Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1642/10.1TBVIS-Y.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: INSOLVÊNCIA VENDA EXECUTIVA
CREDORES
GARANTIA
DISPENSA
DEPÓSITO DO PREÇO
Data do Acordão: 04/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU 1º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.165 , 172, CIRE, 887 CPC
Sumário: 1 - O artigo 165.º do CIRE garante aos credores com garantia real que adquiram bens no âmbito do processo de insolvência, uma posição idêntica àquela que deteriam em aquisição efectuada no âmbito do processo executivo comum.

2. Assim, relativamente aos credores com garantia, e quanto à dispensa do depósito do preço, tem aplicação a regra prevista no artigo 887.º do CPC, nos precisos termos que aí se prevêem consoante tenha ou não sido proferida sentença de graduação de créditos.

3. Mesmo nos casos em que a sentença de graduação dos créditos reclamados ainda não foi proferida, há lugar à dispensa do depósito do preço pelo adquirente quanto aos bens sobre os quais tenha garantia, com as especificidades previstas nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo, destinadas a acautelar a defesa dos outros credores reclamantes.

4. Verificando-se que o crédito reclamado pela ora Recorrente e garantido pelas hipotecas incidentes sobre cada um dos imóveis é manifestamente superior ao preço pela mesma proposto para a respectiva aquisição, não tem aplicação o disposto no n.º 2, do artigo 887.º, quanto à obrigação de depositar o excedente ao montante de tal crédito, pura e simplesmente porque tal excedente não existe, devendo a mesma ser provisoriamente dispensada de proceder ao depósito do preço proposto.

5. Para acautelar que tal dispensa não prejudicará os eventuais credores que possam vir a ser graduados antes da ora Recorrente, basta que seja assegurado o cumprimento do previsto no n.º 3 do artigo 887.º do CPC, devendo ainda ser dado cumprimento ao disposto no artigo 172.º, n.º 1, do CIRE, quanto à precipuidade das custas do processo e despesas de liquidação, a calcular com os limites previstos no n.º 2 deste preceito legal.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A., credor reclamante nos autos de Insolvência supra identificados em que foi declarada insolvente S (…) LD.ª, por ofício enviado à Srª Administradora da Insolvência com data de 22-06-2012, apresentou propostas de compra para a fracção C integrante da descrição nº (...)/ 20050628, freguesia de (...), pelo valor de 73.500,00€ e para o prédio descrito sob o nº (...)/ 20050628, freguesia de (...), pelo valor de 469.834,00€, requerendo a dispensa do depósito do preço nos termos do artigo 165.º Código de Insolvência e Recuperação de Empresas[1], aplicável ex vi do artigo 887.º do Código de Processo Civil[2].

2. Ouvidos os credores reclamantes, alguns destes pronunciaram-se pelo indeferimento do requerido, pelo menos parcialmente, até ao montante necessário a assegurar o pagamento dos seus próprios créditos.

3. Por despacho, com a ref.ª 7012412, proferido em 21-08-2012, pela Mm.ª Juiz do Tribunal a quo foi decidido que: «[f]ace às posições assumidas pelos credores e à natureza dos créditos em discussão nos presentes autos, inexiste fundamento legal para a dispensa de depósito do preço requerida pela CGD, ao abrigo do disposto no artigo 887º CPC. Assim, deverá a Srª Administradora continuar a diligenciar pela liquidação sem, contudo, conceder à CGD o pretendido benefício de dispensa de depósito do preço.»  

4. Inconformado com este despacho de indeferimento da requerida dispensa do depósito do preço, o credor reclamante interpôs recurso de apelação do mesmo, juntando logo as respectivas alegações, nos termos que se mostram vertidos de fls. 2 a 10 destes autos, formulando as seguintes conclusões:

«AA) A aqui Recorrente reclamou créditos, reportados à data de 21.06.2010, decorrentes do empréstimo nº PT00350930016130291 no montante global de 737.467,01, garantidos por hipoteca, entre outros, sobre a fração C integrante do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...)/ 20050628, freguesia de (...), inscrito na matriz com o artº (...)º;

BB) Reclamou, ainda, créditos, reportados à data de 21.06.2010, decorrentes do empréstimo nº PT00350930017608391, no montante global de 1.061.504,58, garantidos por hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...)/0050628, freguesia de (...), inscrito na matriz com o artº (...)º;

CC) Pela Srª Administradora da Insolvência (A.I.) foi, oportunamente, autuada nos termos do artº 129º do CIRE, a lista de credores por si reconhecidos, da qual consta que reconhecido à aqui Recorrente:

1-crédito no valor global de 2.057.519,88; 2- 737.467,01 Hipoteca sobre verba nº 8, 9, 10 e 6; 3- 1.061.504,58 Hipoteca sobre verba nº 12 (sic, lista elaborada ao abrigo do artº 129º do CIRE, sublinhado e negrito nosso);

DD)Consta do inventário autuado pela Srª A.I.:

1- Verba nº 10 - Fracção autónoma designada pela letra C no prédio urbano, freguesia de (...)descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o nº (...);

2- Verba nº 12 - Prédio urbano freguesia de (...)descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...)/ 20050628 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº (...);

EE) Nos termos do artº 130º do mesmo diploma, a aqui Recorrente apresentou impugnação à referida lista, impugnando o crédito e a natureza privilegiada (privilégio imobiliário especial) invocada pelos Credores Reclamantes que invocaram créditos de natureza laboral em relação a todos os imóveis apreendidos;

FF) Os créditos de natureza laboral reclamados nos autos, e todos eles impugnados pela aqui Recorrente, cifram-se no valor global de 82.261,56;

GG) A aqui Recorrente apresentou as seguintes propostas de compra:

1-Para a fracção C integrante da descrição nº (...)/ 20050628, freguesia de (...)73.500,00;

2-Para o prédio descrito sob o nº (...)/ 20050628, freguesia de (...) 469.834,00;

HH) Consta expressamente das citadas propostas de compra: Requer-se a dispensa do depósito do preço (artº 165º Cire ex vi artº 887º CPC);

II) Por despacho, com a refª 7012412 foi decidido que inexiste fundamento legal para a dispensa de depósito do preço requerida pela CGD, ao abrigo do disposto no artigo 887º CPC. Assim, deverá a Srª Administradora continuar a diligenciar pela liquidação sem, contudo, conceder à CGD o pretendido benefício de dispensa de depósito do preço (sic);

JJ) Ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos.

LL) Dispõe o artº 165º do CIRE: Aos credores garantidos que adquiram bens integrados na massa insolvente é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo (sic).

MM) Por sua vez, dispõe o artº 887º CPC:

1 - O exequente que adquira bens pela execução é dispensado de depositar a parte do preço que não seja necessária para pagar a credores graduados antes dele e não exceda a importância que tem direito a receber; igual dispensa é concedida ao credor com garantia sobre os bens a adquirir

2 - Não estando ainda graduados os créditos o credor só é obrigado a depositar o excedente ao montante do crédito que tenha reclamado sobre os bens adquiridos.

3 - No caso referido no número anterior, os bens imóveis adquiridos ficam hipotecados à parte do preço não depositada (sic).

NN) Os valores das propostas de compra apresentadas pela aqui Recorrente, respetivamente de 73.500,00 e 469.834,00, são inferiores aos valores dos créditos por si reclamados, e garantidos por hipotecas sobre os aludidos imóveis;

OO) Consequentemente, e por força do nº 2 do artº 887º CPC (aplicável ex vi artº 165º CIRE), não estando ainda graduados os créditos como sucede in casu, o credor só é obrigado a depositar o excedente ao montante do crédito que tenha reclamado sobre os bens adquiridos, o que não se verifica in casu; De fato,

PP)In casu, não se verifica qualquer excedente que imponha o depósito de qualquer valor, uma vez que os créditos reclamados pela aqui Recorrente, e garantidos por hipotecas sobre os dois imóveis em referência (sobre os quais incidiram as duas propostas de compra da aqui Recorrente), são substancialmente superiores aos valores, respetivos, de cada uma das duas propostas de compra; Consequentemente,

QQ) E como afirmam Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, no Código pelos mesmos anotado, e acima referenciado há também lugar á dispensa do depósito do preço pelo adquirente, mas aplica-se o disposto nos nºs 2 e 3 do citado artº 887º (sic); Ou seja,

RR) A apresentante das propostas de compra, in casu a aqui Recorrente, encontra-se dispensada, sem dúvida, do depósito do preço da compra, sem prejuízo do cumprimento do disposto no nº 3 do artº 887º CPC: No caso referido no número anterior, os bens imóveis adquiridos ficam hipotecados à parte do preço não depositada (sic); Ora,

SS) Sucede que a douta decisão sub iuditio, pura e simplesmente, reconheceu, com o devido respeito, erroneamente que inexiste fundamento legal para a dispensa de depósito do preço requerida pela CGD, ao abrigo do disposto no artigo 887º CPC sem, contudo, conceder à CGD o pretendido benefício de dispensa de depósito do preço (sic), violando, assim e de modo inequívoco os citados artºs 165º CIRE e 887º CPC;

TT) Tudo, sem prejuízo ainda, do depósito do valor correspondente às custas e despesas massa, que devem ser imputadas ao produto dos dois imóveis em menção, tudo nos termos e com os limites do artº 172º nº 2 do CIRE.

UU) Violou, assim, a douta decisão recorrida o disposto nos artºs 165º e 172º do CIRE e artº 887º CPC.

Termos em que se requer a V.s Exªs a revogação integral da douta decisão sob recurso, substituindo-a por decisão que isente a aqui Recorrente do depósito do preço de compra, apresentado para os dois imóveis em menção, sem prejuízo do depósito das custas e despesas prováveis da massa com os limites expostos no artº 172º, nº 2 CIRE, e com as condições expostas no nº 3 do artº 887º do CPC, assim se fazendo justiça.»

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[3].

O presente recurso de apelação versa matéria estritamente de direito, e consiste em saber se não tendo sido proferida sentença de graduação de créditos, o credor reclamante que apresenta proposta de compra, pode ou não ser dispensado do depósito do preço.


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II – Fundamentos

II.1. – Factos provados:

Para decisão do presente recurso, para além do que já consta no relatório supra, importa atender ainda aos seguintes factos[4]:

1. A ora Recorrente reclamou, oportunamente, nos presentes autos de insolvência, créditos reportados à data de 21.06.2010 decorrentes do empréstimo n.º PT00350930016130291 no montante global de 737.467,01€, garantidos por hipoteca, entre outros, sobre a fração C integrante do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...)/ 20050628, freguesia de (...), inscrito na matriz com o artº (...)º; e créditos reportados à data de 21.06.2010, decorrentes do empréstimo nº PT00350930017608391, no montante global de 1.061.504,58€, garantidos por hipoteca sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...)/0050628, freguesia de (...), inscrito na matriz com o artº (...)º;

2. Pela Srª Administradora da Insolvência foi, oportunamente, autuada nos termos do artº 129º do CIRE, a lista de credores por si reconhecidos, da qual consta que foi reconhecido à ora Recorrente, um crédito no valor global de 2.057.519,88€, garantidos 737.467,01€ por Hipoteca sobre verba nº 8, 9, 10 e 6; 1.061.504,58€, Hipoteca sobre verba nº 12.

3. Do inventário elaborado pela Srª A.I., consta como Verba nº 10 a Fracção autónoma designada pela letra C do prédio urbano, freguesia de (...)descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o nº (...); e como Verba nº 12, o Prédio urbano freguesia de (...)descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o nº (...)/ 20050628 e inscrito na matriz predial urbana sob o nº (...);

4. A ora Recorrente apresentou impugnação à referida lista definitiva de créditos reconhecidos, impugnando o crédito e a natureza privilegiada (privilégio imobiliário especial) invocada pelos Credores Reclamantes que invocaram créditos de natureza laboral em relação a todos os imóveis apreendidos;

5. Os credores (…), vieram opor-se total ou parcialmente ao requerimento da ora Recorrente para dispensa do depósito do preço.

6. O credor (…), foi na referida lista reconhecido como credor da sociedade insolvente pela quantia de 30.000,00€, gozando o seu crédito de direito de retenção sobre a verba n.º 10 do referido auto de apreensão.

7. O credor (…) consta na referida lista, para além de outros nas mesmas circunstâncias, reconhecido como credor da sociedade insolvente pela quantia de 12.307,50€, com privilégio mobiliário geral e imobiliário especial sobre todos os imóveis construídos pela insolvente, entre os quais se contam as verbas n.ºs 1 a 15 do auto de apreensão.

8. A credora (…) consta reconhecida na referida lista como credora comum, com o crédito de 11.995,90€.

9. Ainda não foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos.


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II.2 – O mérito do recurso

A Apelante sustenta a sua pretensão de dispensa do depósito do preço, nos disposto nos artigos 165.º do CIRE e 887.º do CPC, de acordo com os quais, tal será admissível por a mesma ser credor com garantia real sobre os imóveis cuja aquisição propôs.

Vejamos, pois, se lhe assiste razão.

Dispõe o artigo 165.º do CIRE[5], quanto ao que ora interessa, que “[a]os credores garantidos que adquiram bens integrados na massa insolvente (…), é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo”, assim garantindo aos mesmos, em aquisição de bens efectuada no âmbito da processo de insolvência, uma posição idêntica àquela que deteriam em aquisição efectuada no âmbito do processo executivo comum.

Conforme emerge dos autos, a ora Recorrente é um credor com garantia real decorrente da hipoteca que incide sobre os imóveis pertencentes à devedora insolvente cuja aquisição ora pretende efectuar, garantia essa que lhe confere o direito de ser paga pelo valor dos mesmos, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo - artigo 686.º, n.º 1, do Código Civil.

Ora, no preceito em referência do CIRE, o que está em causa quanto aos credores com garantia, como é o caso, é a aplicação da regra prevista no artigo 887.º do CPC, quanto à dispensa do depósito do preço, nos precisos termos que aí se prevêem consoante tenha ou não sido proferida sentença de graduação de créditos, uma vez que, conforme deflui do artigo 873.º, n.º 1, do CPC, a tramitação da venda não depende do andamento do concurso de credores, mas apenas do fim do prazo para deduzir a reclamação de créditos.

No caso dos autos, como vimos, não foi proferida sentença de graduação de créditos, e a ora Recorrente impugnou o crédito e a natureza privilegiada (privilégio imobiliário especial) invocada pelos Credores Reclamantes que invocaram créditos de natureza laboral em relação a todos os imóveis apreendidos.

Como assim, mostra-se afastada a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 887.º do CPC, enquadrando-se a situação em apreço na previsão dos n.ºs 2 e 3 do citado preceito legal, de cujos termos resulta que “não estando ainda graduados os créditos, (…) o credor só é obrigado a depositar o excedente ao montante do crédito que tenha reclamado sobre os bens adquiridos”, e nesse caso, “os bens imóveis adquiridos ficam hipotecados à parte do preço não depositada, consignando-se a garantia no título de transmissão e não podendo esta ser registada sem a hipoteca, salvo se o adquirente prestar caução bancária em valor correspondente (…)”.

À semelhança do que acontece quanto ao artigo 165.º do CIRE, também o regime constante dos citados n.ºs 2 e 3 do artigo 887.º do CPC, na redacção introduzida pelo artigo 1.º do DL n.º 38/2003, de 8 de Março, com a rectificação operada pela Declaração de Rectificação n.º 5-C/2003, de 30 de Abril, corresponde, no essencial, ao regime que anteriormente já constava no n.º 2 do preceito, sendo a única alteração relevante a possibilidade que agora se concede ao credor de prestar caução bancária pelo valor correspondente, opção que lhe permitirá a imediata disponibilidade do bem adquirido[6].

 Ora, em face das referidas disposições legais, é pacífico que também no regime referente à dispensa de depósito aos credores previsto para os casos em que a sentença de graduação dos créditos reclamados ainda não foi proferida, há lugar à dispensa do depósito do preço pelo adquirente quanto aos bens sobre os quais tenha garantia, com as especificidades ali previstas destinadas a acautelar a defesa dos outros credores reclamantes[7].

Assim, ocorrendo antes da sentença de graduação de créditos, a dispensa do depósito do preço não assume um carácter definitivo, mas meramente provisório, ficando dependente dos efeitos da graduação de créditos, mormente de ser reconhecido o crédito do credor adquirente; de o ser por montante superior à quantia que foi dispensado de pagar; e ainda de não serem graduados antes do crédito do adquirente outros créditos que consumam total ou parcialmente o produto da venda dos bens cujo preço aquele foi dispensado de depositar no momento da aquisição.

Para o efeito, prevê o artigo 887.º, n.º 4, que “[q]uando por efeito da graduação de créditos, o adquirente não tenha direito à quantia que deixou de depositar ou a parte dela, é notificado para fazer o respectivo depósito em 10 dias, sob pena de ser executado nos termos do artigo 898.º, começando a execução pelos próprios bens adquiridos ou pela caução”.

Acresce que, para assegurar a eficácia desta execução, estabelece o n.º 3, do artigo 887.º a necessária garantia. Assim, se os bens adquiridos forem imóveis, como é o caso, ficam hipotecados à parte do preço não depositada, consignando-se tal garantia no título da transmissão, a qual não pode ser registada sem a hipoteca, a não ser que o adquirente preste caução bancária em valor correspondente, por um dos meios previstos no n.º 1 do artigo 623.º do Código Civil, e segundo o processo definido no artigo 988.º do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 990.º da mesma codificação[8].

 Ora, volvendo ao caso dos autos, verifica-se que o crédito reclamado pela ora Recorrente e garantido pelas hipotecas incidentes sobre cada um dos imóveis é manifestamente superior ao preço pela mesma proposto para a respectiva aquisição, razão pela qual, não tem aplicação o disposto no n.º 2, do artigo 887.º, quanto à obrigação de depositar o excedente ao montante de tal crédito, pura e simplesmente porque tal excedente não existe.

Portanto, a mesma está provisoriamente dispensada de proceder ao depósito do preço proposto, uma vez que, como se viu, tal não prejudicará os eventuais credores que possam vir a ser graduados antes da ora Recorrente, mormente aqueles que deduziram oposição à sua pretensão.

Efectivamente, para tanto, basta que seja assegurado o cumprimento do previsto no n.º 3 do artigo 887.º do CPC.

Ao que vem de dizer-se acresce ainda que terá de ser dado cumprimento ao disposto no artigo 172.º, n.º 1, do CIRE, que assume a tradicional regra da precipuidade das custas do processo e despesas de liquidação, a calcular com os limites previstos no n.º 2 do mesmo preceito legal.

Pelos fundamentos expostos e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se a revogação da decisão sob recurso, que ora se substitui, dispensando-se a aqui Recorrente do depósito do preço de compra apresentado para os dois imóveis supra identificados, sem prejuízo do depósito das custas e despesas prováveis da massa com os limites expostos no artigo 172.º, n.º 2 CIRE, e determinando-se a observância das condições previstas no n.º 3 do artigo 887.º do CPC.


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II.3. Síntese conclusiva:

I - O artigo 165.º do CIRE garante aos credores com garantia real que adquiram bens no âmbito da processo de insolvência, uma posição idêntica àquela que deteriam em aquisição efectuada no âmbito do processo executivo comum.

II – Assim, relativamente aos credores com garantia, e quanto à dispensa do depósito do preço, tem aplicação a regra prevista no artigo 887.º do CPC, nos precisos termos que aí se prevêem consoante tenha ou não sido proferida sentença de graduação de créditos.

III – Mesmo nos casos em que a sentença de graduação dos créditos reclamados ainda não foi proferida, há lugar à dispensa do depósito do preço pelo adquirente quanto aos bens sobre os quais tenha garantia, com as especificidades previstas nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo, destinadas a acautelar a defesa dos outros credores reclamantes.

IV – Verificando-se que o crédito reclamado pela ora Recorrente e garantido pelas hipotecas incidentes sobre cada um dos imóveis é manifestamente superior ao preço pela mesma proposto para a respectiva aquisição, não tem aplicação o disposto no n.º 2, do artigo 887.º, quanto à obrigação de depositar o excedente ao montante de tal crédito, pura e simplesmente porque tal excedente não existe, devendo a mesma ser provisoriamente dispensada de proceder ao depósito do preço proposto.

V – Para acautelar que tal dispensa não prejudicará os eventuais credores que possam vir a ser graduados antes da ora Recorrente, basta que seja assegurado o cumprimento do previsto no n.º 3 do artigo 887.º do CPC, devendo ainda ser dado cumprimento ao disposto no artigo 172.º, n.º 1, do CIRE, quanto à precipuidade das custas do processo e despesas de liquidação, a calcular com os limites previstos no n.º 2 deste preceito legal.


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III - Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação, revogando-se o despacho recorrido, e consequentemente, dispensando-se a aqui Recorrente do depósito do preço de compra apresentado para os dois imóveis supra identificados, sem prejuízo do depósito das custas e despesas prováveis da massa com os limites expostos no artigo 172.º, n.º 2 CIRE, e determinando-se a observância das condições previstas no n.º 3 do artigo 887.º do CPC.

Sem custas.


***

                                                                                                             Albertina Pedroso(Relatora)                                                                 

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Doravante abreviadamente designado CIRE, aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 22 de Julho, e com as alterações introduzidas pelo DL n.º 282/2007, de 7 de Agosto.
[2] Doravante abreviadamente designado CPC.
[3] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[4] Resultantes dos documentos juntos aos autos. 
[5] Preceito que, com alguns ajustamentos de redacção mantém a solução já anteriormente acolhida pelo artigo 183.º do CPEREF.
[6] Cfr. Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II., 2.ª Edição, Almedina 2004, pág. 133.
[7] Cfr. neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Reimpressão, Quid Juris 2009, pág. 553; e Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina 2010, pág. 370.
[8] Cfr. neste sentido, Amâncio Ferreira, ob. cit., págs. 370 e 371.