Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
374/08.5TBTND-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: EXEQUENTE
CUMULAÇÃO
SUCESSÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 10/22/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TONDELA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 54º E 920º, NºS 2 E 3 DO CPC.
Sumário: Ao credor que assumiu a posição de exequente nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 920º do Cód. Proc. Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129 de 28/12/1961, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11, não é permitido requerer a cumulação sucessiva de execuções, prevista no artº 54º do mesmo diploma legal.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

                1. RELATÓRIO
                Nos autos de execução comum que, com o nº 374/08.5TBTND correm termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, em que figuram como exequente inicial “C…, Lda”, como executada “P… – Unipessoal, Lda”e como credor reclamante o Instituto da Segurança Social, I. P., foi por este, face à declaração de extinção da execução com base no pagamento da quantia exequenda, requerido, com êxito, o prosseguimento da acção executiva, nos termos do artº 920º, nº 2 do Código de Processo Civil[1].
                Entretanto, em 01/03/2013, o Instituto da Segurança Social, I.P.[2] requereu a cumulação sucessiva de execuções, nos termos do artº 54º, apresentando como título executivo certidão da Segurança Social nos termos da qual, para além da dívida inicialmente reclamada, reconhecida e graduada, a executada deve ainda àquela entidade a quantia de € 36.797,09 (trinta e seis mil setecentos e noventa e sete euros e nove cêntimos), relativa a contribuições dos meses de Fevereiro a Novembro de 2009, de Janeiro a Março e Julho de 2010 e de Setembro de 2010 a Dezembro de 2012, bem como a quantia de € 5.965,56 (cinco mil novecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta e seis cêntimos), de juros de mora vencidos, a que acrescerão ainda os vincendos.
                Sobre esse requerimento recaiu despacho datado de 13/03/2013, do teor seguinte:
“Os presentes autos seguem termos sob o impulso processual do credor reclamante ISS, nos termos do disposto no artigo 920º, nº 2 do CPC.
Por requerimento electrónico que deu entrada neste Tribunal de fls. 86 e seguintes, veio o ISS requerer a cumulação sucessiva de execuções, nos termos do disposto no artigo 54º do Código de Processo Civil.
Cumpre apreciar e decidir:
Estabelece o artigo 54º, nº 1 do CPC que “Enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro titulo, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
As circunstâncias impeditivas encontram-se elencadas no artigo 53º, nº 1 do CPC.
No caso em apreço, a credora reclamante vem requerer a cumulação quanto a quantias que não foram peticionadas na reclamação apensa aos presentes autos.
Ora, o documento junto, no qual sustenta a cumulação de execuções, não constitui titulo executivo que possa valer nos presentes autos. Além disso, entendemos que tal credora assume a qualidade de exequente, apenas dentro dos limites do crédito cuja verificação foi atempadamente peticionada e reconhecida e dentro dos bens penhorados nos termos do disposto no artigo 920º, n º2 e 3 do CPC.
Assim, uma vez que, a reclamante assume a qualidade de exequente dentro dos limites da reclamação por si oportunamente apresentada e relativamente aos bens penhorados, indefere-se a requerida cumulação, por falta de fundamento legal.
Notifique.
Em 05/04/2013, inconformado, o ISS interpôs recurso, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:
...
Não há notícia de que tenha havido resposta.
O recurso foi admitido.
Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.
                Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foi colocada apenas a questão de saber se ao credor que assumiu a posição de exequente nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 920º é permitido requerer a cumulação sucessiva de execuções, prevista no artº 54º.
                2. FUNDAMENTAÇÃO
                2.1. De facto
                A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório, aqui dado por reproduzido para todos os efeitos legais.
                2.2. De direito
                Sob a epígrafe «Renovação da execução extinta», estabelece o artº 920º:
1 - A extinção da execução, quando o título tenha trato sucessivo, não obsta a que a acção executiva se renove no mesmo processo para pagamento de prestações que se vençam posteriormente.
2 - Também o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, o prosseguimento desta para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.
3 - O requerimento faz prosseguir a execução, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assumirá a posição de exequente.
4 - Não se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento.
5 - O exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 919.º, quando indique bens penhoráveis aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior.
Uma das possibilidades de renovação da execução extinta é facultada pela lei ao credor reclamante cujo crédito esteja vencido e haja sido reclamado para ser pago pelo produto dos bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados e concretiza-se mediante requerimento pedindo o prosseguimento da execução para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito[3] (nº 2).
Nesse caso, a execução prossegue, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assume a posição de exequente (nº 3).
O credor que provoca a renovação da execução passa, pois, a exequente, com os poderes e deveres processuais que tal posição importa. A lei só refere expressamente uma limitação: a execução prossegue, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente[4]. O prosseguimento não abarca outros bens eventualmente penhorados. Nem podem penhorar-se outros bens[5].
Embora o credor assuma a posição de exequente, a execução permanece a mesma, apenas tendo ocorrido uma quebra do princípio da estabilidade da instância quanto aos sujeitos, consubstanciada na mudança do sujeito activo, que deixou de ser o exequente inicial e passou a ser o credor reclamante requerente do prosseguimento.
O prosseguimento da execução desencadeado pelo credor – assim promovido a exequente – visa não apenas a efectiva verificação e graduação do seu crédito, caso tais actos ainda não tenham sido realizados, mas também o pagamento do mesmo, através da venda ou adjudicação dos bens sobre os quais tenha garantia. E, como salienta Lopes Cardoso, a isso se limita[6].
“Tudo o que se processou antes da sentença de extinção da acção executiva se aproveita. Não há que repetir a citação do executado nem há que voltar a citar os credores (…). Vendidos os bens, há-de proceder-se a nova liquidação e haverá lugar a nova conta de custas, que incluirá os levantamentos a fazer. (…). Parece, todavia, que não tem lugar nova sentença a julgar extinta a execução”[7].
A questão colocada no recurso consiste em saber se um tal exequente pode fazer uso da figura da cumulação sucessiva de execuções, prevista no artº 54º.
O tribunal “a quo” entendeu que não.
O recorrente defende que sim.
Vejamos.
Preceitua o artº 54º:
“1. Enquanto uma execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer, no mesmo processo, a execução de outro título, desde que não exista nenhuma das circunstâncias que impedem a cumulação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2. Cessa o obstáculo previsto na alínea b) do nº 1 do artigo anterior quando a execução iniciada com vista à entrega de coisa certa ou de prestação de facto haja sido convertida em execução para pagamento de quantia certa.”
                As circunstâncias que impedem a cumulação sucessiva são as mesmas que obstam à cumulação inicial e estão previstas nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 53º. Contudo, relativamente à prevista na al. b) – terem as execuções fins diferentes – o obstáculo cessa quando a execução iniciada com vista à entrega de coisa certa ou de prestação de facto haja sido convertida em execução para pagamento de quantia certa.
                No caso que nos ocupa não se verifica qualquer das circunstâncias impeditivas referidas.
                Apesar disso, afigura-se-nos que não é admissível a cumulação sucessiva.
                Com efeito, como se referiu, apesar da substituição do seu sujeito activo, a execução renovada não deixou de ser a mesma. E ela, como é pressuposto da renovação, tinha já sido julgada extinta, opinando mesmo Lopes Cardoso, atrás citado, que não tem lugar nova sentença a julgar extinta a execução.
                Falta, pois, o requisito primeiro da cumulação sucessiva, enunciado logo no início do nº 1 do artº 54º: não ter a execução sido julgada extinta.
Além disso, sendo escopo do prosseguimento da execução extinta, desencadeado pelo credor, facultar a este a verificação e graduação do seu crédito, caso tais actos ainda não tenham sido realizados, bem como o pagamento do mesmo, através da venda ou adjudicação dos bens penhorados sobre os quais tenha garantia, a cumulação sucessiva extravasa claramente essa finalidade.
Com efeito, a cumulação sucessiva traduz-se na execução de outro título, podendo implicar a penhora de outros bens, novo concurso de credores e distintas diligências de pagamento, o que contraria as acanhadas fronteiras do incidente de renovação da execução extinta.
A probabilidade da necessidade desses actos, para além de potenciar o rompimento dos limites estreitos da aludida figura da renovação da execução extinta, retira poder de convencimento ao argumento da economia processual esgrimido pelo recorrente na sua alegação.
Soçobram, pois, as conclusões da alegação do recorrente, o que conduz à improcedência da apelação e à manutenção da decisão sob recurso.
Sumário:
Ao credor que assumiu a posição de exequente nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 920º do Cód. Proc. Civil aprovado pelo Decreto-Lei nº 44129 de 28/12/1961, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20/11, não é permitido requerer a cumulação sucessiva de execuções, prevista no artº 54º do mesmo diploma legal.
                3. DECISÃO
                Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
                As custas são a cargo do recorrente.
Coimbra, 2013/10/22
***
Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo

[1] Na versão aplicável, que era a aprovada pelo Decreto-Lei nº 44129, de 28/12/1961, com as sucessivas alterações de que foi objecto.
  São desse diploma, nessa versão, as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Doravante, por facilidade, tratado apenas por ISS.
[3] Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, 4ª edição, págs. 362/364; Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, págs. 695/696.
[4] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Coimbra Editora 2003, pág. 636.
[5] Lopes Cardoso, obra e local citados.
[6] Obra e local citados.
[7] Lopes Cardoso, obra e local citados.