Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
43/14.7PFLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO DO CONDENADO VIA POSTAL SIMPLES
Data do Acordão: 01/15/2020
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA – J3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 49.º, N.º 1, DO CP; ARTS. 113.º E 196.º DO CPP
Sumário: A notificação da decisão que, ao abrigo do disposto no artigo 49.º, n.º 1, do CPP, converte a pena de multa em prisão subsidiária, pode ser efectuada via postal simples, para a residência escolhida pelo arguido quando da prestação do TIR.
Decisão Texto Integral:









I. RELATÓRIO

1. O despacho datado de 16 de Janeiro de 2019 indeferiu a notificação do arguido, via postal, com prova de depósito, do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária.

2. Inconformado, recorre o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

«1- No âmbito dos presentes autos, foi condenado o arguido A., pela prática de três crimes de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº. 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 02/12, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, e na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa, à razão diária de 6,00 € (seis euros), que perfaz € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), correspondendo a esta última, prisão subsidiária, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, se for caso disso;

2- Por despacho de 07/09/2018, foi determinada a conversão daquela pena de multa, em 166 (cento e sessenta e seis) dias de prisão subsidiária, na sequência da verificação dos pressupostos do artigo 490., na. 1, do Código Penal, e sem prejuízo da faculdade conferida no na. 2, da mesma norma legal, mais tendo sido ordenada a respetiva notificação do arguido, através de OPC;

3- O Ministério Público, a 14/01/2019, promoveu o que o identificado arguido fosse notificado do mesmo despacho, de 07/09/2018, via postal, por carta com prova de depósito, a expedir para a morada constante do termo de identidade e residência, a fls. 20, verso, o qual foi prestado ao abrigo da nova redação dos artigos 1960, e 2140, na 1, al. e), ambos do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei na 20/2013, de 21/02;

4- Pelo despacho recorrido, proferido a 16/01/2019, foi indeferida a promovida notificação do arguido do referido despacho por via postal simples, mediante prova de depósito na morada pelo mesmo indicada no respetivo termo de identidade e residência, aí constando que "Considerando-se que o despacho que converte uma pena não privativa da liberdade numa pena de prisão subsidiária, introduz uma modificação de conteúdo decisório da sentença condenatória que tem repercussões, uma vez que da mesma resulta a privação da liberdade do condenado, somos do entendimento de que o despacho que faz/Is. 390 a 391 dos autos, que converteu a pena de multa em prisão subsidiária, tem de ser directa e pessoalmente ao arguido (. . .).

5- O arguido prestou termo de identidade e residência, no âmbito dos presentes autos, no dia 04/04/2014, nos termos dos artigos 196°, nº s 2 e 3, e 214°, n° 1, alínea e), ambos do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n." 20/2013, de 21/02, tendo o mesmo indicado a morada respetiva, para os efeitos devidos, tal como aí consta;

6- O termo de identidade e residência, prestado pelo arguido, encontra-se válido, já que o mesmo não comunicou aos autos, morada diversa daquela que indicou, assim, mantendo-se todas as respetivas obrigações e consequências do mesmo decorrentes, até à execução da pena respetiva, tendo sido o mesmo advertido, expressamente, de que: todas as notificações futuras passavam a ser legitimamente realizadas, por mera via postal simples, de que o incumprimento da comunicação de alteração de residência legitimaria a sua representação, por defensor, e de que, em caso de condenação, o mesmo termo de identidade só se extingue com a extinção da pena, tudo, de acordo com o disposto no artigo 196°, nºs 1, alínea c), e 3, e do artigo 113°, n°. 3, ambos do Código de Processo Penal;

7- Apesar da importância da notificação da decisão de conversão da pena de multa, em pena de prisão, por afetar a liberdade do condenado, igual importância tem a decisão de revogação da suspensão de uma pena de prisão, sendo que, neste caso, foi uniformizada jurisprudência, pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 6/2010 (in DR las. de 21/05/2010), que fixou jurisprudência, no sentido de que a "(. . .) A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de 'contacto pessoal' como a 'via postal registada, por meio de carta ou aviso registados' ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso»  (artigo 113º nº 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP) (. . .) ", pelo que não será exigível a notificação pessoal do condenado, da decisão de conversão da multa, em pena de prisão subsidiária;

8- Assim, e não existindo norma que determine outra forma expressa de efetuar a notificação ao arguido, do despacho de conversão da multa, em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49°., n°, 1, do Código Penal, e existindo termo de identidade e residência, validamente prestado, ao abrigo do atual regime legal, como sucede, no caso "sub judice", a notificação do arguido, do mesmo despacho, deve ser efetuada mediante via postal simples, para a morada pelo próprio indicada, para o efeito, do que foi expressamente advertido, pelo que não é exigível, no caso concreto, a respetiva notificação, por contacto pessoal, e

9- Daí que, pelo despacho proferido a 16/01/2019, que indefere a promovida notificação do arguido, do aludido despacho de conversão da pena de multa, em pena de prisão subsidiária, por via postal simples, mediante prova de depósito, na morada indicada no termo de identidade e residência (prestado ao abrigo da nova redação dos artigos 196°, e 214°, n° 1, al. e), ambos do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n° 20/2013, de 21/02), tenha sido violado o disposto nos artigos, 49°., n°. 1, do Código Penal, e 113°, nºs 1, alínea c), 3 e , 196°, nºs 2 e 3, alíneas, c), d) e e), e 214°, n° 1, alínea e), estes do mesmo Código de Processo Penal

3. Nesta Relação, o Digna Procurador – Geral Adjunta secunda a posição do Ministério em primeira instância.

4. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre, agora, decidir.

II. DO MÉRITO DO RECURSO

Divergindo Recorrente e Tribunal recorrido sobre a modalidade de notificação ao arguido do despacho que converte a multa em prisão subsidiária, cabe resolver a questão de saber se aquela notificação pode ser realizada via postal, como defende o Ministério Público ou se deve ser pessoal, como decidiu o despacho sindicado.

É conhecida a abundante jurisprudência suscitada sobre o regime de notificações das decisões condenatórias em processo penal, abordando questões várias, de entre as quais, se salienta, para o caso, a forma que devem revestir.

Especificamente sobre a questão da notificação da decisão que converte a multa em prisão subsidiária, a divergência surge entre os que defendem que aquela notificação deve ser efectuada por contacto pessoal (v.g. entre outros, Acórdão desta Relação de 9 de Maio de 2012, Processo nº 100/08.9GBMIR-A.C1 e de 25 de Junho de 2014, Processo nº 414/99.7TBCVL-B.C1; da Relação de Évora de 30 de Outubro de 2012, Processo nº 63/09.3 PAOLH.E1 e de 19 de Março de 2013, Processo nº 99/05 3PATVR-B.E1; da Relação de Lisboa de 14 de Fevereiro de 2018, Processo nº 210/15.6PESNT.L1-3 e de 19 de Fevereiro de 2019, Processo nº 124/14.7PTOER-A-.L1-5; da Relação do Porto de 18 de Maio de 2011, Processo nº 241/10.2PHMTS-A.P1 e 14 de Dezembro de 2011, Processo nº 344/09.6PBMTS-B.P1) e os que entendem a notificação pode ser por via postal (Acórdão desta Relação de 22 de Maio de 2013; da Relação do Porto de 30 de Junho de 2018, Processo nº 92/15.8GBOAZ-A.P1, de 12 de Setembro de 2018, documento nº            RP20180912390/13.5GBOAZ-A.P1; de 31 de Outubro de 2018, Processo nº 665/14.6GBOAZ-A.P1, de 6 de Fevereiro de 2019, Processo nº 1630/15.1T9VFR.P1 e de 29 de Novembro de 2016, processo nº 1239/06.0PTPRT-A.P1; da Relação de Évora de 22 de Setembro de 2015, Processo nº 385/11. 3GGSTB-A.E1).

Os argumentos de uma e outra tese são sobejamente conhecidos e, dispensando-nos de os repetir, adiantamos que o despacho que converte a multa e prisão se basta com a notificação via postal simples, caso o arguido tenha prestado termo de identidade e residência na versão actualmente vigente.

Entendemos, tal como a jurisprudência citada pelo Ministério Público no recurso e jurisprudência aí citada, que o despacho que nos termos do artigo 49º do Código Penal, converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária, deve ser notificada ao arguido que prestou termo de identidade e residência, indicando a morada para efeitos de notificação dos actos processuais até à extinção da pena de multa, deve ser notificado naquela morada.

Radica este entendimento na constatação de que o arguido condenado pela prática de um crime assume um conjunto de deveres, cuja inobservância é sancionada nos termos expressamente queridos e previstos pelo legislador.

Tal resulta, quanto a nós, do regime legal previsto para o cumprimento da pena de multa e da alteração legislativa sobre as notificações ao arguido, em especial, os efeitos da prestação do termo de identidade e residência.

O artigo 489º, do Código de Processo Penal estabelece, nos nºs 1 e 2, que a multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais, no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito.

Notificado o condenado para proceder ao pagamento da multa, pode requerer o pagamento da multa em prestações (artigo 47º, nº 3, do Código Penal e 489º, nº3, do Código de Processo Penal).

A pena de multa pode, ainda, ser substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas do direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficientes as finalidades da punição (artigo 48º, nº 1, do Código Penal). 

Em caso de não substituição da multa por dias de trabalho, o prazo de pagamento é de 15 dias a contar da notificação da decisão, nos termos do artigo 490º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial, conforme dispõe o nº 1, do artigo 491º, do Código de Processo Penal.

Daqui resulta que a execução da pena de multa comporta várias modalidades de cumprimento: a) pagamento voluntário, imediato, deferido ou em prestações e b) substituição por trabalho.

Só em caso de incumprimento da pena de multa, numa das daquelas modalidades (a concretamente aplicada), é que se coloca a questão da conversão da pena de multa em prisão subsidiária ou da suspensão da sua execução.

Terminada a fase do cumprimento da pena de multa, por uma das formas previstas nos artigos 489º, 490º e 491º, do Código de Processo Penal, inicia-se uma nova etapa processual, a do incumprimento da multa (por falta de pagamento ou de trabalho a favor da comunidade), orientada para a conversão da pena de multa em prisão subsidiária ou suspensão da respectiva execução não se exigindo, para este efeito, a repetição de todos os actos processuais contidos naquela primeira fase do cumprimento da multa.

É o que decorre do artigo 49º, do Código Penal, onde se lê: 

1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º

2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.

3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.

4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.

A conversão em prisão subsidiária da pena de multa não cumprida pelo pagamento ou pela prestação de trabalho, que, reitere-se se inicia depois de esgotadas as vias de cumprimento da multa previstas nos artigos 489º a 491º, do Código de Processo Penal, destina-se, assim, a apreciar a conversão da multa em prisão subsidiária ou a suspensão da mesma, conforme se trate de incumprimento culposo ou não imputável ao condenado.

Por isso, distingue o artigo 49º, citado, duas situações: a dos casos em que a multa foi substituída por trabalho dos casos em que não foi.

No caso da pena de multa não ter sido substituída por dias de trabalho e não ter sido paga voluntaria ou coercivamente a multa é convertida em prisão subsidiária, conforme dispõe o nº 1, do artigo 49º, do Código Penal, podendo esta ser suspensa na sua execução, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável (artigo 49º, nº 3, do Código Penal).

No caso de a pena de multa ter sido substituída por prestação de trabalho, a conversão da multa em prisão subsidiária depende do incumprimento da prestação do trabalho. Se este não for imputável ao condenado, pode a prisão subsidiária ser suspensa na sua execução, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, conforme dispõe o nº 3, do artigo 49º, ex vi nº 4, in fine do mesmo preceito e diploma.

Se o condenado culposamente não cumpriu os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída, então a multa é convertida em prisão subsidiária, podendo o condenado a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado, de acordo com do disposto no artigo 49º, nº 1, segunda parte e nº 2, aplicáveis por força do seu nº 4, primeira parte.

Vale isto para dizer, que a pena de prisão não está para com a pena de multa numa relação de alternatividade, mas de subsidiariedade, já que somente deve ser cumprida depois de esgotados todos os outros meios de cumprimento da multa, dispondo o condenado de um conjunto de soluções impeditivas do cumprimento da prisão.

Ora, quando depois da condenação numa pena criminal, o arguido não manifesta qualquer intenção nem vontade de cumprir a multa, e se coloca na inviabilidade (muda de residência, sem qualquer comunicação ao processo) de ser notificado, por contacto pessoal, de qualquer decisão proferida, como é o caso dos autos, quis o legislador responsabilizá-lo por tal comportamento.

Desde logo, ao não excepcionar do regime regra das comunicações dos actos processuais, previsto no artigo 113º, do Código de Processo Penal, as notificações do despacho que converte a multa em prisão.

Inexiste qualquer norma legal que imponha que a notificação em análise seja realizada por contacto pessoal, pelo que, desse ponto de vista, nada impede a que a mesma se faça por via postal simples, nos termos previstos no artigo 113º, nºs 1 e 10 e 196º, do Código de Processo Penal.

Depois, porque, como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime, pág.s 145/147):

«Por mais indesejável que, do ponto de vista politico-criminal, se mostre o cumprimento de uma pena privativa de liberdade em vez de uma pena de multa, tal pode tornar-se absolutamente indispensável para preservar a efectividade da pena de multa, sobretudo quando a esta se atribui um âmbito de aplicação tão vasto como o que lhe é conferido pelo direito penal vigente.

Pode, neste sentido, afirmar-se que a consagração de uma pena de prisão sucedânea da multa não paga é politico-criminalmente tão pouco desejável quanto irrenunciável: sem ela seria a própria pena de multa a sofrer irreparavelmente enquanto instrumento de actuação preferido da política criminal nos domínios da pequena e média criminalidade. Ponto é que seja tomada a sério – como procura ser no nosso sistema – a ideia de que o cumprimento da prisão sucedânea só se encontra justificado quando submetido à cláusula da ultima ratio.

A prisão a cumprir em vez da multa não satisfeita não é – nem sequer em sentido formal, uma pena de substituição. Por um lado, obviamente, a pena de prisão sucedânea não participa (pelo contrário!) do movimento de politica criminal de luta contra a prisão que está na origem histórica e na essência politico-criminal das penas de substituição; ou só dele participa no sentido – translato e imediato – de que, com ela se visa conferir consistência e eficácia à pena de multa e, nesta medida, evitar a prisão.  Por outro lado, não é correcto afirmar-se que a prisão sucedânea é aplicada “em vez” da pena principal, antes sim só para o caso daquela não ser cumprida. Mas, se assim, a prisão sucedânea não é uma pena de substituição, também por outra parte parece não dever identificar-se sem mais, em traços fundamentais do seu regime, com a pena privativa de liberdade.

Parece, nomeadamente, que o pagamento parcial da multa deve conduzir a uma redução proporcional da prisão sucedânea, da mesma forma que o pagamento posterior deve determinar a não execução da prisão que falte cumprir. Estas conclusões são desejáveis do ponto de vista politico-criminal, enquanto evitam, total ou parcialmente, o cumprimento da prisão efectiva e deixam aparecer na prisão sucedânea, a sua vertente de sanção (penal) de constrangimento (em todo o caso sanção penal, acentue-se e, nesta medida como sublinha a doutrina alemã, uma verdadeira pena), conducente à realização do efeito preferido de pagamento da multa».

E, se a versão inicial do Código Penal de 1982, não acolhia esta solução, a mesma veio a ser consagrada no nº 2, do artigo 49º, na revisão penal de 1995, dispondo expressamente, que «o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado».

Tanto significa que o despacho que converte a multa em prisão, nos termos do nº 1 do artigo 49º, do Código Penal, ainda não restringe a liberdade do arguido, pois entre o momento em que é decretada e o respectivo cumprimento, ainda o condenado pode evitar a privação da liberdade, pagando total ou parcialmente a multa.

O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 109/2012, a propósito da interpretação da modalidade de notificação do despacho que revoga a suspensão da execução da pena, na analisa os deveres processuais do condenado, chama a atenção para a obrigação do arguido manter a residência declarada e de comunicação da sua alteração em termos de aí poder ser encontrado, bem como os efeitos da advertência de que as notificações lhe serão feitas por via postal simples para a morada indicada.

«Admitida a sua existência como um dado do direito infraconstitucional (…) a imposição desse dever ou compromisso por via legislativa e as implicações que daí legalmente derivam no capítulo das notificações que ao condenado devam ser feitas não se afiguram desproporcionadas. O condenado numa pena (…) sabe que a sua relação com o tribunal não fica definitivamente encerrada com a sentença condenatória. (…)

 Os deveres de comunicação do lugar onde o condenado possa ser notificado e de permanente atenção às comunicações efetuadas por via postal pelo tribunal da condenação no âmbito desse processo são um correspetivo da confiança na sua ressocialização sem necessidade de cumprimento efetivo da prisão que é pressuposto da aplicação de pena suspensa.

E, sobre ser uma medida congruente com as finalidades da punição e com a valoração que subjaz à escolha dessa pena, tem custos moderados para o indivíduo condenado e uma utilidade evidente para a efetividade da justiça penal, satisfazendo as três máximas (ou subprincípios) do princípio da proporcionalidade.

Efetivamente, a imposição desses deveres apresenta-se como um meio idóneo a garantir que as comunicações que a escolha desse modo de punição necessariamente desencadeia entre o condenado e o tribunal possam fazer-se pela via menos onerosa em meios materiais e humanos e processualmente mais célere. E não se traduzem em encargo desproporcionado, porque não são um meio que possa considerar-se demasiado oneroso para quem se colocou em situação de merecer a aplicação de uma pena de prisão, mas beneficiou da prognose de que a ameaça da execução da pena, acompanhada ou não de deveres ou regras de conduta, será suficiente para garantir as finalidades da punição e, por esse modo, escapa ao cumprimento da pena de prisão. O condenado em pena de prisão cuja execução ficou suspensa sabe que as suas contas com a justiça penal não ficam definitivamente acertadas com a sentença condenatória e que, em grau variável consoante as regras de conduta que lhe forem impostas e a sua conduta no período de suspensão, haverá necessidade de posteriores contactos com o tribunal no âmbito desse mesmo processo.

Ora, observados os referidos deveres de comunicação por parte do condenado, as cautelas que rodeiam a emissão da carta para notificação por via postal simples com prova de depósito (n.ºs 3 e 4 do artigo 113.º do CPP) tornam esta forma de notificação um meio adequado, segundo a comum experiência, a garantir o conhecimento ou pelo menos a cognoscibilidade da convocatória ou do ato comunicado por parte do destinatário. Acresce que o interessado pode sempre ilidir a presunção de notificação mostrando que não tomou conhecimento da comunicação por motivos alheios ao incumprimento dos deveres em que, nos sobreditos termos, ficou constituído.

Efetivamente, as exigências de celeridade processual, que têm igualmente dignidade constitucional (artigo 31.º, n.º 2, da CRP) e de um nível de efetividade da justiça penal compatível com o princípio do Estado de Direito impuseram a opção legislativa pela notificação por via postal simples com prova de depósito, com determinadas cautelas.

A propósito da idoneidade desta modalidade de notificação, disse o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 17/2010 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de fevereiro de 2010), o seguinte:

"Ora, a solução normativa da notificação por via postal simples, se não é capaz de assegurar, com uma certeza absoluta, que o arguido teve conhecimento da data designada para a realização do julgamento, oferece garantias suficientes de que o respetivo despacho é colocado na área de cognoscibilidade do arguido em termos de ele poder exercer os seus direitos de defesa.

Na verdade, não se pode dizer a respeito desta forma de notificação que a mesma não é idónea a transmitir o ato notificando ao conhecimento do destinatário.

E muito menos se pode dizer que a notificação em questão seja realizada relativamente a arguidos que nem sequer conhecem formalmente a pendência de um procedimento criminal contra si - como, aliás, sucedeu na maioria dos casos acima referidos que foram submetidos ao crivo do TEDH.

Pelo contrário, tenha-se presente que a solução legal da notificação por via postal simples pressupõe sempre o prévio contacto pessoal do arguido com o processo, consubstanciado, pelo menos, na respetiva constituição como arguido e na respetiva sujeição a termo de identidade e residência.

Por outro lado, o recetáculo postal para o qual é remetida a notificação pelo funcionário judicial e no qual é realizado o depósito pelo distribuidor postal é exclusivamente escolhido e indicado pelo próprio arguido.

É certo que não ficam cobertas as situações em que o arguido, por qualquer motivo (v. g. por ter mudado de residência, por se ter ausentado temporariamente, por desleixo) deixa de aceder ao referido recetáculo postal, sem que previamente comunique essa situação ao tribunal.

Mas o não conhecimento pelo arguido do ato notificado nestas situações é imputável ao próprio arguido, uma vez que, a partir da prestação do termo de identidade e residência, passou a recair sobre ele o dever de verificar assiduamente a correspondência colocada no recetáculo por si indicado e de comunicar ao tribunal qualquer situação de impossibilidade de acesso a esse local.

Se o Estado está obrigado a diligenciar pela notificação dos arguidos, nesta modalidade, estes também têm de tomar as providências adequadas a que se torne efetivo esse conhecimento.

Este é um dever compatível com o seu estatuto de sujeito processual, não podendo esta solução ser acusada de estabelecer um ónus excessivo ou desproporcionado que seja imposto aos cidadãos suspeitos da prática de crimes, atenta a facilidade do seu cumprimento, perante a importância dos fins que visa atingir.

Além disso, faz-se notar que o depósito da carta pelo distribuidor postal não gera nenhuma presunção inilidível de notificação em caso de erro do distribuidor postal e é rodeada de algumas cautelas processuais."».

A nosso ver e salvo melhor opinião, todas estas considerações são transponíveis para a notificação do despacho que converte a multa em prisão.

O arguido prestou termo de identidade e residência, escolheu a morada para efeitos de notificação dos actos processuais, não tendo, como devia, indicado a alteração da morada.

Com a sentença condenatória em pena de multa, sabia o arguido que a sua relação com o Tribunal só terminaria com a extinção da pena.

Se, ao Estado cumpre diligenciar pela notificação do arguido, dando-lhe a conhecer o teor das decisões tomadas no processo-crime; ao condenado exige-se que tome as diligências adequadas para tornar efectivo esse conhecimento, com uma atitude simples e fácil, a de comunicar a alteração da morada que ele mesmo escolheu e indicou, para efeitos de notificação dos actos processuais. A facilidade do cumprimento deste dever, perante a importância dos fins que visa atingir, não o torna desproporcional ou ilegítimo.

Por outro lado, reitere-se que o condenado pode impedir, através dos múltiplos mecanismos acima enunciados, primeiro a conversão da multa em prisão subsidiária e, depois, o cumprimento da mesma.

Basta-lhe que cumpra a multa, através do pagamento (voluntário ou coercivo), de prestação de trabalho a favor da comunidade, ou justifique que o não pagamento não lhe é imputável.

Caso tal não aconteça, não resta ao tribunal, que, nos termos do artigo 49º, nº 1, do Código Penal, proceda à conversão da multa em prisão subsidiária, decisão que há-de ser levada ao conhecimento do arguido, de acordo com as cautelas que rodeiam a notificação, por via postal simples, com a prova de depósito (artigo 113º e 196º do Código de Processo Penal).

Dito isto, vejamos o nosso caso.

Em 4 de Abril de 2014, o arguido prestou termo de identidade e residência, nos termos do nº 2, do artigo 196º, do Código do Processo Penal e indicou para efeito de ser notificado por via postal simples, a Rua (…), n.º 1, (…), (…), Leiria (fls. 55).

Nesse acto, foi o arguido informado, além do mais:

Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou lugar onde possa ser encontrado;

De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontram a correr nesse momento;

De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333º;

De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.

Por sentença transitada em julgado em 6 de Julho de 2017, foi o arguido A. Condenado, pela prática de três crimes de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108º, nº1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na pena única de uma ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e em 250 dias de multa, à razão diária de 6 €.

O arguido esteve presente em audiência, esclarecendo que residia com os seus pais, na Rua da (…), n.º 1, (…), (…), morada que escolheu para receber as suas notificações relativas a este processo.

Em 6 de Junho de 2018, foi proferido despacho de fls. 66, ordenando a notificação do arguido, por via postal simples, para se pronunciar sobre as causas e as circunstâncias do incumprimento da pena em que foi condenado, sob penda de não o fazendo, se converter a multa aplicada em prisão subsidiária, por um período correspondente a dois terços dos dias de multa em que foi condenado (fls. 66);

Tal despacho foi notificado ao arguido em 7 de Junho de 2018, conforme fls. 67;

Em 7 de Setembro de 2018, foi proferido o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária, com oportuna emissão de mandado de detenção (fls. 68);

Tentada a notificação por contacto pessoal, do arguido, na morada constante do TIR, a mãe deste informou que o condenado já aí não residia, mas que estaria em França, vindo algumas vezes a Portugal (fls. 71).

Indagado o paradeiro do condenado, foram várias as tentativas para o notificar, por contacto pessoal, em diversas moradas conhecidas (fls. 76, 83 a 85 e 93) – revelando-se todas elas infrutíferas.

Insistida por mais uma notificação, por contacto pessoal, na morada constante do TIR, a mãe do arguido, (…), manteve a informação que o filho se encontraria em França, não sabendo quando regressaria (fls. 95).

Feitas as pesquisas nas Base de dados não foi detectada qualquer outra morada do arguido, onde possa ser notificado.

Perante esta factualidade, podemos afirmar que, para efeitos de notificação dos actos processuais, o arguido indicou a residência de seus pais, sendo que, pelo menos a sua mãe, ainda aí reside.

Sabendo o arguido que as comunicações do tribunal relativas ao processo em que foi condenado seriam sempre feitas naquela morada, por via postal simples, legitimando a sua representação por defensor em todos os actos processuais, nos quais tenha o direito e o dever de estar presente, e que ser excepto se viesse indicar por requerimento uma morada diferente [artigo 196º, nº 2 e nº 3, alíneas b), c), d) e e) do Código de Processo Penal e informação prestada no TIR que prestou], excepto se indicasse no processo uma outra morada, ainda assim, não veio aos autos declarar que pretendia alterar o local para onde deveriam ser enviadas as notificações processuais, quando se ausentasse da residência da mãe.

Por outro lado, teve conhecimento e oportunidade de apresentar defesa, antes da convertibilidade da multa em prisão, nada tendo dito ou requerido ao processo.

Neste contexto, a notificação da decisão que transformou a multa em prisão subsidiária, por via postal para a residência que escolheu quando prestou Termo de Identidade e Residência, a dos seus pais, salvaguarda todos os direitos de defesa do condenado, nada justificando a comunicação daquela decisão por contacto pessoal.

Procede, assim, o recurso.

IV - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes que compõem a Secção Penal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao Recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a decisão recorrida, que será substituída por outra eu ordene a notificação do despacho que converteu a multa em prisão subsidiária, por via postal simples com prova de depósito.

Sem custas.

Coimbra, 15 de Janeiro de 2020

Alcina da Costa Ribeiro (relatora)

Ana Carolina Cardoso (adjunta)