Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | TELES PEREIRA | ||
Descritores: | OBTENÇÃO DE PROVA ESTRANGEIRO COOPERAÇÃO TRIBUNAIS DE ESTADOS-MEMBROS | ||
Data do Acordão: | 06/11/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COVILHÃ – 3º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 535ºCPC; REGULAMENTO (CE) Nº 1206/2001 | ||
Sumário: | I – A requisição da prestação de uma informação por um Tribunal português a uma sociedade espanhola (em Espanha), ao abrigo do artº 535º do CPC, constitui um meio de obtenção de prova envolvendo a cooperação entre dois Estados-Membros. II – A aplicabilidade directa do Regulamento (CE) nº 1206/2001, do Conselho, de 28/05/2001, relativo à cooperação entre tribunais de Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial, vincula o Tribunal português, na obtenção dessa concreta prova, ao uso das formas de cooperação previstas neste Regulamento, quer se trate de obtenção directa quer através de tribunal competente do outro Estado-Membro. III – No caso de pretensão de obtenção directa, que, neste caso, sempre pressupõe uma base de voluntariedade por parte do prestante da informação, deve o Tribunal português (requerente) adoptar o procedimento previsto no artº 17º do Regulamento, recorrendo à “entidade central” prevista no artº 3º do Regulamento. IV – O desencadeamento da produção, num processo pendente na jurisdição portuguesa, de uma prova deste tipo sem a adopção de qualquer das formas previstas no Regulamento (CE) nº 1206/2001, conduz à invalidade da constituição dessa prova. | ||
Decisão Texto Integral: | Decisão Sumária (Artigo 705º do Código de Processo Civil)
1. Emerge a presente apelação com subida em separado de uma acção declarativa de condenação com processo ordinário, intentada no decurso do ano de 2009[1], por A..., Lda. (A. e neste recurso Apelada) contra cinco Réus, o primeiro dos quais é a ora Apelante, B..., Lda. (R. e Apelante)[2].
No desenvolvimento dessa acção, saneado que foi o processo e elaborada a especificação da matéria já assente e a base instrutória (peça processual certificada a fls. 58/90), apresentaram as partes os respectivos requerimentos de prova, previstos no artigo 512º do Código de Processo Civil (CPC), sendo que o da A. (corresponde este à peça processual certificada a fls. 52/56) continha, no item respeitante à “Prova Documental” (fls. 53/55) os seguintes trechos:
1.1. Foram estas duas pretensões da A. quanto a meios de prova (tanto a referida ao “Grupo C...” como à sociedade “ F..., S.L.”) atendidas pelo Tribunal, através do despacho certificado a fls. 36 – este, em rigor, constitui a decisão objecto do presente recurso –, que determinou a respectiva execução nos exactos termos requeridos pela A.[3]: ao abrigo do disposto no artigo 535º do CPC[4] (através do requerimento certificado a fls. 39/46).
1.2. Inconformada, apresentou-se a R. a recorrer (certificação da interposição do recurso a fls. 19), apresentando a motivação certificada a fls. 20/29, rematando esta com as seguintes conclusões: 1.3. Já na pendência do recurso nesta instância o Tribunal a quo informou (despacho certificado a fls. 99), ter ficado sem efeito no processo a diligência referida ao “Grupo C...”.
2. Estamos, pois, em condições de apreciar a apelação – já que esta foi adequadamente admitida pelo despacho certificado a fls. 17 –, adoptando-se em tal apreciação, dada a simplicidade da questão suscitada pela Apelante, a forma singular e liminar própria da decisão sumária prevista no artigo 705º do CPC.
Tenha-se presente, desde já, que o âmbito objectivo do recurso foi delimitado pelas conclusões transcritas no item anterior (artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC). Ocorreu, todavia, através da evolução do próprio processo na primeira instância (posteriormente comunicada a esta Relação a fls. 99) uma inutilização da questão respeitante às informações solicitadas ao chamado “Grupo C...”.
Ficou o recurso, assim, tematicamente restrito à única questão suscitada relativamente à informação solicitada à sociedade espanhola (à sociedade sedeada em Espanha) F..., S.L.: a do não emprego, para o efeito de obtenção dessa específica prova, da cooperação judiciária internacional, no quadro do Regulamento (CE) nº 1206/2001, do Conselho de 28 de Maio de 2001[5].
É, pois, esta, em exclusivo, a questão a apreciar na presente apelação.
2.1. Está em causa o meio de obtenção de prova (numa acção cível) previsto no artigo 535º do CPC, traduzido na solicitação a um terceiro (o conceito de terceiro é formal: refere-se a quem não ocupa a posição de parte na acção) da prestação de determinadas informações.
Vale aqui, pois, tratando-se de acção pendente na jurisdição portuguesa, que numa sua vicissitude (realização de determinada diligência de obtenção de prova) pressupõe a ocorrência de um acto (a prestação dessas informações pelo terceiro) em outro país (em Espanha), vale aqui, dizíamos, em função dessa incidência relacional implicando dois Estados Membros da União Europeia, o Regulamento (CE) nº 1206/2001, do Conselho, de 28 de Maio de 2001, relativo à cooperação entre tribunais de Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial[6] (doravante Regulamento 1206/2001 ou Regulamento), sendo que tanto Portugal como Espanha estão vinculados pelo referido Regulamento[7].
Esta circunstância referida a Portugal (estar o nosso país, como está, vinculado ao Regulamento, tal como sucede com o Estado espanhol) vincula os Tribunais portugueses a adoptarem, estando em causa a obtenção de provas noutro Estado-Membro – um pedido de informação a prestar por uma empresa de outro Estado-Membro, tem essa natureza probatória[8] –, esta circunstância, dizíamos, vincula os nossos Tribunal a utilizar os procedimentos prescritos no Regulamento 1206/2001: 2.1.1. Ora, oferece o Regulamento aos Estados Requerentes (é essa aqui a posição de Portugal – Requerente –, através do Tribunal da Covilhã) duas formas fundamentais de cooperação visando a obtenção de provas, ambas ancoradas no âmbito definido logo no artigo 1º do Regulamento[10], correspondentes a distintas formas de realização da pretensão de cooperação judiciária: (a) entreajuda activa (alínea a) do artigo 1º); (b) entreajuda passiva (alínea b) do artigo 1º).
Na hipótese vertente o Tribunal a quo optou – é o que resulta inequivocamente do despacho recorrido acima transcrito – pela obtenção directamente da prova no outro Estado-Membro[11]. Embora dada a natureza do meio de prova possa justificar tal opção, fê-lo o Tribunal da Covilhã, todavia, sem seguir o processamento adequado, fora do quadro que o Regulamento estabelece para esse efeito, que é o que resulta do respectivo artigo 17º, cujo texto aqui se transcreve: Secção 4 – Obtenção de provas directamente pelo tribunal requerido Artigo 17º 1 – Se o tribunal requerer a obtenção de provas directamente noutro Estado-Membro, apresentará nesse Estado um pedido à entidade central ou à autoridade competente referidas no nº 3 do artigo 3º, utilizando para o efeito o formulário I constante do anexo[[12]]. 2 – A obtenção directa de provas apenas poderá ocorrer se for feita numa base voluntária, sem recorrer a medidas coercivas. Se a obtenção directa de provas implicar a audição de uma pessoa, o tribunal requerente informará essa pessoa de que a audição é executada numa base voluntária. 3 – A obtenção de provas será efectuada por um magistrado ou por outra pessoa, por exemplo um perito designado segundo a legislação do Estado-Membro do tribunal requerente. 4 – No prazo de 30 dias a contar da data de recepção do pedido, a entidade central ou a autoridade competente do Estado-Membro requerido indicará ao tribunal requerente se o pedido é aceite e, eventualmente, as condições da sua execução, segundo a lei do seu Estado-Membro, utilizando para o efeito o formulário J constante do anexo. Em especial, a entidade central ou autoridade competente poderá designar um tribunal do seu Estado-Membro para participar na obtenção de provas, a fim de assegurar a adequada aplicação do presente artigo e as condições nele estabelecidas. A entidade central ou a autoridade competente incentivará o uso das tecnologias da comunicação, como videoconferência e a teleconferência. 5 – A entidade central ou a autoridade competente podem recusar a obtenção directa de provas, na medida em que: a) O pedido não caiba no âmbito do presente regulamento, de acordo com o artigo 1º. b) O pedido não contenha todas as informações necessárias, de acordo com o artigo 4º. c) A obtenção directa de provas requerida for contrária aos princípios fundamentais da legislação do seu Estado-Membro. 6 – Sem prejuízo das condições constantes do nº 4, o tribunal requerente executa o pedido, em conformidade com a legislação do seu Estado-Membro.[13] Sublinha-se neste caso, no qual, como se disse, parece ter existido uma opção de partida pela obtenção directa da prova, a base voluntária em que a prestação das informações pela sociedade espanhola deverá ocorrer (nº 2 do artigo 17º).
Artigo 535º 1 – Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.Requisição de documentos 2 – A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros. [5] Esta asserção resulta clara do texto da motivação que se refere especificamente ao desvalor apontado à diligência pedida à sociedade “ F...”: “[o] mesmo argumento, de natureza formal (meio de comunicação dos actos), é válido para o pedido de informação solicitado no ponto 7º da parte II (prova documental), do requerimento probatório da A., a notificação da sociedade de direito espanhol « F...”, que não deve ser admitido nos termos em que o foi mas, isso sim, só deve ser admitido pelo recurso à cooperação judiciária internacional” (transcrição de fls. 25/26, com sublinhado acrescentado). [6] Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, nº L 174, de 27 de Junho de 2001. [7] Diz o respectivo artigo 1º, nº 3: “[n]o presente regulamento, a expressão «Estados-Membros» designa todos os Estados-Membros com excepção da Dinamarca”. [8] Como tal está prevista no nosso Código de Processo Civil. [9] Miguel Teixeira de Sousa, “Linhas gerais do Regulamento (CE) nº 1206/2001 relativo à obtenção de provas em matéria civil e comercial”, nos Cadernos de Direito Privado, nº 8, Outubro/Dezembro de 2004, p. 36. [10] Diz este nos nºs 1 e 2 aqui relevantes: Artigo 1º 1 – O presente regulamento é aplicável em matéria civil ou comercial, sempre que um tribunal de um Estado-Membro, requeira, nos termos da sua legislação nacional:(Âmbito) a) Ao tribunal competente de outro Estado-Membro a obtenção de provas; ou b) A obtenção de provas directamente noutra Estado-Membro. 2 – Não será requerida a obtenção de provas que não se destinem a ser utilizadas num processo judicial já iniciado ou previsto. [11] “A outra possibilidade é a obtenção de provas directamente pelo tribunal de origem num outro Estado-membro (cfr. artigo 17º). Desde que a lei do Estado requerido o aceite e sejam respeitadas as condições determinadas pela entidade central ou autoridade competente deste mesmo Estado, o tribunal de origem pode obter directamente provas neste Estado (artigo 17º; cfr. considerando (15)). […] Atentas estas possibilidades, deve entender-se que compete ao tribunal do processo escolher, segundo os adequados critérios de discricionariedade, entre solicitar a obtenção da prova pelo tribunal requerido no seu próprio Estado ou procurar obter ele próprio a prova num outro Estado-membro. […]. Se o tribunal requerente escolher a obtenção da prova pelo tribunal requerido, aquele tribunal beneficia da faculdade de este tribunal poder impor medidas coercivas no seu próprio Estado (cfr. artigo 13º), mas, em contrapartida, perde, em regra, as vantagens inerentes à imediação na produção da prova. […]. Se, pelo contrário, o tribunal requerente optar por obter directamente as provas no Estado requerido, ele não pode aplicar quaisquer medidas coercivas neste Estado (cfr. artigo 17º, nº 2), mas beneficia das vantagens inerentes quer à realização da prova segundo o seu direito nacional (cfr. artigo 17º, nº 6), quer à imediação na produção da prova” (Miguel Teixeira de Sousa, “Linhas gerais do Regulamento (CE) nº 1206/2001…”, cit., p. 35). [12] V. o modelo em causa em António da Costa Neves Ribeiro, Processo Civil da União Europeia, Coimbra, 2002, pp. 403/406. [13] V. a anotação a este artigo de António da Costa Neves Ribeiro, Processo Civil da União Europeia, cit., pp. 389/390. [14] Actualmente a Exma. Juíza de Direito Dra. Florbela Moreira Lança, redecivil@csm.org.pt, sedeada no Conselho Superior da Magistratura. No caso espanhol, v. http://ec.europa.eu/civiljustice/index_es.htm. [15] “Se a invalidade afectar, não a prova em si, mas os actos processuais de admissão ou de produção da prova […], a prova não se diz inadmissível, mas invalidamente constituída” (Isabel Alexandre, Provas Ilícitas em Processo Civil, Coimbra, 1998, p. 32). [16] Neste sentido, v. Isabel Alexandre, Provas Ilícitas…, cit. p. 147. |