Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
876/09.6TBCNT-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO
HIPOTECA
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.686, 735, 744, 748, 751 CC, DL Nº 103/80 DE 9/5, DL Nº 38/2003 DE 8/3
Sumário: 1. O privilégio creditório imobiliário previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, tem natureza geral, na medida em que não se refere especificamente a um bem determinado e concreto, mas a uma generalidade indeterminada de bens, como resulta da formulação da norma em apreço, que genericamente define como objecto da sua incidência “os bens imóveis existentes no património das entidades patronais”.

2. Tal privilégio não cabe na previsão legal do artigo 751.º do Código Civil, que restringe aos créditos garantidos por privilégio creditório imobiliário especial a preferência sobre os créditos hipotecários.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 686.º do Código Civil, o crédito garantido por hipoteca tem preferência sobre os créditos do Instituto de Segurança Social, I.P., garantidos por privilégio creditório imobiliário.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
Por sentença proferida a 2 de Outubro de 2009, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade S (…)Cozinhas e Mobiliário, Ld.ª.
Findo o prazo para reclamação de créditos, o Exmo. Senhor Administrador da Insolvência juntou aos autos a lista de credores da insolvente por si reconhecidos (fls. 8 a 28, cujo teor se dá por reproduzido), ao qual reconhece, nomeadamente[1], para além de outros reclamados por trabalhadores e fornecedores da insolvente, os seguintes créditos:
a) Caixa Geral de Depósitos, S.A. – crédito sob condição no montante de 66.793,46 €;
b) Fazenda Nacional (representada pelo Ministério Público) – crédito privilegiado no montante de 80.194,03 € (privilégio imobiliário e mobiliário geral – artigo 108.º de C.I.R.C., artigo 11.º de C.I.R.S., artigo 736.º do Código Civil e artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março); crédito comum no montante de 607.483,73 €;
c) F... – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A. – crédito garantido por hipoteca voluntária (Ap. 19 de 2001/02/09 sobre prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6931 da freguesia de Cantanhede), no montante de 1.902.878,19 €;
d) Instituto de Segurança Social, I.P./Centro Distrital de Coimbra – crédito garantido por hipotecas legais (Ap. 21 de 2006/12/05 e 18 de 2008/04/10 sobre prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6931 da freguesia de Cantanhede) no montante de 526.570,01 €; crédito privilegiado (imobiliário e mobiliário geral – artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio) no montante de 98.999,30 €; crédito comum no montante de 61.095,98 €;
Após apreensão dos bens constantes do apenso F., procedeu-se à verificação ulterior de créditos reclamados pelo Ministério Público, em representação do Estado resultantes de custas da responsabilidade da insolvente com o processo sumário n.º 1073/09.6TJCBR, tendo sido verificado o crédito comum no montante de 211,77 €.
Foram, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 130.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2], deduzidas impugnações pelos seguintes credores: (…)
A Comissão de Credores o parecer a que se refere o artigo 135.º do CIRE (fls. 173).
Face à impugnação do seu crédito, por vários outros credores, a Caixa Geral de Depósitos apresentou a fls. 187 a sua resposta, na qual refere:
«[…] 1.º A CGD reclamou tempestivamente os seus créditos do âmbito dos presentes autos, créditos esses que totalizavam, reportados à data 2009/11/19, a importância global de 66.793,46 €.
2.º Do montante global, a parte respeitante a capital (61.359,62 €) foi reclamado como crédito sob condição, porquanto a garantia bancária não havia sido accionada pelo respectivo beneficiário, o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI).
3.º Porém, posteriormente à reclamação de créditos, o IAPMEI exigiu à CGD o cumprimento da garantia prestada, solicitação que a CGD teve de honrar, porquanto a isso se encontrava contratualmente obrigada, por inteiramente reproduzido para os legais efeitos.
5.º Assim, parte do crédito reclamado a título condicional terá de ser considerado, agora, crédito efectivo, por força da verificação da condição a que o mesmo se encontrava sujeito.
6.° Pelo que, o crédito (efectivo) da CGD, de natureza comum, é o que a seguir melhor se enuncia:
Capital                                               38.224,90 €
Juros de 2006.10.02 a 2009.11.19       1.233,52 €
Comissões                                            4.200,32 €
Despesas                                                     0,00 €
TOTAL                                              43.658,74 € […]».
Procedeu-se à tentativa de conciliação a que se refere o artigo 136.º, n.º 1, do CIRE, tendo sido reconhecidos, por acordo, os créditos de: A..., Ld.ª, no montante de 340,00 €; C..., S.A., no montante de 1.197,02 €; C (…) no montante de 6.174,64 €; A..., Ld.ª, no montante de 6.686,08 €; M..., S.A., no montante de 70.329,41 €; M (…), no montante de 8.988,54 €; G...., Ld.ª, no montante de 29.197,18 €; J (…), no montante de 20.674,24 €; I..., no montante de 193,78 €; e T..., S.A., no montante de 969,76 €.
Na mesma diligência não foram aprovados os créditos de (…)tendo ainda sido declarado extinto o crédito reconhecido da E..., S.A., no montante de 1.570,00 €, em virtude de se encontrar o mesmo pago.
Através do requerimento de fls. 242, veio o IAPMEI dar conhecimento aos autos, do facto de a Caixa Geral de Depósitos ter efectuado em 23.04.2010 o pagamento da quantia de 38.224,90 €, em cumprimento da garantia bancária autónoma oportunamente prestada por aquela instituição bancária no valor de 61.359,92 €, tendo ficado em consequência, extinto o crédito do requerente.
Foi proferida sentença, na qual se conclui com o seguinte dispositivo:

«Por todo o exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas:

a) Julgo verificados os créditos reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência e não impugnados, nos exactos termos em que o fez;

b) Julgo verificados os créditos impugnados, mas reconhecidos por acordo em sede de tentativa de conciliação de: A..., Ld.ª, o montante de 340,00 €; C..., S.A., no montante de 1.197,02 €; C (…) no montante de 6.174,64 €; A... de Cantanhede, Ld.ª, no montante de 6.686,08 €; M..., S.A., no montante de 70.329,41 €; M (…) no montante de 8.988,54 €; G....r, Ld.ª, no montante de 29.197,18 €; J (…) no montante de 20.674,24 €; I.... no montante de 193,78 €; T..., S.A., no montante de 969,76 €.

c) Julgo extinto o crédito da E...., S.A. no montante de 1.570,00 €;

d) Julgo verificado o crédito impugnado da Caixa Geral de Depósitos, S.A., no montante de 66.793,56 €;

e) Graduo tais créditos do seguinte modo:

I - Relativamente ao produto da venda dos bens móveis apreendidos:

1) créditos laborais supra mencionados;

2) crédito da Fazenda Nacional até ao montante de 80.194,03 €;

3) crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., até ao montante de 98.999,30 €;

4) créditos comuns, através de rateio se necessário;

5) créditos subordinados de M (…) no montante de 34.200,85 €, de C (…)no montante de 18.359,29 €, e de P (…) no montante de 71.258,85 €.

II - Relativamente ao produto da venda do bem imóvel apreendido descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6931, da freguesia de Cantanhede:

1) créditos laborais supra mencionados;

2) crédito da Fazenda Nacional até ao montante de 80.194,03 €;

3) crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. até ao montante de 98.999,30 €;

4) créditos da Finangeste, S.A., e da Caixa Geral de Depósitos, S.A., nas respectivas proporções caso não obtenham satisfação integral;

5) crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., no montante de 526.570,10 €;

6) créditos comuns, através de rateio se necessário;

7) créditos subordinados de M (…) no montante de 34.200,85 €, C (…)no montante de 18.359,29 €, e de P (…) no montante de 71.258,85 €.»
Não se conformando, interpuseram recurso de apelação: a credora F... – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A. (fls. 310); e os credores (…).
Através do requerimento de fls. 360, vieram os recorrentes (…)desistir do recurso, tendo o mesmo sido considerado “sem efeito”, por despacho de fls. 371.
A recorrente F... – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A. apresentou alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:

1. Na lista de credores reconhecidos junta a fls. 260 a 274 dos autos, os créditos da C.G.D. foram reconhecidos pelo valor total de € 66.793,46, tendo o valor de € 5.433,84 sido considerado crédito comum e o montante de € 61.359,62, como crédito sob condição, nos termos do n.º 1 do art.º 50.º do C.I.R.E.

2. Nos termos do requerimento junto aos autos pela C.G.D. (em 28.06.10, aquela reduziu o montante do seu crédito anteriormente reclamado, para o valor de € 43.658.74, tendo alegado que o mesmo passou a ser efectivo na sua totalidade e de natureza comum.

3. A sentença recorrida violou o disposto no art.º 663.º do C..P.C., pois verificou o crédito da C.G.D. pelo valor total de € 66.793,56, não tendo tido em consideração o requerimento junto por aquela instituição em 28.06.2010, devendo assim a sentença ser revogada nessa parte, reconhecendo os créditos da C.G.D. pelo valor de € 43.658,74.

4. A recorrente não concorda com a graduação dos créditos determinada na sentença recorrida quanto aos créditos da C.G.D., a qual, relativamente ao produto da venda do imóvel apreendido, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6931, da freguesia de Cantanhede, graduou o crédito da C.G.D. a par do crédito hipotecário da ora recorrente, nas respectivas proporções caso não obtenham satisfação integral.

5. Por escritura pública de cessão de créditos (doc. 1 junto com a reclamação de créditos da recorrente), a C.G.D. cedeu à recorrente os créditos hipotecários, com todas as garantias e acessórios a eles inerentes, incluindo garantias reais, que aquela instituição detinha sobre a insolvente, tendo a recorrente adquirido à C.G.D. as duas hipotecas voluntárias registadas pelas inscrições C (Ap. 19 de 2001/02/09 e Ap. 10 de 2003/07/10), ambas incidentes sobre o prédio apreendido nos presentes autos de insolvência.

6. Aquela cessão foi registada a favor da recorrente pelos Averbamentos Ap. 23 de 2007/10/08 e Ap. 17 de 2007/10/22, conforme certidão da Conservatória do Registo Predial de Cantanhede junta como doc. 2 com a reclamação de créditos da recorrente junta aos autos (ver fls. 395, frente e verso).

7. Na sentença recorrida, não se procedeu a uma correcta interpretação do disposto no artigo 582.º n° 1 do Código Civil, do contrato de cessão de créditos formalizado pelas partes por escritura pública, nem tão pouco, do que consta na certidão predial junta doc. 2 com a reclamação de créditos da recorrente.

8. Tendo a C.G.D. alegado (art. 6° do seu requerimento de 18.06.2010) que o seu crédito tinha natureza comum, a sentença recorrida, ao considerar que aquele crédito tem natureza garantida, violou ainda o disposto no n° 2 do art.º 264.º do C.P.C.

9. Não estando o crédito da C.G.D. garantido por hipoteca, o mesmo deverá ser graduado relativamente ao produto da venda do imóvel apreendido, como crédito comum, após o crédito hipotecário da F..., SA., ora recorrente (art.º 686° n.º 1 do Código Civil)

10. Na sentença recorrida, considerou-se que parte dos créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social - até ao montante de € 98.999.39, gozam de privilégio creditório mobiliário e imobiliário geral, tendo graduado estes créditos, relativamente ao produto da venda dos móveis apreendidos, logo após os créditos laborais e parte dos créditos da Fazenda Nacional e quanto ao produto da venda do bem imóvel apreendido, também logo após os créditos laborais e parte dos créditos da Fazenda Nacional e antes dos créditos da recorrente que se encontram garantidos por hipoteca.

11. Tendo o processo de insolvência tido início em 19.09.2009, do montante de € 98.999,39, reclamado pelo Instituto, apenas € 82.371,56, mantêm o privilégio creditório geral, uma vez que, o privilégio geral relativo ao crédito de € 16.627,74 referente à contribuição e juros devidos relativos ao mês de Agosto de 2008 (cfr. doc. 4 junto com a reclamação de créditos do I.S.S.), se extinguiu nos termos da a) do n.º 1 do art. 97° do CIRE.

12. O referido crédito de € 16.627,74, porque constituído mais de 12 meses antes do início do processo de insolvência, deverá ser graduado na sentença como crédito comum juntamente com os outros créditos comuns, tanto quanto ao produto da venda dos bens móveis, como relativamente ao produto da venda do bem imóvel, tendo a sentença recorrida violado o disposto na al. a) do n° 1 do art.º 97° do CIRE.

13. Ainda que não se considerasse que se extinguiu o privilégio creditório geral conforme alegado, sempre o crédito referido no parágrafo anterior, deveria ficar graduado atrás do crédito hipotecário da recorrente.

14. Relativamente ao remanescente do crédito do Instituto da Segurança Social, no valor de € 82.371,56, não obstante o mesmo gozar de privilégio creditório mobiliário e imobiliário gerais, deverá, relativamente ao produto da venda do imóvel apreendido, passar a ficar graduado após o crédito hipotecário/garantido da recorrente.

15. As hipotecas que garantem o crédito da recorrente e que se encontram devidamente registadas, conferem-lhe o direito de ser paga pelo produto da venda dos imóveis hipotecados, com preferência sobre os demais credores (que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo - n° 1 do art.º 686° do Código Civil).

16. A posição dominante na doutrina e na jurisprudência (é a de que aos privilégios imobiliários gerais deve ser aplicado o regime do art.º 749° do Código Civil e não o do art.º 751.º do mesmo Código.

17. O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 363/2002 de 17/09/2002, decidiu «declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art.º 2° da Constituição da República, das normas constantes do art.º 11° do DL n.º 103/80, de 09.05. e do art° 2° do DL n.º 512/76, de 03.07, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do art.º 751.º do Código Civil.

18. Com a redacção dos art.º 735° n° 3 e art.º 751º do Código Civil introduzida pelo D.L. n.º 38/03, de 08.03, pôs-se fim à questão controvertida de saber quais dos créditos garantidos ou protegidos deviam ser pagos em primeiro lugar, tendo ficado esclarecido que, apenas os privilégios imobiliários especiais preferem à hipoteca.

19. Na sentença recorrida procedeu-se a uma incorrecta aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 697/2004, invocado pelo M.º Juiz a quo, uma vez que o mesmo se refere a situações de penhora e não de hipoteca, não se aplicando ao caso sub judice.

20. Na sentença recorrida, foram violadas, entre outras, as disposições contidas nos art°s 686° n° 1, 735°, n° 3, 749° e 751°, todos do Código Civil e dos art°s 47° n° 4 al. a) e 175° do CIRE.

21. Na sentença recorrida, considerou-se que, parte dos créditos reclamados pela Fazenda Nacional - até ao montante de € 80.194,03, gozam de privilégio creditório geral, tendo graduado os mesmos, quanto ao produto da venda dos bens móveis, logo após os créditos laborais e anteriormente ao crédito do I.S.S. (até ao montante de € 98.999,30) e relativamente ao produto da venda do bem imóvel apreendido, também logo após os créditos laborais e anteriormente aos créditos do ISS (até ao montante de € 98.999,30) e aos créditos da recorrente garantidos por hipoteca.

22. Como já referido, o processo de insolvência iniciou-se em 19.09.2009, pelo que, do montante de € 80.194,03 reclamado pela Fazenda Nacional, apenas o crédito de € 71.229, 72 mantém o privilégio creditório, já que o privilégio creditório geral relativo ao crédito de € 8.964,28 referente a IRC do ano de 2006 (art.º 318° da reclamação de Créditos da Fazenda e fls. 28 da respectiva certidão), extinguiu-se nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 97° do CIRE.

23. O referido crédito da Fazenda Nacional de € 8.964,28, porque constituído mais de 12 meses antes do início do processo de insolvência, deverá ser graduado na sentença como crédito comum, juntamente com os outros créditos comuns, tanto quanto ao produto da venda dos bens móveis, como relativamente ao produto da venda do bem imóvel, tendo a sentença recorrida violado o disposto na a) do n.º 1 do art.º 97.º do CIRE.

24. Ainda que não se considerasse que se extinguiu o mencionado privilégio creditório geral, sempre o crédito referido no parágrafo anterior, deveria ficar graduado atrás do crédito hipotecário da recorrente.

25. Quanto aos créditos da Fazenda Nacional com privilégio creditório, no montante total de € 71.229,72, os que são relativos a IVA e que gozam de privilégio mobiliário geral, bem como os que se reportam ao IRS e IRC e que gozam de privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário, no montante total de € 65.367.29, deverão, relativamente ao produto da venda do imóvel apreendido, passar a ficar graduados após o crédito hipotecário/garantido da recorrente.

26. Apenas os créditos reclamados pela Fazenda Nacional relativos ao IMI e que gozam de privilégio imobiliário especial sobre o imóvel apreendido, no montante de € 5.862.43 (art°s 397° e 399° da reclamação de créditos da Fazenda) se deverão manter graduados, relativamente ao produto da venda do imóvel, à frente do crédito hipotecário da recorrente.

27. Como já referido (a propósito dos créditos do Instituto da Segurança Social que gozam de privilégio creditório mobiliário e imobiliário gerais), nos termos do n.º 1 do art° 686° do Código Civil, as hipotecas registadas a favor da recorrente, conferem-lhe o direito de os seus créditos serem graduados preferencialmente pelo produto da venda do imóvel hipotecado, com preferência sobre os outros credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo.

28. Aos privilégios imobiliários gerais deve ser aplicado o regime do art° 749° do Código Civil e não o do art° 751° do mesmo Código.

29. Por razões idênticas às invocadas no Acórdão n° 363/2002 do Tribunal Constitucional, de 17/09/2002, aquele Tribunal emitiu também o Acórdão n° 362/2002, com a mesma data e publicado no mesmo D.R., no qual declarou a «inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação do art° 2° da Constituição, da norma constante, na versão primitiva, do art° 104° do C.I.R.S., aprovado pelo D.L. n° 442-A/88 de 30.11, e, hoje, na numeração resultante do D.L. n.º 198/2001, de 3 de .Julho, do seu art° 111°, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do art.º 751° do Código Civil.

30. Como também anteriormente referido, com a redacção introduzida pelo D.L. n.º 38/03, de 08.03, aos art°s 735° n° 3 e art° 751° do Código Civil, pôs-se termo à questão controvertida de saber quais dos créditos garantidos ou protegidos deviam ser pagos em primeiro lugar, tendo ficado esclarecido que, apenas os privilégios imobiliários especiais preferem à hipoteca.

31. Também quanto aos créditos da Fazenda Nacional que apenas gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral, a sentença recorrida violou, entre outras, as disposições contidas nos art.ºs 686° n° 1, 735°, n° 3, 749° e 751°, todos do Código Civil e dos art°s 47° n° 4 al. a) e 175° do CIRE.

32. Os créditos da Fazenda Nacional, que gozam de privilégio mobiliário e imobiliário geral, que no entendimento da recorrente correspondem ao montante de € 65.367,29, deverão, quanto ao produto da venda do imóvel apreendido, ser graduados após o crédito hipotecário da recorrente.
Apenas o Instituto de Segurança Social apresentou contra-alegações, nas quais refere em síntese: concorda que merece provimento a alegação de que o crédito hipotecário da Finangeste deverá ser graduado antes do crédito hipotecário da Segurança Social; discorda da restrição ao privilegiamento do seu crédito preconizada pela recorrente, por considerar que à data da insolvência (18.11.2009) se encontrava constituída (no dia 15) e vencida (no dia 16) a contribuição referente a Agosto de 2009, pois a mesma deve ser paga até ao dia 15 do mês seguinte ao qual diz respeito, nos termos dos artigos 5/3 do DL 103/80, de 9.05, e 10/2 do DL 199/99, de 8.06.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do CPC), sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) saber qual o montante do crédito da Caixa Geral de Depósitos, e se lhe assiste ou não privilégio creditório; ii) saber qual a posição em que deverá ficar graduado o crédito do ISS, face ao privilégio imobiliário que o garante, no confronto com o privilégio que garante o crédito da recorrente; iii) saber qual a graduação dos créditos da Fazenda Nacional face aos privilégios imobiliários que os garantem, no confronto com o privilégio que garante o crédito da recorrente; iv) saber quais os créditos do ISS e da Fazenda Nacional deverão ser considerados na verificação e graduação, face ao disposto no artigo 97.º do CIRE.

2. Fundamentos de facto
Está provada a seguinte factualidade relevante:
1) O processo de Insolvência teve início em 18 de Setembro de 2009;
2) Os créditos reclamados pela Fazenda Nacional dizem respeito: € 7.881,98, ao IMI; € 15.302,79 ao IRS; € 124.112,00 ao IVA; 314.019,72 ao Imp. Selo; € 7.843,23 a juros; € 102.877,17 a custas; e € 3.717,00 a Encargos Administrativos (certidão de fls. 433 a 453);
3) Do crédito reclamado pela Fazenda Nacional, no montante de € 80.194,03, a que foi reconhecido privilégio creditório, faz parte o IRC do ano de 2006, no montante de € 8.964,28 (certidão junta aos autos a fls. 433 a 453 – vide fls. 447)
4) Do crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., o valor de € 16.627,74 diz respeito à contribuição e juros relativos ao mês de Agosto de 2008 (certidão de fls. 391 v.º);
5) No dia 27 de Setembro de 2007, no Cartório Notarial de Lisboa, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., representada para o efeito por (…), e F... – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A., representada para o efeito (…), celebraram por escritura pública um contrato que denominara de “Cessão de Créditos” junto a fls. 249 a 255 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6) Consta do referido contrato, que a Caixa Geral de Depósitos declarou deter sobre a ora insolvente créditos no montante de 1.189.029,99 €, correspondendo a 3 contratos de abertura de crédito: um no valor de 277.878,04 € de capital, acrescido de 5.516,19 € a título de juros remuneratórios, de 58.134,06 € a título de juros moratórios, 58,00 € a título de comissões, 37,75 € de despesas e 2.548,48 € a título de imposto de selo, acrescidos de juros e encargos até efectivo e integral pagamento; outro no valor 420.376,12 € de capital, acrescido de 9.995,16 € a título de juros remuneratórios, 78.461,19 € a título de juros moratórios, 145,00 € a título de comissões, 4,00 € de despesas, 3.544,22 € a título de imposto de selo, acrescidos de juros e encargos até efectivo e integral pagamento; e ainda decorrente de um contrato de crédito a que corresponde 490.775,83 € a titulo de capital, 12.846,61 € a título de juros remuneratórios, 92.884,39 € a título de juros moratórios, 145,00 € a título de comissões, 5,00 € de despesas, 4.235,23 € de imposto de selo, acrescidos de juros e encargos até efectivo e integral pagamento.
7) Mais consta do referido contrato que os aludidos créditos “se encontram garantidos pelas hipotecas” sobre o prédio urbano sito na Zona Industrial de Cantanhede, descrito na CRP sob o n.º 6.931, da freguesia de Cantanhede, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 6110, registadas pelas Ap.s 19/090201 e 10/100703.
8) Consta ainda do referido contrato: “Que a Caixa, pelo preço já recebido de um milhão de euros (€ 1.000.000,00), cede à representada dos Segundos Outorgantes Finangeste os créditos já identificados, incluindo os juros e demais acessórios do crédito, que detém sobre a sociedade S... – Cozinhas e Mobiliário, Lda, com as respectivas garantias, reais e pessoais, já descritas, as quais continuarão a assegurar o cumprimento dos créditos, agora em benefício da Cessionária”.  
9) Aquando da celebração do contrato de cessão de créditos referido nos pontos 3) a 7) encontrava-se registada a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede, na inscrição C1 e C2, apresentação 19 de 9 Fevereiro de 2001 e apresentação 10 de Julho de 2003, hipoteca voluntária constituída sobre o prédio urbano sito na Zona Industrial de Cantanhede, descrito sob o nº 6931 da freguesia de Cantanhede, inscrito na matriz sob o artigo 6110, com o valor patrimonial de 306.000,00 €.
10) A cessão de créditos referida nos pontos 3) a 7) foi registada a favor da recorrente (cessionária) F... – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A., através dos averbamentos Ap.23 de 2007/10/08 e Ap.17 de 2007/10/22, conforme certidão de fls. 395, frente e v.º.
11) Encontra-se registada hipoteca legal constituída a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Coimbra, na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede, na inscrição C3, apresentação 21 de 5 de Dezembro de 2006, sobre o prédio urbano sito na Zona Industrial de Cantanhede, descrito sob o nº 6931 da freguesia de Cantanhede, inscrito na matriz sob o artigo 6110, com valor patrimonial de 306.000,00 €.


3. Fundamentos de direito
3.1. A graduação e definição quantitativa do crédito da Caixa Geral de Depósitos
Na sentença sob censura, o M.º Juiz julgou verificado o crédito impugnado da Caixa Geral de Depósitos, S.A., no montante de € 66.793,56, graduando-o, relativamente ao produto da venda do bem imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6931, da freguesia de Cantanhede, em 4.º lugar, em paridade com o crédito da recorrente Finangeste, S.A., “nas respectivas proporções caso não obtenham satisfação integral”.
Contra a verificação e graduação deste crédito se insurge a recorrente, invocando dois argumentos: o facto de a Caixa Geral de Depósitos, S.A., ter reclamado um crédito de montante inferior, definindo-o como comum; e o facto de a mesma entidade bancária ter cedido à recorrente, os seus créditos hipotecários, com as hipotecas que se encontravam registadas a seu favor.
Vejamos a factualidade relevante provada:
1) Em resposta às impugnações de outros credores, a Caixa Geral de Depósitos apresentou a fls. 187 a sua resposta, na qual refere:

«[…] 1.º A CGD reclamou tempestivamente os seus créditos do âmbito dos presentes autos, créditos esses que totalizavam, reportados à data 2009/11/19, a importância global de 66.793,46 €.

2.º Do montante global, a parte respeitante a capital (61.359,62 €) foi reclamado como crédito sob condição, porquanto a garantia bancária não havia sido accionada pelo respectivo beneficiário, o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI).

3.º Porém, posteriormente à reclamação de créditos, o IAPMEI exigiu à CGD o cumprimento da garantia prestada, solicitação que a CGD teve de honrar, porquanto a isso se encontrava contratualmente obrigada, por inteiramente reproduzido para os legais efeitos.

5.º Assim, parte do crédito reclamado a título condicional terá de ser considerado, agora, crédito efectivo, por força da verificação da condição a que o mesmo se encontrava sujeito.

6.° Pelo que, o crédito (efectivo) da CGD, de natureza comum, é o que a seguir melhor se enuncia:

Capital                                               38.224,90 €

Juros de 2006.10.02 a 2009.11.19       1.233,52 €

Comissões                                            4.200,32 €

Despesas                                                     0,00 €

TOTAL                                              43.658,74 € […]».
2) No contrato de cessão de créditos referido nos n.º 6 a 8 da factualidade provada, a CGD declarou que detinha sobre a ora insolvente créditos no montante de 1.189.029,99 €, que os aludidos créditos “se encontram garantidos pelas hipotecas” sobre o prédio urbano sito na Zona Industrial de Cantanhede, descrito na CRP sob o n.º 6.931, registadas pelas Ap.s 19/090201 e 10/100703, e que “pelo preço já recebido de um milhão de euros (€ 1.000.000,00), cede à representada dos Segundos Outorgantes F... os créditos já identificados, incluindo os juros e demais acessórios do crédito, que detém sobre a sociedade S (…) – Cozinhas e Mobiliário, Lda, com as respectivas garantias, reais e pessoais, já descritas, as quais continuarão a assegurar o cumprimento dos créditos, agora em benefício da Cessionária”. 
3) A cessão de créditos referida nos pontos 3) a 7) foi registada a favor da recorrente (cessionária) F... – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, S.A., através dos averbamentos Ap.23 de 2007/10/08 e Ap.17 de 2007/10/22, conforme certidão de fls. 395.
Vejamos agora a relevância e consequências jurídicas da factualidade descrita.
Face ao requerimento de fls. 187, não podem subsistir dúvidas de que a CGD reduziu a quantia reclamada, de 66.793,46 €, para 43.658,74 €.
Perante o teor do mesmo requerimento, dúvidas também não subsistem sobre o facto de a requerente qualificar expressamente o seu crédito como tendo “natureza comum”.
E, salvo o devido respeito, não poderia ser diversa a qualificação.
Com efeito, cedendo os seus créditos à recorrente (com excepção do que viria a emergir do accionamento da garantia bancária autónoma, de que era beneficiário o IAPMEI), a CGD declarou expressamente ceder “as respectivas garantias, reais e pessoais, já descritas, as quais continuarão a assegurar o cumprimento dos créditos, agora em benefício da Cessionária”.
Tal cedência (das garantias reais) foi feita sem reserva, à cessionária (ora recorrente), tendo sido registada a favor desta, através dos averbamentos Ap.23 de 2007/10/08 e Ap.17 de 2007/10/22, conforme certidão de fls. 395.
Perante esta factualidade, afigura-se óbvia a procedência da argumentação da recorrente, devendo o crédito da Caixa Geral de Depósitos ser verificado de acordo com o montante peticionado (43.658,74 €), e com a “natureza comum” que a própria reclamante preconiza no seu requerimento, graduando-se em conformidade.

3.2. A definição quantitativa e graduação do crédito do Instituto de Segurança Social
Na sentença recorrida graduou-se o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. até ao montante de 98.999,30 €, relativamente ao produto da venda do bem imóvel, em lugar anterior ao da recorrente[3].
Insurge-se a recorrente contra esta graduação e contra a quantificação do crédito, alegando que: não pode ser reconhecido privilégio creditório geral à quantia de € 16.627,74, referente a contribuição e juros relativos ao mês de Agosto de 2008; à parte restante do crédito não pode ser reconhecida prioridade de pagamento sobre o crédito da recorrente, garantido por hipoteca.
Começamos por apreciar a questão do montante abrangido pelo privilégio creditório.
Releva nesta sede a seguinte factualidade:
a) O processo de insolvência iniciou-se em 18 de Setembro de 2009;
b) Resulta da documentação junta aos autos (certidão de fls. 391vº), que, o valor de € 16.627,74, que integra o crédito globalmente reclamado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., diz respeito à contribuição e juros relativos ao mês de Agosto de 2008 (certidão de fls.).
Sob a epígrafe “Extinção de privilégios creditórios e garantias reais”, dispõe o artigo 97º do CIRE, na alínea a) do n.º 1, que se extinguem com a declaração de insolvência, os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
Nas suas contra-alegações, que, salvo o devido respeito se revelam confusas, o Instituto de Segurança Social, I.P. começa por referir que o que está em causa é a contribuição referente ao mês de Agosto de 2008, acabando no entanto por construir toda a sua argumentação com referência ao mês de Agosto do ano seguinte, nestes termos: «[…] à data da insolvência – 18 de Setembro de 2009, encontrava-se constituída (no dia 15) e vencida (no dia 16) a contribuição referente a Agosto de 2009 (pagável até 15 de Julho de 2009), pois as contribuições para a Segurança Social devem ser pagas até ao diz 15 do mês seguinte àquele a que disserem respeito, de acordo com o art. 5.º n.º 3 do DL 103/80, de 9 de Maio e art. 10.º n.º 2 do DL 199/99, de 8 de Junho».
No que respeita ao mês de Agosto do ano de 2008 (é apenas este mês que está em causa no recurso), não restam dúvidas, face à argumentação do próprio Instituto de Segurança Social, I.P., que se constituiu no dia 15 de Setembro de 2008.
Ora, tendo-se iniciado o processo de insolvência em 18 de Setembro de 2009 (mais de 12 meses após a data da constituição do crédito), teremos que concluir que o valor em causa (€ 16.627,74, respeitante à contribuição e juros relativos ao mês de Agosto de 2008), integra a previsão legal da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º do CIRE, encontrando-se extinto o privilégio creditório previsto na lei.
Decorre do exposto, que o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., apenas beneficia do privilégio creditório previsto nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, relativamente ao valor de € 82.3712,56 (€ 98.999,30 - € 16.627,74), procedendo o recurso nesta parte.
Vejamos agora a questão da prioridade de graduação.
De acordo com o disposto nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., (relativamente ao valor de € 82.3712,56), beneficia de privilégios creditórios mobiliário e imobiliário.
Nos termos do artigo 11.º do citado diploma legal, tal crédito gradua-se, no que respeita aos bens imóveis “logo após os créditos referidos no artigo 748.º do Código Civil.”
Foi longa a discussão, na doutrina e na jurisprudência, relativamente à hierarquização dos créditos da Segurança Social (garantidos por privilégio imobiliário), face aos créditos hipotecários, tendo o Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, julgado sistematicamente inconstitucional o artigo 11.º do DL 103/80, de 9/5, quando interpretado no sentido da prevalência dos créditos da Segurança Social sobre os garantidos por hipoteca[4].
Finalmente, o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 363/2002 de 17.09.2002[5] pôs fim à polémica, decretando «[…] a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751.º do Código Civil.»
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março veio introduzir alterações no Código Civil, harmonizando-o com a interpretação da prevalência creditória expressa pelo Tribunal Constitucional.
No n.º 3 do artigo 735.º do Código Civil, onde constava «Os privilégios imobiliários são sempre especiais», face à alteração introduzida pelo citado DL 38/2003, passou a constar: «Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais»[6].
Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional, de 12.05.2009[7], tem natureza geral o privilégio creditório que se que se refere a uma generalidade de bens “(os bens imóveis existentes no património das entidades patronais à data da instauração do processo executivo) e não a bens certos e determinados com uma relação específica com a respectiva dívida”.
De acordo com esta qualificação, o privilégio imobiliário previsto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, que garante os créditos do Instituto de Segurança Social, IP., tem natureza geral, contrariamente aos privilégios imobiliários previstos no Código Civil (art. 735/3 CC).
O já citado Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8.03, alterou também a redacção do artigo 751.º do Código Civil, que passou a dispor: «Os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores».
Dispõe o n.º 1 do artigo 686.º do mesmo código: «A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.»
Conjugando o artigo 751.º (na redacção conferida pelo citado DL 38/2003, de 8.03), com o n.º 1 do artigo 686.º do Código Civil, conclui-se que só os privilégios imobiliários especiais prevalecem sobre a hipoteca[8].
Decorre do exposto, que o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., no valor de € 82.3712,56, que beneficia do privilégio creditório previsto no artigos 11.º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, se terá que graduar depois do crédito hipotecário reclamado pela recorrente.
Procede o recurso também nesta parte.

3.3. Quantificação e graduação dos créditos reconhecidos à Fazenda Nacional
Alega a recorrente que o crédito referente ao IRC do ano de 2006, no montante total de € 8.964,28 foi constituído mais de 12 meses antes da data de início do processo de insolvência.
Mais alega que apenas o crédito referente ao IMI, no montante de € 5.862,43 goza de privilégio imobiliário especial, pelo que só esse pode ser graduado à frente do crédito da recorrente.
Face à certidão junta aos autos a fls. 447, concluímos que o IRC referente ao ano de 2006, no montante total de € 8.964,28 foi constituído mais de 12 meses antes da data de início do processo de insolvência.
De acordo com a já citada alínea a) do n.º 1 do artigo 97º do CIRE, extinguem-se com a declaração de insolvência, os privilégios creditórios gerais que forem acessórios de créditos sobre a insolvência de que forem titulares o Estado, as autarquias locais e as instituições de segurança social constituídos mais de 12 meses antes da data do início do processo de insolvência.
Do exposto se conclui que, do crédito da Fazenda Nacional, graduado com privilégio até ao montante de € 80.194,03, apenas se deverá considerar o valor de € 71.229,75 (€ 80.194,03 - € 8.964,28), procedendo nesta parte o recurso.
No que se reporta à forma de graduação, haverá que distinguir o crédito referente ao IMI (€ 5.862,43), da parte restante do crédito privilegiado (€ 65.367,32)[9].
Vejamos.
No que se reporta ao IMI, goza de privilégio imobiliário especial, relativamente ao imóvel apreendido nos autos, de acordo com o que dispõe o n.º 1 do artigo 744.º, graduando-se pela ordem referida no artigo 748.º, prevalecendo sobre o crédito hipotecário da recorrente, de acordo com o já citado artigo 751.º, todos do Código Civil.
No que se reporta à parte restante do crédito da Fazenda Nacional, com privilégio imobiliário de natureza geral (€ 71.229,75), valem as considerações anteriormente tecidas sobre o crédito do ISS, sendo de considerar o Acórdão n.º 362/2002, do Tribunal Constitucional[10], DR-IA, 16.10.2002, onde se decretou «[…] a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 2º da Constituição, da norma constante, na versão primitiva, do artigo 104º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, e, hoje, na numeração resultante do Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, do seu artigo 111º, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil».
Sobre esta matéria, o raciocínio interpretativo terá que ser idêntico ao que se formulou sobre o crédito do ISS: mesmo abstraindo do juízo de inconstitucionalidade, decorre inequivocamente da conjugação dos artigos 751.º e 686/1 do CC, que a hipoteca prevalece sobre este crédito, garantido por privilégio imobiliário de natureza geral. 
Procede o recurso também nesta parte.



III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso, ao qual se concede provimento e, em consequência:
a) Em julgar verificado o crédito da Caixa Geral de Depósitos, apenas com referência ao montante efectivamente reclamado, de 43.658,74 €, considerando-o de natureza comum, tal como a credora o define no seu requerimento de fls. 187.
b) Em considerar de natureza comum, por ter ocorrido a extinção dos privilégios creditórios que os garantiam, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º do CIRE: i) o crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. no montante de € 16.627,74, referente a contribuição e juros relativos ao mês de Agosto de 2008; ii) o crédito da Fazenda Nacional, no montante de € 8.964,28, referente ao IRC do ano de 2006;
c) Em alterar o ponto II da decisão recorrida, que passa a ter a seguinte formulação:
II - Relativamente ao produto da venda do bem imóvel apreendido descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o n.º 6931, da freguesia de Cantanhede:
1) créditos laborais supra mencionados;
2) crédito da Fazenda Nacional referente ao IMI, no montante de  € 5.862,43;
3) créditos da Finangeste, S.A.;
4) crédito da Fazenda Nacional até ao montante de € 65.367,32;
5) crédito do Instituto de Segurança Social, I.P. até ao montante de € 82.3712,56;
5) crédito do Instituto de Segurança Social, I.P., no montante de 526.570,10 € (garantido com hipoteca legal);
6) créditos comuns, através de rateio se necessário;
7) créditos subordinados de M (…) no montante de 34.200,85 €, de C (…) no montante de 18.359,29 €, e de P (…) no montante de 71.258,85 €.
d) Em manter a sentença recorrida na parte restante.
Custas do recurso pela CGD, ISS, e FN.
                                                         *
O presente acórdão compõe-se de vinte e duas páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
                                                          *
Coimbra, 13 de Setembro de 2011

Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins


[1] Restringindo-se o recurso à reapreciação da verificação e graduação dos créditos da recorrente F... – Empresa Financeira de Gestão e Desenvolvimento, SA, da Caixa Geral de Depósitos, do Instituto de Segurança Social e da Fazenda Nacional, face ao teor das conclusões apresentadas pela recorrente (art. 684/3 e 690/1 e 3 do CPC), no presente acórdão serão especificados apenas esses créditos, referindo-se de forma genérica os restantes (que não estão em causa).
[2] Doravante designado por CIRE.
[3] O crédito em apreço foi graduado em 3.º lugar, tendo sido o crédito da recorrente graduado em 4.º lugar.
[4] Acórdão n.º 160/2000, relatado pelo Conselheiro Tavares da Costa – Proc. 843/98; Acórdão n.º 193/2002, relatado pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto – Proc. 31/02; e Decisão Sumária 67/2002, proferida pelo Conselheiro Paulo Mota Pinto – Proc. 67/02.
[5] Publicado no Diário da República n.º 239 Série I Parte A de 16/10/2002.

[6] A nova versão harmoniza-se com a possibilidade de previsão, noutras normas, de privilégios creditórios imobiliários de natureza “geral”, como o que o artigo 11.º do DL 103/80 de 9.05 prevê, face à sua formulação genérica, que o faz incidir, não especificamente sobre um imóvel determinado, mas genericamente “sobre os bens imóveis existentes no património das entidades patronais”.

[7] Processo n.º 202/09, 2.ª Secção, Conselheiro Benjamim Rodrigues.
[8] Como se decidiu no acórdão do STJ, de 25.10.2005, proferido no Processo n.º 05A2606, relatado pelo Conselheiro Silva Salazar: «O artigo 751.º do Código Civil contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens determinados, pelo que não está envolvido de sequela» (publicado in CJ, Acs. STJ, 2005, 3.º, pág. 86 e também acessível em http://www.dgsi.pt). Também no sentido de qualificar o privilégio creditório previsto no artigo 11.º do DL 103/80, de 9.05, como tendo natureza geral, veja-se o acórdão do STJ de 9.01.2007, proferido no Processo n.º 06A3879, acessível em http://www.dgsi.pt).
[9] Correspondente à diferença entre o total do crédito privilegiado (€ 71.229,75) e o crédito referente a IMI (€ 5.862,43).
[10] Publicado no DR-IA, de 16.10.2002.