Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1141/10.1TBMGR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
REVOGAÇÃO
CONTRATO
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 12/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 18º DO DEC. LEI Nº 211/04, DE 20/08; LEI Nº 24/96, DE 31.06.
Sumário: i. A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.

ii. O mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

iii. Por força da norma do art.º 18º do Decreto-Lei n.º 211/04, de 20 de Agosto, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excepcionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição respectiva nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores.

iv. Diz-nos a norma do artigo 9.º, n.º 7 da Lei de Defesa do Consumidor que, “Sem prejuízo de regimes mais favoráveis nos contratos que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou do prestador de serviços fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes, é assegurado ao consumidor o direito de retractação, no prazo de 7 dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços”.

v. Este direito à livre revogação do contrato, concedido pela lei ao consumidor, materializa a sua única possibilidade de retroceder validamente no negócio, protegendo-o da precipitação em que pode ter incorrido no momento em que decidiu vincular-se.

vi. A letra da norma em causa não pressupõe que o contrato em causa resulte da iniciativa do fornecedor de bens ou prestador de serviços e ainda que o fornecimento ou prestação do serviço seja efectuado fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes.

vii. Pretende abranger todos os contratos – incluindo o contrato de mediação imobiliária – nos quais esteja em causa a protecção do consumidor.

viii. Podemos definir “consumidor”, para efeitos de aplicação das leis dirigidas à sua protecção, como sendo, todo aquele - pessoa singular - a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados – exclusivamente - a uso não profissional, por pessoa singular ou colectiva que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

ix. É a finalidade do acto de consumo que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aqueles diplomas legais regulamentam, partindo da presunção de que se trata da parte mais fraca, menos preparada tecnicamente, em confronto com um contratante profissional, necessariamente conhecedor dos meandros do negócio que exercita.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

C…, executada nos autos a que os presentes se encontram apensos e aí melhor identificada, deduziu oposição à execução e à penhora contra B…, Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, exequente nesses mesmos autos e igualmente aí melhor identificada.

Alega em breve síntese que, sendo o título executivo, um requerimento de injunção com aposição de fórmula executória, dele não teve conhecimento na medida em que nunca recebeu qualquer citação ou notificação no âmbito de tal processo (proc. n.º …), pelo que nunca teve oportunidade de aí contestar a versão alegada no requerimento injuntivo.

Mais alegou que se é certo que em 18.06.2009 celebrou contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade referente ao imóvel descrito na Conservatória de Registo Predial da M. Grande sob o n.º …, também refere que no dia 22.06.2009 esteve presencialmente nas instalações da exequente comunicando que perdera o interesse no negócio.

Veio ainda a enviar para a sede da agência da imobiliária da exequente na Marinha Grande carta registada com aviso de recepção, em 26.06.2009, comunicando à exequente a retractação/denúncia relativa a tal contrato, nos termos do art. 9.º, nº 7 da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.06 com as suas alterações), carta essa que alega que a exequente se recusou a receber.

Afirma ainda que a exequente não mais a contactou, não fez mais diligências, não solicitou chaves da casa nem angariou qualquer cliente, pelo que entende não serem devidos os montantes exequendos peticionados, tendo havido conversações extrajudiciais e tendo ficado convencida que a questão tinha ficado resolvida.

A executada veio a vender a casa com recurso a outra empresa de mediação imobiliária tendo pago pelos serviços da mesma €3.735,00.

A executada opôs-se ainda à penhora do subsídio que aufere (800,00) referindo que a penhora do veículo feita nos autos é suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda e que a penhora de 1/3 do subsídio compromete a subsistência da oponente e do seu agregado familiar (composto pela mesma, seu companheiro, que aufere €610,00 mensais, e filha S…, com 1 ano e meio de idade, sendo que esta última sofre de doença crónica com a qual despende €150,00 mensais em acompanhamento médico, leite especial e despesas medicamentosas e €50,00 mensais em deslocações ao Hospital de Coimbra).

Refere que paga de empréstimo mensal pelo crédito à habitação contraído a quantia de €350,00 mensais e €15,58 mensais com o seguro de vida, €127,00 mensais por prestação de crédito para aquisição de carro próprio, bem como gasta €500,00 em despesas domésticas, €20,00 mensais de condomínio.

Concluiu pugnando a sua absolvição do pedido executivo formulado nos autos principais, com legais consequências ou, caso assim não se entenda, que seja a penhora do seu subsídio reduzida de 1/3 para 1/6 da mesma.

A exequente (ora apelante) contestou a matéria dos autos, nos termos melhor constantes do articulado de fls. 45 e ss., referindo, em breve síntese, que celebrou em 18.06.2009, e pelo período de 6 meses de vigência, o contrato de mediação imobiliária em causa, em regime de exclusividade, promovendo a venda do imóvel supra referido mediante o pagamento pela executada de uma comissão de 5% do valor da venda do imóvel + IVA.

Mais alega que se a executada se dirigiu pessoalmente às instalações da exequente em 22.06.2009 a comunicar a “rescisão” do contrato em apreço por perda de interesse, a mesma não produziu quaisquer efeitos legais, sendo que a executada veio a vender a casa sem pagar qualquer comissão à concreta imobiliária que tinha contrato em regime de exclusividade.

Impugnou ainda todo o alegado pela executada na petição inicial (que não o expressamente assumido).

Peticiona que a presente oposição seja julgada improcedente por não provada, prosseguindo a execução.

Foi proferida, pela Sr.ª Juíza do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, a seguinte decisão:

“Nestes termos e com estes fundamentos, decide-se julgar totalmente procedente, assim se determinando a extinção da execução com as legais consequências.”.

A exequente, B…, Lda, não se conformando tal decisão, dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

2. Do objecto do recurso

Interessa saber e decidir o seguinte:

i. É aplicável ao contrato de mediação imobiliária o disposto no art.º 9.º, n.º 7 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei do Consumidor)?

ii. É devido o pagamento da remuneração contratada, dado os esforços que a apelante desenvolveu no âmbito da promoção da venda do imóvel ora em apreço, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 211/04, de 20 de Agosto?

A 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto:

...

Em 1.ª nota, haverá que dizer o seguinte:

Diz a recorrente, a dado momento da sua alegação, que “face a todo o alegado, requer-se a V. Exas., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 712.º do Código de Processo Civil, a alteração da matéria dada como provada, visto que, no modesto entender dos ora Recorrentes, esta foi deficientemente interpretada e aplicada na douta sentença recorrida”.

Como todos sabemos, a norma do artigo 712.º do Código do Processo Civil exige, desde logo, que para que o Tribunal da Relação reaprecie a prova, não basta a alegação por banda da recorrente que houve erro manifesto de julgamento e por deficiência na apreciação da matéria de facto, devendo ser indicados quais os pontos de facto que no seu entender mereciam resposta diversa, bem como quais os elementos de prova que no seu entendimento levariam à alteração daquela mesma resposta.

Não o fazendo, a consequência será a rejeição da impugnação da matéria de facto em sede recursiva.

Pensamos, no entanto, que a apelante estará em desacordo com a interpretação dada pela 1.ª instância aos factos por esta fixados, nomeadamente, a aplicabilidade do regime da Lei do Consumidor ao contrato de mediação mobiliária.

Por isso, avançamos no conhecimento da instância recursiva.

As partes e o decisor da 1.ª instância estão de acordo que o contrato celebrado configura uma mediação imobiliária.

A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.

O contrato de mediação imobiliária é assim o contrato nos termos do qual uma parte se obriga a diligenciar pela aproximação de duas pessoas com vista à celebração de um dos indicados negócios relativamente a um imóvel.

Nas palavras do Acórdão do STJ de 3.4.2008 – retirado do site www.dgsi.pt-, “...a mediação é, em essência, uma prestação de serviço, um contrato para a obtenção de um negócio e, por isso, é com a concretização desse negócio com a entidade angariada que se cumpre o fim precípuo da mediação. A obrigação do mediador é a de encontrar um terceiro com quem determinado contrato venha a ser celebrado.

E celebrado este é devido o pagamento da remuneração acordada com o cliente”.

De facto, impõe a norma do artigo 18º, nº 1, do D.L. n.º 211/2004, de 20 de Agosto, que, “...a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação...”, sendo que no seu nº 2, “...os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade (o regime de exclusividade visa afastar a concorrência, impedindo a celebração de contrato de mediação com outra mediadora), com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração”.

Ou seja, o mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

É certo que na concretização da obrigação do mediador este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender - por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc. -, visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel.

Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração.

Mais, como consequência do princípio da liberdade contratual, existe a liberdade de extinção contratual, consagrado no n.º 1 do art. 406º do Código Civil.

Ora, conforme preceitua o art. 432º, nº 1, de tal diploma, é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.

Admite este artigo a resolução convencional, facultando às partes, de acordo com o princípio da autonomia da vontade, o poder de atribuir a ambas, ou a uma delas, o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto.

Verificado o facto previsto como fundamento da resolução, a parte adimplente pode, por um simples acto de vontade - mediante declaração, escrita ou oral, à outra parte, sem necessidade de intervenção do Juiz, e sem ter de recorrer ao art. 808º, n.º 1, do Código Civil - produzir a resolução que inelutavelmente se impõe à contraparte.

A resolução opera, assim, imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chega ao poder da parte inadimplente, ou é dela conhecida  - art.º 224º, n.º 1, do Código Civil -.

A intervenção judicial, que venha a ocorrer posteriormente – como é o caso dos autos -, apenas terá a natureza de sentença de simples apreciação, pela qual o Juíz verifica os pressupostos e declara a existência de uma resolução, nos termos da lei.

No caso em apreço, as partes convencionaram na Cláusula 8ª (prazo de duração do contrato) que, “ O presente contrato tem uma validade de 6 meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao seu termo”.

Ora, no caso dos autos esta resolução contratual não se verifica nem, de resto, a executada/apelada a invoca.

E a resolução fundada na lei, nomeadamente a emergente da norma do artigo 9.º, n.º 7 da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.07)?

A 1.ª instância entendeu aplicá-la.

Naturalmente, a apelante defende o contrário.

Para merecimento da sua alegação diz:

“Acresce que, salvo o devido respeito, que é muito, e melhor opinião em contrário, entende a ora Recorrente que, existe uma clara inaplicabilidade do Regime Jurídico do Consumo no caso ora em apreço (...) da redacção do mencionado preceito legal, claramente se verifica que intrinsecamente à aplicabilidade do mesmo, pressupõe-se que o contrato em causa resulte por iniciativa do fornecer de bens ou prestador de serviços, o que efectivamente não sucedeu no caso vertente.

Mais, pressupõe ainda, que o fornecimento ou prestação do serviço, seja efectuado fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes, o que, igualmente, não sucedeu...”.

Diz-nos a norma em causa:

“Sem prejuízo de regimes mais favoráveis nos contratos que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou do prestador de serviços fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes, é assegurado ao consumidor o direito de retractação, no prazo de 7 dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços”.

Este direito à livre revogação do contrato, concedido pela lei ao consumidor, materializa a sua única possibilidade de retroceder validamente no negócio, protegendo-o da precipitação em que pode ter incorrido no momento em que decidiu vincular-se.

Como ensina António Pinto Monteiro - Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, pág. 53 -, “...a autonomia privada não está à disposição da autonomia privada e por isso importa assegurar uma “liberdade e igualdade tanto quanto possíveis reais (e não meramente formais) entre os contraentes, procurando que a ética seja efectivamente tutelada e não apenas formalmente garantida”.

Daí que neste tipo de contratos se contrarie expressamente a solução geral do art. 230.º do Código Civil - salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida - prevendo o citado art. 9º a possibilidade de revogar o contrato ou mesmo a possibilidade pelo consumidor de revogar a proposta, tudo isto num prazo peremptório de sete dias contados desde, justamente, a assinatura do contrato por parte do consumidor.

Interessa, pois, apurar o que deve entender-se por consumidor para efeitos dos referidos diplomas, o que implica interpretar as definições que, no domínio do direito do consumo, surgem em inúmeros diplomas que o procuram sistematizar.

Assim e desde logo, a Lei Quadro de defesa do consumidor – Lei n.º 29/81, substituída, hoje, pela Lei n.º 24/96 – define consumidor como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens ou serviços destinados ao seu uso privado, por pessoa singular ou colectiva que exerça, com carácter profissional uma actividade económica”.

Por seu turno, o Dec. Lei n.º 359/91, de 21/9, que regulamenta o crédito ao consumo, no seu art.º 2 b) apresenta a seguinte definição: “Consumidor, a pessoa singular que nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente diploma, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional.”

A Lei n.º 24/96, de 31.7, diz-nos que, “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.

Também a Directiva 1999/44/CEE de 25/5/1999, que visa, exactamente regular “certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar um nível mínimo de defesa dos consumidores no contexto do mercado interno”, diz que Consumidor é “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional”.

Finalmente, o D.L. 67/2003, de 8.4, que procedeu à (1ª) transposição da Directiva 1999/44/CEE - diploma que foi reformulado pelo D.L. 84/2008 de 21.5 -, dá-nos a seguinte definição: “Consumidor, aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios nos termos do n.º 1 do artigo 2 da Lei 24/96 de 31 de Julho”.

Vê-se, assim, que apesar de algumas diferenças de forma, o conceito de consumidor, tem um sentido restrito, mas coincidente, em todos os diplomas referidos.

Em conclusão – seguindo de perto os ensinamentos do Acórdão do STJ de 20.10.2011, retirado do site www.dgsi.pt -, podemos definir consumidor, para efeitos de aplicação das leis dirigidas à sua protecção como sendo “... todo aquele (pessoa singular) a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados (exclusivamente) a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.”

É a finalidade do acto de consumo que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aqueles diplomas legais regulamentam, partindo da presunção de que se trata da parte mais fraca, menos preparada tecnicamente, em confronto com um contratante profissional, necessariamente conhecedor dos meandros do negócio que exercita.

Ora, a relação contratual em causa nestes autos, configura uma relação consumidor/empresa que exerce com carácter profissional uma actividade económica que pretende o lucro.

Como escreve a ilustre magistrada da 1.ª instância:

“...Ora, o contrato de mediação imobiliária é, indubitavelmente um contrato de prestação de serviços sendo que, in casu, os mesmos seriam prestados com carácter profissional e visando obter benefícios económicos por parte da seguradora perante a executada enquanto cliente particular (não profissional da área), pelo que não se vêm razões para excluir o negócio em causa como uma relação de consumo.

Assim, e nessa linha, não se vislumbram razões para excluir a aplicabilidade do art. 9.º, n.º 7 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (sendo que não se trata de matéria de responsabilidade que levasse a equacionar a aplicabilidade do art. 23.º do mesmo.) E note-se que o facto de existir legislação especial em matéria de mediação imobiliária não prejudica tal conclusão.

Com efeito, o facto de existir um regime jurídico do exercício da mediação imobiliária corporizado na Lei n.º 211/2004, de 20.08 não obsta à aplicabilidade da Lei de Defesa do consumidor (da mesma forma que ninguém duvida que o facto de,v.g., existir legislação especial sobre contratos à distância e no domicílio ou de crédito ao consumo – v.g. D.L. n.º 143/2001, de 26.04 com suas alterações e D.L.n.º 133/2009, de 02.06 com rectificações e alterações – não afasta a aplicabilidade da Lei de Defesa do Consumidor)...”.

Mais, a letra da norma em causa, não pressupõe que o contrato em causa resulte por iniciativa do fornecedor de bens ou prestador de serviços e ainda, que o fornecimento ou prestação do serviço, seja efectuado fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes.

O que ela pretende é proteger o consumidor – resulte, ou não, o contrato em causa da iniciativa do fornecedor de bens ou prestador de serviços e ainda, que o fornecimento ou prestação do serviço, seja, ou não, efectuado fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes -, ao ponto de excluir a sua aplicação – aqui sim nos contratos supra referidos - caso o clausulado seja mais favorável a este.

Ora, no caso dos autos, independentemente da tentativa verbal de retractação, a executada oponente enviou carta registada à exequente oposta no 6.º dia útil seguinte ao da celebração do contrato - respeitando assim os requisitos previstos no art. 9.º, n.º 7 de referido diploma -, pelo que há que considerar que a retractação produziu os seus efeitos, não se mantendo o contrato celebrado como vigente.

Como já escrevemos, o direito à remuneração nasce apenas da conclusão perfeita do negócio objecto da mediação.

O que não aconteceu.

Por outro lado, esta regra apenas é excepcionada nos casos mencionados no n.º 2 do mesmo artigo 18.º que se reporta ao regime de exclusividade e celebração de contrato.

Por força da já transcrita al. a) do nº 2 do art.º 18º, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excepcionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição respectiva nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores.

Mas, pela revogação válida do contrato ocorre uma destruição da relação contratual, anterior à situação descrita em tal norma.

Por isso, o negócio não foi celebrado por causa imputável à recorrida, mas porque o contrato com a resolução, foi válido e eficazmente extinto.

Assim, com todo o respeito pelas razões invocadas pela apelante, mantemos o decidido na 1.ª instância.

São estas as conclusões:

i. A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.

ii. O mediador, devido ao risco/álea inerente à actividade comercial da mediação, apenas tem direito a ser remunerado quando a sua actuação determine a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

iii. Por força da norma do art.º 18º do Decreto-Lei n.º 211/04, de 20 de Agosto, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excepcionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição respectiva nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores.

iv. Diz-nos a norma do artigo 9.º, n.º 7 da Lei de Defesa do Consumidor que “Sem prejuízo de regimes mais favoráveis nos contratos que resultem da iniciativa do fornecedor de bens ou do prestador de serviços fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes, é assegurado ao consumidor o direito de retractação, no prazo de 7 dias úteis a contar da data de recepção do bem ou da conclusão do contrato de prestação de serviços”.

v. Este direito à livre revogação do contrato, concedido pela lei ao consumidor, materializa a sua única possibilidade de retroceder validamente no negócio, protegendo-o da precipitação em que pode ter incorrido no momento em que decidiu vincular-se.

vi. A letra da norma em causa não pressupõe que o contrato em causa resulte da iniciativa do fornecedor de bens ou prestador de serviços e ainda que o fornecimento ou prestação do serviço seja efectuado fora do estabelecimento comercial, por meio de correspondência ou outros equivalentes.

vii. Pretende abranger todos os contratos – incluindo o contrato de mediação imobiliária – nos quais esteja em causa a protecção do consumidor.

viii. Podemos definir consumidor, para efeitos de aplicação das leis dirigidas à sua protecção, como sendo todo aquele - pessoa singular - a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados – exclusivamente - a uso não profissional, por pessoa  - singular ou colectiva - que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

ix. É a finalidade do acto de consumo que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aqueles diplomas legais regulamentam, partindo da presunção de que se trata da parte mais fraca, menos preparada tecnicamente, em confronto com um contratante profissional, necessariamente conhecedor dos meandros do negócio que exercita.

3. Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande.

Custas pela apelante.

Coimbra, 18 de Dezembro de 2013

(José Avelino Gonçalves - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)