Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
146/13.5TBTND-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: PARTILHA DE BENS DO CASAL
ADJUDICAÇÃO EM COMPROPRIEDADE
Data do Acordão: 03/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE VISEU – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 1374º, AL. C) DO CPC.
Sumário: Mostrando-se isso adequado, na partilha dos bens do ex-casal, sendo os dois conferentes e licitantes, podem-lhes ser adjudicadas, em compropriedade, as verbas que restaram em virtude de nenhum deles as ter licitado.
Decisão Texto Integral:                    






     Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (1):
I - Relatório:
A) - 1) - No inventário subsequente ao divórcio de E... e M..., requerido por esta última, contra tal seu ex-cônjuge, para partilha dos bens do ex-casal e a  correr termos no Juízo de Família e Menores de Viseu (Juiz 1), na falta de acordo entre ambos na composição dos quinhões, cada um deles licitou nas verbas que ficaram discriminadas na acta da conferência que teve lugar no  dia 2/5/2018, vindo, subsequentemente, a ser proferido para essa acta o despacho que ora se  transcreve:
«[…] No que se refere aos bens não licitados, os mesmos serão repartidos  entre os interessados nos termos previstos no artº 1374º, al.c) do CPC (anterior redação), sendo repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais.
Notifique os interessados nos termos e para os efeitos do disposto no artº 1373º, nº 1 do C.P.Civil (anterior redação).  […]».
2) –  Notificados que foram desse despacho, os referidos interessados vieram   a dar as respectivas formas à partilha, sendo que, enquanto a Requerente e cabeça de casal M... pugnou no sentido de os bens não licitados - verbas 2, 3, 7, 8, 9, 11, 13, 15, 16, 18, 19, 24 e 25 – preencherem o quinhão deste, “…nos termos do art. 1374º, al. b), do CPC…”, o Requerido, subsequentemente, veio contrariar tal  posição;
3) – Por despacho de 19/06/2018, a Mma. Juiz deu a seguinte forma à partilha:
«[…] Proceda à partilha pela forma  seguinte:
Somam-se os valores dos bens relacionados (fls. ...)  pelos valores acordados com o aumento resultante das avaliações/licitações, abatendo-se dessa soma o valor do passivo reconhecido na conferência de interessados.
Divide-se o total em duas partes iguais, correspondendo uma delas à meação do interessado e outra à meação da  interessada.
O preenchimento dos quinhões faz-se conforme licitações efectuadas e, quanto aos bens não licitados, conforme determinado a fls. 1283 na conferência de interessados. […]»;
4) - Procedeu-se à formação de lotes, conforme consta do termo de 25/6/2018, do seguinte modo:
“LOTE A- Composto pela verba nº 24 (vinte e quatro), quota da sociedade F..., UNIPESSOAL, LDA, pelo valor  de:-----------------------------------------247.862,00  Euros.
LOTE B- Composto pelas verbas nº2(dois), um veículo,3(três), um veículo, 6(seis), 7(sete), 8(oito), 9(nove), 11(onze), 13(treze), 15(quinze), 16(dezasseis), 18(dezoito), 19(dezanove),  móveis  e  25(vinte  e  cinco), Quotas da  sociedade ..., Lda, pelo valor de: 186.229,00 Euros.”
5) - Designada conferência para a operação de sorteio, deste, que teve lugar em 4/7/2018, resultou que ao interessado E...  foi sorteado o lote B e à interessada M... o lote A;
6) Finda a operação de sorteio, pela Mmª Juiz foi “…ordenando que se proceda  ao mapa de partilha, conforme ordenado por despacho de 19/06/2018, a fls. 1307.”.
7) –  Foi  elaborado  o  mapa  informativo  da  partilha  de  06-07-2018, dele
constando:
Informo  V.  Ex.ª  que  o  valor  dos  bens  do  património  comum  do  casal,  com  o  aumento  da  licitação  passou  a  ser        de:
2.950.332,40Euros
EXISTE PASSIVO APROVADO NO MONTANTE DE:                                                                                           209.530,00 Euros
Abatendo o passivo:                                                                                                                                       2.740.802,40 Euros.
Pertence à Interessada/cabeça de casal:
M...:                                                                                                                                                                 1.370.401.20 Euros.
Licitou nas verbas 5(cinco), 17(dezassete), 21(vinte e uma), 22(vinte e duas), 23(vinte e três), 26(vinte e seis), 30(trinta), 32(trinta e dois), 33(trinta e três), 35(trinta e cinco), 37(trinta e sete), 38(trinta e oito), 39(trinta e nove), 40(quarenta), 41(quarenta e um), 42(quarenta e dois) e foi-lhe adjudicado por sorteio a verba 24(vinte e quatro), bens no valor de: 1.961.453.40 Euros.
Imputa-se 1/2 do passivo:                                                                                                                                  104.765,00 Euros.

Recebe:                                                                                                                                            1.856.688.40 Euros.

Excede:                                                                                                                                                            486.287.20 Euros.
Que dará de tornas aos Interessados

E...:                                                                                                                                                  486.287.20 Euros
Licitou nas verbas 4(quatro), 10(dez), 12(doze), 14(catorze), 20(vinte), 27(vinte e sete), 28(vinte e oito), 29(vinte e nove), 31(trinta e um), 34(trinta e quatro), 36(trinta e seis), e foi-lhe adjudicado por sorteio a verba 2(dois), 3(três), 6(seis), 7(sete),8(oito), 9(nove), 11(onze), 13(treze), 15(quinze), 16(dezasseis), 18(dezoito), 19(dezanove) e 25(vinte e cinco), bens no valor de:
988.879.00 Euros.
Imputa-se 1/2 do passivo:                                                                                                                    104.765,00 Euros.
Fica:                                                                                                                                                                     884.114.00 Euros
Recebe: 1.370.401.20 Euros.

Pertence-lhe                                                                                                                           1.370.401,20 Euros.

CONFERE:                                                                                                                                   Total: 2.740.802.40 Euros
8) – O interessado veio reclamar o depósito das tornas que lhe eram devidas e requerer que a interessada as  depositasse;
- Em despacho de 7-12-2018, consignou-se, entre o mais, que: “…ambos os interessados licitaram pelo que não se determinou a aplicação do preceituado no art. 1374º, al. b) do CPC na anterior redacção, mas sim do art. 1374º, al. c) desse mesmo diploma  legal…”;
- “Tendo já decorrido o prazo para pagamento das tornas reclamadas, sem que estas tenham sido depositadas, proceda à elaboração do mapa de partilha.”.
9) - Elaborado o mapa de partilha de 20-12-2018, foi o mesmo rubricado e posto em reclamação.
10) - A cabeça de casal, por requerimento de 15/1/2019, embora referindo que “…os bens não licitados por qualquer dos interessados são, em princípio, atribuídos (adjudicados) em compropriedade aos interessados, na proporção dos respectivos quinhões e procurando preencher, assim, o que estiver em falta no quinhão de cada um…”, veio:
- Reiterar que os bens não licitados deveriam ter sido atribuídos ao interessado E...;
- Pugnar para que a quota da sociedade F..., Unipessoal Lda., relacionada como verba 24, que não havia sido objecto de licitação e lhe fora atribuída por sorteio, fosse vendida para assim integrar, em dinheiro, a composição do seu quinhão;
- Requerer a análise e rectificação do mapa.
11) – O interessado E... veio pugnar para que o requerimento da cabeça de casal fosse desatendido;
12) - A reclamação da cabeça de casal foi indeferida, tendo-se escrito o seguinte no despacho de 04/03/2019, que a decidiu:
“(…) Veio M... apresentar reclamação contra o mapa de partilha, alegando, em síntese,  que:
- os bens não licitados devem preencher o quinhão do outro   interessado,
- os bens não licitados não deveriam ter sido  sorteados,
- a quota da sociedade deve ser vendida. O outro interessado veio opor-se.
            Conforme resulta do disposto no art. 1379º, nº 2 do CPC, na anterior redacção, os interessados podem requerer a rectificação ou rectificar contra qualquer irregularidade e nomeadamente contra a desigualdade dos lotes ou contra a falta de observância do despacho que determinou a partilha.
Por sua vez, dispõe o art. 1373º, nº 3 do CPC, na anterior redacção, que o despacho determinativo da forma da partilha só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha.
Ora, compulsados os autos verifica-se que a reclamante vem suscitar questão já anteriormente apreciada em 17.12.2018 – fls. 1370 -, ou seja, põe em causa o sorteio realizado invocando que deveria ter sido aplicado o disposto no art. 1374º,- al c) e não o disposto no art. 1374º, al b) do CPC, na anterior redacção, fundamentando nesse ponto a invocada desigualdade dos lotes.
Por outro lado, não vem invocada qualquer desconformidade entre o despacho determinativo da forma à partilha e esta última, sendo antes pretensão da reclamante pôr em causa os termos em que através daquele despacho ficou determinada a forma a dar à partilha.
Mais se dirá que a reclamação em apreço não constitui a sede própria para requerer a venda dos bens adjudicados/sorteados, não tendo enquadramento legal neste âmbito.
Decorre do exposto, sem necessidade de quaisquer outros considerandos, que a reclamação em apreço não se reconduz a nenhum dos fundamentos legalmente previstos pelo que tem de fracassar. (…)”;
13) – Em 27/3/2019 foi proferida sentença que, julgando válida a partilha constante do mapa de fls. 1373 e seg, homologou-a nos seus precisos termos, condenando os interessados no pagamento do passivo aprovado.
B) - 1) - Notificada dessa sentença veio a interessada M... interpor recurso da mesma, dizendo, no início corpo da alegação, impugnar nesse recurso, também, o despacho que ordenou a organização de lotes de bens não licitados e respectivo sorteio (despacho de 2 de maio de 2018) e  o  “…despacho que indeferiu a sua impugnação…”, enquanto que   na conclusão 1ª, refere, recorrer, para além da sentença, “…do despacho que ordenou a organização de lotes e respetivo sorteio, do despacho que indeferiu  a sua impugnação, nomeadamente quanto à composição dos quinhões e do despacho que ordenou o sorteio (art. 1374º, al. c)) dos bens não   licitados…”.
2) – O recurso veio a ser admitido pelo Tribunal “a quo”, como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito devolutivo.
C) – a) – A Apelante na alegação do respectivo recurso ofereceu as seguintes “conclusões”2:
«1) Vem o presente recurso interposto da sentença homologatória da partilha (art. 1382º, n.º 1 do antigo CPC), pretendendo a apelante recorrer do despacho que ordenou a organização de lotes e respetivo sorteio, do despacho que indeferiu a sua impugnação, nomeadamente quanto à composição dos quinhões e do despacho que ordenou o sorteio (art. 1374º, al. c)) dos bens não licitados.
2) Após as licitações, a Mm.ª Juiz ordenou que as verbas não licitadas fossem repartidas nos termos previstos no artº 1374º, al.c) do CPC.
3) A cabeça de casal deu forma à partilha e requereu que, como o interessado E... licitou bens num valor inferior à sua meação, que os bens não licitados preenchessem o seu quinhão (art. 1374º, al.  b),  do CPC).
4) A Mm. Juiz manteve o sorteio dos lotes desiguais (Lote A - 247.862,00€ - sociedade F..., Unipessoal, Lda. - Lote B - 186.229,00€ — sociedade S..., Lda. e as restantes verbas de bens móveis a sortear), tendo sido atribuído o lote A à cabeça de casal ora recorrente, e ao interessado E... o lote B.
5) O despacho ao determinar o sorteio levou a que a partilha não tenha sido justa e criou uma situação de desigualdade entre os interessados, o que a lei não permite.
6) O preenchimento do quinhão do credor reclamante de tornas, deveria ter sido feito com os bens livres não licitados.
7) Do mapa da partilha e na sequência da realização do sorteio resultou,  para a ora recorrente, um aumento exponencial do valor das tornas devidas, que deixaram de ser de cerca de 200.000,00€ e passaram para 486.287.20€.
8) A recorrente manifestou a sua discordância em 23 de julho de 2018, em  18 de outubro de 2018, em  11  de  novembro de  2018, alegando, em suma,  que o inventário, tinha como objectivo distribuir bens e não criar, com a atribuição pelo Tribunal de bens não licitados através de sorteio de lotes desiguais, créditos avultados entre os  interessados.
9) O sorteio apenas devia ter ocorrido após ter sido inteirado dos bens não licitados o interessado que levou bens a menos
10) Pretende a apelante que as verbas não licitadas sejam imputadas no quinhão do interessado E..., em termos de reduzir o valor de tornas por ela devido ao mesmo.
11) Isso implicará a alteração do despacho proferido em 2 de maio de 2018, que determinou o sorteio, alterando-o no sentido de aplicar o art. 1374.º al.
b) e d) – por analogia -, e a posterior  reorganização  das  operações  de  partilha em conformidade com essa  ocorrência.
12) As doutas decisões proferidas (despacho, mapa determinativo da partilha e a correspondente homologação) violam as disposições dos artigos 1374.º a 1377.° do CPC, bem como os princípios gerais de   direito.
13) Foi violado o princípio da igualdade substancial das partes e o direito a uma decisão equitativa e ao direito.
14) Deverão as verbas não licitas serem atribuídas ao interessado Eduardo, como consequência de uma atribuição percentualmente calculada pelos valores em falta nos quinhões de cada um, recompondo-se os quinhões e elaborando-se novo mapa de  partilha.
15) Foram violadas as disposições do art.º 1374° do C. P. C. entendidas no sentido de que foi permitida a formação e sorteio de lotes não iguais em termos de bens e valores, originária de avultados débitos.
16) Deveria a M. Juiz ter atribuído os bens não licitados proporcionalmente, nos termos da al.b), em analogia com o prescrito na parte final da alínea d) do art. 1374º do C.P.C.
17) Esta proporcionalidade não resulta da quota que cada um, recorrente e recorrido, têm na partilha, mas antes pela consideração da parte que a cada interessado falta preencher na respetiva quota.
18) Aos interessados licitantes cujos quinhões já se encontrem excedidos, é vedado atribuir em partilha mais bens, como era o caso da apelante.
19) A alínea d) do art. 1374 do CPC, deve ser aplicada por analogia ao caso concreto (art. 10º do CC).
20) Foram violados os artigos 1374º, 1375º e 1377º do CPC (na versão anterior). […]».
        Terminou assim: «Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente ser revogada a sentença homologatória da partilha, a  fim de ser corrigida a respetiva forma, na  parte respeitante  ao  preenchimento  dos quinhões dos interessados, dando sem efeito o despacho que ordenou o sorteio, em conformidade com acima exposto: os bens licitados serem adjudicados aos licitantes e os bens não licitados serem adjudicados na proporção necessária ao integral preenchimento dos quinhões, na exata proporção em falta depois de considerados os bens por eles licitados.».
b) - Na resposta que ofereceu à alegação de recurso, o Apelado defendeu que o recurso fosse desatendido  e  que  se  confirmasse  a  sentença  homogatória da partilha.
II - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a  outra que antecedentemente  se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para  efeito do  disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”3 e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a apreciar.
Assim, no pressente recurso a questão que cumpre solucionar é a de saber se foi acertado determinar a formação de lotes abarcando as verbas não licitadas e ordenar o sorteio destes pelos interessados E... e M...
Conforme nos parece claro é a resolução desta questão, que, afinal, se resume a saber do acerto da decisão proferida no despacho de 2/5/2018, que irá determinar a sorte do restante processado que dela dependeu, incluindo, pois, a da sentença homologatória da partilha.
III - Fundamentação:
A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I – A) “supra”.
B) – Dispõe o artº 1374ºdo CPC (anterior redacção):
“No preenchimento dos quinhões observar-se-ão as seguintes regras:
a) Os bens licitados são adjudicados ao respectivo licitante, tal como os bens doados ou legados são adjudicados ao respectivo donatário ou legatário;
b) Aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados. Não sendo isto possível, os não conferentes ou não licitantes são inteirados em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias.
O mesmo se observará em benefício dos co-herdeiros não legatários, quando alguns dos herdeiros tenham sido contemplados com legados;
c) Os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais;
d) Os créditos que sejam litigiosos ou que não estejam suficientemente comprovados e os bens que não tenham valor são distribuídos proporcionalmente pelos interessados.”
E, de harmonia com o disposto no nº 4 do artº 1377º do CPC, “Sendo o requerimento feito por mais de um interessado e não havendo acordo entre eles sobre a adjudicação, decide o juiz, por forma a conseguir o maior equilíbrio dos lotes, podendo mandar proceder a sorteio ou autorizar a adjudicação em comum na proporção que indicar.”.
No Acórdão da Relação de Évora de 26/1/2012 (Apelação nº 5160-A/1999)4,  versando  caso  semelhante  ao  dos  presentes  autos,   escreveu-se:
«[…] nada na lei proíbe que, em processo de inventário, os bens possam ser adjudicados aos interessados, em compropriedade, e na proporção dos respectivos quinhões, sendo, de resto, essa uma das soluções a que, tantas vezes, se recorre nestes processos quando não há acordo, sem que se possa dizer que  se não alcançam os objectivos do inventário (o mesmo    se  poderia, então, dizer, mas não é usual fazê-lo, que se não alcançam os objectivos do inventário, quando, por exemplo, se remetem os interessados para os meios comuns, para poderem discutir  mais  aprofundadamente  assuntos  que surgem no processo de inventário, e que nele haveriam, à partida, que obter, mas que aí acabam por não encontrar, uma resposta, o que nem ocorre assim tão poucas vezes, e não se afirma que, em tais casos, o inventário não  alcançou os seus  objectivos).
[Pois se tudo está, aqui, na disponibilidade das partes, tão lícito se lhes apresenta quererem individualizar desde logo a titularidade dos bens na partilha, como deixá-los em compropriedade – como nem requererem inventário nenhum e deixarem-nos simplesmente por partilhar, são tudo opções em aberto.]
Com efeito, nada naquele já referido artigo 1374.º do Código de Processo Civil, mormente na sua alínea b) – que trata dos interessados não licitantes e dos bens não licitados –, se diz sobre a impossibilidade desses bens ficarem em compropriedade, antes vai dando sucessivas soluções para resolver o problema do preenchimento dos quinhões dos não licitantes, e inculcando mesmo a ideia de que elas são as possíveis consoante se apresente o caso concreto, e não as únicas (e, por isso, se utilizam ali expressões como “quando possível”, ou “não sendo isto possível”, que se não usariam se as soluções fossem peremptórias).
De resto, a perfilhar-se a tese que vem aqui trazida pela Apelante – que é, naturalmente, respeitável e defensável, mas que a não partilhamos – (de que os bens não licitados deverão integrar obrigatoriamente o quinhão dos interessados não licitantes), poderia conduzir a situações iníquas em que, verbi gratia, quem tivesse dinheiro licitava, ainda que só com pequenos lances, nos bens que lhe agradassem e deixava os demais para os interessados que não tinham podido licitar, os quais, mesmo que os não quisessem, tinham agora que ficar com eles, assim evitando os licitantes dar-lhes tornas.
Ao invés, na tese perfilhada pela douta sentença recorrida – de que não há essa obrigatoriedade e podem ser adjudicados em compropriedade os  bens não licitados –, mesmo os interessados mais fortes economicamente têm, afinal, que comungar também nos bens em que não licitaram, e usualmente pagarem tornas aos demais – o que poderá configurar  uma  situação  um pouco mais justa […]».
E, em consonância com o exposto, escreveu-se no acórdão da Relação do Porto de 16/9/2013 (Apelação nº 285/07.1TBVNC.P1) 5, relativamente a caso idêntico àquele de que ora tratamos, em que a aí recorrente defendia que os bens não licitados deveriam “… ser adjudicados à Recorrente e ao Recorrido, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento de cada um dos seus quinhões, ou seja, na proporção de 78,37% (correspondente a 309.527,50 €) para o Recorrido e de 21,34% (correspondente a 84.287,50 €) para a Recorrente, assim ficando totalmente preenchidos os quinhões de ambos os interessados sem que haja lugar ao pagamento de tornas”:
«[…] A questão que importa resolver traduz-se em decidir se os bens não licitados devem ser sorteados ou manter-se a compropriedade  entre os ex-cônjuges.
Para dirimir a controvérsia, impõe-se apelar à letra e ratio das normas, no pressuposto da unidade do ordenamento jurídico, conforme o art. 9º do CC, que devem orientar o intérprete neste exercício hermenêutico, visando determinar o seu alcance.
Preceitua o art. 1404º, nº 3 do CPC que o inventário, nos casos de divórcio, segue os termos previstos nas secções anteriores.
Esta norma remete exactamente para o regime do inventário, equivalendo os ex-cônjuges ao papel de interessados numa herança.
Efectuadas as licitações, havendo bens não licitados, o tribunal decidiu proceder a uma distribuição que coincide com um sorteio, previsto no art. 1374º, c) CPC, que prescreve “Os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais”.
Esta norma, porém, pressupõe, a verificação dos pressupostos consignados na alínea precedente, 1374º, b) CPC, que rege a situação dos não conferentes  ou não licitantes.
A conexão é evidente, na própria letra do preceito, quando se reporta aos “bens restantes, se os houver”.
Os interessados, o caso concreto, licitaram os bens que entenderam, aprovaram o passivo, restando apenas alguns que não foram objecto de qualquer licitação.
Não se assumem como não licitantes ou não conferentes. Consequentemente, não integram a previsão da norma.
A comunhão é uma das formas de proceder à partilha, prevista, concretamente, no art. 1371º, nº 3 e no art. 1374º, nº 4, do CPC, como se entendeu também no acórdão desta Relação de 27.9.2011, citado pela recorrente.
Afigura-se-nos, no caso concreto, embora a situação não esteja expressamente prevista em qualquer dos enunciados preceitos, que a solução mais justa, e de harmonia com os aludido ordenamento, e, até, com a vontade dos interessados, manifestada na conferencia, não licitando aqueles bens, visando alcançar uma igualdade na partilha, será a de permanecerem esses bens em compropriedade, com referencia a cada um dos quinhões dos interessados, e não distribuir aleatoriamente o património comum.
Os interessados não licitaram esses bens, permanecendo na indivisão, pelo que se impõe uma solução, que o ordenamento jurídico acolha.
Afastada a possibilidade de distribuição dos bens, na forma exposta, resta a solução de permanecerem em compropriedade.
Assim, revoga-se a sentença recorrida, na medida em que homologou a distribuição pelos interessados, ficando os bens não licitados em compropriedade, na proporção do que cada um tem direito a receber […]».
Ora, para um desejável equilíbrio da partilha é este regime que se adequa no caso “sub judice”, não se considerando ajustado, nem a forçada composição do quinhão do Requerido, com os bens não licitados, nem o recurso à formação de lotes e ao sorteio, solução adoptada pelo Tribunal “a  quo”.
Importa, por isso, revogar o despacho de 2/5/2018, que, no que se refere aos bens não licitados, ordenou que os mesmos seriam “…repartidos entre os interessados nos termos previstos no artº 1374º, al.c) do CPC (anterior redacção), sendo repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais.”, e, em lugar disso,  tendo em conta os bens licitados e o quinhão de cada um  dos interessados, proceder, quanto aos bens não licitados à respectiva adjudicação à Recorrente e ao Recorrido, em compropriedade, na proporção necessária ao integral preenchimento de cada um dos seus   quinhões.
Tal procedimento, resultante da desta decisão, terá como consequência, a anulação do processado subsequente ao referido despacho de 2/5/2018, incluindo, pois, a sentença homologatória da partilha de 27/3/2019.
IV - Decisão:
Em face de tudo o exposto, revoga-se o despacho impugnado, de 2/5/2018, e anulam-se os termos subsequentes que dele dependem absolutamente, incluindo, a sentença que homologou a partilha, determinando-se que se proceda ao preenchimento dos quinhões da forma acima predita.
Custas pelo Apelado (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do NCPC).
Coimbra6, 3/3/2020
(Luiz José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)





1 Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2 As que ora se transcrevem são já as apresentadas na sequência do convite do relator.
3 Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
4 Consultável em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase.
5 Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.
6 Processado e revisto pelo Relator.