Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/12.4GTLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
PRISÃO POR DIAS LIVRES
EXTINÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 01/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA (3.º JUÍZO CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 34.º, 35.º, 36.º E 470.º, DO CPP; ARTIGO 91.º, N.º 1, DA LEI 3/99, DE 13-01; ARTIGOS 125.º E 138.º, N.ºS 2 E 4, ALÍNEAS J) E L), DO CEPMPL, APROVADO PELA LEI N.º 115/2009, DE 12-10
Sumário: Pertence ao Tribunal de Execução das Penas a competência para proferir despacho de extinção da pena de substituição, em sentido impróprio, de prisão por dias livres.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

1 - Por sentença proferida em 12 de Julho de 2012, foi A... , melhor identificado nos autos, condenado como autor material de um crime de desobediência previsto e punido pelos art.s 348º, nº 1, al. a) e 69º, nº 1, c) do Código Penal e 152º, nº 3 do Código da Estrada, na pena de 6 meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, correspondentes a 36 fins de semana seguidos, em períodos de 44 horas, compreendidos entre as 21 horas de sexta-feira e as 17 horas de domingo, com inicio no segundo fim de semana após o trânsito em julgado da presente decisão, em estabelecimento prisional a indicar pelos serviços prisionais.    

2 – Em 8 de Julho de 2013 foi proferido despacho a declarar extinta, por cumprimento, a pena aplicada ao arguido.

3 -Inconformado recorre o Ministério Público, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

3.1 – O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado, na pena de 6 meses de prisão, substituída por prisão por dias livres, correspondentes a 36 fins de semana seguidos, em períodos de 44 horas, compreendidos entre as 21 horas de sexta-feira e as 17 horas de domingo.

3.2 – O arguido, como decorre do processo individual existente no estabelecimento prisional, iniciou o cumprimento de pena no dia 19.10.2012 (sexta-feira) às 21H00 e saiu às 17H00 do dia 21 (domingo), o que perfaz 44 horas.

3.3 – No segundo período o arguido deu entrada no estabelecimento prisional no dia 27.10.2012 (Sábado), às 9H00 e saiu no domingo às 21H00, o que perfaz a 36 horas.

3.4 – A partir dessa data, o arguido continuou a cumprir a pena todos os fins-de-semana entre as 9H00 de sábado e as 21H00 de domingo, ou seja, a cumprir 36 horas de prisão em cada período de fim-de-semana.

3.5 – Cumpriu ao todo 37 períodos de prisão por dias livres, sendo que o primeiro teve a duração de 44 horas e os restantes de apenas 36 horas.    

3.6 – Em resumo, o arguido cumpriu um total de 1340 horas de prisão quando deveria ter cumprido 1584 horas, pelo que o remanescente da pena a cumprir é de 244 horas.

3.7 – Este facto foi comunicado ao Tribunal de Execução de Penas, a quem compete apreciar os incumprimentos da execução da pena, por ofício de 5 de Julho de 2013.

3.8 – Porém, o despacho de 8 de Julho, este tribunal considerando cumprida a penam declarou-a extinta, o que se traduz numa ilegalidade.

3.9 – Ao declarar cessada a pena o tribunal pode ter praticado um acto decisório para o qual não tinha competência, na medida em que, de harmonia com o disposto no art. 138º, nº 1 e 4, al. j) e r) do Código de Execução de Penas, a competência para declarar extinta a pena de prisão por dias livres, cujo cumprimento, por via do incumprimento não considerado justificado, for determinado em regime continuo, pertence ao Tribunal de Execução de Penas.

3.10 – E, a incompetência do tribunal para o acto, no caso, em razão da matéria, constitui nulidade insanável, tal como prescreve o art. 119º, al. e) do CPP.   

4 – O Digno Procurador-Geral Adjunto, nesta Relação, pronunciou-se como consta a fls. 43 a 44, pugnando pela improcedência do Recurso.

5 – Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

II – QUESTÕES A DECIDIR

Aceite que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, são as conclusões que o Recorrente extrai da respectiva Motivação que delimitam o objecto do Recurso, a questão fulcral a decidir é a de saber se o Tribunal do 3º Juízo Criminal de Leiria tem competência para apreciar, no caso, a extinção da pena de prisão de por dias livre.

III – DO OBJECTO DO RECURSO

Está em causa, em primeira linha, saber se o Tribunal Criminal de Leiria tem competência material para conhecer da extinção da pena de prisão por dias livres, ou se aquela competência é deferida ao Tribunal de Execução de Penas.

Esta questão já foi apreciada e decidida, nesta Relação, sem sede de resolução de conflitos negativos entre o Tribunal de Execução de Penas e o Tribunal Judicial de condenação, nomeadamente, em 7 de Março de 2012 (processo nº 89/08.4GBALD-B.C1), em 13 de Junho de 2012 (processo 69/08.0GDAND-A.C1), em 6 de Setembro de 2012 (processo nº 425/11.6TXCBR-D.C1) e em 08-05-2013  (processo nº 113/11.3GDAND-A.C1), razão pela qual, traremos à colação os fundamentos desta última decisão.

Aí se escreveu:

«Com a entrada em vigor do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (doravante designado apenas CEPMPL), aprovado pela Lei 115/2009, de 12 de Outubro, a qual introduziu igualmente várias alterações ao Código de Processo Penal, o legislador quis claramente estabelecer um verdadeiro sistema de cesure total, com a separação absoluta entre o tribunal da condenação e o da execução.

Aliás, deve dizer-se que, esta nova orientação legal mais não foi do que a concretização da intenção do legislador, manifestada no ponto 15 da exposição de motivos da proposta de lei 252/X, que esteve subjacente à aprovação do CEPMPL, quando refere que “15. No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, atualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema”.

  Por força da alteração introduzida por aquele diploma, o n.º 1 do art. 91.º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), passou a estabelecer:

  “Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal”.

  Por sua vez, a nova redação dada ao art. 470.º do CPP pela Lei 115/2009, alinha no mesmo objetivo, ao consignar: “1 - A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade”.

  Ora o art. 138º do CEPMPL, definidora da competência material do TEP, é muito claro ao determinar, no seu nº 2 e nos mesmos termos do art. 91.º, n.º 1, da LOTJ, que: “após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371º-A do Código de Processo Penal” (o sublinhado pertence-me).

  Efectivamente, não faria qualquer sentido e seria mesmo, como vimos, contra lei expressa, que, sendo da competência do TEP a verificação sobre a execução, faltas e cumprimento, bem como a competência para ordenar a conversão em regime contínuo da prisão por dias livres (arts. 125.º e 138º n.º 4, alíneas j) e l), do CEPMPL), em suma, o controlo do cumprimento dessa modalidade de prisão, coubesse ao tribunal da condenação o poder/dever de proferir o despacho de extinção em causa».

Acolhendo, na integra estes argumentos e nada mais havendo a acrescentar, concluímos que o 3º Juízo Criminal de Leiria não tinha competência, em razão da matéria – os tribunais de execução de penas são tribunais de competência especializada regulada em lei especial, nos termos do art. 78º da Lei Orgânica do Funcionamento dos Tribunais Judiciais e art. 10º e 18º do Código de Processo Penal (de ora em diante designado por CPP) – para apreciar e decidir a extinção da pena de prisão por dias livres, em que o arguido foi condenado.

A incompetência em razão da matéria do tribunal, é conhecida e declarada oficiosamente – podendo ser deduzida pelo Ministério Público, pelo arguido e pelo assistente – até ao trânsito em julgado da decisão final.

A violação das regras de competência do tribunal, à excepção do disposto nos art.s 32º, nº2 e 38º, nº 4, consubstancia uma nulidade insanável, nos termos do art. 119º, al. e) do CPP, que pode fundamentar o recurso, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (como é o caso) (art. 410º, nº 3 do CPP).

In casu, o Ministério Público arguiu a nulidade decorrente da incompetência do Tribunal e a decisão recorrida ainda não transitou em julgado, nada obstando, por isso, ao conhecimento da nulidade invocada.

Em suma:

A Sra. Juiz a quo ao decidir a extinção da pena de prisão por dias livres em que o arguido foi condenado, sem que para tal, tivesse competência material, violou as regras da competência dos tribunais, nos termos supra exarados, cometendo uma nulidade insuprível, que urge se declare, neste recurso.

 

V – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção Criminal desta Relação em julgar procedente o Recurso, declarando a nulidade do despacho recorrido.

Sem tributação.

Coimbra, 22 de Janeiro de 2014

 (Alcina da Costa Ribeiro - relatora)



 (Cacilda Sena - adjunta)