Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
512/11.0TBTMR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: AUDIÊNCIA PRELIMINAR
EFICÁCIA
DECLARAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
SUBSTITUIÇÃO
Data do Acordão: 10/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.508-A, 508-B, 715, 817 CPC, 224 Nº2, 342 Nº1 CC
Sumário: 1. - Em processo comum sob a forma sumária, a audiência preliminar só se realiza quando a complexidade da causa ou a necessidade de actuar o princípio do contraditório o determinem (artigo 787º, nº 1, do Código de Processo Civil).

2.- O juiz pode dispensar a audiência preliminar, quando reconheça que dispõe de elementos de prova que o habilitem a decidir sobre o mérito da causa nos termos do disposto nos art. 508º-B e 787º, nº1, do Código de Processo Civil.

3.- Incumbe ao emitente o ónus da prova de que a carta, que contém uma interpelação admonitória, não foi recebida por culpa do destinatário (artigos 224.º,n.º2 e 342.º,n.º1 do Código Civil).

4.- Não preenche tal ónus a mera demonstração da devolução da carta registada com aviso de recepção, nada constando deste aviso, quer quanto às razões da não entrega, quer da referência de se deixar aviso para o destinatário a levantar depois nos Correios.

5.- Nos termos do art.715º, nº2, do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação substituir-se-á ao Tribunal recorrido se dispuser de todos os elementos necessários.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            E (…) – Sociedade de Prestação de Serviços, Lda., CM (…) e MI (…)deduziram oposição à execução, alegando, em síntese:

            Não receberam as cartas de 22.9.2010 e 14.03.2011, com vista à sua notificação para efectuarem o pagamento das prestações em dívida e para a resolução do contrato celebrado;

            O Banco vinha gerindo dinheiro e aplicações financeiras dos executados, autorizado por estes;

            Se, em dado momento, os executados deviam ao exequente € 159.054,29 e o banco recuperou pela gestão referida € 389.762,03, a dívida ficou saldada.

            Não podia o banco resolver o contrato, o que configura um abuso de direito.

            O Banco I (…) SA, contestou e em síntese:

            Os executados não recepcionaram as cartas mas deve considerar-se que têm conhecimento do seu teor;

            O banco não se responsabilizou pela gestão de qualquer activo dos executados; apenas permitiu, pontualmente, que valores vencidos emergentes do contrato de mútuo fossem retirados de uma conta sobre a qual incidia um penhor, aberta pelos executados, conta só movimentável com autorização daquele;

            Nos termos do estabelecido na cláusula quarta do contrato de penhor, a relação responsabilidade/garantia foi de 60%, pelo que, para o montante financiado de € 2.500. 500,00, a garantia constituída pelo penhor incidia sobre € 1.500.000,00 da conta aberta pelos referidos executados;

            A determinada altura, o banco decidiu não autorizar mais a utilização da conta objecto de penhor, atento o facto de o rácio referido estar demasiado prejudicado e disso informou os executados por carta de 22/09/2010, no sentido de os instar a repor o rácio;

            À data da resolução do contrato de mutuo, o saldo da conta penhorada deveria ascender, conforme o rácio acordado, a € 1 351 765,81 mas em depósito existia um saldo de € 389 762,03;

            Este saldo não poderia ser utilizado para pagamento das prestações contratuais em dívida;

            A resolução operou porque os mutuários não efectuaram o pagamento das prestações em dívida.

            Finda a fase dos articulados, o Tribunal de Tomar decidiu julgar totalmente improcedente a oposição à execução.


*

            Inconformados, os executados interpuseram recurso, pedindo a revogação daquela decisão e formularam as seguintes conclusões, por nós sintetizadas:

            1. Não tendo as partes sido convocadas para a audiência preliminar (art.º 508.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil), tal omissão configura uma nulidade processual que influi na decisão da causa.

            2. Aquela audiência só é facultativa em casos de manifesta simplicidade.

            3. Com a obrigatoriedade de convocação de tal audiência preliminar, dará o juiz cumprimento ao sagrado princípio do contraditório, evitando as denominadas decisões surpresa.

            4. A arguição e o conhecimento da nulidade podem fazer-se através deste recurso.

            5. A sentença não cumpriu com o dever de motivação da matéria de facto, nos termos impostos pelo art.º 653.º n.º 2, do Código de Processo Civil, deixando de fazer uma análise crítica da única prova até àquele momento produzida, os documentos juntos pelas partes aos autos.

            6. A sentença apenas refere que a matéria dada como provada, assim o foi “atenta a posição das partes assumida nos respectivos articulados e documentos constantes dos autos”.

            7. Esta omissão impossibilita os Apelantes de sindicar qualquer questão sobre a produção de prova e/ou legalidade da mesma e torna a sentença nula nos termos do art. 668.º, n.º 1, al. b), do Código referido.

            8. Mesmo a entender-se que na sentença existe uma verdadeira motivação ou fundamentação de facto, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provada a factualidade que na sentença vem aduzida.

            9. Com efeito, resulta da sentença em crise que o Tribunal partiu do princípio - apenas porque aprioristicamente se deu erradamente por provado - que determinadas quantias foram dadas em penhor financeiro, por contrato para o efeito celebrado. Tal entendimento afigura-se resultar da análise do contrato de mútuo com hipoteca junto pelo banco Apelado, onde na sua Cláusula Oitava é dito designadamente que para garantia do cumprimento das obrigações do dito contrato, (…) “será prestado Penhor Financeiro” (…). Acontece, porém, que não vem junto aos autos cópia do dito contrato de penhor financeiro, pelo qual o Tribunal erradamente se estriba para apressadamente concluir que “se são retirados valores a esse penhor financeiro, vê-se diminuída a garantia oferecida a favor do banco” e ainda que “Diferente seria se posteriormente os executados reforçassem o penhor financeiro na exacta medida em que foram retirados valores pelo Banco exequente para se pagar pelos valores em dívida pelos executados”. Com a devida vénia, só a junção do propriamente dito contrato de penhor financeiro permitiria concluir, para além da sua existência, quais as condições e valores a partir dos quais os mutuários Apelantes se obrigariam a reforçar, pois não há lugar a confissão ficta quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito, como determina o art.º 485.º, alínea c) do CPC.

            10. É manifestamente falso que alguma vez resulte dos autos que os Apelantes confessaram o que quer que fosse relativamente à inexistência de pagamentos, quando de uma perfuntória leitura dos artigos 10.º e º 14.º do articulado da Oposição resulta efectivamente o entendimento contrário.

            11. Acerca do uso de quantias para pagamento das obrigações do mútuo, o banco Apelado confessa que amiúde aceitou que determinadas quantias colocadas na conta onde se encontravam as quantias (alegadamente) dadas em penhor financeiro, viessem a ser sucessivamente utilizadas para o cumprimento das sobreditas obrigações. Em bom rigor, sempre se acrescentará que sempre aceitou que tal sucedesse, o que criou a profunda convicção por parte dos executados Apelantes que a resolução do contrato nunca estaria em causa, convicção essa que deve obter protecção jurídica, designadamente à luz da figura do abuso de direito.

            12. Por fim, a respeito da comunicação da resolução do contrato, também aqui se afigura que o Tribunal a quo laborou em manifesto erro quanto a dar por provada matéria que não tem correspondência com a prova aduzida pelas partes, bem como na correspondente análise jurídica efectuada.

            13. Cumpre dizer, a respeito da junção do doc.1 com a Contestação do banco, pelo mesmo apenas é alegado que (…) logo em 22/09/2010, o banco enviou carta, registada e sob aviso de recepção, dirigida aos executados, CM (…) e MI (…) a reiterar os avisos de mora que lhe iam sendo dirigidos, mas que igualmente estes não recepcionaram. Por sua vez, se bem se analisar o teor das páginas 4 e 5 do sobredito doc.1, constata-se que as mesmas são cópias do aviso de recepção, nas quais não consta sequer a razão pela qual o mesmo não veio assinado. Donde, salvo melhor opinião, não poderia o Tribunal a quo dar como provado (e, pior do que isso, concluir) que tal carta não foi levantada pelos executados ora Apelantes por razões só a estes imputáveis, quando tal nem sequer foi pelo banco Apelado alegado, nem resulta dos autos um comprovativo de que foi deixado algum aviso na caixa de correio em apreço, para os respectivos destinatários procederem ao seu levantamento junto do serviços postais respectivos.

            14. Por fim, afigura-se pacífico o entendimento jurisprudencial de que relativamente a qualquer declaração receptícia (onde se inclui a resolução de contratos, ex vi art.º 436.º do Código Civil), incumbirá ao respectivo emitente, e não ao destinatário, o ónus da prova de que a carta, que continha a aludida declaração (no caso

em apreço, de resolução), não foi recebida por culpa do destinatário (artigos 224.º,n.º 2 e 342.º,n.º 1 do Código Civil), não chegando sequer a preencher tal ónus até a demonstração da devolução da carta registada com aviso de recepção, constando do envelope que “ não foi reclamada” (o que, como se sabe, nem sequer foi alegado e muito menos carreado aos presentes autos como prova pelo banco Apelado), mas não existindo nenhuma prova de que tenha sido deixado aviso para o destinatário a levantar (vide, por todos, o acórdão da Relação de Lisboa, de 9 de Maio de 2006, acessível em dgsi.pt).

            O exequente não contra-alegou.


*

            Da exposição antecedente resulta que são 3 as questões a resolver:

a) As consequências da dispensa da audiência preliminar;

b) Se existe na sentença falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada;

c) Se a sentença fez uma errada análise da prova apresentada.


*

Vejamos o que a sentença exarou quanto aos factos, excluindo apenas os dos artigos 11º do Facto 9 até final (pela mera referência aos bens hipotecados).

            Passamos a citar:

“III- Fundamentação:

A- Dos Factos Provados

São os seguintes os factos provados com relevância para a decisão da causa, atenta a posição das partes assumida nos respetivos articulados e documentos constantes nos autos:

1.- No dia 8/03/2007 foi celebrado, por escritura publica, um acordo entre exequente, aí

designado por “Banco” e executados CM (…) e MI (…), aí designados por “Mutuários” e E (…) – Sociedade de Prestação de Serviços, Lda, aí designada por “Sociedade”, que denominaram “MÚTUO COM HIPOTECA” nos termos do qual o banco declarou emprestar aos executados CM (…) e MI( …) a quantia de 2.500.500,00, à taxa de juro anual de 6,6% para efeitos de registo e nos termos e condições constantes do documento complementar anexo, elaborado nos termos do artigo 64.º, n.º 2 do CN, e os “Mutuários” declararam, além do mais, confessar-se desde já devedores perante o Banco da quantia emprestada, dos juros e demais despesas que se mostrarem devidos, de harmonia com as cláusulas constantes do referido documento complementar, que conhece e aceita sem reservas.

2.- No documento complementar referido exequente e executados declararam acordar, além do mais que:

“(…)

CLÁUSULA TERCEIRA

(reembolso)

Um: O empréstimo será amortizado da seguinte forma:

- as primeiras 8 (Oito) prestações são trimestrais e postecipadas, compostas por juros e encargos, no valor atual de 42.258,44 € (Quarenta e dois mil, duzentos e cinquenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos);

- as seguintes 40 (Quarenta) prestações são trimestrais, postecipadas e constantes, compostas por capital, juros e encargos, no valor atual de 64.385,05 € (Sessenta e quatro mil, trezentos e oitenta e cinco euros e cinco cêntimos), exceto a última, à qual acresce 1.250.250 € (Um milhão, duzentos e cinquenta mil e duzentos e cinquenta euros) de reembolso de capital; --- suscetíveis de indexação conforme referido na cláusula anterior, nos termos e com as datas de vencimento constantes do “Plano Financeiro” anexo, que faz parte do presente contrato.

Dois: A eventual alteração da duração do empréstimo, por acordo entre os “Mutuários” e o “Banco”, bem como, o ajustamento da taxa de juro do empréstimo, nos termos referidos no número Quatro da Cláusula anterior, levará à alteração do valor das prestações vincendas.

Três: O pagamento das prestações trimestrais decorrentes do presente Contrato, será realizado através de autorização de débito direto, sobre um Banco que mereça o acordo do “Banco”, obrigando-se os “Mutuários” a manter a sua conta no mesmo adequadamente provisionada, de forma a permitir o pagamento nos vencimentos referidos no número Um desta Cláusula.

Quatro: Os “Mutuários” obrigam-se a reembolsar o “Banco”, no termo do prazo ou na data de resolução do presente contrato:

a) Pelo saldo do empréstimo revelado à respetiva data;

b) Pelos juros vencidos e ainda não pagos e respetivos encargos.

CLÁUSULA QUARTA

(Mora e Cláusula Penal)

Um: No caso de mora no pagamento de qualquer das prestações de capital e juros, incidirá sobre o montante global dessas prestações e enquanto durar a mora, além dos juros calculados à taxa de juro do Contrato, uma sobretaxa de quatro por cento ao ano ou a que legalmente, nesse momento, estiver a vigorar.

Dois: O agravamento da taxa de juro em consequência da mora aplicar-se-á, também, sobre todo o montante do empréstimo, desde que o “Banco” venha a exigir o respetivo pagamento integral, nos termos previstos na Cláusula Sétima.

Três: Para efeitos de registo, estipula-se o agravamento dos juros, em caso de mora, em 300.060,00 (Trezentos mil e sessenta euros).

(…)

CLÁUSULA SEXTA

(Autorizações Administrativas e Despesas)

(…)

Três: Serão, igualmente, por conta dos “Mutuários” todas as despesas judiciais ou extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicitador em que o “Banco” tenha de incorrer, para garantia e cobrança de tudo quanto constitua o seu crédito e que, para efeitos de registo, se estipulam em 100.020,00 € (Cem mil e vinte euros).

CLÁUSULA SÉTIMA

(Resolução)

Um: A falta de cumprimento pontual e integral, pelos “Mutuários” de qualquer das obrigações emergentes do presente Contrato, confere ao “Banco” o direito de considerar imediatamente vencida toda a dívida, após notificação escrita aos “Mutuários”, com a consequente exigibilidade de tudo quanto constituir o seu crédito.

Dois: O presente Contrato poderá ser também resolvido por iniciativa do “Banco”, sem qualquer outra formalidade, oito dias após a comunicação aos “mutuários”, por carta registada com aviso de receção, desde que se verifique a ocorrência de qualquer uma das seguintes situações:

a) Arresto, penhora, confisco ou execução judicial dos bens dos “Mutuários”;

b) Ocorrência de qualquer dos fundamentos de declaração de insolvência dos “Mutuários”;

c) Incumprimento de quaisquer obrigações fiscais ou perante a Segurança Social, dos “Mutuários”.

Três: Ocorrendo a resolução do presente contrato, os “Mutuários” obrigam-se a ter a sua conta junto do “Banco” devidamente provisionada, de forma a suportar o débito de todos os valores que se mostrem devidos, nomeadamente as prestações de capital, juros e encargos.

CLÁUSULA OITAVA

(Garantias)

Um: Em garantia do pontual e integral cumprimento de todas as obrigações resultantes do presente Contrato para os “Mutuários”, designadamente para assegurar o reembolso do capital e o pagamento dos juros, encargos, bem como de quaisquer despesas judiciais ou extrajudiciais em que o “Banco” venha a incorrer para assegurar ou obter o pagamento de tudo quanto constitua o seu crédito:

(…)

b. Será prestado Penhor Financeiro, conforme título anexo e acessório ao presente contrato.

(…)

CLÁUSULA DÉCIMA

(Cross default)

Em conformidade com a política do “Banco” em relação à gestão global do “risco cliente”, os “Mutuários” reconhecem e irrevogavelmente aceitam que o incumprimento de quaisquer obrigações contraídas ou a contrair, com o “Banco”, independentemente do seu valor, prazo de reembolso ou titulação, conduzirá à imediata e automática resolução do presente contrato, com as consequências previstas no seu clausulado.

(…)”.

3.- Datada de 14/03/2011 foi enviada pelo exequente aos executados CM (…) e MI (…)uma carta registada e com A/R que veio devolvida por não ter sido reclamada.

4.- Tal carta tinha o seguinte teor:

“Assunto: Incumprimento do Contrato de Mútuo n.º 110.901 de 8 de março de 2007

Incumprimento do Contrato de penhor de 8 de março de 2007.

Exmos. Senhores,

Como é do Vosso conhecimento, encontram-se em situação de incumprimento continuado do contrato de mútuo em epígrafe, celebrado entre V. Exas e este Banco, termos em que – na presente data – resultam devedores ao BANCO I(…)S.A. do

valor global de 162.904,40 (cento e sessenta e dois mil, novecentos e quatro Euros e quarenta cêntimos), montante esse correspondente a 159.054,29 € (cento e cinquenta e nove mil e cinquenta e quatro Euros e vinte e nove cêntimos a título de prestações vencidas, 3.824,11 € (três mil, oitocentos e vinte e quatro Euros e onze cêntimos) a título de juros de mora e 26,00 (vinte e seis Euros) a título de comissões de processamento. Simultaneamente, a relação de proporcionalidade estipulada no Contrato de Penhor, entre o valor das responsabilidades de crédito e o valor dos ativos financeiros dados em penhor não está a ser cumprida, registando-se uma insuficiência, à presente data, no montante de 962.069,63 € (novecentos e sessenta e dois mil e sessenta e nove Euros e sessenta e três Cêntimos). Nesse sentido, vimos pela presente solicitar a V. Exas. que procedam a. por um lado, ao pagamento do valor acima referido, no primeiro parágrafo, e b. por outro, ao reforço dos ativos financeiros depositados neste Banco, no valor indicado no segundo parágrafo, no prazo máximo de 8 (OITO) DIAS a contar da data de envio da presente carta, prazo findo o qual a mora se converterá em incumprimento definitivo e data a partir da qual os contratos em causa considerar-se-ão automática e imediatamente resolvido, sem necessidade de qualquer outra comunicação.

Caso a resolução venha a operar-se nos termos supra descritos, o Banco irá considerar imediatamente vencida a dívida atualmente vincenda, ficando V. Exas. também obrigadas ao pagamento de todos os valores descritos na Nota de Responsabilidades anexa à presente e, bem assim, dos correspondentes juros moratórios que se vencerem desde a data da resolução contratual até ao efetivo e integral pagamento, nos exatos termos acordados no contrato de mútuo em referencia.

Mais informamos que, confirmando-se a resolução, procederemos:

i. à utilização dos valores empenhados, para pagamento parcial das responsabilidades atrás descritas,

ii. ao imediato preenchimento da livrança subscrita por V. Exas., nos termos do pacto de

preenchimento estabelecido, e

iii. instruiremos os nossos advogados para promoverem as diligencias judiciais e extrajudiciais tidas por convenientes para a satisfação dos nossos direitos contratuais. Por último, no caso do pagamento ora solicitado ter sido entretanto efetuado (ou venha a ser efetuado dentro do prazo supra referido), pedimos a V. Exas. o favor de nos comunicarem, com a maior urgência, a data e o modo como o mesmo foi realizado.

(…)

5.- Em anexo a essa carta constava um documento intitulado “nota de responsabilidades” no qual se indicavam os valores em mora à data de 14/03/2011 - € 162.904,40, os valores vencidos em consequência da resolução - € 2.259.968,16 e o valor global exigível com a resolução - € 2.422.872,56.

6.- Essa carta foi endereçada no talão de registo e no a/r para a Rua x... n.º 18.º, 8.º Esq., mas no envelope constava a morada Rua x..., n.º 11, 8.º Esq., ... Lisboa.

7.- No acordo escrito referido em 1) os executados indicaram como sendo a sua morada Rua x..., n.º 11, 8.º esquerdo, Lisboa, bem como a sociedade executada indicou esse morada como sendo a da sua sede, tendo o executado CM (…) outorgado esse acordo por si e na qualidade de procurador, em representação de sua mulher MI (…) e na qualidade de gerente da sociedade executada.

8.- Foi enviada pelo exequente aos executados CM (…) e MI (…) uma carta datada de 22/09/2010, acompanhada nos termos que consta a fls. 26 e para cujo conteúdo se remete e aqui se considera integralmente reproduzido, para a morada Rua x..., n.º 11, 8.º Esq., ... LISBOA, mediante registo, com aviso de receção, que aqueles não levantaram e que tinha o seguinte teor:

“Exmoº Senhor CM (…) e Esposa,

Pela presente cumpre-nos notificar V. Exas. – reiterando os avisos de lançamento oportunamente expedidos via postal – que se venceu no passado dia 7 do corrente, a 15ª prestação relativa ao contrato de mútuo acima identificado.

A referida prestação e encargos associados, não se mostram ainda pagos, por ausência de saldo disponível na sua conta de Depósitos à Ordem junto deste Banco, implicando um valor global vencido e em mora, no montante de 53.031,42 €, conforme nota de Crédito Vencido que se anexa.

Por outro lado verifica-se, igualmente, que a relação de proporcionalidade estipulada no Contrato de Penhor, entre o valor das responsabilidades de crédito e o valor dos ativos financeiros dados em penhor não está a ser cumprido, registando-se uma insuficiência, à presente data, no montante de 1.002.651,17 €.

Nesta conformidade vimos notificar V. Exa. para que, até ao próximo dia 7 de outubro, 1.as responsabilidade vencidas e em mora sejam prontamente regularizadas, mediante depósito de valor equivalente na sua conta junto deste Banco, 2. a insuficiência verificada nos valores empenhados, seja reposta ou, em alternativa, reduzida, por

amortização antecipada, da responsabilidade de crédito, sob pena de, constituindo as situações acima identificadas incumprimento dos Contratos em vigor, o Banco se ver compelido a ter de os resolver por motivos imputáveis a V. Exªs., com as consequências

previstas no respetivo clausulado e na Legislação aplicável.

(…)”.

9.- Em 18/04/2011 o exequente propôs a ação executiva a que estes autos se encontram

apensos, dando como título executivo a escritura referida em 1) e fazendo constar no campo do requerimento executivo destinado à descrição dos factos o seguinte:

“1º

No dia oito de março de dois mil e sete, por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Lisboa de P..., o banco exequente celebrou com os ora executados um contrato de mútuo com hipoteca. (doc. nº 1)

Nos termos deste referido contrato, o banco ora exequente emprestou aos executados a quantia de € 2 500 500,00 (dois milhões quinhentos mil e quinhentos euros) da qual estes se consideraram desde logo devedores.

Os mutuários obrigaram-se a amortizar o empréstimo e respetivos juros, (à taxa contratual atual de 3,522% acrescida da sobretaxa moratória de 4%), em quarenta e oito prestações trimestrais, postecipadas e constantes, as primeiras oito, cada uma, no valor de € 42 258,44 e as quarenta seguintes, cada uma, no valor de € 64 385,05.

Mais foi ainda estipulado que a falta de cumprimento pontual e integral pelos mutuários de qualquer das obrigações emergentes do referido contrato de mutuo conferia ao banco mutuante, o direito de considerar imediatamente vencida toda a dívida após notificação escrita. (nº 1 da cláusula sétima do documento complementar)

Acontece que os ora executados deixaram de cumprir as prestações a que se obrigaram.

Assim os aqui executados, deixaram de efetuar o pagamento das prestações contratualmente fixadas, designadamente as vencidas de 28/07/2010 a 7/12/2011 no valor total de € 159 054,29.

Porque o cumprimento ainda era possível o banco mutuante, por carta datada de 14/03/2011, – que os ora executados não receberam por sua exclusiva culpa uma vez que foi enviada sob registo e com aviso de receção para a morada por eles oferecida, pelo que terá de considerar-se eficaz a declaração nela contida (art.º 224.º n.º 2 do C.C.) - interpelou os mutuários a efetuar o pagamento das prestações em dívida sob pena de declarar, nos termos da lei e do contrato, resolvido com todas as legais consequências, o contrato de mutuo com hipoteca entre ambos celebrado. (doc n.º 2)

Porque os mutuários não efetuaram o pagamento das prestações vencidas o banco ora exequente considerou resolvido o contrato de mutuo em apreço.

Da resolução operada resultou a favor do banco mutuante o crédito no montante de € 2 422 872,56 (dois milhões quatrocentos e vinte e dois mil oitocentos e setenta e dois euros e cinquenta e seis cêntimos) devidamente discriminados na nota de responsabilidades anexa à carta junta como documento n.º 2.

10º

Entretanto o banco mutuante do crédito atrás referido recuperou a quantia de € 389 762,03 pelo que é ainda credor dos mutuários, ora executados, pelo montante de € 2 033 110,53 (dois milhões trinta e três mil cento e dez euros e cinquenta e três cêntimos).”


*

            Com a ajuda do enquadramento fáctico feito na sentença, analisemos agora as questões suscitadas, começando por avaliar as consequências da dispensa da audiência preliminar assumida pelo Tribunal de Tomar.

            O regime legal da audiência preliminar está previsto nos artigos 508º-A, 508º-B e 787º do Código de Processo Civil.

            (Ver, com interesse, Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol.2, 2ª edição, C.Editora, pág.385 e seguintes, vol.3, 2003, pág.222; Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, pág.307; acórdãos do STJ, de 24.1.2002, proc.01A3840, de 21.9.2006, proc.06B2772, da Relação de Lisboa, de 21.10.2010, proc.187/10.4TVLSB.L1-8.)

            Diz-nos a lei, no que concerne ao processo ordinário, concluídas as diligências respeitantes ao suprimento de excepções dilatórias e/ou ao convite ao aperfeiçoamento dos articulados, se tiverem ocorrido, é convocada uma audiência preliminar.

            Com ela pretende-se facultar às partes a discussão da matéria de facto e de direito nos casos em que o tribunal tencione conhecer imediatamente no todo ou em parte do mérito da causa. E pretende-se a discussão das posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio e a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam.
            O juiz pode dispensar a audiência preliminar quando, tratando-se da fixação da base instrutória, a simplicidade da causa o justifique e, quando o seu fim for a discussão do mérito da causa, a apreciação deste se revista de manifesta simplicidade (alíneas a) e b) do artigo 508º-B, nº 1, do Código de Processo Civil).

            É uma solução legal que constitui também corolário dos princípios da celeridade e da economia processual.

            No preceito em análise existe uma relevante adjectivação da simplicidade no caso da al. b) do nº 1. Enquanto a respeito da elaboração da base instrutória apenas se refere à simplicidade da sua elaboração (ver obra citada de L.Freitas, pág.393), já no que respeita ao conhecimento do mérito da causa, exige-se que essa simplicidade seja manifesta.
            Significa isto um reforço de exigência nos pressupostos da dispensa de audiência preliminar no caso do conhecimento do mérito da causa.

            Com tal exigência aporta-se ao juízo de simplicidade uma maior carga objectiva. O critério legal exige que a simplicidade seja patente, notória, altamente provável para a generalidade das pessoas medianamente qualificadas.

            Compreende-se que assim seja, por estar em causa a emissão da decisão final, tentando evitar-se o prejuízo do contraditório e a hipótese da decisão surpresa.
            Do regime legal referido, a primeira ilação a retirar é a de que a regra é a realização da audiência preliminar.

            Porém, no que concerne à forma sumária, o art.787º, nº1, do Código de Processo Civil como que inverte a regra/excepção e diz-nos que a audiência preliminar só se realiza quando a complexidade da causa ou a necessidade de actuar o princípio do contraditório o determinem.

            Aqui a solução legal dá ainda maior expressão, em detrimento parcial de razões acolhidas para a forma ordinária, aos princípios da celeridade e da economia processuais.
            No nosso caso, tratando-se de uma oposição à execução, por força do preceituado no art.817º, nº2, do Código de Processo Civil, a forma de processo escolhida pela lei é a da forma sumária.

            Facilmente se percebe que o tribunal de 1ª instância entendeu que as características da causa ou a satisfação do contraditório não determinavam a realização daquela audiência.          

            E não são os apelantes que concretizam a complexidade que possa existir e qual, em concreto, a violação do contraditório.

            A solução escolhida contém-se no quadro dos poderes do juiz, que os usará conforme considere adequado às circunstâncias do caso. Por isso, no caso, nenhuma nulidade foi cometida com a dispensa dessa diligência processual.

            Os executados/apelantes não ficaram coarctados dos instrumentos legais ao seu dispor e puderam sindicar todas as considerações feitas pelo tribunal.

            Neste sentido, o acórdão do STJ de 25-10-2007, processo 07B2945, em www.dgsi.pt.


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            2ªquestão: existe na sentença falta de fundamentação da matéria de facto dada como provada?

            Considerando os factos provados e o intróito dos mesmos (referência ao confronto dos articulados e aos documentos juntos), com facilidade se percebe qual é a fonte para a sua fixação, podendo o intérprete sindicar se a retirada dos mesmos das respectivas fontes foi adequada. E foi o que fizeram os recorrentes.

            Não ocorre a arguida falta de fundamentação.


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            Questão diferente (a 3ªquestão) é se a sentença fez uma errada análise da prova apresentada.

            O tribunal de 1ª instância considerou que a notificação escrita aos mutuários, prevista na cláusula 7ª, nº1, do documento complementar, se concretizou pelas duas cartas provadas, a de 22.9.2010 e a de 14.3.2011.

            A decisão recorrida afirma: “Ora, ainda que se possa efetivamente duvidar da receção por parte dos executados da carta referida em 3) a 6) dos factos provados, o mesmo já não se pode dizer quanto à carta referida em 8) dos factos provados.”

            Para dizer isto, nela terão influído os factos exarados em 6) e 7) (o erro no nº de porta).

            E, por isso, foi com a carta de 22.9.2010 que o tribunal de 1ª instância aceitou a resolução.

            Todavia, a carta de 22.9.2010 não é uma carta resolutiva.

            Ela tem exarado, na sua parte conclusiva: …”sob pena de, constituindo as situações acima identificadas incumprimento dos Contratos em vigor, o Banco se ver compelido a ter de os resolver por motivos imputáveis a V. Exªs.”

            Esta carta constitui apenas uma interpelação admonitória.

            Porém, por referência a fls.28 (cópia do AR), não consta qualquer assinatura ou menção das razões da sua não entrega ou de se deixar qualquer aviso da presença do carteiro e para o levantamento da mesma. Nada consta.

            “A eficácia inicial da declaração é situada, pois, pela nossa lei, ‘no momento em que esta entra na esfera própria do destinatário, isto é, desde que, de harmonia com a prática, e supondo que as coisas acontecem de modo normal, só dependa do próprio destinatário, ou de como este tenha organizada a sua casa ou os seus negócios, conhecer ou não a declaração que se lhe dirige.” (citação do acórdão da Relação do Porto invocado pelo tribunal de 1ª instância; sobre declarações receptícias, ver ainda do STJ, de 6.3.1996, processo 088089, de 3.7.1997, processo 96B928, da Relação de Lisboa, de 26.1.1995, processo 0095982 e de 9.5.2006, processo 1979/2006-7.)

            Naquele contexto (fls.28), apesar de se enviar a carta para a residência escolhida, tendo-se usado o aviso de recepção, embora não exigível, não se pode afirmar, de harmonia com a prática, que aquela entrou na esfera do destinatário (se não saiu das mãos do carteiro) e que o conhecimento da carta só dependeu do próprio destinatário.

            Se assim é, os executados não conheceram a interpelação admonitória.

            De acordo com os art.14º e 15º da contestação do exequente, apesar de o ter permitido antes pontualmente, “a determinada altura o banco decidiu não autorizar mais a utilização da conta objecto de penhor, para pagamento das prestações devidas, atento o facto de o rácio atrás referido (60%) estar demasiado prejudicado e disso informou os ora executados por carta a estes enviada datada de 22.9.2010.”

            Na formação da vontade de resolver o contrato, este momento é nuclear para ambas as partes. No caso do banco, este decidiu não autorizar mais a utilização da conta objecto de penhor e, no caso dos executados, estes deixariam de contar com aquela salvaguarda (na conta tinham 389 mil euros).

           

            Por isso, falhando a interpelação e falhando a resolução (por erro no nº de porta), a execução estaria condenada à extinção.

            Porém, consta alegado que a interpelação chegou ao conhecimento dos executados por outra via, também escrita (art.8 da contestação, negado pelos executados) e que a resolução, apesar do erro detectado, não foi recepcionada porque os executados não foram levantar a respectiva notificação (e, quanto à sociedade, ela teve conhecimento pelo seu gerente – arts.4º e 5º da contestação).

            Estes factos alegados não estão provados e merecerão instrução.

            Merecerá ainda instrução o acordo alegado em 10º da oposição dos executados.

            Nos termos do art.715º, nº2, do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação substituir-se-á ao Tribunal recorrido se dispuser de todos os elementos necessários. Se os não dispuser, fará baixar os autos para adequada instrução.

            (Quanto aos poderes de substituição do tribunal da Relação, por referência ao art.715º, nº2, do Código de Processo Civil, ver A. Geraldes, Recursos, 3ª edição, 2010, Almedina, parte final da página 359 e página 360.)


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            Decisão.

            Julga-se procedente o recurso, revoga-se a decisão impugnada e determina-se a baixa do processo, com vista ao seu prosseguimento e à instrução dos factos assinalados.

            Custas pelo recorrido.


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Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

Luís Filipe Dias Cravo