assentou a convicção.

            Ainda assim se acrescentará que, quanto ao art.º 4.º, a resposta pretendida dar sempre extravasaria o teor da pergunta que, orientada para a fracção dos AA., as humidades que persistiam e o facto de só em Janeiro de 2010 o apartamento ter ficado reparado, levaria a que tivesse de manter-se a resposta.

            Quanto ao 5.º e 6.º, o que da carta de fls. 31, subscrita pela Ré, resulta é que esta aceitou as obras e se comprometeu à sua resolução (reparação), tanto que nela disse ter já acertado (a reparação) com uma empresa da especialidade.

            A redacção proposta desde logo não está de acordo com o próprio escrito de sua autoria.

            Quanto ao 14.º, pretendendo-se restringir a inabitabilidade do apartamento até Abril de 2009, não há prova que tal sustente. Para lá das fotos juntas e dos faxes expedidos à Ré, esta, ainda em 6.10.09 (fls. 55) solicitava aos AA. que estivessem no apartamento no dia seguinte “para que se proceda à reparação dos danos efectivamente existentes”.

            Pese embora as infiltrações tivessem tido resolução na sua fonte, o certo é que o apartamento continuou com humidades que o impediam de ser dado de arrendamento.

            Quanto ao 15.º, a resposta proposta excede o art.º e a prova do valor mensal de € 360,00 é desde logo resultante do documento de fls. 33.

            Finalmente, quanto ao 19.º, importa salientar não ter sido provada a circunstância temporal de “imediatamente”, como acima já vimos e a expressão “não sendo possível determinar a origem das infiltrações” não se contém no teor do próprio art.º.

            Em suma, improcede a impugnação.

            Quanto ao direito propriamente dito, foi correcto o seu enquadramento, pouco havendo a acrescentar à sentença recorrida.

            A obrigação de qualquer condómino de concorrer para os encargos de conservação e fruição do edifício (art. 1424.º, n.º 1, do CC) e a obrigação do condomínio de reparar os danos causados em fracção autónoma, v. g., por infiltração de água através de uma parte comum, como no caso, através da fachada exterior (art.ºs 493.º, n.º 1, 1436.º, alín. d) e 1421.º, n.º 1, alín. a), do CC), não sendo obrigações que dimanem de contrato, estruturalmente são verdadeiras obrigações resultantes da natureza real do instituto da propriedade horizontal (obrigações “propter rem”), mediante as quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita à realização de uma prestação em benefício de outra.[1]

            Na conhecida dicotomia obrigação de meios (em que o devedor apenas se compromete a desenvolver prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito) - obrigação de resultado (em que o devedor está vinculado a conseguir certo efeito útil)[2], trata-se, no caso e contrariamente ao sustentado pelos recorrentes, de uma obrigação desta última espécie, em que o condomínio se vincula a manter as partes comuns do edifício sem vícios causadores de danos, estes lhe sendo imputáveis uma vez produzidos (resultado).

            O cit. art.º 493.º, n.º 1, concede aos lesados uma presunção de culpa que aos RR., enquanto obrigados à vigilância do imóvel, cabia ilidir, provando a falta de culpa ou que os danos se teriam produzido ainda que sem culpa sua, o que de todo não fizeram.        

            À argumentação dos recorrentes de que os AA. deram causa à perda das rendas porque, urgentes que eram as obras, poderiam tê-las realizado eles próprios e de que negligenciaram o arrendamento quando a infiltração das águas já estava resolvida, cumpre dizer, somente, que, quanto à 1.ª parte, de acordo com o art.º 1427.º do CC qualquer condómino pode levar a efeito as reparações indispensáveis e urgentes, mas na falta ou no impedimento do administrador, o que não era o caso.

            Quem negligenciou a reparação foram os RR., concretamente a Ré administradora, que só ao fim de mais de 1 ano (15 meses) logrou reparar integralmente os danos provocados pelas infiltrações da fachada exterior do prédio.

            A reparação devida era não só a impermeabilização da fachada como a reposição do apartamento, concretamente no quarto, que era único, ao statu quo ante.

            E isso só em Janeiro de 2010 foi feito. Só nessa altura o dano cessou (lucro cessante).

            Não tem qualquer sentido a argumentação de que a decisão deveria ter atendido a um prazo normal de 90 dias para realização das obras. O direito dos AA., enquanto lesados, à reparação integral dos danos não estava dependente de qualquer prazo. O que se exigia era que os RR. tivessem reparado de imediato as infiltrações e estragos causados na fracção destinada ao mercado de arrendamento.

            Como sentido não tem a alegação recursiva de que os actos de administração extraordinária não fazem parte das funções do administrador. Mas não era à administradora que competia a convocação da assembleia de condóminos, nos termos do n.º 1 do art.º 1431.º do CC, se o tivesse por conveniente?

            Nada dos autos consta, contudo, que tivesse sido convocada.

            Terá a recorrente entendido que dispunha dos poderes bastantes…por isso ela tendo diligenciado pela sua reparação criando, além do mais, confiança nos AA. na sua capacidade de resolução, não podendo, agora, venire contra factum proprium, sob pena de ilegitimidade, por abuso de direito.

            Como última questão, resta apreciar se são 15 os meses em que o dano persistiu, se 14, como sustentam os recorrentes.

            Estando provada a inabitabilidade do apartamento desde Novembro de 2008 (inclusive) a Janeiro de 2010 (inclusive), obviamente que 15 foram os meses em que o mesmo esteve, por culpa dos RR., sem condições de ser dado de arrendamento.

            Pedindo na petição inicial o pagamento reportado a Novembro de 2008, ao serem considerados os 15 meses não há condenação em quantidade superior ao pedido (ultra petitum), por isso improcedendo a nulidade de sentença arguida.

            Face ao exposto, improcedem as conclusões recursivas.


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            3. Sumariando, no mais relevante (art.º 713.º, n.º 7, do CPC)

            I – Na impugnação da matéria de facto, não basta ao recorrente indicar as provas que entende justificarem convicção diversa, mas expor as razões que o levam a considerar tais provas com maior idoneidade e relevância relativamente a outros que foram também produzidas;

            II – A obrigação, “propter rem”, do condomínio, de vigiar o imóvel decorrente do n.º 1 do art.º 493.º do CC, é uma obrigação de resultado;

            III – Provada a infiltração de águas pluviais através da fachada exterior de um prédio, que é parte comum do edifício, ao condomínio e sua administração cabe a responsabilidade civil pelos danos provocados em fracção predial, a título de lucros cessantes de não poder ser dada de arrendamento, fim a que se destinava.


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            4. Decisão

            Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.

            Custas pelos recorrentes.


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Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
Ferreira Lopes

[1] V. Henrique Mesquita, “Obrigações Reais e Ónus Reais”, pág. 102.
[2] V. Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 1979, pág. 758.