Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
59/15.6T8OLR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EMPREITADA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
DEFEITOS
DENÚNCIA
PRAZO
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
Data do Acordão: 09/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - OLEIROS - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 343, 1207, 1221, 1225 CC, 640 CPC
Sumário: 1. Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

2. O momento da entrega das partes comuns na propriedade horizontal, para o efeito da determinação do início do prazo de denúncia dos respectivas defeitos, coincide com a constituição da administração do condomínio, e não, como sucede em relação às fracções autónomas, com o momento da realização das escrituras públicas de compra e venda das diferentes fracções;

3. A percepção dos efeitos em imóveis de longa duração dilata-se no tempo e, como tal, deve permitir-se a concentração do conhecimento e denúncia de alguns defeitos;

4. A mera aparência do defeito não é suficiente para determinar o início da contagem do prazo de caducidade, antes o conhecimento, por parte do dono da obra, da existência de deficiências deve ser perfeito e seguro, embora não se exija um conhecimento das causas do defeito; o princípio ora exposto só deve ceder perante caso de simples cognoscibilidade do defeito;

5. Quanto aos defeitos evolutivos, o prazo de denúncia inicia-se logo que eles assumam uma relevância que responsabilize o empreiteiro pela sua existência, pelo que a denúncia dos defeitos evolutivos deve ser feita, tal como relativamente aos defeitos instantâneos, quando o dono da obra tenha conhecimento efectivo e objectivo da verificação de defeitos que, por serem relevantes, importarão a respectiva reparação, da responsabilidade do empreiteiro;

6. Cabe ao empreiteiro provar que o prazo legal de caducidade da denúncia dos defeitos já decorreu (art. 343º, nº 2, do CC).

Decisão Texto Integral:

I – Relatório

 

1. Administração do Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal, sito em (…), em Oleiros, instaurou a presente acção declarativa contra J (…) e mulher M (…), residentes em Oleiros, pedindo a condenação dos RR a eliminar definitivamente as deficiências de construção do prédio e a reparar todos os problemas que este apresenta e denunciados supra, usando para tal os materiais próprios e a arts officio adequada e num prazo que o tribunal julgar necessário e adequado à sua boa execução, bem como de todos os problemas que se vierem a manifestar, após a entrada da presente petição, que resultem dos mesmos defeitos e construção.

Alegou, em síntese, que o prédio em causa foi construído e vendido pelos RR, sendo o Réu marido profissional da construção civil, e que a partir do inverno de 2012/2013, começaram a surgir nas partes comuns do prédio sinais de vício de construção e/ou instalação de equipamentos. Que os condóminos, através do administrador, comunicaram verbalmente, várias vezes, a existência de vários defeitos - que descreveu - e solicitaram a sua reparação, o que os RR nunca fizeram. Que a reparação dos defeitos importa a quantia de cerca de 19.200 €. Alegou, ainda, que os defeitos se agravaram por força das condições climatéricas, pelo que interpelaram os RR, em 6.11.14, por carta, para a reparação, no prazo máximo de 15 dias, o que não sucedeu.

Os RR contestaram, invocaram, em suma, que o condomínio se constituiu em data anterior a Maio de 2010 e que já em 2010 a A. tinha conhecimento das anomalias que qualifica na petição como defeitos, sendo as mesmas posteriormente referidas nas actas de 2011 a 2014, pelo que se verifica a caducidade do direito de denúncia dos defeitos e do exercício da correspondente acção judicial. Que realizaram as obras em conformidade com as boas práticas ou arte de construir e em conformidade com o projecto existente, e que subempreitaram algumas partes da construção. No demais impugnaram a matéria articulada pela A., e deduziram reconvenção.

Pugnaram, a final, pela improcedência da ação.

A A. replicou.

O Tribunal relegou para final a decisão sobre a invocada caducidade, e, além do mais, absolveu a A. da instância reconvencional.

*

A final foi proferida sentença que declarou procedente a excepção de caducidade e, em consequência, julgou a acção improcedente, absolvendo os RR dos pedidos contra si formulados.

*

2. A A. interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões:

(…)

3. Os RR contra-alegaram, e requereram a ampliação do âmbito do recurso, concluindo que:

(…)

II – Factos Provados

 

1. O condomínio do prédio administrado pela Autora reuniu-se, pela primeira vez, em assembleia, em 22.5.10, altura em que foi nomeada a administração (A (…)).

2. O Réu marido é profissional da construção civil e ambos os Réus construíram e venderam, em frações, o prédio id. em 1..

3. O prédio id. em 1. apresenta: nos alçados exteriores, argamassa com sinais evidentes de escorrimento de águas de precipitação, tendo como consequências manchas escuras bem visíveis; pó esbranquiçado que sai ao toque na superfície da monomassa; falta de mosaicos cerâmicos no acabamento de dois terraços exteriores (aproximadamente 85 m2); pintura exterior a descolar da superfície da argamassa.

4. As obras no revestimento exterior (remoção do revestimento existente e aplicação de novo, lavagem da parede, aplicação de produto hidrófugo, picagem e reaplicação de reboco exterior e pintura), aplicação dos mosaicos em falta nos terraços e reaplicação de calha metálica no topo das paredes exteriores têm um valor estimado de cerca de € 19.200,00.

5. Desde a data referida em 1., o administrador do condomínio e alguns condóminos tentaram, por diversas vezes, abordar pessoalmente o Réu marido.

6. Pelo menos desde 22.5.10 que a administração do condomínio tinha conhecimento, designadamente, da falta de mosaicos no exterior, bem como do escorrimento de água/humidade na parede exterior do prédio.

7. Por carta datada de 6.11.14, a Autora comunicou aos Réus que as partes comuns do prédio apresentavam: “escorrimento e infiltração de água nas paredes exteriores do prédio, causadoras de humidade nas frações, pintura exterior em muito mais estado, necessitando de uma nova pintura; falta de colocação dos mosaicos nas partes laterais”, solicitando que procedessem às necessárias reparações no prédio, concedendo um prazo de 15 dias para o início dos trabalhos, não tendo os Réus respondido nem procedido a qualquer reparação.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Excepção de caducidade.

- Direito à reparação dos defeitos do imóvel.

2.1. A A. pretende unicamente que seja dado como provado que “Desde o início de Verão de 2014 que o prédio id. em 1. apresenta: nos alçados exteriores, argamassa com sinais evidentes de escorrimento de águas de precipitação, tendo como consequências manchas escuras bem visíveis; pó esbranquiçado que sai ao toque na superfície da monomassa; pintura exterior a descolar da superfície da argamassa” – conclusão de recurso 1º.

Atentando nessa pretensão verifica-se que a mesma tem a ver, no final de contas, com uma alteração ao facto provado 3., em dois pontos particulares: quer-se introduzir a data “desde o início do Verão de 2014”; a A. abandonou, pelo menos assim tudo aparenta, o que desse facto consta relativamente à falta de mosaicos cerâmicos.

Não vamos analisar esta impugnação da matéria de facto pelas razões substantivas que infra irão ser indicadas e apreciadas em 3.2.

2.2. Os RR defendem que seja dado por provado que “11. No decurso da garantia o imóvel não padeceu de vícios de natureza estrutural; 12. As anomalias referidas em 3. não são de natureza estrutural” – conclusão de recurso T.

Lido o art. 1225º, nº 1, do CC » Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente « emerge do mesmo que a responsabilidade do empreiteiro nasce das várias situações aí previstas, designadamente de defeitos. Ora, os factos provados sob 3. correspondem ao conceito legal de defeitos, o que os RR nem sequer questionam. Por isso, pouco importa saber se as anomalias aí referidas são de natureza estrutural ou não, ou se o edifício não padece de vícios estruturais já que a lei não exige no apontado normativo que os vícios tenham de ter a natureza de estruturais para o empreiteiro ser responsabilizado.

Assim, a impugnação da matéria de facto nesta parte é irrelevante. Na realidade, a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.  

Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de qualquer eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide A. Geraldes, Recursos em Pro. Civil, Novo Regime, 2ª Ed., 2008, nota 11. ao art. 712º, pág. 298, e Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

No caso dos autos, os pontos da matéria provada que os apelados pretendem submeter a impugnação factual e análise por esta Relação, quedam irrelevantes, como acima ficou dito, já que, mesmo que dados por provados nos termos pretendidos, nenhuma influência podem ter na sorte da causa e no mérito do recurso. Mesmo que dados como provados, como os impugnantes pretendem, não alterariam a decisão que tem e deve ser tomada sobre o objecto do recurso com os restantes factos que ficaram assentes.

Desta sorte, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos indicados, seria inócua atento a causa de pedir e o pedido formulado pela A./recorrente e a decisão que no recurso vai ser proferida.  

Inexiste, por isso, motivo para alterar as respostas à decisão da matéria de facto, nos termos pretendidos pelos apelados/impugnantes.       

2.3. Defendem, ainda, os RR que seja dado por provado que “9. A propriedade horizontal do prédio foi constituída em 09 de Agosto de 2009 e as frações do imóvel foram vendidas posteriormente a esta data, até Maio de 2010, data da primeira assembleia do Condomínio; 10. Na data de entrada da ação em juízo o prédio ou edifício tonha já oito anos de edificação” – mesma conclusão de recurso. Este facto 10. acaba por ter a ver com o facto não provado (sob 10.), onde se considerou não ter ficado comprovado que o edifício em causa tem oito anos, tendo sido considerado pela julgadora de facto que nenhuma prova havia sido produzida nesse sentido.

Segundo os RR, relevam para prova desses factos a certidão de registo predial e o documento particular de constituição da propriedade horizontal, ambos juntos com a p.i.   

Deste documento resulta efectivamente a constituição da propriedade horizontal e daquele consta o respectivo registo, o qual ocorreu em 6.8.2009, certo que as fracções foram sendo vendidas tendo ocorrido a primeira assembleia condominial na data referida no facto 1. Já quanto aos anos de edificação não resulta de tais documentos que o prédio estivesse construído há 8 anos (desde 2007) à data da entrada da acção em juízo (2015).

Assim, defere-se parcialmente a impugnação e acrescenta-se aos factos provados sob 8. o correspondente facto ora apurado (a negrito).

8. A propriedade horizontal do prédio foi constituída em 6.8.2009 e as fracções do imóvel foram vendidas posteriormente a esta data à data da primeira assembleia do condomínio, indicada em 1.   

3. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“Nos termos do artigo 1207º do Cód. Civil, “[E]mpreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

Nos termos do art. 1225º do Cód. Civil, “1 – [S]em prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente. 2 – [A] denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia. 3 – [O]s prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º. 4 – [O] disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.

(…)

Os defeitos são os vícios que excluam ou reduzam o valor da obra, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, e as desconformidades com o que foi acordado (cfr. arts. 1208º e 1218º, Cód. Civil).

As deficiências da obra, para relevarem como defeitos, devem provocar uma redução do valor económico, de mercado da obra, ou uma redução da utilidade normal da obra, tendo em conta a sua finalidade específica (neste sentido, CURA MARIANO, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, Almedina, p. 58).

As deficiências podem, por outro lado, ocorrer nos materiais utilizados ou nas técnicas de aplicação dos mesmos, devendo exigir-se que sejam de qualidade média quando nada tenha sido especificado.

O regime previsto no art. 1225º, Cód. Civil, aplica-se a qualquer defeito que se verifique em obras de imóveis de longa duração.

Quando não se mostre excluída a relevância da culpa do empreiteiro na realização da obra defeituosa, essa culpa presume-se, nos termos do art. 799º, nº1, Cód. Civil, pelo que ao dono da obra bastará provar a existência do defeito (deficiência ou desconformidade nos termos supra aludidos, e não a causa do mesmo), enquanto ao empreiteiro competirá afastar a sua responsabilidade na produção do defeito.

O exercício, pelo dono da obra, dos direitos que lhe assistem em face do cumprimento defeituoso, depende da denúncia tempestiva dos defeitos, sendo este um prazo de caducidade, contado do dia seguinte ao conhecimento, sem suspensão ou interrupção (arts. 1220º, nº1, 279º, 296º, Cód. Civil).

Trata-se de um prazo destinado a definir, no mais curto espaço de tempo possível, a responsabilidade do empreiteiro pelos defeitos da obra, de molde a permitir a sua verificação e reparação, evitando o agravamento e danos subsequentes.

Como refere o citado autor (ob. cit. p. 89), “foi atendendo a este interesse que o legislador fez recair sobre o dono da obra o ónus de denúncia dos defeitos, em prazos curtos após o seu conhecimento, sob pena de caducidade de todos os direitos que lhe assistem em consequência desse cumprimento defeituoso”.

Contudo, o prazo de denúncia é de um ano após a descoberta do defeito, considerando que a perceção dos efeitos em imóveis de longa duração se dilata no tempo e, como tal, deve permitir-se a concentração do conhecimento (e denúncia) de alguns defeitos.

A mera aparência do defeito não é suficiente para determinar o início da contagem do prazo de caducidade, já que a mesma apenas faz presumir, iuris tantum, o conhecimento.

O conhecimento, por parte do dono da obra, da existência de deficiências deve ser efetivo e seguro, embora não se exija um conhecimento documental ou das causas do defeito.

(…)

A propósito dos defeitos evolutivos, “o prazo de denúncia inicia-se logo que eles assumam uma relevância que responsabilize o empreiteiro pela sua existência” (ob. cit. p. 91).

… a denúncia dos defeitos evolutivos deve ser feita, tal como relativamente aos defeitos “instantâneos”, quando o dono da obra tenha conhecimento objetivo e seguro da verificação de defeitos que, por serem relevantes, importarão reparação, da responsabilidade do empreiteiro.

O ónus da prova da realização da denúncia incumbe ao dono da obra (art. 342º, nº1, Cód. Civil), cumprindo ao empreiteiro provar que a denúncia foi efetuada fora do prazo (art. 343º, º2, Cód. Civil) – PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, II, p. 895.

(…)

A data decisiva para o início da contagem dos prazos de caducidade e garantia deve ser aquela em que o construtor transmite os poderes de administração das partes comuns para os condóminos, i.e., na ausência de estipulação contratual, quando os condóminos se constituem em assembleia e elegem o seu administrador (entre muitos outros, Ac. STJ, 29.6.10, CJ, XVIII, 2, p. 120).

O prazo de um ano para a denúncia dos defeitos existentes nas partes comuns, previsto no art. 1225º, nº2, Cód. Civil, conta-se desde o conhecimento dos defeitos pelo administrador.

(…)

Em face do enquadramento jurídico delineado supra, concluímos que com a reunião dos condóminos em assembleia em 22.5.10 e a eleição do administrador deve considerar-se entregue a obra e iniciado o prazo de caducidade de cinco anos para o exercício dos direitos do “dono da obra” relativamente às partes comuns.

A Autora provou a existência dos defeitos descritos em 3., que se tratam inequivocamente de anomalias suscetíveis de afetar o valor económico do prédio, o seu valor de mercado, além de afetarem a sua aptidão para a finalidade a que se destina, reduzindo a utilidade que, em termos normais e satisfatórios, é suposto retirar-se do edifício.

De facto, o revestimento exterior nas condições descritas não cumpre adequada e satisfatoriamente a sua função de isolamento e afeta a qualidade estética do prédio, enquanto a ausência de mosaicos de revestimento no piso exterior impede igualmente a utilização normal e satisfatória dessa parte do edifício.

Provou, igualmente, ter procedido à denúncia dos defeitos descritos por carta datada de 6.11.14, i.e., dentro do prazo de cinco anos contados da primeira reunião da assembleia e da eleição do administrador.

Os Réus, por sua vez, nada provaram que excluísse a sua culpa na ocorrência dos defeitos descritos.

Contudo, invocaram, como vimos, a caducidade dos direitos do dono da obra e tal exceção deve, segundo cremos, ser julgada procedente”.

Entende-se que o discurso jurídico da sentença recorrida é abstractamente correcto, mas peca, depois, pela sua aplicação em concreto, chegando a uma conclusão, no seu último parágrafo, que não podemos acompanhar.  

3.1. Antes de mais, importa notar que o novo facto provado 8. - que a propriedade horizontal do prédio foi constituída em 6.8.2009 - não tem relevância jurídica em termos de ultrapassagem do prazo de garantia legal de 5 anos face à entrada da p.i. em juízo. Como já tinha sido referido na decisão sob recurso, a data decisiva para o início da contagem dos prazos de caducidade e garantia deve ser aquela em que o construtor transmite os poderes de administração das partes comuns para os condóminos, ou, na ausência de estipulação contratual, quando os condóminos se constituem em assembleia e elegem o seu administrador. É esta a jurisprudência dominante, como se pode ver, entre muitos outros, do Ac. STJ, 29.6.10 (Proc.12677/03.0TBOER, em www.dgsi.pt), onde se professa, com toda a justeza, que “De facto, não seria aceitável que o «dies a quo», relativamente às partes comuns da propriedade horizontal, começasse a correr, a partir da data da celebração da primeira escritura de compra e venda de uma qualquer fracção.

É que, porque se trata de defeitos nas partes comuns, para além de o primeiro comprador não estar em posição de, imediatamente, os conhecer, não seria justo penalizar os futuros condóminos pela eventual incúria de quem não tem legitimidade para os representar …

O momento decisivo do início do «dies a quo», no que respeita às partes comuns do condomínio, é a data em que o vendedor/construtor procedeu à transmissão dos poderes de administração das partes comuns, o que só pode suceder quando os condóminos constituírem a sua estrutura organizativa e, não se verificando um acto expresso dessa transmissão, deverá a mesma, então, considerar-se reportada ao momento em que a assembleia de condóminos eleger o administrador do condomínio …

Assim, o início do decurso da contagem do prazo de garantia da denúncia dos defeitos não pode ter como referência, nas partes comuns, em oposição ao que sucede com as fracções autónomas, o momento da realização das escrituras públicas de compra e venda das diferentes fracções, mas antes aquele em que é eleita a administração pelo conjunto dos condóminos”, entendimento este que se baseia na doutrina de Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 4ª Ed., 2011, págs. 171/173, e que também acompanhamos.

Como sabemos, no nosso caso, o condomínio constituiu-se em 22.5.2010 (facto 1.), pelo que tendo a denúncia dos defeitos ocorrido em Novembro de 2014 e tendo a acção entrado em juízo em 8.5.2015 (vide fls. 31 v.), tal prazo legal de 5 anos de garantia não se mostra ultrapassado.   

3.2. Como já foi referido na sentença recorrida, cumpre ao empreiteiro provar que a denúncia foi efectuada fora do prazo (art. 343º, nº 2, do CC). Vamos apurar se logrou tal prova, desde já se adiantando que se entende que os recorridos não o fizeram, razão pela qual se tornava inútil apreciar a impugnação da matéria de facto apresentada pela A., quanto ao ponto em concreto indicado, como acima referimos em 2.1.

Importa reter os argumentos invocados na sentença recorrida neste campo: a percepção dos efeitos em imóveis de longa duração dilata-se no tempo e, como tal, deve permitir-se a concentração do conhecimento e denúncia de alguns defeitos; a mera aparência do defeito não é suficiente para determinar o início da contagem do prazo de caducidade, antes o conhecimento, por parte do dono da obra, da existência de deficiências deve ser efectivo e seguro, não se exigindo um conhecimento das causas do defeito; a propósito dos defeitos evolutivos, o prazo de denúncia inicia-se logo que eles assumam uma relevância que responsabilize o empreiteiro pela sua existência, pelo que a denúncia dos defeitos evolutivos deve ser feita, tal como relativamente aos defeitos instantâneos, quando o dono da obra tenha conhecimento objectivo e seguro da verificação de defeitos que, por serem relevantes, importarão a respectiva reparação, da responsabilidade do empreiteiro.

Hipótese a merecer eventualmente tratamento diferente seria a situação de o defeito ser perfeitamente cognoscível e o dono da obra negligenciar o seu conhecimento.

Aquela argumentação deriva da doutrina dos tratadistas sobre tal assunto. Assim, neste preciso sentido pode ver-se Cura Mariano, ob. cit., págs. 90/91, e acórdãos aí indicados, argumentando que a mera suspeita da existência do defeito não faz iniciar o prazo de caducidade da denúncia, sendo necessária a prova de um conhecimento perfeito e seguro da deficiência da obra. Exemplificando-se, com a situação de observações de humidades no imóvel não permite concluir que se verificou um conhecimento do defeito, o qual só existirá quando uma vistoria camarária elaborou um relatório técnico sobre as origens dessas humidades; ou quando um estudo técnico confirme a existência de defeitos na obra e permita descobrir as suas causas, só a partir daí se poderá contar o prazo de caducidade da denúncia do defeito, pois se a caducidade é um morrer de um direito em consequência do esgotamento de um prazo, torna-se incongruente invocar a dita caducidade quando ainda não era seguro que esse direito tivesse nascido e ficasse alojado na esfera jurídica do interessado.

Em semelhante linha de pensamento segue Pedro de Albuquerque, D. Obrigações, Contratos em Especial, Vol. II, 2ª Ed., 2013, pág. 418, que defende que não basta para o início da contagem do prazo de caducidade uma mera suspeita, mas sim o conhecimento, ou dever de conhecimento, da existência do defeito, embora não se exija uma ciência concreta da origem do mesmo, exemplificando que para conhecer o defeito pode ser necessário realizar uma investigação mais ou menos aprofundada. E mesmo perante situações de cognoscibilidade reconhece que o defeito, particularmente nos imóveis onde se podem suscitar muitas vezes dúvidas sérias sobre a imputabilidade do mesmo à deficiente prestação do empreiteiro ou à simples passagem do tempo, tal defeito acaba por só ser conhecido efectivamente após efectivação de perícias ou testes eliminadores dessas dúvidas.

Ainda, nesta maneira de pensar vai P. Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Ed. de 1994, pág. 424, que propugna que só se pode considerar que o dono da obra teve conhecimento do defeito a partir do momento em que ficou ciente da sua existência, não bastando uma mera suspeita, o que só acontecerá quando o denunciante tenha adquirido um apreciável grau de conhecimento sério e objectivo da gravidade do defeito do edifício, daí que em alguns casos só se possa ter em conta a data em que tenha sido recebido um relatório de uma peritagem.

Realce-se, pois, que é relevante para o início da contagem do prazo de caducidade que o dono da obra conheça a deformidade da mesma com perfeição e segurança, que o seu grau de conhecimento seja sério e objectivo, o que em determinadas circunstâncias só acontecerá com uma investigação mais aprofundada, por exemplo com elaboração de um relatório técnico dissipador de dúvidas.        

No caso concreto em análise os RR apenas lograram provar que a A. desde 22.5.2010 tinha conhecimento, designadamente do escorrimento de água/humidade na parede exterior do prédio (facto 6.). Mas isso não é suficiente para fazer iniciar a contagem do prazo de caducidade desde essa data. Vejamos.

Na acta do condomínio nº 1 (a fls. 9), datada desse 22.5.2010, são referidos vários defeitos/desconformidades que neste momento irrelevam, sendo referido no aspecto que agora nos interessa que “corre água pela parede exterior do prédio, pelo que dever-se-á detectar o problema”. Só o uso da palavra detectar inculca logo que a A. nesse dia não podia ter tomado conhecimento seguro, efectivo e objectivo de algum defeito relacionado com esse escorrimento de água. Nas actas seguintes, nº 2 e 3 (a fls. 10 e 22), datadas de 23.4.2011 e de 27.8.2011, nada é mencionado sobre aquele concreto aspecto. Na acta nº 4 (a fls. 24/25), datada de 27.12.2014, é que se refere que foi contactado um advogado que enviou uma carta ao construtor no sentido de arranjar os defeitos existentes no prédio. Ora, essa carta é a referida no facto provado 7., datada de Novembro de 2014, carta essa (a fls. 26/27) onde se indicam os defeitos detectados e que estão provados sob 3. Nessa carta não se indica a data em que tais defeitos terão sido confirmados pela A. com segurança. A julgadora no despacho em que agendou a audiência prévia (a fls. 55) convidou a A. a concretizar a data em que surgiram os apontados vícios, o que esta fez na audiência prévia (a fls. 60), indicando, no que agora interessa, que tais defeitos foram constatados no Verão de 2014. Não se provou em concreto se de facto foi nessa data que a A. constatou tais defeitos. Mas eles existem, como decorre do facto provado 3., e foram confirmados/asseverados pelo relatório técnico (a fls. 16v/21) pedido pela A. a terceira entidade, relatório onde se identificam as apontadas patologias e se indica o modo técnico da sua correcção, relatório datado de Fevereiro de 2015.

Portanto, o que os autos demonstram é que a A. só teve conhecimento adequado, minimamente perfeito e seguro, ou no Verão de 2014, ou em Novembro de 2014, aquando da denúncia, depois conhecimento efectivo e objectivo com a posterior avaliação técnica que acabámos de referir.

E mesmo que tratemos o presente caso como defeitos evolutivos relativamente ao inicialmente constatado em 22.5.2010, a conclusão teria de ser a mesma, pelas razões que mais acima referimos, pois só naquelas duas datas, Verão de 2014 e Novembro de 2014, se pode considerar haver, por parte da A., esse conhecimento adequado, minimamente perfeito e seguro dos defeitos que se comprovou existir e que então teriam evoluído de mera suspeita para defeitos relevantes. 

Do exposto resulta que em 6.11.2014, data da denúncia dos defeitos, não se descortina a ultrapassagem do prazo legal de 1 ano de caducidade da denúncia dos defeitos. Como dissemos os RR é que tinham o ónus dessa prova, o mesmo é dizer que deveriam ter provado que a A. conhecia os identificados defeitos há mais de um ano reportado pelo menos ou ao Verão de 2014 ou a 6.11.2014. Prova que contudo não lograram, pois o facto provado 6. não é suficiente para isso.           

Como assim, a sentença recorrida ao julgar procedente a aludida excepção de caducidade tem de ser revogada, com ressalva da parte relacionada com a falta de mosaicos, como explicado em 3.3, infra.   

3.3. Como já tínhamos acima sublinhado, a A. na sua impugnação da matéria de facto abandonou, pelo menos tudo assim aparenta, a circunstância relativa à falta de mosaicos no exterior do prédio.

De qualquer maneira, tendo em conta a matéria provada, os factos provados 3. e 6., é indubitável que tal falta de mosaicos no exterior do prédio já se verificava aquando da primeira assembleia de condóminos, pelo que a denúncia ocorrida na carta de 6.11.2014 é perfeitamente intempestiva, face ao aludido prazo legal de um ano, verificando-se nesta situação concreta a aludida caducidade da denúncia, com bem foi decido na sentença apelada.

4. Tendo em conta a improcedência parcial da excepção de caducidade invocada pelos RR, acabada de apreciar no prévio ponto 3., impõe-se conhecer do mérito da pretensão da A.

Ora, atendendo ao facto provado 3., aos defeitos aí apontados, e ao regime decorrente do aludido art. 1225º, nº 1, e art. 1221º, nº 1, do CC, a A. tem direito a que os RR eliminem os identificados defeitos, com excepção do referente à falta de mosaicos. O que importa a condenação dos RR, nessa parte, como peticionado pela A. Na parte final do seu pedido a A. não indicou o prazo em concreto para a eliminação dos defeitos deixando isso ao critério do tribunal. No relatório junto aos autos revelador das patologias existentes no edifício não se refere nenhum prazo em concreto para reparação das anomalias. Nem os autos dão notícia de qualquer prazo adequado para tanto. Assim, dados os defeitos detectados e o modo sugerido em tal relatório para correcção de tais patologias pensamos que seja equilibrado e adequado um prazo de 60 dias (sem prejuízo de ambas as partes poderem acertar outro).

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

ii) O momento da entrega das partes comuns na propriedade horizontal, para o efeito da determinação do início do prazo de denúncia dos respectivas defeitos, coincide com a constituição da administração do condomínio, e não, como sucede em relação às fracções autónomas, com o momento da realização das escrituras públicas de compra e venda das diferentes fracções;

iii) A percepção dos efeitos em imóveis de longa duração dilata-se no tempo e, como tal, deve permitir-se a concentração do conhecimento e denúncia de alguns defeitos;

iv) A mera aparência do defeito não é suficiente para determinar o início da contagem do prazo de caducidade, antes o conhecimento, por parte do dono da obra, da existência de deficiências deve ser perfeito e seguro, embora não se exija um conhecimento das causas do defeito; o princípio ora exposto só deve ceder perante caso de simples cognoscibilidade do defeito;

v) Quanto aos defeitos evolutivos, o prazo de denúncia inicia-se logo que eles assumam uma relevância que responsabilize o empreiteiro pela sua existência, pelo que a denúncia dos defeitos evolutivos deve ser feita, tal como relativamente aos defeitos instantâneos, quando o dono da obra tenha conhecimento efectivo e objectivo da verificação de defeitos que, por serem relevantes, importarão a respectiva reparação, da responsabilidade do empreiteiro;

vi) Cabe ao empreiteiro provar que o prazo legal de caducidade da denúncia dos defeitos já decorreu (art. 343º, nº 2, do CC).

IV - Dispositivo

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso da A., assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se os RR a reparar os defeitos identificados no facto provado 3., com excepção do referente à falta de mosaicos, no prazo de 60 dias, bem como de todos os defeitos que se vierem a manifestar, após a entrada da p.i., que resultem dos mesmos defeitos e construção.

*

Custas a cargo da A. e dos RR, na proporção, respectivamente, de 1/4 e 3/4.

*Coimbra, 13.9.2016

                                                                   

 Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias