Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1937/97.8PEAVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: REABERTURA DA AUDIÊNCIA
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - JUÍZO DE MÉDIA INSTÂNCIA CRIMINAL DE AVEIRO - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 371º-A, DO C. PROC. PENAL
Sumário: Tendo em conta o texto do artigo 371º-A, do C. Proc. Penal, onde não consta a mínima referência a qualquer prazo, a reabertura da audiência, visando a aplicação do regime mais favorável ao arguido consagrado na nova lei, pode ser requerida após o trânsito em julgado da condenação, mas antes de ter cessado a execução da pena, porque entre estes dois limites temporais ainda é viável a intervenção do n.º 4, do artigo 2º, do Código Penal.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. Nos presentes autos de processo comum (tribunal colectivo), registados sob o n.º 1937/97.8PEAVR-A, o arguido A..., devidamente identificado nos autos, actualmente detido à ordem dos mesmos, no cumprimento de pena de 2 anos de prisão, interpôs recurso do despacho proferido a fls. 73 (577 do processo principal), que indeferiu o requerimento, por si apresentado, para reabertura da audiência ao abrigo da previsão contida no artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal.
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2. Na motivação do recurso, o recorrente formulou as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª - A revogação da suspensão de pena sem audição prévia presencial do arguido constitui nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119.º CPP.
2.ª - A nulidade, insanável, de tal decisão implica que, no caso, não se possa considerar ter a pena de substituição cessado a sua execução.
3.ª - Pelo que, ao indeferir a reabertura da audiência que o arguido havia requerido ao abrigo do disposto no artigo 371.º-A CPP violou o douto despacho sob recurso o disposto naquele preceito legal.
4.ª - A reabertura da audiência para aplicação de nova lei mais favorável prevista no artigo 371.º-A não se limita à mera aplicação automática da nova lei, exigindo novo juízo de determinação da pena pelo julgador.
5.ª - Esse novo juízo poderá coincidir, ou não, com o já anteriormente proferido.
6.ª - Designadamente, uma vez reaberta a audiência, poderá o arguido prestar declarações ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 61.º CPP que alterem a decisão anterior.
7.ª - Termos em que, ao indeferir a reabertura da audiência para aplicação da lei mais favorável que o arguido havia requerido ao abrigo do disposto no artigo 371.º-A CPP, violou o douto despacho sob recurso não só aquele dispositivo legal como os direitos de defesa do arguido constitucionalmente previstos no artigo 32.º CRP.
Termos em que, conforme as conclusões supra, ou outras que os Venerandos Desembargadores se dignem suprir, se realizará a habitual justiça!
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3. Na resposta que apresentou ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da sua improcedência.
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4. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer, no qual aderiu à posição expressa pelo Ministério Público na 1.ª instância.
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5. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
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II. Fundamentação:
1. Questão prévia:
Segundo o Ministério Público, o pedido de reabertura da audiência, apresentado pelo arguido, nos termos do disposto no artigo 371.º-A, do Código de Processo Penal, é manifestamente extemporâneo - porque feito vários anos após a vigência da lei cuja aplicação é requerida, e não no prazo de 10 dias previsto no artigo 105.º, n.º 1 daquele diploma legal, contado a partir da data de entrada em vigor da nova lei (48/2007, de 29-8) -, devendo ser rejeitado com este fundamento.
Não concordamos com esta tese interpretativa.
Tendo em conta o texto do normativo em causa (artigo 371.º-A), onde não consta a mínima referência a qualquer prazo, afigura-se-nos que a reabertura da audiência, visando a aplicação do regime mais favorável ao arguido consagrado na nova lei, pode ser requerida após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, porque entre estes dois limites temporais ainda é viável a intervenção do n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal.
Daí que improceda a invocada questão prévia.
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2. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência uniforme dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que delimitam e fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da apreciação das demais questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No caso sub judice, as questões que cumpre decidir consistem em saber se: (i) existe fundamento legal para a reabertura da audiência requerida pelo ora recorrente; (ii) “o despacho sob recurso violou os direitos de defesa do arguido, constitucionalmente previstos no artigo 32.º da CRP”.
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3. Elementos relevantes à decisão:
a) Por acórdão proferido em 2 de Março de 1999, transitado em julgado no dia 17 de Março de 1999, o arguido A... foi condenado: pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. nos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; pela prática continuada de um crime de falsificação de documento, p. e p. nos artigos 30.º, 79.º e 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, todos do mesmo Código, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de 1.000$00 (mil escudos); pela prática de um crime de burla, p. e p. no artigo 217.º, n.º 1, ainda do referido compêndio legislativo, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à dita razão diária; na pena única de 2 (dois) anos de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, e na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de 1.000$00 (mil escudos).

b) Em 15 de Janeiro de 2002, foi proferido despacho que, para além da alusão à condenação supra referida, deixou consignado:
«(…).
De acordo com o disposto no art. 50.º, n.º 5, do C. Penal, o período da suspensão é fixado entre 1 e 5 anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão condenatória. Por outro lado, dispõe o art. 57.º, n.º 1, do C. Penal: “A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”; e a suspensão será sempre revogada se, durante o respectivo período, o condenado cometer crime por que venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (art. 56.º, n.º 1, al. b), do C. Penal).
No caso dos presentes autos, embora ainda não tenha decorrido todo o período de suspensão, retira-se do certificado de registo criminal de fls. 111-114 que o arguido já foi condenado, durante o período decorrido, três vezes pela prática do crime de condução sem carta, mais concretamente, o arguido praticou o referido crime em 04.04.2000, 05.09.2000 e 24.09.2001.
Face ao exposto, é evidente que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, nos presentes autos, não foi suficiente para afastá-lo da prática delituosa, concluindo-se, pois, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizaram de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Estão, assim, reunidos os requisitos indispensáveis para a revogação da suspensão, determinando-se, consequentemente, o cumprimento da pena de prisão fixada no douto acórdão (cfr. art. 56.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CP).
Pelo exposto e decidindo, ao abrigo do art. 56.º do C. Penal e como promovido pelo M.P., revogo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos e condeno-o a cumprir a pena de prisão de 2 (dois) anos aplicada por acórdão de fls. 82 a 87
(…)».

c) A defensora do arguido foi notificada do despacho ora reproduzido, através de carta registada enviada no dia 17-01-2002.
Para notificação ao arguido desse despacho foi remetido, em 17-01-2002, postal registado com prova de recepção. O respectivo aviso de recepção tem aposto, em 18-01-2002, nome não correspondente ao do arguido (cfr. 38 e 39 destes autos - fls. 119/120 do processo principal).

d) No dia 03-06-2005, O Mm.º Juiz do tribunal a quo lavrou despacho com o seguinte conteúdo (cfr. fls. 40 destes autos - fls. 166 do processo principal):
«Por despacho de fls. 116/117 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos ao arguido e foi determinado que o mesmo cumprisse dois anos de prisão.
Vem agora o arguido, a fls. 141 a 144, requerer que se prolongue o período de suspensão da execução da pena inicialmente fixado.
Ora, tal requerimento, não obstante os fundamentos nele constantes, não pode ser atendido, atento o facto de a decisão supra referida ter transitado em julgado, tendo-se esgotado o poder jurisdicional em relação à questão nele apreciada.
Notifique.
Após trânsito, cumpram-se os mandados de detenção oportunamente emitidos».

e) O Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 07-12-2005 (cfr. fls. 41/45 destes autos - fls. 222/226 do processo principal), rejeitou, por manifesta improcedência, o recurso interposto daquele despacho pelo arguido, com os seguintes fundamentos:
«(…).
Como se verifica a fls. 119 e 120 dos autos, o arguido foi notificado do despacho de fls. 116, que revogou a suspensão da execução da pena, através da carta registada, remetida para a sua residência, a constante dos autos, vindo indicado no aviso de recepção a identificação da pessoa que o assinou, tudo de acordo com o disposto nos artigos 113.º/1/b)/2/6/c) do Código de Processo Penal.
Assim, a notificação é legal e regular, considerando-se, in casu, efectuada em 17/1/02.
Quando o arguido deu entrada, em 23/5/05, ao requerimento a pedir a prorrogação da suspensão da execução da pena, há já muito tinha transitado o despacho que a revogara».

f) O arguido está a cumprir, desde 21-08-2011, a pena de dois anos de prisão que lhe foi imposta no acórdão referido supra.

g) Por requerimento datado de 17-10-2011, o arguido requereu, ao abrigo do disposto no artigo 371.º-A do CPP, a reabertura da audiência de julgamento, com base nos seguintes argumentos (fls. 64/68 destes autos - fls. 535/539 do processo principal):
«Como se alega supra, o arguido, ora requerente, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 17 de Março de 1999, a uma pena de prisão de 2 anos, suspensa por um período de 3 anos, nos termos do disposto no art. 50.º, n.º 5, do CP/95.
Como é sabido, actualmente, desde a entrada em vigor das alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, o mencionado período de suspensão nunca poderia ultrapassar os 2 anos (cfr. art. 50.º, n.º 5, do CP/2007).
Sendo esta norma manifestamente mais favorável ao arguido.
Termos em que (…) requer, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 371.º-A do Código de Processo Penal, a reabertura da audiência de julgamento para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável».

h) O Ministério Público respondeu ao requerido, nesta forma (cfr. fls. 71/72 destes autos - fls. 550/551 do processo principal):
«Quanto à requerida reabertura da audiência para redução do período de duração da pena de substituição, em conformidade com o disposto no artigo 50.º, n.º 5, do C. Penal (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 59/07, de 04/09), entendemos que deverá também ser indeferida.
Por um lado, porque já não será possível e, por outro, porque não vislumbramos, no caso, qualquer benefício para o arguido decorrente dessa redução, sendo certo que o acto em causa apenas deverá ser determinado se dele puder vir a resultar um benefício efectivo para o arguido.
Concretizando, diremos que a possibilidade de reabertura da audiência prevista no artigo 371.º-A do C. P. Penal depende da verificação de quatro requisitos: - iniciativa processual do condenado; - trânsito em julgado da condenação; - pendência da pena ou possibilidade de vir a ser executada; - entrada em vigor de lei penal, em abstracto mais favorável.
Ora, a pena de substituição, cujo prazo se pretende ver reduzido, já cessou a sua execução, com a respectiva execução.
Além de que, pelo menos dois dos crimes praticados pelo arguido, determinantes dessa revogação, ocorreram nos dois primeiros anos de execução da pena de substituição, pelo que, como já se disse, a requerida reabertura redundaria num acto inútil.
Face a todo o exposto, somos de parece que deverá ser integralmente indeferido o requerido pelo arguido».

i) Proferiu, então, o Mm.º Juiz do tribunal de 1.ª instância o despacho sob recurso, abaixo reproduzido:
«Fls. 535 a 539:
Por inteira concordância e economia processual, dá-se por reproduzido o exposto pelo Ministério Público a fls. 548 a 551, para concluir pela improcedência da arguição de excepção de prescrição da pena e pelo indeferimento do requerimento para reabertura da audiência, cujos pressupostos não se verificam».
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4. Mérito do recurso:
Dispõe o artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa:
«Ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido».
Em comentário à citada norma, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, 2007, pág. 496.:
«Se é proibida a aplicação retroactiva da lei penal desfavorável, já é obrigatória a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (n.º 4, 2.ª parte). Se o legislador deixa de considerar criminalmente censurável uma determinada conduta, ou passa a puni-la menos severamente, então essa nova valoração legislativa deve aproveitar a todos, mesmo aos que já tinham cometido tal crime. Este princípio compreende também duas vertentes: (a) que deixa de ser considerado crime o facto que lei posterior venha despenalizar; e (b) que um crime passa a ser menos severamente punido do que era no momento da sua prática, se lei posterior o sancionar com pena mais leve.
Não estabelecendo a Constituição qualquer excepção, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há-de valer, ao menos ao princípio, mesmo para os casos julgados, com a consequente reapreciação da questão (…)».
No mesmo sentido se pronunciam Jorge Miranda - Rui Medeiros Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, 2005, pág. 330., quando escrevem:
«Uma palavra deve ser dita sobre o alcance da retroactividade da lei penal mais favorável, i. é, da lei nova que vem estabelecer uma pena ou uma medida de segurança menos grave que a prevista em lei anterior revogada. É que, enquanto a Constituição da República Portuguesa, artigo 29.º, n.º 4, 2.ª parte, não estabelece qualquer limite à aplicação retroactiva da lei nova mais favorável, já o Código Penal, no artigo 2.º, n.º 4, parte final, estabelece que não haverá aplicação retroactiva da lei mais nova mais favorável, quando a sentença condenatória (com base na lei antiga mais grave) já tiver transitado em julgado.
Tendo de ser sintéticos, cabe-nos apenas dizer que este limite do caso julgado, estabelecido na referida disposição do Código Penal, deve ser considerada inconstitucional.
(…).
Tal limite viola os princípios constitucionais da igualdade perante a lei /artigo 13.º, n.º 1, 2.ª parte), sendo fonte de injustiças materiais relativas; viola o princípio da mínima restrição possível dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 18.º, n.º 1, 2.ª parte, princípio do qual a 2.ª parte do n.º 4 do artigo 29.º é uma emanação e concretização (…)» Ainda com igual posição, v. g., Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, Vol. I, Verbo 1997, págs. 270 e 271..
Em consonância com as posições que se acabam de expor, o Tribunal Constitucional considerou, em vários acórdãos, materialmente inconstitucional, por violação do princípio da aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, consagrado no n.º 4 do artigo 29.º da Constituição, a norma constante do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, na interpretação segundo a qual veda a aplicação da lei penal nova de conteúdo mais favorável ao arguido quando tenha havido trânsito em julgado da sentença condenatória A título exemplificativo, vejam-se os Acs. n.º 677/98, de 2-12-2008, publicado no DR, Acs. do Tribunal Constitucional, Vol. 41; e n.º 169/2002, de 17-04-2002, proferido no processo n.º 537/2000, publicado no DR, II Série, de 16-05-2002..
Sensível aos argumentos daqueles que tinham o artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal revisto, como inconstitucional, no referenciado segmento (“salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado”), o legislador, na nova redacção que deu ao texto-norma do referido artigo, eliminou a parte que se acaba de citar, querendo fazer aplicar ao agente o regime que em concreto lhe seja mais favorável, sem o obstáculo do trânsito em julgado.
E, em conformidade, o Código de Processo Penal, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, passou a prever um novo artigo aditado (371.º-A):
«Se, após o trânsito em julgado da condenação, mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime».
A nova audiência visa, assim, permitir a aplicação da lei penal mais favorável, em termos de reacção penal (como sucede quando a única alteração que decorre da lei nova apenas se repercute ao nível da sanção aplicada ou da sua substituição por pena mais favorável), comparando o julgador, no momento em que profere a decisão, os regimes penais sucessivos (a lei nova e a lei velha), para determinar se a lei nova, no confronto com a lei antiga, beneficia o condenado, caso em que procederá à sua aplicação.
Como se lê no Acórdão desta Relação de 10 de Dezembro de 2008 Proferido no processo n.º 341/03.5TATNV-D.C1, relatado pelo Sr. Desembargador Heitor Osório., são pressupostos de aplicação do mecanismo previsto no artigo 371.º-A:
- A existência de uma sentença condenatória transitada em julgado;
- A existência de uma pena em execução [fica limitada a sua aplicação aos casos em que ainda pode ser atenuada ou eliminada a compressão de direitos];
- O impulso processual do condenado; e
- A verificação de uma sucessão de leis penais no tempo e a possibilidade de a aplicação da lei penal nova trazer ao condenado um benefício.
Retomando o caso dos autos, a questão fulcral colocada pelo recorrente consiste em saber se, em face da nova redacção conferida ao artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal, pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, do seguinte teor: «O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão», a conjugação das referidas alterações introduzidas, pela referida Lei, ao citado normativo e ao 2.º, n.º 4, do mesmo diploma, impõem a reabertura da audiência, ao abrigo do artigo 371.º-A, do CPP.
Relembramos que, sobre a descrita situação, pondo fim à polémica então instalada nos Tribunais da Relação sobre se o juiz devia considerar, oficiosamente, o quantum da pena principal como nova duração da suspensão ou se, diversamente, haveria de confrontar, em audiência reaberta, os dois regimes legais que se sucederam de molde a apurar o concretamente mais favorável ao arguido, o Ac. do Pleno das Secções Criminais do STJ, em acórdão n.º 15/2009, de 21-10-2009 Publicado no DR, 1.ª Série, de 24-12-2009., decidiu no sentido da segunda posição, deixando expresso: «A aplicação do n.º 5 do artigo 50.º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, a condenado em pena de suspensão da execução da prisão, por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor daquele diploma legal, opera-se através da reabertura da audiência, nos termos do artigo 371.º-A, do CPP».
Dando resposta à questão, se ainda subsistisse a suspensão da execução da pena de 2 anos de prisão no momento em que foi requerida a reabertura da audiência, nenhum obstáculo existiria ao deferimento da pretensão do recorrente.
Simplesmente, tal não acontece.
Efectivamente, a revogação da pena de prisão, através de despacho transitado em julgado em Fevereiro de 2002, determinou, a partir dessa data, o cumprimento da pena de prisão fixada no acórdão condenatório. Ou seja, não é possível “ressuscitar” a suspensão da pena há muito tempo definitivamente revogada.
E não colhem os argumentos laterais do recorrente, quando invoca a nulidade (insanável) do despacho judicial determinativo da revogação da suspensão, por falta da sua audição prévia.
De acordo com o sistema do Código de Processo Penal (cfr. artigos 118.º, 119.º e 120.º e demais normas dispersas no mesmo diploma), as invalidades dos actos processuais estão previstas de forma tipificada e taxativa, ou mesmo em absoluto, pelo menos quanto aos moldes em que cada espécie de invalidade poderá ser declarada e quanto aos efeitos decorrentes dessa verificação e declaração (ficando, naturalmente, de fora os casos de inexistência de actos processuais, categoria admitida pela doutrina e jurisprudência e cuja consagração legal foi tida por desnecessária face à evidência da invalidade absoluta e irredimível dos actos afectados pela mesma).
Como sabemos, a nulidade dita relativa consente a sua sanação. O acto relativamente nulo pode ser convalidado.
A nulidade absoluta é insanável, necessitando, no entanto, de ser declarada. Pode ser arguida ou declarada oficiosamente. O acto praticado tem existência jurídica, embora defeituosa, e ainda que o vício seja insanável; e, consequentemente, a falta de anulação deixa-o subsistir. A decisão judicial com trânsito em julgado não se anula, como se não declara a nulidade de actos dum processo que findou com decisão irrevogável Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, lições proferidas no ano lectivo de 1954-1955, pág. 267 e 268..
Dito por outras palavras: no nosso direito processual os actos nulos só podem ser anulados até ao trânsito em julgado da decisão em causa. Com a formação de caso julgado, mesmo as nulidades arguíveis em qualquer estado do procedimento, incluindo os vícios da própria sentença, tornam-se insidicáveis. O valor da segurança jurídica acaba por sobrepor-se à justiça processual, inviabilizando qualquer modificação do julgado.
Ora, como já ficou dito, o despacho que revogou a suspensão transitou em julgado em 2002, sendo nesta fase processual totalmente inconsequente a arguição, pelo recorrente, da referida nulidade.
E se o mesmo pretende também a reabertura da audiência tendo em vista a reapreciação da pena de prisão que presentemente prevalece (as conclusões do recurso não são totalmente elucidativas sobre os limites de intervenção do tribunal de recurso), então dir-se-á simplesmente - mais não é necessário - que, neste contexto, o crime de furto qualificado, relativamente ao qual subsiste a pena privativa da liberdade, não teve, por força de lei posterior, qualquer alteração na sua moldura punitiva abstracta.
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III. Decisão:
Posto o que precede, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, o despacho recorrido.
Custas pelo arguido, com 2 UC de taxa de justiça [arts. 513.º e 514.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, 82.º, n.º 1 e 87.º, n.ºs 1, al. b), e 3, do Código das Custas Judiciais].
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Alberto Mira (Relator)
Elisa Sales