Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5191/08.0TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA VONTADE
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
NOVAÇÃO
Data do Acordão: 09/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA - 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 236º, 237º E 837º DO C. CIV.
Sumário: I – A regra contida no nº 1 do artº 236º do CC, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é a seguinte: prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição de declaratário real, em face do comportamento do declarante.

II – Neste âmbito, deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes.

III – A determinação da vontade real das partes nas declarações negociais constitui matéria de facto. Mas não sendo possível determinar qual foi essa vontade, impõe-se fixar o sentido juridicamente decisivo dessas declarações, reconduzindo-se a questão de direito, por contender com as regras legais que definem o critério hermenêutico.

IV – Por seu turno, a aplicação do artº 237º CC confina-se, como bem resulta da sua epígrafe, aos casos duvidosos – a sua doutrina não prevalece contra as regras do artº 236º CC, aplicando-se apenas se estas não puderem definir o sentido da declaração.

V – A “dação em cumprimento”, também chamada de dação em pagamento, consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação (artº 837º CC).

VI – Sendo pacífico que a dação pode ter por objecto qualquer prestação, seja ela a transmissão da propriedade de uma coisa, uma obrigação pecuniária, ou a transmissão de um outro direito, impõe-se no entanto que a natureza da prestação que se substitui e da que é substituída sejam diferentes e que extingam, de forma directa e imediata, a obrigação existente.

VII – Quando a obrigação se extingue, não porque se substitui a prestação devida por outra de diversa natureza, mas porque se cria uma nova obrigação diferente da anterior, então estamos perante uma outra causa de extinção das obrigações que tem por nome “novação”.

Decisão Texto Integral:                  Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Relatório

No 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Leiria, A..., residente na ..., propôs contra B..., residente na ..., acção declarativa com processo sumário pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 24.862,26 € (vinte quatro mil oitocentos e sessenta e dois euros e vinte seis cêntimos), sendo 22.497,60 € o valor do capital em dívida e 2.364,66 € o valor dos juros de mora calculados desde a data do seu vencimento (25.01.2006) e até à data de 12.09.2008, e ainda aqueles que depois desta data se vencerem até efectivo e integral pagamento.

Alega que o autor é irmão do réu (docs. 1 e 2); em meados do ano de 1996, autor e réu acordaram adquirir o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...e descrito na 2.ª C.R.P. de Leiria sob o n.º ..., propriedade de C... e sua mulher D..., para revenda (doc. n.º 3); o terreno tinha a área de 1.080m2 não obstante na respectiva descrição constar apenas uma área de 800m2; Autor e réu acordaram adquirir o referido imóvel na proporção de metade, cada um suportando metade do valor de aquisição e auferindo metade do valor que viessem a realizar; autor e réu adquiriram o referido terreno pelo preço de 4.100.000$00, contravalor de 20.450,71€, tendo o autor pago a quantia de 2.050.000$00, contravalor de 10.225,36€, e o réu a outra metade; Não foi celebrada escritura pública de compra e de venda porquanto autor e réu logo encontraram quem lhes adquirisse o referido imóvel.

Por escritura pública lavrada no dia 28 de Janeiro de 1998, no 1º Cartório Notarial de Leiria, aquele prédio foi vendido pelos referidos C...e sua mulher D... a favor de E..., pelo preço de 5.000.000,00 €, contravalor de 24.933,89 (cfr. doc. n.º 4), preço integralmente pago ao réu que fez o mesmo seu, não tendo entregue ao autor a parte lhe cabia de 12.466,95 € (e não 12.469,95 € como certamente por lapso é indicado, pois que metade de 24.933,89 € é 14.466,95 €); o réu, a pretexto de precisar de dinheiro e apelando aos laços familiares com o autor, propôs que este ficasse proprietário de 540 m2 (correspondente a metade da área do prédio identificado em 3.º) do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... e descrito na 2.ª CRP de Leiria sob o n.º .../ ..., contíguo àquele identificado em 3.º, de que o réu era proprietário (cfr. doc. n.º5), com a área de 1800m2 não obstante constar da sua descrição uma área de 1928m2; tal preço seria pago ao autor quando o réu vendesse o referido terreno e na proporção da área total do prédio e do preço de venda que viesse a realizar; o autor aceitou o referido acordo; por escritura pública lavrada no dia 25 de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial de Leiria a cargo do Dr. F..., e que consta de folhas ... do Livro de Notas para escrituras diversas número trinta e quatro - A daquele Cartório Notarial, o réu vendeu aquele prédio a favor de E... e G..., pelo preço de125.000,00€ (cfr. doc. n.º 6), ou seja, o referido prédio foi vendido ao preço de 69,44€ por metro quadrado (125.000,00€ : 1800m2 = 69,44€/m2); nos termos do acordo descrito, sendo o autor titular de 540m2 no referido prédio, é credor da quantia de 37.497,60€ (540m2 x 69,44€ = 37.497,60) por conta do preço de venda do mesmo, quantia essa que nos termos do acordo deveria ter sido satisfeita na data da celebração da escritura de transmissão daquele prédio, ou seja, no dia 25/01/2006; por conta do referido valor o réu apenas pagou ao autor a importância de 15.000,00€ pelo que deve ao autor a importância de 22.497,60€ (37.497,60€ -15.000€ = 22.497,60€); apesar de por diversas vezes instado a pagar ao autor o referido valor, e de reconhecer dever, o certo é que o réu vem sucessivamente fazendo ouvidos de mercador e até à presente data não pagou a referida quantia.

Citado, o réu contestou mas, porque o fez fora de prazo, foi determinado o desentranhamento da contestação.

O tribunal recorrido, considerando provados os factos articulados pelos autores, nos termos dos arts. 783º, 784º, 1ª parte, 484ºº, nº1, 485º, al.d), 463º, nº1 do CPC, uns por documentos juntos aos autos, outros por falta de contestação, proferiu decisão julgando a acção improcedente e absolvendo os réus do pedido.

Inconformado com esta decisão dela interpôs recurso o autor concluindo que:

[…]

Não houve contra alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Os factos que interessam á decisão são os constantes do relatório, nomeadamente os que reportam a matéria articulada pelo autor, razão pela qual se dispensa a sua repetição neste momento, sem embargo de os mesmos serem transcritos na medida em que a exposição decisória o reclamar.

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), nem criar decisões sobre matéria nova, a questão suscitada pelo recorrente é a de saber se com os factos considerados provados deveria ter sido a acção julgada procedente e condenado o réu no pedido.

No essencial, o recorrente sustenta que a sentença recorrida fez incorrecta apreciação do direito ao considerar que a factualidade apurada configurava a existência de uma dação em cumprimento de um imóvel.

Recenseando os principais elementos da matéria de facto, verificamos que autor e réu acordaram adquirir o prédio rústico com 1.080m2 na proporção de metade, cada um suportando metade do valor de aquisição e auferindo metade do valor que viessem a realizar, e que efectivamente adquiriram esse terreno, que mais tarde vieram a revender, pelo preço de 24.933,89 €, pago integralmente ao réu que não entregou ao autor a parte lhe cabia de 12.466,95 €.

Num segundo momento e perante o não pagamento ao autor da parte correspondente no negócio, o réu propôs que aquele ficasse proprietário de 540m2 de um prédio de que o demandado era proprietário, com a área de 1800m2, e que, quando este vendesse o referido terreno, o autor seria pago na proporção da área total do prédio e do preço de venda que viesse a realizar, o que o autor aceitou.

Porque se trata em primeiro lugar de apurar o que concretamente pretenderam autor e réu com este segundo acordo, o sentido das suas declarações obtém-se a partir da sua interpretação, realizada segundo as disposições dos arts. 236 a 238 do CC, que consagram de forma mitigada o princípio da impressão do destinatário.

A regra contida no nº 1 do art. 236 do CC, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é a seguinte: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2) (cfr. os profs. P. Lima e A. Varela, in “CC Anotado, Vol 1º, 3ª ed., pág. 222”).

Por conseguinte, na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (cfr., por ex., Acs do STJ de 14/1/97, in “C.J., ano V, tomo I, pág.46” e de 22/1/97, in “C.J., ano V, tomo I, pág. 258”).

Neste âmbito, deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interacção negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes.

Interpretar uma declaração negocial é actividade tendente a determinar o que as partes quiseram ou declararam querer. E, como se viu, esta vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

Nos negócios formais, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário e não deve por isso ser-lhe imposto (art. 238 do CC). Isto significa que a letra do negócio (o texto do documento) surge como limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, nos termos gerais da interpretação. Optou-se por uma orientação objectiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem.

A determinação da vontade real das partes nas declarações negociais constitui matéria de facto. Mas não sendo possível determinar qual foi essa vontade, impõe-se fixar o sentido juridicamente decisivo dessas declarações, reconduzindo-se a questão de direito, por contender com as regras legais que definem o critério hermenêutico.

Por seu turno, a aplicação do art. 237 do CC confina-se, como, desde logo, resulta da sua epígrafe, aos casos duvidosos. A sua doutrina não prevalece contra as regras do art. 236 do CC, aplicando-se apenas se estas não puderem definir o sentido da declaração, ou seja, “vale para os casos em que a declaração, consultados todos os elementos utilizáveis para a sua interpretação de harmonia com o critério fixado no artigo anterior, comporta ainda dois ou mais sentidos, baseados em razões de igual força” (vidé os profs. P. de Lima e A. Varela, in “ob. cit., pág. 224”).

Tomando estas considerações normativas por referência, sublinhamos o incumprimento por parte do réu de um negócio celebrado com o autor e que se traduzia em ambos terem adquirido em partes iguais um terreno para revenda com a obrigação de repartirem igualmente entre si o dinheiro que obtivessem, tendo ocorrido que o réu, recolhendo a totalidade dessa quantia, não entregou ao autor a parte que lhe era devida.

É perante este incumprimento e com vista a resolver o débito que o réu tinha para com o autor, no montante de 12.466,95 €, que estabelecem um novo acordo tendo por finalidade a entrega ao demandante de uma quantia em dinheiro, correspondente ao valor unitário do metro quadrado que o réu viesse a obter com na venda de um imóvel que a si pertencia, multiplicado por 540, quantia essa que seria entrega na data da escritura pública correspondente a essa venda pelo réu.

De modo inequívoco o réu obrigava-se a entregar ao autor uma quantia em dinheiro; determinada e calculada segundo determinados termos, resultando daqui que essa quantia nenhuma relação tinha com a anteriormente devida, sendo calculada de modo diferente e com critérios novos sendo o seu prazo de vencimento completamente diferente daquela outra obrigação.

Não esquecemos que na proposta de acordo se referia que o autor ficaria proprietário de 540 m2 do prédio pertencente ao réu e que essa era a área que coubera a cada um deles no primeiro negócio, pelo qual ambos, em partes iguais, haviam comprado e depois vendido um terreno. Porém, no contexto da celebração desses dois acordos e decorrente dos termos da sua própria celebração temos por inequívoco que nem o autor quis comprar nem o réu quis vender essa área de 540 m2 mas que com essa expressão aquilo que quiseram de facto traduzir foi a ideia de que o autor tinha direito a receber uma quantia em dinheiro (e não uma parte de um imóvel) e que esse quantitativo teria por base a proporção correspondente a 540 m2 do total do valor obtido, ou numa expressão mais simples e antes usada, ao valor do metro quadrado obtido com a venda, multiplicado por 540.

É notório que o autor com este segundo acordo aceita o risco que decorre do preço que venha a ser fixado na venda a realizar pelo réu tendo apenas por certa a sua proporção (540m2), mas isso compreende-se se tivermos presente que já antes quer ele quer o réu haviam comprado para revenda um outro imóvel o que supõe um conhecimento das regras de mercado.

Aliás, em reforço deste entendimento, pode observar-se que ficou provado que com a aquisição por ambos desse imóvel para revenda, eles nem sequer chegaram a celebrar escritura pública referente à compra que fizeram, antes tendo passado esse terreno directamente dos anteriores proprietários (a quem haviam adquirido) para aqueles a quem o venderam depois.

Com este conhecimento parece-nos seguro em termos de interpretação negocial que no segundo acordo celebrado está sempre presente a finalidade, exclusiva, de o autor ser pago com a entrega de dinheiro e não com a entrega de uma parcela de um terreno do qual ficaria proprietário, o que sai de todo esclarecido quando de verifica que a alusão à propriedade é feita não como finalidade mas como mera declaração.

Ser por ventura a vontade das partes fosse a de fazer o autor proprietário de qualquer parte de um imóvel, então o acordo terminaria aí e não se faria referência, depois, a que o imóvel pertencia ao réu que o venderia e que consoante o preço obtido assim seria calculada a quantia devida ao autor.

Sendo pois esta a interpretação que se nos afigura mais constante e segura dos acordos negociais celebrados entre autor e réu teremos de realizar agora o seu enquadramento jurídico.

Sendo o cumprimento pontual o meio normal e desejável de extinção das obrigações existem no entanto outras causas extintivas, susceptíveis de porem termo à relação de crédito sendo que no caso em decisão nos interessa de particular maneira a dação em cumprimento por ter sido esta a configuração que foi dada pelo tribunal a quo ao segundo acordo firmado.

Segundo a doutrina, a dação em cumprimento, também chamada de dação em pagamento, “consiste na realização de uma prestação diferente da que é devida, com o fim de extinguir imediatamente a obrigação (art. 837 CC)”[1].

E sendo pacífico que a dação pode ter por objecto qualquer prestação, seja ela a transmissão da propriedade de uma coisa, uma obrigação pecuniária, ou a transmissão de um outro direito, impõe-se no entanto que a natureza da prestação que se substitui e da que é substituída sejam diferentes e que extingam, de forma directa e imediata a obrigação existente.

Com a interpretação que anteriormente fizemos dos termos do acordo celebrado entre autor e réu e que afastou liminarmente que aqueles tenha querido que o autor passasse a ser proprietário de qualquer parcela de terreno, verificamos que a dação em cumprimento deve ser afastada porquanto a natureza da obrigação se mantém a mesma, uma vez que aquilo que era devido ao autor era uma quantia em dinheiro e o que lhe continua a ser devido é uma determinada quantia em dinheiro, sendo certo que esse acordo não remete exclusivamente para um imediato pagamento que ponha termo a uma obrigação anterior.

Existe uma complexidade maior neste segundo acordo celebrado que a simples extinção de um vínculo obrigacional, entregando-se de imediato uma determinada quantia em dinheiro ou uma coisa para por termo a um negócio anterior.

Nos seus termos o que as partes fazem é celebrar um novo negócio, criando uma nova obrigação que substitui a anterior, e não substituir uma prestação por outra de diferente natureza para extinguir o vínculo de uma obrigação que se mantém a mesma[2].

Quando a obrigação se extingue, não porque se substituía a prestação devida por outra de diversa natureza, mas porque se cria uma nova obrigação diferente da anterior, então estamos perante uma outra causa de extinção das obrigações que tem por nome novação[3].

Querendo os interessados extinguir a obrigação anterior, pela qual o réu se tornou devedor do autor da quantia de 12.466,95 € em virtude de ambos terem adquirido, em partes iguais, para revenda, um imóvel distribuindo igualmente entre si o montante que obtivessem, sem que aquele tivesse entregue a este a parte correspondente, para por termo a essa obrigação, aceitaram criar uma nova obrigação nascida precisamente com o acordo que firmaram e pela qual o réu deveria entregar ao autor uma determinada quantia em dinheiro correspondente ao valor de 540 m2 da venda de um imóvel que pertencia ao demandado e que ele iria vender, entrega essa que deveria ser efectuada na data da escritura pública.

Não quiseram apenas modificar a obrigação, alterando algum ou alguns dos seus elementos mas criaram uma nova obrigação distinta da anterior o que se revela na diferente data de vencimento, no diferente montante da prestação, quer no modo de a calcular.

É ainda um elemento de ponderação nesta sede o facto de o primeiro acordo entre as partes ter sido celebrado em meados de 1996 e deveria ter sido cumprido em 28 de Janeiro de 1998 data em que, com a escritura pública de compra e venda do prédio que ambos adquiriram para revenda, ao autor deveria ser entregue o montante que lhe era devido. Ora, reforça a tese de que as partes constituíram uma nova obrigação a circunstância de o novo acordo ter como prazo de cumprimento 2006 não referindo qualquer elemento do anterior, nem sequer quaisquer juros ou remuneração do capital que constituíra a primeira obrigação. A dilação temporal mencionada e os restantes termos do acordo fazem crer que as partes quiseram efectivamente extinguir a anterior obrigação com a criação de uma nova, sustentada em diferentes pressupostos.    

Seja como seja, ainda que se propendesse a considerar que existira uma simples modificação da obrigação e não uma novação, no que interessa à decisão a proferir a solução seria a mesma para a novação e para modificação da obrigação, deixando sempre de fora por inadequado o entendimento segundo o qual existiria uma dação em cumprimento com base na configuração de que o réu e autor teriam pretendido com o segundo acordo substituir a obrigação de pagar o preço com a entrega de 540 m2 de um terreno de que o demandante ficaria proprietário.

Em resumo, perante os factos que resultaram provados, obtemos a demonstração de que o réu se obrigou a pagar ao autor o correspondente à multiplicação por 540, do valor unitário do preço do metro quadrado que obtivesse com a venda do prédio que lhe pertencia, por ser essa a proporção (540 m2) que negociaram como a que caberia ao demandante sobre o valor global do preço da venda, e que seria devida a partir da data da respectiva escritura pública.

Provado também que em 25 de Janeiro de 2006 o réu vendeu aquele prédio, de 1800 m2 pelo preço 125.000,00 €, conclui-se que o preço unitário do metro quadrado obtido foi de 69,44 € e que, nessa data o réu deveria ter entregue ao autor a quantia de 37.497,60€ (540m2 x 69,44€ = 37.497,60).

Ora, tendo o réu apenas entregue a quantia de 15.000,00 € constituiu-se na obrigação de pagar 22.497,60€ (37.497,60€ -15.000€ = 22.497,60€) e, por força da mora, a partir de 25 de Janeiro de 2006, para além do capital, os juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal para juros civis -  arts. 804, 805 nº2 al.a) e 806 nº1 e 2 do CC.

… …

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a Apelação e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e decide-se julgar procedente, por provada, a acção e condenar o réu B... a pagar ao autor A..., a quantia de 22.497,60 € (vinte e dois mil quatrocentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos) e juros de mora sobre tal quantia vencidos desde 25 de Janeiro de 2006 e vincendos até integral pagamento à taxa legal para os juros civis.

Custas pelo Apelado.

Coimbra, 14 de Setembro de 2010.

Relator: Manuel Capelo;
J.A..: Sr. Des. Jacinto Meca
J.A.: Sra. Des. Falcão de Magalhães

[1] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral vol II , 2ª ed. p. 134/135.
[2] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit. p. 137.

[3] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit. p. 190