Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
841/21.5T8ENT-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 323.º A 327.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: Interrompida a prescrição com a citação do executado, são irrelevantes, para efeitos de interrupção da prescrição, os posteriores actos de penhora do vencimento do executado.
Decisão Texto Integral:





Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

  

       1.- Relatório

1.1. AA deduziu embargos à execução que lhe move BB, sustentando, em síntese que o titulo executivo é uma sentença condenatória de 16 de novembro de 1998; em 15 de dezembro de 1998 foi intentada a execução; o executado foi citado em 14 de fevereiro de 2000; a instância foi declara deserta, o que motivou o indeferimento do requerimento de renovação da instância executiva; conclui, desta forma, que o prazo para requerer a execução da sentença prescreveu no dia 15 de fevereiro de 2020; sem prescindir, os juros vencidos nos cinco anos anteriores à citação do executado encontram-se prescritos. A factualidade descrita é do conhecimento do Exequente que, por isso deverá responder pelos danos culposamente causados ao Embargante.

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1.2.- Por despacho de 13 de setembro de 2021 foram os presentes embargos de executado recebidos e o Exequente notificado para contestar.

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1.3. - A Exequente apresentou contestação sustentando, em síntese, que para além da citação do Executado, foram concretizados atos de penhora do vencimento do executado em 08 de fevereiro de 2002, 05 de abril de 2002, 12 de junho de 2002, 7 de agosto de 2002, 07 de outubro de 2002, 10 de outubro de 2002, 08 de novembro de 2002, 13 de novembro de 2002 e 16 de dezembro de 2002. A factualidade descrita é do conhecimento do Executado, que a omite, devendo por isso ser condenado como litigante de má fé.

 Por outro lado, requerer a redução do pedido para 15.275,00 euros, respeitando 2.546,00 a juros dos últimos 5 anos.

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1.4. - O Embargante respondeu à matéria de exceção e concluiu pela condenação do Embargado como litigante de má fé.

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1.5. - O Embargado respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé.

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1.6. - O Exequente veio requerer a redução da quantia exequenda, por reconhecer estarem prescritos parte dos juros reclamados.

Assim, para além do capital de 12.729,00 euros, reclamada juros referentes aos últimos 5 anos, à taxa de 4%/ ano, num total de 2.546,00 euros.

            Dispõe o artigo 265.º, n.º 2 do CPC, ex vi, artigo 551.º, n.º 1 do CPC, que o Exequente pode, em qualquer altura, reduzir o pedido.

Deste modo, homologo por sentença a redução do pedido, determinando o prosseguimento da execução para pagamento coercivo do capital de 12.729,00 euros, ao que acrescem juros vencidos até 22 de março de 2021 no montante de 2546,00 euros e juros vincendos desde 23 de março de 2021 até integral pagamento à taxa de juros civis sucessivamente vigente, sem prejuízo dos juros à taxa de 5%/ ano, nos termos do artigo 829.ºA, n.º 4 do Código Civil, desde 22 de março de 2016 até integral pagamento.

Notifique e Comunique.

Os autos contêm todos os elementos para que o Tribunal se pronuncie e decida.

            Nos termos do art.º 306.º, n.º 1, do CPC, foi atribuído o valor á oposição de  55.839,00 euros.

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1.7. Foi proferido despacho a sanear os autos, onde se decidiu ser o Tribunal o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, bem como do território, ser o processo é o próprio e não enfermar de nulidade total que o invalide, serem as partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e dado o seu interesse direto na causa, as partes são legítimas, sendo regular o respetivo patrocínio.

Após foi proferida decisão, onde se decidiu:

i)- julgar totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução para pagamento coercivo do capital de 12.729,00 euros, ao que acrescem juros vencidos até 22 de março de 2021 no montante de 2.546,00 euros e juros vincendos desde 23 de março de 2021 até integral pagamento à taxa de juros civis sucessivamente vigente, sem prejuízo dos juros à taxa de 5%/ ano, nos termos do artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil, desde 22 de março de 2016 até integral pagamento.

ii) - Não se vislumbrar sinais de litigância má fé.

iii)- Custas a cargo da Embargante.

Registe, Notifique e Comunique.

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1.8. - Inconformado com tal decisão dela recorreu o oponente AA, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1. O douto Tribunal recorrido fez errada interpretação do Direito e da Lei nas seguintes interpretações:

a. no sentido de um prazo prescricional poder ser interrompido múltiplas vezes;

b. no sentido de os actos descritos na sentença poderem ser equiparados à citação ou notificação; e

c. no sentido de um prazo sujeito a uma interrupção duradoura poder ser novamente interrompido enquanto não voltar a correr

2. Estas interpretações foram feitas contra a letra dos artigos 323.º a 327.º.

3. Vejamos:

a.

4. A prescrição “é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita”. - Pedro Pais de Vasconcelos, citado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-11-2013 (processo 7624/12.1TBMAI.S1).

5. O Acórdão esclarece que a prescrição representa um mecanismo estabilizador do direito “é essencial à segurança, transparência e certeza do tráfego jurídico, evitando, por um lado, a vinculação indefinida do devedor, e funcionalizando, por outro, o exercício útil dos direitos subjectivos, por via da desvalorização da inércia do titular quando se prolongue para além de um prazo considerado por lei como razoável”

6. Esclarece também que “sabendo-se que a interrupção do prazo prescricional inutiliza todo o que decorre antes do acto interruptivo, iniciando-se novo prazo igual ao primitivo, não será difícil de perceber que não pode admitir-se sucessivas interrupções através de notificação judicial avulsa, sob pena de se criar enorme insegurança na ordem jurídica, e, sobretudo, sem se destruir a razão de ser do próprio instituo da prescrição.”

7. Podendo-se levantar algumas questões à aplicabilidade do Acórdão fundamento, nomeadamente por se tratar de mecanismo de interrupção e prazo diferentes, o próprio acórdão responde à primeira questão quando diz que “não se vê que a citação ou notificação judicial a que se refere o n.º 1 do Art.º 323.º, possam ser usadas para interromper mais do que uma vez o prazo prescricional.”

8. À segunda questão respondeu a Formação de três juízes do STJ descrita no artigo 672.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, processo 10238/13.5YYLSB-A.L1-A.S1, ao dizer que, apesar de o acórdão recorrido se referir “à prescrição de uma obrigação contratual e o acórdão-fundamento [...] ao prazo de prescrição da responsabilidade extracontratual previsto no art.º 498.º do Código Civil [...]o certo é que a questão colocada respeita à possibilidade de haver mais do que uma causa sucessiva de interrupção da prescrição. E quanto a este tema, parece-nos existir contradição entre os acórdãos em confronto.”

9. Resulta claro, portanto, que a prescrição só pode ser interrompida uma vez.

b.

10. Ao contrário do que é fundamentado na douta Sentença recorrida, não é o acto judicial de penhora (independentemente de se esgotar num acto isolado ou de se renovar por cada vencimento), mas a citação (o acto que levou ao conhecimento do recorrente a prática desse acto, isolado ou continuado) que interrompe a prescrição.

11.Independentemente da interrupção ficcionada pelo artigo 323.º, n.º 2, essa citação ocorreu no dia 14 de Fevereiro de 2000.

12.Os actos de penhora que o douto Tribunal recorrido equiparou à citação ou notificação não possuem as características de levar ao conhecimento do recorrente o acto do recorrido através do qual exprime, directamente ou indirectamente, a intenção de exercer o seu direito.

13.Os depósitos feitos pelo empregador não são um meio judicial pelo qual se dê conhecimento, novo ou executado, dessa intenção ao executado.

14.Para além disso são actos praticados por um terceiro, considerado na relação também como devedor, não promovidos directamente pelo titular do direito.

c.

15. O Código Civil divide os efeitos temporais da prescrição pelo regime “normal” da prescrição instantânea, expresso no artigo 326.º, e do regime especial da prescrição duradoura, do artigo 327.º

16.Ao interpretar que os sucessivos actos de penhora podiam “re-interromper” um prazo interrompido de forma duradoura, nos termos do artigo 327.º, o douto Tribunal interrompido aplica um regime misto, incompatível com o do 327.º.

17.Uma segunda interrupção em nada altera o efeito interruptivo duradouro da primeira, considerando-se como não existente.

18.Nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/05/2021 (processo n.º 568/09.6TBVNO-A.C1)

19.A própria linguagem do artigo 327.º trata a prescrição duradoura como um único momento, voltando o prazo a correr nesse acto nos casos do n.º 2.

20.A interpretação do douto Tribunal recorrido tira por completo a eficácia ao artigo 327.º, n.º 2, que previne o abuso do efeito duradouro da prescrição quando o titular do direito é responsável pela absolvição, desiste, ou deixa desertar a instância, uma vez que qualquer acto após a citação favorece o titular, ampliando o novo prazo, beneficiando-o apesar da sua inércia e negligência.

Termos em que, dando provimento ao recurso, revogando a douta sentença recorrida, e substituindo-a por outra que, pelas três razões alegadas, declare procedente, por provados, os embargos de executado, e extinta a execução para pagamento coercivo dos valores constantes no título prescrito, - se fará JUSTIÇA!

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1.9. - Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., respondeu BB terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1a - Na decisão sub-júdice faz-se uma correcta interpretação e aplicação do Direito e da Lei, designadamente dos artigos 323o e 327o do CC :

2a - Efectivamente um prazo prescricional pode ser interrompido múltiplas vezes, o que é desde logo reconhecido pela nossa Jurisprudência mais avisada, conforme adiante se verá.

3a - Os actos descritos na sentença ( alínea d) dos factos assentes –actos de penhora concretizados nos autos de ação executiva ) podem ser equiparados à citação ou notificação conforme se retira expressa e inequívocamente do disposto no Art. 323o do CC.

4a - Dos Acórdãos invocados pela contraparte

1. Acórdão Tribunal da Relação do Porto, Processo 0313320, de 14.07.2003 Tal como o próprio acórdão refere “a proibição de sucessivas interrupções não resulta directamente da letra da lei”. Na verdade, não é referido em nenhum dos preceitos do 323o a 327o CC se a interrupção da prescrição é a interrupção originária ou uma interrupção posterior.

5a - 2. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.14.2003 (*gralha na data; data correta é 26.02.2014*), Processo 76/04.1TTVFX-B.L1-4 Quando o acórdão refere que “Quando há lugar à interrupção da prescrição verifica-se a inutilização do primeiro prazo, começando a correr um segundo e último prazo”, refere-se à situação de interrupção da prescrição do artigo 326o, que não é aqui aplicável visto estar em causa a aplicação do artigo 327o (conclusão tecida pelo próprio recorrente sob o título “da interrupção duradoura do artigo 327o”).

6a - 3. Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães, de 04.05.2017, Processo 4420/15.8T8VCT. G1 O art. 279o, no 2 do CPC, objeto de apreciação do acórdão referido, não encontra qualquer correspondência com o presente caso porquanto não está em causa uma segunda propositura de ação com o mesmo objeto da primeira, após a absolvição da instância desta.

7a - 4. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05.11.2013, Processo 7624/12.1TBMAI.S1

5. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.05.2019, Processo 10238/13.5YYLSB-A.L1-A.S1

Embora a formação de 3 juízes do STJ tenha apreciado preliminarmente a questão, ao abrigo do artigo 672o, no 3 do CPC, reconhecendo haver contradição entre o ASTJ de 05.11.2013 e um Acórdão da Relação de Lisboa de 18.01.2018 (Processo 10238/15.YYLSB-A.L1-2) e entendendo ser dado provimento ao recurso de revista, a decisão final do STJ foi no  sentido de negar tal revista, confirmando o acórdão recorrido segundo o qual “ocorreram várias causas de interrupção da prescrição (...) nos termos das quais demonstraram os exequentes, inequivocamente, a sua intenção de exercer o seu direito de crédito”.

8a - 6. Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.05.2011, Processo 568/09.6TBVNO-A.C1 O Acórdão faz referência à situação do 323o, no 2, em que a lei estabelece uma ficção de citação que interrompe a prescrição quando o réu não foi regularmente citado, sendo desnecessária uma nova interrupção com a citação posterior. Em nenhum momento o Acórdão faz referência a atos equiparados à citação, que apesar da equiparação são materialmente diferentes desta, logo a analogia que o recorrente pretende fazer não é possível, nem correta.

9a - Dos Acórdãos favoráveis à tese do recorrido :

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec

/504a22bfb229a47f802582730036142a?OpenDocument

• “ocorreram várias causas de interrupção da prescrição (...) nos termos das quais demonstraram os exequentes, inequivocamente, a sua intenção de exercer o seu direito de crédito”

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/2b1d41a152b699bd802583f500585bc9

• “confirmando-se o acórdão recorrido” (acórdão acima referido, em detrimento do Acórdão do STJ de 05.11.2013)

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383 2/9166eb55429093ad8025822d003ff48d?OpenDocument

As sucessivas penhoras do salário (de que sempre teria conhecimento através dos recibos de vencimento) evitariam a criação no devedor da segurança de que o credor não pretenderia mais exercer o seu direito.

http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383

2/81d1884a17612fb8802586af00500c42?OpenDocument

10a - A tese do Recorrente desconsidera em absoluto o disposto no Art. 323o do CC, que, não sendo aplicado, resultaria em grande injustiça, caso se entendesse como aquele pretende que os depósitos feitos pelo empregador são actos praticados por um terceiro, não promovidos directamente pelo titular do direito, ora, se aceitássemos este raciocínio como válido também a citação ou notificação judicial de qualquer acto, nunca poderiam interromper a prescrição, pois tratam-se de actos praticados pelo Tribunal que também é um terceiro na relação credor/devedor,

11a - Os sucessivos actos de penhora ao interromperem o prazo prescricional, apagaram todo o tempo decorrido desde o acto de citação até à concretização da penhora, daí a sua importância. Caso não se entendesse assim apenas a citação seria susceptível de interromper a prescrição e far-se-ia tábua rasa de todos os outros actos judiciais que decorrem da tramitação normal dum processo ( in casu, executivo ).

12a - De acordo com o disposto no Art. 323o do CC o que releva é que o exercicio do direito se faça através de acto com carácter judicial.

Conferir neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4a edição revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 290 Vide também Rita Canas da Silva, em Código Civil Anotado, Vol. I, 2a Edição Revista e Actualizada, Coord. De Ana Prata, Almedina, pág. 428.

13a - Os factos interruptivos provêm de acto do credor, por meio de notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercício do direito, ainda que praticado por um representante, legal ou voluntária.

“ O efeito interruptivo tem lugar quando o obrigado tem ou deve ter conhecimento ( oficial ) do exercício do direito “ – AC Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012, em www.dgsi.pt.

14a - A penhora é acto de carácter judicial.

Cada desconto de 1/3 do vencimento do executado expressa, não apenas uma intenção de exercer o direito, exterioriza o exercício do direito de crédito pelo exequente.

O executado tem conhecimento do exercício desse direito pelo acto judicial de penhora de 1/3 do seu vencimento.

15a - O acto judicial de penhora de 1/3 do vencimento não se esgota num acto isolado pois renova-se por cada vencimento ou salário auferido pelo executado.

O último acto de penhora sobre o vencimento ocorreu em Outubro de 2002.

16a - Quando a instância seja julgada deserta o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo – n.º 2 do artigo 327.º do CC.

Pelo que, o prazo de prescrição de 20 anos ( artigos 309o e 311o do CC ) começou a contar a partir de Outubro de 2002.

17a - A execução de que os presentes autos são apensos foi intentada em 22 de Março de 2021 e o executado foi citado em 5 de Julho de 2021.

É assim notório que o direito de crédito do Exequente não está prescrito.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, INVOCANDO O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXCIAS VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO A ESTE RECURSO DE APELAÇÃO, MANTENDO-SE INCÓMULE A DECISÃO RECORRIDA, EM CONFORMIDADE ÀS ANTECEDENTES CONCLUSÕES, COMO É DE DIREITO, E DE

JUSTIÇA !”

                                                           *

1.10. - Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“A sentença é recorrível (artigo 629.º, n.º 1 do CPC).

O recorrente ter legitimidade (artigo 631.º, n.º 1 do CPC).

O recurso é tempestivo (artigo 638.º do CPC).

Assim, admito o recurso interposto, que é de apelação (artigo 644.º, n.º 1, al. a) do CPC), a subir nos próprios autos (artigo 645.º, n.º 1, al. a) do CPC) e com efeito devolutivo (artigo 647.º, n.º 1 do CPC).

Por legais e tempestivas admito as contra-alegações.

Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra”.

                                                           **

1.11. - Com dispensa de vistos, cumpre decidir.

                                                           **

                                               2. Fundamentação

Dos autos e documentos juntos aos autos resulta que:

a)-  O Exequente apresentou como titulo executivo a sentença proferida em 16 de novembro de 1998, no âmbito da ação ordinária n.º 151/98, que correu termos no ... Juízo do Tribunal do Circulo e Comarca ..., que condenou AA a restituir a BB a quantia de 2.552.000$00 (contravalor 12.279,32 euros), acrescido de juros.

b)- Em 15 de dezembro de 1998 BB intentou ação executiva contra AA, a qual correu termos sob o n.º 57-A/99, do ... Juízo do Tribunal Judicial ....

c)-AA foi citado, no âmbito dessa ação executiva, em 14 de fevereiro de 2000.

d)-Foi ordenada a penhora de 1/3 do vencimento de AA e foram efetuados descontos no vencimento em novembro de 2001, março de 2002, maio de 2002, junho de 2002, julho de 2002, setembro de 2002 e outubro de 2002.

e)- Em 26 de fevereiro de 2003 o Exequente foi notificado, para além do mais, impulsionar a execução sem prejuízo do disposto no artigo 51.º, n.º 2, al. b) do CCJ.

f)- A execução de que os presentes autos são apenso foi intentada em 22 de março de 2021 e o Executado foi citado em 05 de julho de 2021.

                                                           **

    3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

Assim, a questão a decidir consiste em saber se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue os embargos procedentes e por consequência extinta a execução para pagamento coercivo dos valores constantes no título prescrito.

O recorrente para defender o seu ponto de vista, assenta em três pontos, a saber.

i)- A interrupção da prescrição apenas pode ocorrer uma vez;

ii)- O acto judicial de penhora (independentemente de se esgotar num acto isolado ou de se renovar por cada vencimento), não tem a virtualidade de interromper a prescrição, mas é a citação (o acto que levou ao conhecimento do recorrente a prática desse acto, isolado ou continuado) que interrompe a prescrição;

iii) – O Tribunal “a quo” errou ao interpretar que os sucessivos actos de penhora podiam “re-interromper” um prazo interrompido de forma duradoura, nos termos do artigo 327.º, pois a ser assim, aplicou um regime misto, incompatível com o do 327.º.

Porém, antes de entrarmos na análise das questões levantadas no recurso, diremos algo a respeito da prescrição.

A prescrição visa, desde logo, satisfazer a necessidade social da segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.

Assinalando, de facto, a doutrina à prescrição, em geral, uma multiplicidade de fins que concorrem, com maior ou menor relevo, para a conformação do respectivo regime jurídico.

Relevando, a respeito, a necessidade de intervir juridicamente sobre uma situação de facto em que a função do direito se acha comprometida pela inércia do titular, quando a sua duração passa a revestir-se de um grau de censurabilidade justificativo da sanção do ordenamento jurídico. Juntando-se também a esta outra razão de politica legislativa voltada para o objectivo de libertar o sujeito passivo da relação jurídica, garantindo-lhe a disponibilidade patrimonial e a mobilidade dos bens com o inerente aproveitamento dessas potencialidades para a realização de outros interesses.

Não se encontra aqui presente tão-só a consideração do interesse pessoal do obrigado, mas uma exigência mais ampla de promoção do dinamismo económico e do fomento da circulação da riqueza  (cfr. Ac. S.T.J. de 4 de Março de 2010, proc.º n.º  1472/04.0TVPRT-C.S1, relatado por Serra Baptista).

Havendo, portanto, subjacente ao instituto em causa, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 637 e 374 e ss).

Assim, parece resultar que o último fundamento da prescrição se situa na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.

O que se aceita que por razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito (cfr.  Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, p. 554).

O prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que o direito podia ser exercido – art.º 306.º, do CC.

Porém, em certas circunstâncias a prescrição pode ser interrompida (art.ºs 323.º a 327.º, do C.C.), sendo certo que, havendo interrupção o tempo decorrido fica inutilizado, começando o prazo integral a correr de novo a partir do acto interruptivo (art. 326.).

Em tal caso, todo o tempo decorrido até à interrupção é perdido, iniciando-se a contagem do novo prazo, caso desapareça a interrupção da prescrição (cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I Parte Geral, T. III, p. 196).

Sendo a interrupção determinada por actos que tanto podem resultar de uma iniciativa do titular do direito (credor), a qual terá lugar sempre que se dê conhecimento ao devedor, através de citação, notificação judicial ou outro meio judicial da intenção de se exercitar o direito (art. 323.º), como por actos do beneficiário da prescrição, ou seja, do devedor (art. 325.º), como por compromisso arbitral (art. 324.º).

A citação (ou notificação) judicial (ou, ainda, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido) (art. 323.º, nº 4) da contraparte visa comunicar-lhe o exercício judicial do direito pelo titular uma vez que não se afigura razoável que o devedor fique sujeito à interrupção do prazo prescricional sem o seu conhecimento (cfr. Vaz Serra, Prescrição Extintiva e caducidade, Bol. 106, p. 189).

A ideia que preside a esta forma de interrupção da prescrição – a prevista no art. 323.º - é dupla: (i) por um lado, o credor exerce o seu direito ou exprime a intenção de o fazer; (ii) por outro, tem o devedor conhecimento daquele exercício ou desta intenção (cfr. Cunha de Sá, Modos de Extinção das Obrigações, Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. I, p. 255).

A referência à intenção directa ou indirecta de vir a exercer o direito a que o citado art. 323.º alude no seu nº 1 traduz a regra de que bastará uma diligência judicial que seja incompatível com o desinteresse pelo direito de cuja prescrição se trate (cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., T. IV, p. 197).

Face ao supra referido, a prescrição só pode interromper-se pelos meios que a lei autoriza como tais - e que são os antes descritos – pois que, estando regulada por normas de ordem pública, não se admitem modificações operadas pelos particulares (cfr. Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, p. 134, Pedro Pais de Vasconcelos, ob. cit., p. 756 e Vaz Serra, Bol. 106, p. 213., e art.º 300.º, onde se refere “São nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos”).

A proibição, aludida no art.º 300.º, explica-se por razões de interesse e ordem pública (interna) que estão na base do instituto da prescrição, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico (cfr. P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I., p. 274 e Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. II, p. 63).

Constituindo a interrupção da prescrição facto impeditivo da paralisação do exercício do direito, pelo que a respectiva alegação e prova incumbirá ao credor (cfr. n.º 2, do art.º 342.º, do C.C.).

Aqui chegados, iremos debruçarmo-nos, sobre cada um dos pontos invocados pelo recorrente.

i)- A interrupção da prescrição apenas pode ocorrer uma vez.

O recorrente para sustentar o seu ponto de vista estriba-se no Ac. do S.T.J., 05-11-2013, proc.º n.º 7624/12.1TBMAI.S1, de onde se extrai, segundo o mesmo, que não se admitem sucessivas interrupções.

Por sua vez o recorrido advoga entendimento oposto, referindo, que o Ac. do S.T.J. de 9/5/2019, proc.º n.º 10238/13.5YYLSB-A.L1-A.S1, reconhecendo haver contradição entre o Ac. do S.T.J., referido pelo recorrente, processo supra citado, sublinhado é nosso, com o Ac. do Tribunal da Rel. de Lisboa, de e 18.01.2018 (Processo 10238/15.YYLSB-A.L1-2), confirmando o acórdão recorrido, Ac. do tribunal da Rel. de Lisboa.

Diga-se, desde já, que em nossa opinião, nem do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, citado pelo recorrente, nem do Ac. do mesmo Venerando Tribunal, citado pelo recorrido, se pode tirar a ilação pretendida por cada um.

Na verdade, o Ac. do STJ citado pelo recorrente, reporta-se a uma questão de responsabilidade civil extracontratual, onde se refere que o prazo prescricional do art.º 498.º, do C.C., apenas pode ser interrompido, através de notificação judicial, por uma vez, não tendo as eventuais e sucessivas notificações avulsas subsequentes qualquer eficácia interruptiva da prescrição, de onde, em nossa opinião não se pode tirar, com segurança, que no entender no mesmo acórdão não seja possível haver interrupções da prescrição sucessivas. Por sua vez, o Ac. citado pelo recorrido, num recurso de revista extraordinária, onde confirma a decisão do Ac. da Rel. de Lisboa de 18/1/2018, proc.º 10238/15.YYLSB-A.L1-2, não chega a debruçar-se sobre a questão de ser ou não possível haver interrupções sucessivas da prescrição, porquanto, confirma a decisão do Ac. recorrido, de que o prazo em causa, nesses autos é de 20 anos, conclusão a que tinha chegado o Ac. recorrido da Rel. de Lisboa.

A lei (cfr. art.ºs 323.º a 327.º, do C.C.), não nos dá uma resposta concreta e segura, para a questão que temos entre mãos, ou seja, saber se é ou não possível haver várias interrupções sucessivas da prescrição.

Sobre tal matéria escreve-se no Ac. da Rel. do Porto de 14.7.2003, proc.º n.º 0313320, relatado por Manuel Joaquim Sousa Peixoto “Como é sabido, o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo que o legislador considerou razoável para tal. O não exercício do direito dentro do prazo legal faz presumir que o titular do direito quis renunciar ao mesmo, ou pelo menos, como diz Manuel de Andrade (Teoria Geral, I, Almedina, 2.ª reimpressão, pag. 446), a negligência torna-o indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit ius). Todavia, outras razões se costuma invocar para justificar o instituto da prescrição. A certeza ou segurança jurídica é uma delas, “a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas e se organizando planos de vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por anti-jurídicas” (autor, obra e local citado). Outras razões são a necessidade de proteger os devedores contra as dificuldades de prova e exercer uma pressão educativa sobre o titular do direito para que não descure o seu exercício.

Ora, permitir sucessivas interrupções da prescrição seria atentar contra todas aquelas as razões que constituem o fundamento daquele instituto jurídico. Como bem observou o Ex.mo Conselheiro Martins da Costa no seu voto de vencido, lavrado no citado acórdão de uniformização de jurisprudência, “em face dos interesses visados pelo instituto da prescrição: a regra geral é a prescrição dos direitos, destinada a evitar o seu exercício depois de decorrido certo período de tempo; a sua interrupção da prescrição reveste carácter excepcional e só é, por isso, admitida em circunstâncias especiais.”

É claro que a proibição de sucessivas interrupções não resulta directamente da letra da lei, mas da letra da lei também não resulta o contrário. Por isso, temos de lançar mão do elemento teleológico e esse aponta, claramente, no sentido de que a interrupção da prescrição só pode ocorrer uma vez. Tal conclusão não é repudiada pela letra da lei e podemos mesmo dizer que nela tem algum apoio, uma vez que a interrupção a que a lei se refere parece ser inequivocamente a interrupção do prazo inicial e não a interrupção do novo prazo de prescrição (vide artigos 323.º a 327.º do CC).

No mesmo sentido, veja-se o acórdão da Relação do Porto, de 7.11.2002 (CJ, V, 167)”.

Advogamos este entendimento, desde logo, por a prescrição assentar em razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas impondo que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito.

Ora, permitir sucessivas interrupções da prescrição seria atentar contra todas aquelas razões que constituem o fundamento daquele instituto jurídico.

Aqui chegados, podemos afirmar, que acompanhamos o entendimento do recorrente, quando afirma não ser possível haver sucessivas interrupções da prescrição, até por no caso em apreço, os autos estarem ainda a coberto pela interrupção da citação (cfr. art.º 323. n.º 1, do C.C.).

Assim, o facto gerador de interrupção, nos presentes autos, foi a citação, já não os atos de penhora do vencimento.

Dito isto, voltemos ao caso em apreço.

Diga-se, desde já, que ao caso em apreço se aplica o n.º 2, do art.º 327.º, do diploma citado, o que nem é posto em causa, pelo recorrido, desde logo, por a instância ter sido julgada deserta, como o mesmo refere, que preceitua “Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo”.

Da matéria de facto provada resulta que o exequente em 15/12/98 intentou ação executiva contra o executado (AA), que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., com o n.º 57-A/99, para a qual foi citado em 14/2/2000 (facto interruptivo da prescrição), em 26 de fevereiro de 2003 o Exequente foi notificado, para além do mais, impulsionar a execução sem prejuízo do disposto no artigo 51.º, n.º 2, al. b) do CCJ e que a execução de que os presentes autos são apenso foi intentada em 22 de março de 2021 e o Executado foi citado em 05 de julho de 2021.

Ora, tendo sido a execução n.º 57-A/99, julgada deserta, como o próprio recorrido refere, e como resulta da matéria provada (cfr. facto e)) e defendendo nós, pelas razões supra explanadas, que ao caso não se aplica interrupções sucessivas, a data da interrupção a ter em conta é a da citação, desde logo, por força do n.º 2, do art.º 327.º, do C.C.

Tendo o executado sido citado em 14/2/2000 e sendo o prazo de prescrição de 20 anos (cfr. art.ºs 309.º e 311.º, do C.C.), e, tendo presente que execução, em causa, foi intentada em 22/3/2021, temos para nós, que deu entrada para lá dos 20 anos, pelo que, assiste razão ao recorrente quando refere ter-se verificado a prescrição.

Visto este ponto passemos ao segundo ponto.

                                                           *

ii)- O acto judicial de penhora (independentemente de se esgotar num acto isolado ou de se renovar por cada vencimento), não tem a virtualidade de interromper a prescrição, mas é a citação (o acto que levou ao conhecimento do recorrente a prática desse acto, isolado ou continuado) que interrompe a prescrição.

Atendendo ao referido no ponto anterior (ponto i), precludida ficou esta questão

Visto este ponto passemos ao seguinte.                   

                                                *

iii) – O Tribunal “a quo” errou ao interpretar que os sucessivos actos de penhora podiam “re-interromper” um prazo interrompido de forma duradoura, nos termos do artigo 327.º, pois a ser assim, aplicou um regime misto, incompatível com o do 327.º.

Atendendo ao referido no ponto anterior (ponto i), precludida ficou esta questão

                                                           *


4- Decisão

Assim, em face do exposto acorda-se e decide-se:

a) Julgar procedente o recurso, e por consequência revogar a decisão recorrida, e, procedentes os embargos de executado, e extinta a execução para pagamento coercivo dos valores constantes no título prescrito.

b)- Não tomar posição quanto aos pontos ii) e iii), por precludidos, face ao referido no ponto i)

Custas pelo recorrido.

Coimbra, 8/3/2022

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Mário Silva (adjunto)